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EuPTCEEx1646-88722012000300003

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Metodologia de avaliação do risco associado ao galgamento de estruturas marítimas: Aplicação ao porto e à baía da Praia da Vitória, Açores, Portugal

1. Introdução A determinação dos galgamentos de estruturas marítimas em zonas portuárias e costeiras é um assunto de elevada importância para a avaliação, quer do risco de falha das próprias estruturas, quer dos riscos associados à inundação destas zonas. Este é um assunto premente em Portugal, dada a severidade do clima de agitação marítima, a extensão da sua costa, a concentração da população e das atividades económicas na zona costeira e a importância dos portos para a economia nacional. Com efeito, situações de emergência provocadas pelo estado do mar são frequentes, tornando clara a necessidade de prever situações de risco em zonas portuárias e costeiras, de realizar mapas de risco para apoio à decisão das entidades responsáveis e de emitir atempadamente alertas, minimizando a perda de vidas e reduzindo os prejuízos económicos e ambientais.

No âmbito das atividades portuárias, a preocupação com o galgamento de estruturas marítimas resulta dos prejuízos que lhe podem estar associados: inoperacionalidade do posto de acostagem, danos nos equipamentos ou edifícios protegidos pelas estruturas galgadas, danos em navios amarrados.

A adoção de medidas mitigadoras desses efeitos deve resultar da estimação dos prejuízos associados aos mesmos, a qual é razoável quando se leva em conta o carácter aleatório das características dos estados de agitação marítima incidentes. Por essa razão, o planeamento e gestão de intervenções nas infraestruturas portuárias devem apoiar-se nos resultados da análise do risco, uma quantidade cuja definição mais simples é o produto da probabilidade de ocorrência do acontecimento considerado perigoso pelo prejuízo associado a esse acontecimento.

O presente trabalho visa contribuir para caracterização do risco associado à ocorrência de galgamentos de estruturas portuárias e costeiras. A metodologia que tem vindo a ser desenvolvida no LNEC, (Neves et al., 2010) para avaliação de riscos associados aos efeitos da agitação marítima nas atividades costeiras e portuárias é aplicada na avaliação do risco associado ao galgamento de vários trechos do contorno da baía da Praia da Vitória, na ilha Terceira do arquipélago dos Açores (Figura_1).

Considerando cada um daqueles trechos como um sistema físico, fundamental na aplicação desta metodologia é a caracterização das entradas do sistema, a agitação marítima incidente em cada trecho, e a determinação da resposta do sistema ' o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento do trecho ' a essa agitação incidente. Enquanto a determinação da agitação marítima é efetuada recorrendo a uma metodologia de acoplamento de modelos numéricos de propagação de ondas, partindo das características daquela agitação ao largo obtidas de medições com bóias ou estimadas com modelos regionais de previsão da agitação marítima, a determinação do caudal médio galgado pode ser efetuada recorrendo a resultados de modelos numéricos, de modelação física, formulações empíricas ou baseadas na utilização de redes neuronais. Neste trabalho, recorreu-se à aplicação de uma ferramenta desenvolvida com base em redes neuronais.

Finalmente, a avaliação do risco é baseada na combinação entre os valores de probabilidade e consequências relativos à superação de um determinado limiar de caudal galgado, que tem de ser estabelecida para cada zona de estudo e estrutura marítima. Todo este processo é controlado pelo sistema GUIOMAR, Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010.

Neste artigo, no ponto 2, descrevem-se a metodologia de avaliação do risco e o sistema GUIOMAR. No ponto 3 são apresentados o caso de estudo, a metodologia de cálculo da agitação marítima, o consequente galgamento das estruturas estudadas e os resultados da avaliação de risco para o galgamento dessas estruturas. Por fim, no ponto 4 são apresentadas as conclusões do trabalho e uma referência aos futuros desenvolvimentos.

2. Metodologia de avaliação do risco 2.1. Generalidades Considere-se um quebra-mar de taludes sujeito à ação da agitação marítima, caraterizada por uma altura significativa (Hssub>), um período de pico (Tp) e uma direção média do período de pico (DIR). Em consequência dessa agitação marítima ocorrem galgamentos sobre o coroamento desse quebra-mar caracterizados por q, o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento desse quebra-mar. Consoante o valor de q assim variarão os prejuízos provocados pelo galgamento c = c(q).

Se as grandezas que condicionam o caudal médio galgado (q) têm caráter aleatório, isto é, se Hs, Tp ou DIR para cada estado de agitação incidente no quebra-mar podem ser consideradas variáveis aleatórias, então também q pode ser considerada uma variável aleatória e é possível definir a função densidade de probabilidade para q, por exemplof(q). A mesma função servirá também para o cálculo do risco, R, ou seja, do valor esperado do prejuízo c(q) associado à ocorrência de galgamentos:

Como é natural, assumiu-se que é possível qualquer valor positivo para a variável q ou para o prejuízo associado à mesma, sendo, por isso, a variável c uma variável aleatória contínua.

Na falta de melhor informação sobre os prejuízos associados a todos os valores de q, poderia atribuir-se um valor ao prejuízo por gama de q, isto é:

vindo então o valor esperado da variável aleatória discreta

Em que

Uma abordagem ainda mais simples consiste em considerar apenas como acontecimento prejudicial a ocorrência de um valor de q acima de um limiar pré- estabelecido q0, assumindo-se que o prejuízo associado a esse acontecimento,c1, se mantém constante qualquer que seja o valor de q acima do mesmo limiar q0.

Embora tal abordagem se possa classificar de muito grosseira, ela tem a vantagem de tornar o cálculo do risco no produto da probabilidade de ocorrência do acontecimento considerado perigoso (a variável observada ultrapassou o limiar pré-estabelecido), P1, pelo prejuízo associado a essa ocorrência, c1.

Esta é a abordagem mais comum para a avaliação do risco sendo por isso a utilizada neste trabalho e a implementada no sistema GUIOMAR.

Do exposto acima, fica clara a necessidade de estabelecer a chamada função de resposta do sistema relacionando as características da agitação marítima incidente no quebra-mar e a variável determinante da ocorrência de acontecimento perigoso (neste caso, o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento). Como se verá mais à frente, para a avaliação daquele caudal não uma expressão única válida para todos os tipos de quebra- mares de taludes.

Com a função resposta é possível determinar a sequência de caudais médios galgados por unidade de comprimento do coroamento correspondente a uma sequência de estados de agitação com uma duração padrão (3 horas) incidente no quebra-mar. Tomando essa sequência de caudais médios galgados como uma amostra representativa de todos os caudais galgados que podem ser observados no troço da estrutura em estudo e utilizando uma abordagem frequencista, é possível calcular a probabilidade de galgamento daquele troço do quebra-mar pelo quociente do número daqueles estados de agitação da amostra em que o limiar pré-estabelecido foi ultrapassado pelo número total dos estados de agitação na amostra. Está subjacente a esta abordagem a independência entre caudais galgados correspondentes a cada um daqueles estados de agitação.

2.2. Avaliação qualitativa do risco Para tornar a escala do risco mais interessante do ponto de vista de planeamento, permitindo a utilização de diretivas para avaliação da aceitabilidade do risco (Quadro_1), utiliza-se, em vez da probabilidade de ocorrência do acontecimento perigoso, P1, o grau de probabilidade de ocorrência e, mais relevante para a uniformidade da escala de risco, em vez do prejuízo associado ao mesmo acontecimento perigoso, c1, utiliza-se um grau de consequências.

Tem-se então:

Do Quadro_1_ao_Quadro_3, podem observar-se exemplos desses graus, que foram construídos com base em Neves et al., 2010, 2012.

Quadro_1

Quadro_3

Assim, a valoração qualitativa do risco de galgamento de uma estrutura marítima pode realizar-se da seguinte forma:

1. Divisão da zona em estudo em subzonas atendendo à variabilidade espacial do valor admissível do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento que é estabelecido considerando o perfil transversal da estrutura e a utilização da zona protegida pela estrutura; 2. Determinação da probabilidade de ocorrência de galgamentos não admissíveis, com base na resposta da estrutura à agitação incidente e nos limites mencionados no ponto acima, e classificação dessa probabilidade atendendo aos graus definidos na tabela de probabilidades de ocorrência; 3. Para cada subzona, multiplicação do valor do grau de probabilidade de ocorrência pelo valor do grau de consequências para obter o grau de risco de ocorrência de galgamentos não admissíveis nessa subzona. Com os valores do grau de risco nas diversas subzonas podem construir-se mapas de risco.

Importa referir que os limites correspondentes aos graus nos quadros de probabilidade e de consequências, bem como o próprio número de graus, devem refletir as características do problema em análise.

2.3. Metodologia implementada A metodologia para a avaliação do risco da ocorrência de galgamentos de estruturas marítimas em desenvolvimento no LNEC contempla não os passos listados acima mas também a necessidade de avaliação da resposta da estrutura em termos do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da estrutura. Tal metodologia, que foi implementada no pacote numérico GUIOMAR (Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010), é composta pelos 3 passos seguintes (Figura_2):

1. Definição do regime de agitação marítima incidente nos pontos de interesse recorrendo a dados obtidos in situ e/ou a resultados de modelos numéricos de propagação de ondas; 2. Cálculo da resposta à agitação incidente dos sistemas em estudo. No caso presente serão os galgamentos ocorridos na estrutura marítima; 3. Cálculo do grau de risco associado aos fenómenos em estudo resultante da superação dos limiares predefinidos para cada uma das variáveis observadas.

Como o cálculo do grau de risco foi explicado atrás, nos pontos seguintes descrevem-se apenas cada um das duas primeiras etapas.

2.3.1. Regime de agitação marítima no interior do porto O regime de agitação marítima no interior de um porto pode ser obtido com base em dados de agitação marítima medidos in situ (utilizando bóias-ondógrafo, por exemplo) ou ser definido com recurso a modelos numéricos de propagação de ondas. Como a primeira hipótese não é frequente, é usual a utilização de modelos numéricos que efetuam a transferência do regime de agitação marítima do largo (obtido por sua vez a partir de dados medidos ao largo ou de resultados de outros modelos numéricos aplicados a uma escala regional) para o interior do porto (Figura_3).

A utilização de um ou mais modelos numéricos de propagação de ondas depende das características da região em estudo (por exemplo, a dimensão do respectivos domínio de cálculo) e dos fenómenos envolvidos na propagação das ondas. No presente trabalho utilizou-se o modelo SWAN (Booij et al., 1999) e o modelo DREAMS, (Fortes, 2002) aplicados a resultados do modelo de previsão da agitação marítima à escala regional WAVEWATCH III, (Tolman, 1999). Todo o processo de preparação de dados, execução dos modelos numéricos, visualização dos resultados e obtenção dos regimes de agitação marítima no porto está incorporado no sistema de modelação da agitação marítima GUIOMAR, (Neves et al., 2009).

2.3.2. Galgamentos em estruturas marítima Embora os modelos numéricos tenham vindo a tornar-se uma ferramenta interessante para a avaliação de galgamentos, ainda não existe um modelo numérico capaz de, simultaneamente, produzir resultados rápidos, precisos e eficientes a nível computacional.

Por essa razão, muitos dos procedimentos para avaliação do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento de uma estrutura marítima, q, ainda se baseiam nos resultados de ensaios em modelo de escala reduzida ou em observações de protótipo.

Estão disponíveis as chamadas formulações empíricas (Besley, 1999; Pullen et al., 2007) ou semiempíricas (Reis et al., 2008), bem como modelos baseados em resultados de redes neuronais (Coeveld et al., 2005). Enquanto nas formulações empíricas ou semiempíricas ainda se procura refletir nas mesmas alguns dos fenómenos condicionantes do galgamento, nas ferramentas baseadas em resultados de redes neuronais dispõe-se apenas de um procedimento de transformação de parâmetros de entrada do problema (por exemplo, as características geométricas do perfil da estrutura e os parâmetros definidores do estado de agitação incidente naquele perfil) na variável de saída (no caso, o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da estrutura).

Com efeito, a rede neuronal é uma ferramenta matemática de modelação e identificação de sistemas físicos para os quais é difícil perceber o papel das variáveis de entrada no comportamento do sistema. Partindo de conceitos associados ao funcionamento do cérebro, a aplicação de tal ferramenta a um conjunto suficientemente extenso de pares (variáveis de entrada, variáveis de saída) permite encontrar as conexões entre as variáveis de entrada que originam os valores observados das variáveis de saída. Um subconjunto dos pares de dados é utilizado na chamada fase de treino da rede neuronal, em que são definidos os parâmetros e as ligações entre os neurónios da rede, que vão minimizar o erro entre o valor observado e o previsto com base na rede, enquanto os pares restantes são utilizados na fase de teste da rede onde se confirma a bondade das previsões fornecidas pela rede.

Neste trabalho, utilizou-se a ferramenta NN_OVERTOPPING2 (Coeveld et al., 2005) baseada em redes neuronais e desenvolvida no âmbito do projeto europeu CLASH (Coeveld et al., 2005; Van der Meer et al., 2005; Van Gent et al., 2005). Esta ferramenta processa os resultados produzidos por 700 redes neuronais fornecendo o valor médio, q, e intervalos de confiança daquela amostra de resultados. Para além destes parâmetros estatísticos do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da estrutura, a ferramenta também estima o caudal médio galgado esperado no protótipo, i.e., o valor de q corrigido para ter em linha de conta alguns efeitos de escala (e.g. devido a escalar o tamanho do material do núcleo da estrutura de acordo com as suas dimensões e não com as velocidades no núcleo) e de modelo (e.g. a não consideração do vento no modelo físico) (de Rouck et al., 2005).

Cada uma daquelas redes neuronais foi treinada e testada utilizando um conjunto de dados obtido por um procedimento de amostragem bootstraping aplicado aos pares (valores de entrada, caudal médio galgado) contidos numa base de dados de 8400 valores de ensaios com modelo físico reduzido. Aquela base de dados contém informação de testes efetuados em vários laboratórios incluindo, para cada teste, informação relativa ao comportamento de vários parâmetros hidráulicos (por exemplo: características das ondas incidentes e medições dos caudais galgados), assim como a informação relativa às estruturas em estudo. A base de dados criada inclui ainda informação geral sobre a fiabilidade do teste e a complexidade das estruturas.

Todas as redes neuronais utilizam os mesmos 15 parâmetros de entrada que incluem informação sobre a agitação marítima e a geometria da estrutura (Figura 4), o que lhes confere uma maior flexibilidade que as fórmulas empíricas/ semiempíricas.

Para descrever a agitação marítima incidente na estrutura, são considerados três parâmetros: a altura de onda significativa espectral na base da estrutura (Hm0), o período médio de onda espectral na base da estrutura (Tm-1,0), e a direção de ataque da onda (ß).

Para descrever a forma geométrica da estrutura, são considerados os 12 parâmetros (Figura_4): a profundidade da água em frente à estrutura (h), a profundidade da água no do talude da estrutura (ht), a largura do do talude (Bt), a rugosidade/permeabilidade do manto (?t), o declive da estrutura abaixo da berma (cot ad), o declive da estrutura acima da berma (cot au), a largura da berma (B), a profundidade da água na berma (hb), o declive da berma (tan ab), o bordo livre da parte impermeável do coroamento da estrutura (Rc), o bordo livre do manto permeável da estrutura (Ac) e a largura do coroamento da estrutura (Gc).

Importa referir que tanto as tradicionais formulações empíricas como a análise de redes neuronais são ferramentas empíricas, isto porque têm como base um conjunto alargado de testes em modelo físico, limitando assim o cálculo do galgamento à gama de geometrias de estruturas estudadas e às condições de onda presentes nos ensaios em modelo físico.

2.4. O Sistema GUIOMAR O sistema GUIOMAR (Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010) é um sistema de modelação da agitação marítima em zonas portuárias e costeiras e de avaliação do risco que ela representa para as diferentes atividades portuárias e costeiras. Foi, desenvolvido em linguagem de programação VBA (Visual Basic for Applications), num Sistema de Informação Geográfica (SIG). É composto por quatro componentes principais (Figura_5):

* Um sistema de informação geográfica, e neste caso, o software comercial de SIG ArcGISTM; * Um conjunto de seis módulos correspondentes a diferentes modelos de propagação e deformação da agitação marítima com diferentes domínios de aplicação; * Uma interface gráfica (GUI), desenvolvida na linguagem de programação VBA, responsável pela ligação entre o software SIG e os modelos numéricos de propagação de ondas, possibilitando: a) a execução dos modelos numéricos; b) o pré e pós processamento de dados e de resultados dos modelos numéricos; e c) a utilização de funcionalidades existentes no software SIG, tais como a análise e a visualização de dados e resultados, tanto em 2D como em 3D; * Um módulo, ainda em construção, que tem por objetivo representar graficamente os níveis de risco obtidos seguindo a metodologia apresentada na secção anterior. A Figura_6representa a barra de ferramentas do sistema GUIOMAR através da qual é possível aceder à área onde tal representação é feita. Até à data, é possível produzir gráficos para os movimentos verticais do navio e para o galgamento em bacias portuárias provocados pela agitação incidente (Neves et al., 2010, 2012).

Este sistema pretende ser uma ferramenta de planeamento de longo prazo e, por isso, fundamental para a gestão portuária. Recorrendo a séries temporais de agitação marítima de longa duração (anos), avalia as consequências dessa agitação para as atividades desenvolvidas e permite a construção de mapas de risco. Estes mapas servem de apoio à decisão das entidades responsáveis num ponto de vista de gestão a longo prazo.

Este sistema integrado foi aplicado no âmbito da avaliação de risco para a navegação no interior de portos, nomeadamente na avaliação do risco para a navegação no interior do porto de Sines (Neves et al.

, 2010).

De realçar que este tipo de sistema permite o estudo de cenários de risco adotando-se trens de ondas totalmente hipotéticos, fundamentados em cenários de mudanças climáticas, extrapolações probabilísticas ou proveniente de resultados de modelos estocásticos.

3. Caso de estudo 3.1. Introdução 3.1.1. Caracterização geral A baía da Praia da Vitória localiza-se na costa este da Ilha Terceira, uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores (Figura_7). É limitada a norte pela Ponta da Merenda e a sul pela Ponta do Baixio, tendo cerca de 3600 m de comprimento e 1700 m de largura máxima.

Enraizado na Ponta do Espírito Santo e com a direção norte-sul, foi construído, no início da década de sessenta, um molhe (o chamado molhe norte), com 560 m de comprimento, destinado a dar abrigo às instalações portuárias de apoio à Base Aérea das Lajes. Mais tarde, na década de oitenta, foi construído um segundo molhe (o molhe sul), enraizado no lado sul da baía, próximo do forte de Santa Catarina, para abrigar as instalações portuárias dos sectores comercial e das pescas do porto da Praia da Vitória (Figura_8). Este molhe tem cerca de 1300 m de comprimento e um traçado curvo, em planta.

Beneficiando do abrigo proporcionado por estes molhes e aproveitando parcialmente as instalações do primitivo porto de pesca, foi construída, no final da década de noventa, pela Câmara Municipal da Praia da Vitória, uma marina (Figura_7).

O interior da baía da Praia da Vitória, protegido pelos dois molhes exteriores, tem um comprimento de 2400 m e uma largura máxima de 1100 m. A linha de costa da baía caracteriza-se pela existência de uma defesa frontal aderente com cerca de 1 km de comprimento e de um campo de cinco esporões na zona central, em frente à abertura existente entre os molhes, que enraízam na defesa frontal, têm comprimentos diferentes, estão implantados segundo uma direção próxima de WSW-ENE e que são aqui referidos como esporões 1 a 5, de sul para norte (Figura 9). No enraizamento do esporão 3 encontra-se um edifício no qual funciona atualmente um bar. Entre alguns dos esporões existem praias estreitas, cuja quantidade de areia vai diminuindo à medida que se caminha para sul. A praia mais extensa localiza-se entre o esporão 5 e a marina (Figura_7).

Na Figura_10 apresenta-se o perfil-tipo da defesa frontal aderente e na Figura 11 o perfil correspondente à zona do enraizamento do esporão 3, junto ao edifício.

3.1.2. Marés As marés são do tipo semidiurno regular, sendo os seguintes os seus valores característicos no porto da Praia da Vitória:

* PMMax +1.9 m (ZH) * PMAV +1.7 m (ZH) * PMAM +1.4 m (ZH) * NM +1.0 m (ZH) * BMAM +0.7 m (ZH) * BMAV +0.3 m (ZH) * BMMin +0.2 m (ZH)

Estes valores têm como base os valores característicos para o porto de Angra do Heroísmo apresentados no Roteiro da Costa de Portugal do Instituto Hidrográfico (único local da Ilha Terceira para onde previsões das marés) e a relação entre as amplitudes nestes dois locais, segundo a mesma publicação.

3.1.3. Regime de agitação ao largo Segundo estudos realizados anteriormente para o porto da Praia da Vitória pelas empresas de consultoria (CONSULMAR e Morim de Oliveira, 2005; WW, 2007), o regime médio de agitação ao largo do Grupo Central dos Açores caracteriza-se essencialmente por:

* Predominância dos rumos compreendidos entre o N e o W, direções em relação às quais o porto da Praia da Vitória se encontra bastante abrigado. De facto, deste quadrante provêm cerca de 65% das ondas, enquanto a frequência do quadrante entre o NE e o SE, de onde provêm as ondas que mais diretamente atingem o porto, é de apenas cerca de 10%.

* Os escalões mais frequentes das alturas significativas das ondas ao largo são os de 1 a 2 m e de 2 a 3 m, com percentagens de ocorrência de cerca de 30% cada, seguindo-se o escalão de 3 a 4 m, com percentagens da ordem dos 15%. A percentagem de ondas com alturas significativas superiores a 5 m é da ordem de 10%. Existe uma manifesta variabilidade sazonal da altura significativa das ondas ao largo, sendo os meses de Inverno aqueles que apresentam condições de agitação mais desfavorável.

* A distribuição de períodos evidencia o facto dos Açores se encontrar numa zona de geração de agitação, pois, os períodos das ondas são relativamente curtos, implicando ondas de grande declividade, como é típico daquelas zonas.

Os períodos mais frequentes são os de 5 a 9 s, com percentagens de ocorrência da ordem de 75%. A frequência de ondas com períodos superiores a 11 s é muito reduzida (inferior a 2.5%)

3.1.4. Tráfego marítimo do porto O porto da Praia da Vitória constitui a maior estrutura portuária dos Açores, e a segunda maior a seguir à de Ponta Delgada, no que se refere ao movimento de navios e de mercadorias. Movimenta navios de carga contentorizada, de graneis líquidos e sólidos, de carga geral e de passageiros, sendo plataforma de ligação dos navios de passageiros inter-ilhas. Constitui, para além disso, uma plataforma de distribuição de mercadorias para as ilhas do grupo central, Graciosa, S. Jorge, Pico e Faial. Em 2011 o porto da Praia da Vitória recebeu 1055 navios e embarcações, movimentando 24816 TEUS, 91084 t de graneis líquidos, 246373 t de graneis sólidos, 69543 t de carga geral, 45370 passageiros inter-ilhas e 3729 passageiros de navios de cruzeiro.

O porto da Praia da Vitória apresenta vários cais e estruturas de atracagem que oferecem condições de manobra de trabalho e de abastecimento (água, electricidade e combustível), os quais apresentam as seguintes configurações: 150 m de cais com profundidade a -7 m (ZH), podendo operar navios até 120 m; 200 m de cais com profundidade a -10 m (ZH), podendo operar navios até 150 m; 350 m de cais com profundidade -12 m (ZH), podendo operar navios até 270 m.

Para além destas frentes de atracação, o porto da Praia da Vitória oferece três terminais concessionados a operações específicas, designadamente um terminal cimenteiro que opera através de um pontão dedicado ao abastecimento a dois silos para 7000 t (2 x 3500 t), onde atracam navios até 110 m à profundidade - 7 m (ZH) com recursos a dois duques d´Alba, um terminal de trasfega para o parque de combustíveis da ilha Terceira que se situa a sul da estrutura portuária e um terminal dedicado ao tráfego local de mercadorias não contentorizadas.

Ainda no interior da bacia portuária, a oeste da estrutura comercial, beneficiando assim do abrigo que esta proporciona, situa-se um núcleo de pesca, o qual é servido por 345 m de cais a profundidades -6 m (ZH) e 230 m de cais a -4 m (ZH). Esta zona engloba ainda passadiços e espaços de estacionamento, rampa varadouro para embarcações artesanais e estruturas para reparação naval servidas por um elevador de navios com capacidade para 450 t.

3.1.5. Situações de ocorrência de galgamentos Atendendo à sua localização em relação à ilha onde se insere, bem como em relação ao regime da agitação marítima a que está sujeito, o porto da Praia da Vitória apresenta condições particulares de abrigo, as quais se reflectem na baixa frequência de dias de inoperacionalidade. De facto, e na história recente do porto, em 2004, e pelo facto de se ter verificado o colapso do molhe de abrigo no decurso de um fenómeno meteorológico de particular severidade, é que a actividade do porto teve de ser interrompida por apenas dois dias. Pese embora as referidas condições de abrigo, verificam-se, praticamente todos os anos, algumas circunstâncias de galgamento do coroamento do molhe de protecção no setor coincidente com a extremidade norte do cais 12, as quais, pelo facto da plataforma de trabalho ser suficientemente larga, apenas obriga à definição de um perímetro de proteção em relação à área inundada. Da mesma forma, e atendendo novamente à sua localização, o setor da bacia portuária onde se encontra o núcleo de pesca, incluindo as praias e defesas frontais adjacentes, sendo mais vulneráveis à ondulação de nordeste que se propaga para o interior da bacia, vêem, aquando da incidência deste tipo de ondulação, as suas estruturas de proteção serem mais solicitadas.

3.1.6. Objetivo do caso de estudo O objetivo do presente caso de estudo é ilustrar a aplicação a algumas estruturas marítimas do porto da Praia da Vitória da metodologia de avaliação do grau de risco associado ao galgamento num período de 2 anos (2009-2010). As estruturas marítimas consideradas foram o molhe sul do porto da Praia da Vitória frente ao cais 12 (cujo perfil-tipo é indicado na Figura_8) e a zona dos esporões da proteção aderente da baía (cujos perfis analisados se apresentam na Figura_10 e na Figura_11).

Nas próximas secções aplica-se a metodologia de avaliação do risco ao galgamento (secção 2), começando por se efetuar a caracterização da agitação marítima junto às estruturas estudadas, com base em previsões da agitação marítima por modelos de propagação de ondas. Posteriormente, efetua-se o cálculo dos galgamentos em cada estrutura considerada (molhe sul, defesa frontal e enraizamento do esporão 3) para logo de seguida, se proceder à avaliação do risco associado a episódios de galgamento que excedam um limiar pré-estabelecido de caudal galgado. De notar que esta aplicação foi efetuada apenas para dois anos de previsões de agitação marítima, pelo que os resultados obtidos apenas ilustram a metodologia, não podendo constituir a avaliação do risco da zona em estudo.

O sistema GUIOMAR foi utilizado para o estabelecimento do regime de agitação marítima na zona próxima das estruturas em estudo e de avaliação do respetivo grau de risco. Para o cálculo dos galgamentos foi utilizada a ferramenta NN_OVERTOPPING2 que também foi executada a partir do sistema GUIOMAR.

3.2. Caracterização da agitação marítima local A caracterização da agitação marítima com o sistema GUIOMAR passa por utilizar os resultados das previsões de agitação marítima ao largo da zona considerada para o período correspondente aos anos de 2009 e 2010 através de modelo WAVEWATCH III (Tolman, 1999) que juntamente com dados de vento do modelo MM5 (Tolman, 1999) forneceram os dados a transferir para o interior da baía com recurso a dois modelos de propagação e deformação da agitação marítima: o modelo SWAN e o modelo DREAMS (Fortes, 2002). O nível de maré foi considerado constante ao longo dos dois anos analisados e igual a +1.4 m (ZH), isto é, o nível médio acrescido de uma sobrelevação meteorológica de 0.4 m. Assim, obtiveram-se as séries temporais das alturas significativas da agitação marítima prevista nos pontos P1 ' frente ao trecho do molhe sul que protege o cais 12 (fundo à cota -18.0 m (ZH)), P2 - defesa frontal (-1.4 m (ZH)) e P3 ' enraizamento do esporão 3 (-1.0 m (ZH)), Figura_12. Importa referir que, embora não representadas, também foram determinadas as séries temporais do período e direção média da mesma agitação marítima.

Os resultados obtidos em termos de agitação marítima mostram claramente que o ponto P1 apresenta valores mais elevados de alturas significativas do que P2 e P3, chegando a ultrapassar os 8 m, nos dois anos de dados analisados. Tal é consequência do ponto em estudo se localizar no exterior da zona abrigada pelos molhes da baía. No caso dos pontos P2 (defesa frontal) e P3 (enraizamento do esporão P3) cujas profundidades são 2.8 m e 2.4 m, respetivamente, a agitação marítima neles incidente é limitada pela profundidade. Daí observarem-se nestes pontos valores de altura significativa claramente inferiores a P1 sendo os valores máximos de Hs em P2 (2.5 m) ligeiramente superiores aos de P3 (2.0 m).

3.3. Cálculo dos galgamentos No cálculo dos galgamentos nos diferentes locais, P1 - cais 12 do molhe sul, P2 - defesa frontal e P3 ' enraizamento do esporão 3, utilizou-se a ferramenta NN_OVERTOPPING2 e as variáveis dessa ferramenta que caracterizam as estruturas são as referidas no Quadro_4.

Os 12 parâmetros da ferramenta NN_OVERTOPPING2 representativos da geometria da estrutura conseguem descrever corretamente os dois perfis da defesa frontal aderente (ver Figura_10 e Figura_11 e Quadro_4). Contudo, para o perfil do molhe sul que protege o cais 12, a parte superior (berma de coroamento, com uma largura aproximada de 16.0 m) é composta por tetrápodos numa largura de aproximadamente 8.0 m, por elementos de betão armado numa largura de 5.0 m e por elementos de betão armado de forma especial, que criam condições especiais de drenagem e dissipação de energia, numa largura de 3.0 m (ver Figura_8).

Assim, enquanto não se dispõem de medições no protótipo e/ou em modelo físico do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da estrutura, q, considera-se que a melhor estimativa do galgamento para cada estado de agitação incidente se pode obter através do cálculo da média dos valores de q obtidos por aplicação da ferramenta a duas representações aproximadas e distintas do coroamento (Quadro_4): i) considerando a berma permeável e com 8.0 m de largura (Gc=8.0 m); e ii) considerando a totalidade da berma permeável (Gc=16.0 m). Como referido anteriormente, os valores estimados têm que ser validados com recurso a modelação física, medições no protótipo e/ou contactos com a autoridade portuária sobre eventos de galgamentos passados. Até à data deste artigo, ainda não foi possível realizar essa validação.

Na Figura_13 apresentam-se as séries temporais deste caudal obtido com a agitação incidente prevista para os pontos P1, P2 e P3. Para tornar mais evidente que não é apenas a altura significativa a característica da agitação marítima incidente na estrutura marítima relevante para a determinação do caudal q, apresenta-se na Figura_13, para um intervalo de tempo mais curto, a série temporal da melhor estimativa do caudal fornecido pela aplicação da ferramenta NN_OVERTOPPING2 e a série temporal do produto q*: q* = gHsTm-1,0 , que é uma quantidade utilizada na adimensionalização de caudais médios galgados por metro linear de coroamento da estrutura galgada. Naquele produto, g é a aceleração da gravidade, Hs = Hm e Tm-1,0 são a altura significativa e o período médio espectrais do estado de agitação no da estrutura, respetivamente.

Note-se que o objetivo deste trabalho foi testar a metodologia desenvolvida.

Nesse sentido, ao analisar estes resultados, não se pode esquecer que o nível de maré foi considerado constante ao longo dos dois anos analisados e igual a +1.4 m (ZH), que resulta da consideração do nível médio acrescido de uma sobrelevação meteorológica de 0.4 m. Num estudo mais aprofundado será necessário considerar a variação da maré astronómica no local em estudo no período em análise acrescida da variação da sobrelevação associada à passagem de depressões atmosféricas e/ou à ação continuada de ventos fortes de mar para terra.

Da Figura_13 verifica-se que nos trechos das estruturas frente aos pontos P1 (molhe sul) e P2 (defesa frontal), o número de ocorrências de galgamentos é maior do que o observado para a estrutura frente ao ponto P3 (esporão 3). Mais ainda, os caudais médios galgados nestas duas estruturas são superiores aos do esporão 3.

Com efeito, no ponto P1, frente ao molhe sul e mais exposto à agitação incidente, a percentagem de ocorrência de galgamentos foi de 1.81%, sendo a média dos caudais médios galgados de 0.17 l/s/m e o valor máximo de 1.42 l/s/m.

Relativamente à percentagem de caudais médios galgados superiores a 1 l/s/m, obteve-se 3.03%.

Quanto ao ponto P2, frente à defesa frontal e no interior da baía, a percentagem de ocorrência de galgamentos passa para 6.76%, sendo a média dos caudais médios galgados de 0.08 l/s/m e o valor máximo de 0.32 l/s/m, o que são valores francamente inferiores aos observados em P1. Relativamente à percentagem de caudais médios galgados superiores a 0.3 l/s/m, obteve-se 0.02%.

Finalmente, para o ponto P3, no enraizamento do esporão 3, a percentagem de ocorrência de galgamentos passa para 0.17%, sendo a média dos caudais médios galgados de 0.012 l/s/m e o valor máximo de 0.028 l/s/m. Relativamente à percentagem de caudais médios galgados superiores a 0.01 l/s/m, obteve-se 0.05%. Estes valores de q inferiores aos observados em P2 são essencialmente consequência da forma do perfil respetivo do trecho da estrutura (com uma berma de talude), Figura_11, que promove a dissipação de energia reduzindo os galgamentos.

3.4. Avaliação do risco de galgamento Enquanto no ponto anterior se aplicou apenas uma metodologia para fornecer a variável relevante (caudal médio galgado) para a avaliação da ocorrência de situação perigosa a partir da agitação marítima incidente, nesta fase, é necessário levar em conta as características da zona onde se pretende estimar tal ocorrência, pois, mantendo-se o fenómeno observado, o que é perigoso para uma dada zona pode não o ser para outra.

É pois necessário para cada zona: a) avaliar a natureza das atividades desenvolvidas na zona abrigada pela estrutura e qual o impacto na segurança de pessoas e infraestruturas; b) estabelecer os caudais médios galgados críticos admissíveis a cada estrutura e tipo de atividade; c) avaliar o grau de probabilidade de ocorrência desses caudais; d) avaliar o grau de consequências; e) avaliar o grau de risco.

3.4.1. Caudais críticos admissíveis Um critério importante no dimensionamento de uma estrutura marítima, numa avaliação de risco ou num sistema de previsão e alerta de ocorrência de galgamentos é o valor admissível de galgamento. Neste trabalho, procurou utilizar-se as diretivas existentes (Pullen et al., 2007) e que levam em conta as diversas utilizações da zona galgada.

O estabelecimento do valor crítico do caudal médio galgado depende das consequências do galgamento, da natureza das atividades desenvolvidas na zona abrigada pela estrutura, do perfil da estrutura galgada e da necessidade de garantir a segurança de pessoas e infraestruturas localizadas nessa zona.

Do Quadro_5_ao_Quadro_8 apresentam-se os valores críticos do caudal médio galgado por metro linear de estrutura, q, definidos em Pullenet al.(2007).

Quadro_5

Quadro_6

Quadro_7

Quadro_8

Merecedora de destaque nestes quadros é a gama crítica de caudais médios por comprimento unitário da estrutura, q, que vai desde valores tão pequenos como 0.01 l/s/m (para veículos) até 200 l/s/m (para a estrutura galgada). Note-se que para garantir a segurança de pessoas que se encontram na vizinhança da estrutura marítima, Pullen et al.

(2007) referem ainda uma taxa crítica mais severa de q=0.03 l/s/m, mas apenas para casos especiais de pessoas totalmente desprevenidas, que não conseguem visualizar a agitação incidente, que podem facilmente ficar perturbadas ou assustadas, que não estão vestidas de forma apropriada para se molharem, que se desloquem numa zona estreita ou propícia a tropeções e quedas.

Pullenet al., 2007 refere ainda, como regra expedita, que o perigo causado por um galgamento num ponto x-metros atrás do coroamento da estrutura galgada pode ser avaliado por redução do galgamento obtido na estrutura, q, por um fator de x, para x no intervalo de 5 a 25 m. Ou seja, o galgamento efetivo a uma distância x da estrutura, qefetivo, é dado por qefetivo=q/x.

Os quadros acima apresentados (do Quadro_5_ao_Quadro_8) ajudam a definir um limiar aceitável de galgamento de acordo com a natureza das atividades desenvolvidas junto à zona a estudar. Assim, para cada tipo de atividade e após a consulta da correspondente tabela, adota-se um caudal crítico admissível, com o qual se vai determinar a frequência de ocorrência de valores de caudais médios galgados superiores a esse limite, para cada zona de estudo, assim como definir o tipo de consequências que a excedência desse valor de caudal crítico acarreta. Com base nessa frequência de ocorrência é possível atribuir os graus de probabilidade e de consequências de acordo com o Quadro_2 e Quadro_3.

3.4.2. Aplicação da metodologia O galgamento do trecho do molhe sul que protege o cais 12, da defesa costeira e do enraizamento do esporão 3, pode ter consequências quer para a estrutura galgada, quer para pessoas ou veículos que se deslocam na proximidade. No caso do enraizamento do esporão 3, o galgamento poderá também originar danos no edifício que se localiza (Figura_11). No caso do cais 12, pode também haver consequências para as operações portuárias e para a segurança dos navios atracados. Outra consequência que não é desprezável é a integridade dos contentores arrumados no cais (Figura_8).

Do Quadro_5_ao_Quadro_8, obtém-se como valores limites do caudal médio galgado por metro linear do coroamento da estrutura os indicados seguidamente, considerando-se que:

* Qualquer das estruturas estudadas tem uma geometria, do ponto de vista do tardoz, que pode ser enquadrada no caso da defesa frontal, referida no Quadro 5- 200 l/s/m * A circulação de veículos nas diferentes zonas é feita a baixa velocidade - 10 l/s/m * Edifício localizado no enraizamento do esporão 3 - 1l/s/m * Os contentores no cais 12 encontram-se a 5-10 m da estrutura galgada - 0.4 l/ s/m * Os utilizadores do terrapleno junto ao cais 12 não ficam facilmente perturbados ou assustados e, além disso, deslocam-se numa zona larga; as pessoas que se deslocam na defesa frontal da baía têm uma visão clara do mar e também se deslocam numa zona larga - 0.1 l/s/m.

É de notar também que tendo em conta a regra referida acima para o caudal médio efetivo, não tem sentido estabelecer um valor limite do caudal médio galgado a partir do qual podem ocorrer danos nos navios atracados no cais 12 porque estes estão muito distantes da estrutura galgada (cerca de 130 m).

No Quadro_9 são indicadas as probabilidades de ocorrência de valores iguais ou superiores a esses limites, para cada uma das zonas.

Assim, para o cais 12 do molhe sul, o Quadro_9 e a Figura_13 mostram que o galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais no pavimento do cais, sendo o valor máximo dos galgamentos a que a estrutura está sujeita de 1.42 l/s/m. Os galgamentos são inofensivos para a segurança e integridade dos veículos que circulam no cais, supostamente a baixa velocidade.

Em termos de graus de probabilidade (Quadro_2) a ocorrência de um caudal médio galgado superior a 0.4 l/s/m (equipamento) tem um grau de probabilidade de ocorrência de 1 (acontecimento improvável) e a ocorrência de um caudal médio galgado superior a 0.1 l/s/m (pessoas) tem um grau de probabilidade de ocorrência de 2 (Quadro_2, acontecimento raro). Admitindo o pior cenário, o grau de probabilidade associado a este cais é o grau 2.

Para a defesa frontal, o Quadro_9 e a Figura_13 mostram que o valor máximo dos galgamentos a que a estrutura está sujeita é de 0.32 l/s/m, sugerindo que o galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais na marginal (estrada e passeios). Os galgamentos são inofensivos para a segurança e integridade dos veículos que circulam na estrada marginal, supostamente a baixa velocidade. Os valores de caudais médios galgados são perigosos para as pessoas que transitam nesta zona em 419 casos, correspondentes a 11 dias do ano, sendo necessário nestas situações a emissão de alertas. Assim, o grau de probabilidade de excedência do limiar associado a esta estrutura é 2 (acontecimento raro).

Quanto ao enraizamento do esporão 3, a consulta dos valores no Quadro_9 e os resultados apresentados na Figura_13 revelam que o valor máximo dos caudais médios galgados a que a estrutura está sujeita é 0.028 l/s/m, sugerindo que o galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais na marginal (estrada e passeios), nem ainda no edifício que se localiza. Os valores de caudais são perigosos para as pessoas que transitam nesta zona ocorrem em 5 casos (0.04%), correspondentes a um dia do ano, sendo necessário nestas improváveis ocasiões a emissão de alertas. Assim, o grau de probabilidade associado a esta estrutura é 1.

Relativamente à determinação do grau de consequências, e uma vez que a ocorrência de um galgamento pode ter consequências em mais do que uma vertente, cada qual com o seu valor crítico do caudal médio galgado, faz sentido que se procure o caudal crítico que maximize o risco. Esse foi o procedimento adotado neste trabalho.

Como referido anteriormente, um dos problemas da aplicação desta metodologia da avaliação de risco é a falta de informação acerca dos prejuízos associados à ocorrência do acontecimento perigoso. Neste trabalho, para o risco de ocorrência de galgamentos, a colaboração da Administração dos Portos da Terceira e Graciosa, S.A. (APTG) permitiu definir um grau de consequências baseado na realidade do porto.

Para o cais 12 (ponto P1), segundo troca de impressões com a APTG, o grau de consequências será quanto muito de 2 (Quadro_3), que pode haver essencialmente necessidade de algumas alterações nas atividades portuárias por uma questão de segurança de pessoas e bens (por exemplo: deslocação de contentores para pontos do cais não afetados pelo galgamento, interdição temporária da circulação de pessoas, veículos e equipamento na zona afetada pelo galgamento). Não é necessário interromper as atividades portuárias, pois a dimensão do cais em termos de largura permite continuar as cargas e descargas dos navios. Os galgamentos não ultrapassam nunca, mesmo no cenário pior, um quinto da largura do terrapleno do cais, e apenas naquela área, permitindo as atividades normais em toda a área remanescente do terrapleno portuário.

Para o caso da defesa frontal, como a circulação de veículos se faz a baixa velocidade, existem lugares de estacionamento que permitem que os veículos se desviem dos caudais galgados. Existe ainda uma proteção vertical e uma berma larga que impede o galgamento diretamente na via. Além disso, as autoridades podem vedar o acesso à zona, existindo alternativa para a circulação dos veículos e das pessoas para acesso aos estabelecimentos existentes na marginal.

Assim, o grau de consequências atribuído é de 2.

Quanto ao enraizamento do esporão 3, para além do que foi mencionado, o edifício encontra-se a uma distância de 10 m da defesa frontal, o que o protege do galgamento direto. De qualquer forma, este galgamento, segundo o Quadro_9 e a Figura_13, não chega a ultrapassar o limiar perigoso para os edifícios. Note- se que o referido edifício apenas funciona como bar no período de verão e à noite. Em caso de necessidade, é possível proceder ao seu encerramento para proteger as pessoas e equipamentos no seu interior ou imediações. Do exposto, o grau de consequências atribuído é 1.

Finalmente, o cálculo do grau de risco para cada zona passa pela multiplicação do grau de consequências encontrado pelo grau de probabilidade, Quadro_10.

Com base neste quadro, o sistema GUIOMAR tem a capacidade de representar graficamente os graus de risco associados a cada zona estudada. Assim, a Figura 14 mostra o risco de galgamento das estruturas considerando dois anos de dados (2009 e 2010) nas diferentes zonas estudadas. A figura utiliza para indicação do valor de risco uma bandeira colorida de acordo com as cores apresentadas no Quadro_1.

4. Conclusões e futuros desenvolvimentos Neste artigo, apresentou-se a metodologia desenvolvida no LNEC para a avaliação do risco associado à ocorrência de galgamentos de estruturas portuárias ou defesas frontais e testou-se a sua aplicação na baía da Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores, onde se insere o porto da Praia da Vitória. Foram estudados três tipos de estruturas marítimas: o trecho do molhe sul que protege o cais 12, a defesa frontal da baía e o enraizamento do esporão 3 da baía.

Em frente a cada uma das estruturas, foram primeiramente determinados os regimes de agitação marítima recorrendo ao acoplamento de modelos numéricos de geração e propagação de ondas (WAVEWATCH III, SWAN e DREAMS) incorporados no sistema GUIOMAR.

Com base nesses regimes, foi efetuado o cálculo dos galgamentos com recurso à ferramenta NN_OVERTOPPING2, baseada na análise de redes neuronais. Apesar das estruturas não terem exatamente o mesmo perfil, o conjunto de parâmetros de entrada desta ferramenta permitiu descrever aproximadamente os três perfis e obter estimativas do caudal médio galgado para cada um deles. Este exercício confirmou a simplicidade de utilização, a rapidez de cálculo e a abrangência no que diz respeito ao tipo de estruturas e condições de agitação contempladas pela ferramenta NN_OVERTOPPING2, permitindo afirmar que ela constitui uma boa alternativa para a estimação do caudal médio galgado caso não se disponha de dados de protótipo, resultados de ensaios em modelo físico reduzido ou de modelos numéricos.

Após definição dos caudais médios galgados máximos admissíveis em cada estrutura, seguindo os critérios de Pullen et al. (2007), foi avaliado o correspondente grau de risco associado aos galgamentos das estruturas estudadas e representado graficamente com a ajuda do sistema GUIOMAR. Atendendo aos limites impostos, verificou-se que em todos os trechos estudados, é o caudal perigoso para as pessoas o que é ultrapassado com mais frequência. Tal pode até justificar a emissão de alertas relativamente à utilização da marginal por peões.

Com a colaboração da APTG foi possível estabelecer com bastante rigor o grau de risco associado à ocorrência de galgamentos no cais 12. Da avaliação de risco efetuada concluiu-se que, para o cais 12, o risco é reduzido, sendo necessárias algumas medidas de controlo de risco, normalmente levadas a cabo pelo porto. A mesma conclusão é válida para a defesa frontal, enquanto para o enraizamento do esporão 3 o risco é insignificante, não sendo, por isso, necessário adotar quaisquer medidas.

Do trabalho desenvolvido, verificou-se que a metodologia desenvolvida de avaliação do risco é simples e eficaz e que pode ser facilmente estendida a outros tipos de risco (navegação, inundação, etc.). Note-se, no entanto, que esta metodologia é função da qualidade e quantidade de dados de agitação marítima existente, bem como da correta avaliação das consequências associadas à excedência do limiar estabelecido, a variável relevante associada a um dado risco.

Desta avaliação do risco, cujo objetivo principal é contribuir para o planeamento de intervenções nas zonas em estudo do porto da Praia da Vitória, pode resultar a indicação da necessidade de implementação de sistemas de alerta para os fenómenos considerados ' quando o valor do risco, ou do grau de risco, é muito elevado. Uma vez que estes fenómenos são uma consequência direta da agitação marítima, os procedimentos utilizados para previsão da resposta dos sistemas na avaliação do risco, serão certamente uma componente fundamental dos sistemas de alerta.

Como trabalho futuro, refira-se a utilização de outras metodologias de cálculo do galgamento e a comparação das vantagens e inconvenientes de cada uma delas, o desenvolvimento de uma tabela de consequências com custos associados e a análise da inundação das áreas em que se verifica a ocorrência de galgamentos.


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