Metodologia de avaliação do risco associado ao galgamento de estruturas
marítimas: Aplicação ao porto e à baía da Praia da Vitória, Açores, Portugal
1. Introdução
A determinação dos galgamentos de estruturas marítimas em zonas portuárias e
costeiras é um assunto de elevada importância para a avaliação, quer do risco
de falha das próprias estruturas, quer dos riscos associados à inundação destas
zonas. Este é um assunto premente em Portugal, dada a severidade do clima de
agitação marítima, a extensão da sua costa, a concentração da população e das
atividades económicas na zona costeira e a importância dos portos para a
economia nacional. Com efeito, situações de emergência provocadas pelo estado
do mar são frequentes, tornando clara a necessidade de prever situações de
risco em zonas portuárias e costeiras, de realizar mapas de risco para apoio à
decisão das entidades responsáveis e de emitir atempadamente alertas,
minimizando a perda de vidas e reduzindo os prejuízos económicos e ambientais.
No âmbito das atividades portuárias, a preocupação com o galgamento de
estruturas marítimas resulta dos prejuízos que lhe podem estar associados:
inoperacionalidade do posto de acostagem, danos nos equipamentos ou edifícios
protegidos pelas estruturas galgadas, danos em navios amarrados.
A adoção de medidas mitigadoras desses efeitos deve resultar da estimação dos
prejuízos associados aos mesmos, a qual só é razoável quando se leva em conta o
carácter aleatório das características dos estados de agitação marítima
incidentes. Por essa razão, o planeamento e gestão de intervenções nas
infraestruturas portuárias devem apoiar-se nos resultados da análise do risco,
uma quantidade cuja definição mais simples é o produto da probabilidade de
ocorrência do acontecimento considerado perigoso pelo prejuízo associado a esse
acontecimento.
O presente trabalho visa contribuir para caracterização do risco associado à
ocorrência de galgamentos de estruturas portuárias e costeiras. A metodologia
que tem vindo a ser desenvolvida no LNEC, (Neves et al., 2010) para avaliação
de riscos associados aos efeitos da agitação marítima nas atividades costeiras
e portuárias é aplicada na avaliação do risco associado ao galgamento de vários
trechos do contorno da baía da Praia da Vitória, na ilha Terceira do
arquipélago dos Açores (Figura_1).
Considerando cada um daqueles trechos como um sistema físico, fundamental na
aplicação desta metodologia é a caracterização das entradas do sistema, a
agitação marítima incidente em cada trecho, e a determinação da resposta do
sistema ' o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento do
trecho ' a essa agitação incidente. Enquanto a determinação da agitação
marítima é efetuada recorrendo a uma metodologia de acoplamento de modelos
numéricos de propagação de ondas, partindo das características daquela agitação
ao largo obtidas de medições com bóias ou estimadas com modelos regionais de
previsão da agitação marítima, a determinação do caudal médio galgado pode ser
efetuada recorrendo a resultados de modelos numéricos, de modelação física,
formulações empíricas ou baseadas na utilização de redes neuronais. Neste
trabalho, recorreu-se à aplicação de uma ferramenta desenvolvida com base em
redes neuronais.
Finalmente, a avaliação do risco é baseada na combinação entre os valores de
probabilidade e consequências relativos à superação de um determinado limiar de
caudal galgado, que tem de ser estabelecida para cada zona de estudo e
estrutura marítima. Todo este processo é controlado pelo sistema GUIOMAR,
Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010.
Neste artigo, no ponto 2, descrevem-se a metodologia de avaliação do risco e o
sistema GUIOMAR. No ponto 3 são apresentados o caso de estudo, a metodologia de
cálculo da agitação marítima, o consequente galgamento das estruturas estudadas
e os resultados da avaliação de risco para o galgamento dessas estruturas. Por
fim, no ponto 4 são apresentadas as conclusões do trabalho e uma referência aos
futuros desenvolvimentos.
2. Metodologia de avaliação do risco
2.1. Generalidades
Considere-se um quebra-mar de taludes sujeito à ação da agitação marítima,
caraterizada por uma altura significativa (Hssub>), um período de pico (Tp) e
uma direção média do período de pico (DIR). Em consequência dessa agitação
marítima ocorrem galgamentos sobre o coroamento desse quebra-mar caracterizados
por q, o caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento desse
quebra-mar. Consoante o valor de q assim variarão os prejuízos provocados pelo
galgamento c = c(q).
Se as grandezas que condicionam o caudal médio galgado (q) têm caráter
aleatório, isto é, se Hs, Tp ou DIR para cada estado de agitação incidente no
quebra-mar podem ser consideradas variáveis aleatórias, então também q pode ser
considerada uma variável aleatória e é possível definir a função densidade de
probabilidade para q, por exemplof(q). A mesma função servirá também para o
cálculo do risco, R, ou seja, do valor esperado do prejuízo c(q) associado à
ocorrência de galgamentos:
Como é natural, assumiu-se que é possível qualquer valor positivo para a
variável q ou para o prejuízo associado à mesma, sendo, por isso, a variável c
uma variável aleatória contínua.
Na falta de melhor informação sobre os prejuízos associados a todos os valores
de q, poderia atribuir-se um valor ao prejuízo por gama de q, isto é:
vindo então o valor esperado da variável aleatória discreta
Em que
Uma abordagem ainda mais simples consiste em considerar apenas como
acontecimento prejudicial a ocorrência de um valor de q acima de um limiar pré-
estabelecido q0, assumindo-se que o prejuízo associado a esse acontecimento,c1,
se mantém constante qualquer que seja o valor de q acima do mesmo limiar q0.
Embora tal abordagem se possa classificar de muito grosseira, ela tem a
vantagem de tornar o cálculo do risco no produto da probabilidade de ocorrência
do acontecimento considerado perigoso (a variável observada ultrapassou o
limiar pré-estabelecido), P1, pelo prejuízo associado a essa ocorrência, c1.
Esta é a abordagem mais comum para a avaliação do risco sendo por isso a
utilizada neste trabalho e a implementada no sistema GUIOMAR.
Do exposto acima, fica clara a necessidade de estabelecer a chamada função de
resposta do sistema relacionando as características da agitação marítima
incidente no quebra-mar e a variável determinante da ocorrência de
acontecimento perigoso (neste caso, o caudal médio galgado por unidade de
comprimento do coroamento). Como se verá mais à frente, para a avaliação
daquele caudal não há uma expressão única válida para todos os tipos de quebra-
mares de taludes.
Com a função resposta é possível determinar a sequência de caudais médios
galgados por unidade de comprimento do coroamento correspondente a uma
sequência de estados de agitação com uma duração padrão (3 horas) incidente no
quebra-mar. Tomando essa sequência de caudais médios galgados como uma amostra
representativa de todos os caudais galgados que podem ser observados no troço
da estrutura em estudo e utilizando uma abordagem frequencista, é possível
calcular a probabilidade de galgamento daquele troço do quebra-mar pelo
quociente do número daqueles estados de agitação da amostra em que o limiar
pré-estabelecido foi ultrapassado pelo número total dos estados de agitação na
amostra. Está subjacente a esta abordagem a independência entre caudais
galgados correspondentes a cada um daqueles estados de agitação.
2.2. Avaliação qualitativa do risco
Para tornar a escala do risco mais interessante do ponto de vista de
planeamento, permitindo a utilização de diretivas para avaliação da
aceitabilidade do risco (Quadro_1), utiliza-se, em vez da probabilidade de
ocorrência do acontecimento perigoso, P1, o grau de probabilidade de ocorrência
e, mais relevante para a uniformidade da escala de risco, em vez do prejuízo
associado ao mesmo acontecimento perigoso, c1, utiliza-se um grau de
consequências.
Tem-se então:
Do Quadro_1_ao_Quadro_3, podem observar-se exemplos desses graus, que foram
construídos com base em Neves et al., 2010, 2012.
Quadro_1
Quadro_3
Assim, a valoração qualitativa do risco de galgamento de uma estrutura marítima
pode realizar-se da seguinte forma:
1. Divisão da zona em estudo em subzonas atendendo à variabilidade espacial
do valor admissível do caudal médio galgado por unidade de comprimento do
coroamento que é estabelecido considerando o perfil transversal da
estrutura e a utilização da zona protegida pela estrutura;
2. Determinação da probabilidade de ocorrência de galgamentos não
admissíveis, com base na resposta da estrutura à agitação incidente e nos
limites mencionados no ponto acima, e classificação dessa probabilidade
atendendo aos graus definidos na tabela de probabilidades de ocorrência;
3. Para cada subzona, multiplicação do valor do grau de probabilidade de
ocorrência pelo valor do grau de consequências para obter o grau de risco
de ocorrência de galgamentos não admissíveis nessa subzona. Com os valores
do grau de risco nas diversas subzonas podem construir-se mapas de risco.
Importa referir que os limites correspondentes aos graus nos quadros de
probabilidade e de consequências, bem como o próprio número de graus, devem
refletir as características do problema em análise.
2.3. Metodologia implementada
A metodologia para a avaliação do risco da ocorrência de galgamentos de
estruturas marítimas em desenvolvimento no LNEC contempla não só os passos
listados acima mas também a necessidade de avaliação da resposta da estrutura
em termos do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da
estrutura. Tal metodologia, que foi implementada no pacote numérico GUIOMAR
(Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010), é composta pelos 3
passos seguintes (Figura_2):
1. Definição do regime de agitação marítima incidente nos pontos de interesse
recorrendo a dados obtidos in situ e/ou a resultados de modelos numéricos
de propagação de ondas;
2. Cálculo da resposta à agitação incidente dos sistemas em estudo. No caso
presente serão os galgamentos ocorridos na estrutura marítima;
3. Cálculo do grau de risco associado aos fenómenos em estudo resultante da
superação dos limiares predefinidos para cada uma das variáveis
observadas.
Como o cálculo do grau de risco já foi explicado atrás, nos pontos seguintes
descrevem-se apenas cada um das duas primeiras etapas.
2.3.1. Regime de agitação marítima no interior do porto
O regime de agitação marítima no interior de um porto pode ser obtido com base
em dados de agitação marítima medidos in situ (utilizando bóias-ondógrafo, por
exemplo) ou ser definido com recurso a modelos numéricos de propagação de
ondas. Como a primeira hipótese não é frequente, é usual a utilização de
modelos numéricos que efetuam a transferência do regime de agitação marítima do
largo (obtido por sua vez a partir de dados medidos ao largo ou de resultados
de outros modelos numéricos aplicados a uma escala regional) para o interior do
porto (Figura_3).
A utilização de um ou mais modelos numéricos de propagação de ondas depende das
características da região em estudo (por exemplo, a dimensão do respectivos
domínio de cálculo) e dos fenómenos envolvidos na propagação das ondas. No
presente trabalho utilizou-se o modelo SWAN (Booij et al., 1999) e o modelo
DREAMS, (Fortes, 2002) aplicados a resultados do modelo de previsão da agitação
marítima à escala regional WAVEWATCH III, (Tolman, 1999). Todo o processo de
preparação de dados, execução dos modelos numéricos, visualização dos
resultados e obtenção dos regimes de agitação marítima no porto está
incorporado no sistema de modelação da agitação marítima GUIOMAR, (Neves et
al., 2009).
2.3.2. Galgamentos em estruturas marítima
Embora os modelos numéricos tenham vindo a tornar-se uma ferramenta
interessante para a avaliação de galgamentos, ainda não existe um modelo
numérico capaz de, simultaneamente, produzir resultados rápidos, precisos e
eficientes a nível computacional.
Por essa razão, muitos dos procedimentos para avaliação do caudal médio galgado
por unidade de comprimento do coroamento de uma estrutura marítima, q, ainda se
baseiam nos resultados de ensaios em modelo de escala reduzida ou em
observações de protótipo.
Estão disponíveis as chamadas formulações empíricas (Besley, 1999; Pullen et
al., 2007) ou semiempíricas (Reis et al., 2008), bem como modelos baseados em
resultados de redes neuronais (Coeveld et al., 2005). Enquanto nas formulações
empíricas ou semiempíricas ainda se procura refletir nas mesmas alguns dos
fenómenos condicionantes do galgamento, nas ferramentas baseadas em resultados
de redes neuronais dispõe-se apenas de um procedimento de transformação de
parâmetros de entrada do problema (por exemplo, as características geométricas
do perfil da estrutura e os parâmetros definidores do estado de agitação
incidente naquele perfil) na variável de saída (no caso, o caudal médio galgado
por unidade de comprimento do coroamento da estrutura).
Com efeito, a rede neuronal é uma ferramenta matemática de modelação e
identificação de sistemas físicos para os quais é difícil perceber o papel das
variáveis de entrada no comportamento do sistema. Partindo de conceitos
associados ao funcionamento do cérebro, a aplicação de tal ferramenta a um
conjunto suficientemente extenso de pares (variáveis de entrada, variáveis de
saída) permite encontrar as conexões entre as variáveis de entrada que originam
os valores observados das variáveis de saída. Um subconjunto dos pares de
dados é utilizado na chamada fase de treino da rede neuronal, em que são
definidos os parâmetros e as ligações entre os neurónios da rede, que vão
minimizar o erro entre o valor observado e o previsto com base na rede,
enquanto os pares restantes são utilizados na fase de teste da rede onde se
confirma a bondade das previsões fornecidas pela rede.
Neste trabalho, utilizou-se a ferramenta NN_OVERTOPPING2 (Coeveld et al., 2005)
baseada em redes neuronais e desenvolvida no âmbito do projeto europeu CLASH
(Coeveld et al., 2005; Van der Meer et al., 2005; Van Gent et al., 2005). Esta
ferramenta processa os resultados produzidos por 700 redes neuronais fornecendo
o valor médio, q, e intervalos de confiança daquela amostra de resultados. Para
além destes parâmetros estatísticos do caudal médio galgado por unidade de
comprimento do coroamento da estrutura, a ferramenta também estima o caudal
médio galgado esperado no protótipo, i.e., o valor de q corrigido para ter em
linha de conta alguns efeitos de escala (e.g. devido a escalar o tamanho do
material do núcleo da estrutura de acordo com as suas dimensões e não com as
velocidades no núcleo) e de modelo (e.g. a não consideração do vento no modelo
físico) (de Rouck et al., 2005).
Cada uma daquelas redes neuronais foi treinada e testada utilizando um
conjunto de dados obtido por um procedimento de amostragem bootstraping
aplicado aos pares (valores de entrada, caudal médio galgado) contidos numa
base de dados de 8400 valores de ensaios com modelo físico reduzido. Aquela
base de dados contém informação de testes efetuados em vários laboratórios
incluindo, para cada teste, informação relativa ao comportamento de vários
parâmetros hidráulicos (por exemplo: características das ondas incidentes e
medições dos caudais galgados), assim como a informação relativa às estruturas
em estudo. A base de dados criada inclui ainda informação geral sobre a
fiabilidade do teste e a complexidade das estruturas.
Todas as redes neuronais utilizam os mesmos 15 parâmetros de entrada que
incluem informação sobre a agitação marítima e a geometria da estrutura (Figura
4), o que lhes confere uma maior flexibilidade que as fórmulas empíricas/
semiempíricas.
Para descrever a agitação marítima incidente na estrutura, são considerados
três parâmetros: a altura de onda significativa espectral na base da estrutura
(Hm0), o período médio de onda espectral na base da estrutura (Tm-1,0), e a
direção de ataque da onda (ß).
Para descrever a forma geométrica da estrutura, são considerados os 12
parâmetros (Figura_4): a profundidade da água em frente à estrutura (h), a
profundidade da água no pé do talude da estrutura (ht), a largura do pé do
talude (Bt), a rugosidade/permeabilidade do manto (?t), o declive da estrutura
abaixo da berma (cot ad), o declive da estrutura acima da berma (cot au), a
largura da berma (B), a profundidade da água na berma (hb), o declive da berma
(tan ab), o bordo livre da parte impermeável do coroamento da estrutura (Rc), o
bordo livre do manto permeável da estrutura (Ac) e a largura do coroamento da
estrutura (Gc).
Importa referir que tanto as tradicionais formulações empíricas como a análise
de redes neuronais são ferramentas empíricas, isto porque têm como base um
conjunto alargado de testes em modelo físico, limitando assim o cálculo do
galgamento à gama de geometrias de estruturas estudadas e às condições de onda
presentes nos ensaios em modelo físico.
2.4. O Sistema GUIOMAR
O sistema GUIOMAR (Zózimo & Fortes, 2007; Neves et al., 2009, 2010) é um
sistema de modelação da agitação marítima em zonas portuárias e costeiras e de
avaliação do risco que ela representa para as diferentes atividades portuárias
e costeiras. Foi, desenvolvido em linguagem de programação VBA (Visual Basic
for Applications), num Sistema de Informação Geográfica (SIG). É composto por
quatro componentes principais (Figura_5):
* Um sistema de informação geográfica, e neste caso, o software comercial de
SIG ArcGISTM;
* Um conjunto de seis módulos correspondentes a diferentes modelos de
propagação e deformação da agitação marítima com diferentes domínios de
aplicação;
* Uma interface gráfica (GUI), desenvolvida na linguagem de programação VBA,
responsável pela ligação entre o software SIG e os modelos numéricos de
propagação de ondas, possibilitando: a) a execução dos modelos numéricos; b)
o pré e pós processamento de dados e de resultados dos modelos numéricos; e
c) a utilização de funcionalidades existentes no software SIG, tais como a
análise e a visualização de dados e resultados, tanto em 2D como em 3D;
* Um módulo, ainda em construção, que tem por objetivo representar graficamente
os níveis de risco obtidos seguindo a metodologia apresentada na secção
anterior. A Figura_6representa a barra de ferramentas do sistema GUIOMAR
através da qual é possível aceder à área onde tal representação é feita. Até
à data, é possível produzir gráficos para os movimentos verticais do navio e
para o galgamento em bacias portuárias provocados pela agitação incidente
(Neves et al., 2010, 2012).
Este sistema pretende ser uma ferramenta de planeamento de longo prazo e, por
isso, fundamental para a gestão portuária. Recorrendo a séries temporais de
agitação marítima de longa duração (anos), avalia as consequências dessa
agitação para as atividades desenvolvidas e permite a construção de mapas de
risco. Estes mapas servem de apoio à decisão das entidades responsáveis num
ponto de vista de gestão a longo prazo.
Este sistema integrado já foi aplicado no âmbito da avaliação de risco para a
navegação no interior de portos, nomeadamente na avaliação do risco para a
navegação no interior do porto de Sines (Neves et al.
, 2010).
De realçar que este tipo de sistema permite o estudo de cenários de risco
adotando-se trens de ondas totalmente hipotéticos, fundamentados em cenários de
mudanças climáticas, extrapolações probabilísticas ou proveniente de resultados
de modelos estocásticos.
3. Caso de estudo
3.1. Introdução
3.1.1. Caracterização geral
A baía da Praia da Vitória localiza-se na costa este da Ilha Terceira, uma das
nove ilhas do arquipélago dos Açores (Figura_7). É limitada a norte pela Ponta
da Má Merenda e a sul pela Ponta do Baixio, tendo cerca de 3600 m de
comprimento e 1700 m de largura máxima.
Enraizado na Ponta do Espírito Santo e com a direção norte-sul, foi construído,
no início da década de sessenta, um molhe (o chamado molhe norte), com 560 m de
comprimento, destinado a dar abrigo às instalações portuárias de apoio à Base
Aérea das Lajes. Mais tarde, na década de oitenta, foi construído um segundo
molhe (o molhe sul), enraizado no lado sul da baía, próximo do forte de Santa
Catarina, para abrigar as instalações portuárias dos sectores comercial e das
pescas do porto da Praia da Vitória (Figura_8). Este molhe tem cerca de 1300 m
de comprimento e um traçado curvo, em planta.
Beneficiando do abrigo proporcionado por estes molhes e aproveitando
parcialmente as instalações do primitivo porto de pesca, foi construída, no
final da década de noventa, pela Câmara Municipal da Praia da Vitória, uma
marina (Figura_7).
O interior da baía da Praia da Vitória, protegido pelos dois molhes exteriores,
tem um comprimento de 2400 m e uma largura máxima de 1100 m. A linha de costa
da baía caracteriza-se pela existência de uma defesa frontal aderente com cerca
de 1 km de comprimento e de um campo de cinco esporões na zona central, em
frente à abertura existente entre os molhes, que enraízam na defesa frontal,
têm comprimentos diferentes, estão implantados segundo uma direção próxima de
WSW-ENE e que são aqui referidos como esporões 1 a 5, de sul para norte (Figura
9). No enraizamento do esporão 3 encontra-se um edifício no qual funciona
atualmente um bar. Entre alguns dos esporões existem praias estreitas, cuja
quantidade de areia vai diminuindo à medida que se caminha para sul. A praia
mais extensa localiza-se entre o esporão 5 e a marina (Figura_7).
Na Figura_10 apresenta-se o perfil-tipo da defesa frontal aderente e na Figura
11 o perfil correspondente à zona do enraizamento do esporão 3, junto ao
edifício.
3.1.2. Marés
As marés são do tipo semidiurno regular, sendo os seguintes os seus valores
característicos no porto da Praia da Vitória:
* PMMax +1.9 m (ZH)
* PMAV +1.7 m (ZH)
* PMAM +1.4 m (ZH)
* NM +1.0 m (ZH)
* BMAM +0.7 m (ZH)
* BMAV +0.3 m (ZH)
* BMMin +0.2 m (ZH)
Estes valores têm como base os valores característicos para o porto de Angra do
Heroísmo apresentados no Roteiro da Costa de Portugal do Instituto Hidrográfico
(único local da Ilha Terceira para onde há previsões das marés) e a relação
entre as amplitudes nestes dois locais, segundo a mesma publicação.
3.1.3. Regime de agitação ao largo
Segundo estudos realizados anteriormente para o porto da Praia da Vitória pelas
empresas de consultoria (CONSULMAR e Morim de Oliveira, 2005; WW, 2007), o
regime médio de agitação ao largo do Grupo Central dos Açores caracteriza-se
essencialmente por:
* Predominância dos rumos compreendidos entre o N e o W, direções em relação às
quais o porto da Praia da Vitória se encontra bastante abrigado. De facto,
deste quadrante provêm cerca de 65% das ondas, enquanto a frequência do
quadrante entre o NE e o SE, de onde provêm as ondas que mais diretamente
atingem o porto, é de apenas cerca de 10%.
* Os escalões mais frequentes das alturas significativas das ondas ao largo são
os de 1 a 2 m e de 2 a 3 m, com percentagens de ocorrência de cerca de 30%
cada, seguindo-se o escalão de 3 a 4 m, com percentagens da ordem dos 15%. A
percentagem de ondas com alturas significativas superiores a 5 m é da ordem
de 10%. Existe uma manifesta variabilidade sazonal da altura significativa
das ondas ao largo, sendo os meses de Inverno aqueles que apresentam
condições de agitação mais desfavorável.
* A distribuição de períodos evidencia o facto dos Açores se encontrar numa
zona de geração de agitação, pois, os períodos das ondas são relativamente
curtos, implicando ondas de grande declividade, como é típico daquelas zonas.
Os períodos mais frequentes são os de 5 a 9 s, com percentagens de ocorrência
da ordem de 75%. A frequência de ondas com períodos superiores a 11 s é muito
reduzida (inferior a 2.5%)
3.1.4. Tráfego marítimo do porto
O porto da Praia da Vitória constitui a maior estrutura portuária dos Açores, e
a segunda maior a seguir à de Ponta Delgada, no que se refere ao movimento de
navios e de mercadorias. Movimenta navios de carga contentorizada, de graneis
líquidos e sólidos, de carga geral e de passageiros, sendo plataforma de
ligação dos navios de passageiros inter-ilhas. Constitui, para além disso, uma
plataforma de distribuição de mercadorias para as ilhas do grupo central,
Graciosa, S. Jorge, Pico e Faial. Em 2011 o porto da Praia da Vitória recebeu
1055 navios e embarcações, movimentando 24816 TEUS, 91084 t de graneis
líquidos, 246373 t de graneis sólidos, 69543 t de carga geral, 45370
passageiros inter-ilhas e 3729 passageiros de navios de cruzeiro.
O porto da Praia da Vitória apresenta vários cais e estruturas de atracagem que
oferecem condições de manobra de trabalho e de abastecimento (água,
electricidade e combustível), os quais apresentam as seguintes configurações:
150 m de cais com profundidade a -7 m (ZH), podendo operar navios até 120 m;
200 m de cais com profundidade a -10 m (ZH), podendo operar navios até 150 m;
350 m de cais com profundidade -12 m (ZH), podendo operar navios até 270 m.
Para além destas frentes de atracação, o porto da Praia da Vitória oferece três
terminais concessionados a operações específicas, designadamente um terminal
cimenteiro que opera através de um pontão dedicado ao abastecimento a dois
silos para 7000 t (2 x 3500 t), onde atracam navios até 110 m à profundidade -
7 m (ZH) com recursos a dois duques d´Alba, um terminal de trasfega para o
parque de combustíveis da ilha Terceira que se situa a sul da estrutura
portuária e um terminal dedicado ao tráfego local de mercadorias não
contentorizadas.
Ainda no interior da bacia portuária, a oeste da estrutura comercial,
beneficiando assim do abrigo que esta proporciona, situa-se um núcleo de pesca,
o qual é servido por 345 m de cais a profundidades -6 m (ZH) e 230 m de cais a
-4 m (ZH). Esta zona engloba ainda passadiços e espaços de estacionamento,
rampa varadouro para embarcações artesanais e estruturas para reparação naval
servidas por um elevador de navios com capacidade para 450 t.
3.1.5. Situações de ocorrência de galgamentos
Atendendo à sua localização em relação à ilha onde se insere, bem como em
relação ao regime da agitação marítima a que está sujeito, o porto da Praia da
Vitória apresenta condições particulares de abrigo, as quais se reflectem na
baixa frequência de dias de inoperacionalidade. De facto, e na história recente
do porto, só em 2004, e pelo facto de se ter verificado o colapso do molhe de
abrigo no decurso de um fenómeno meteorológico de particular severidade, é que
a actividade do porto teve de ser interrompida por apenas dois dias. Pese
embora as referidas condições de abrigo, verificam-se, praticamente todos os
anos, algumas circunstâncias de galgamento do coroamento do molhe de protecção
no setor coincidente com a extremidade norte do cais 12, as quais, pelo facto
da plataforma de trabalho ser suficientemente larga, apenas obriga à definição
de um perímetro de proteção em relação à área inundada. Da mesma forma, e
atendendo novamente à sua localização, o setor da bacia portuária onde se
encontra o núcleo de pesca, incluindo as praias e defesas frontais adjacentes,
sendo mais vulneráveis à ondulação de nordeste que se propaga para o interior
da bacia, vêem, aquando da incidência deste tipo de ondulação, as suas
estruturas de proteção serem mais solicitadas.
3.1.6. Objetivo do caso de estudo
O objetivo do presente caso de estudo é ilustrar a aplicação a algumas
estruturas marítimas do porto da Praia da Vitória da metodologia de avaliação
do grau de risco associado ao galgamento num período de 2 anos (2009-2010). As
estruturas marítimas consideradas foram o molhe sul do porto da Praia da
Vitória frente ao cais 12 (cujo perfil-tipo é indicado na Figura_8) e a zona
dos esporões da proteção aderente da baía (cujos perfis analisados se
apresentam na Figura_10 e na Figura_11).
Nas próximas secções aplica-se a metodologia de avaliação do risco ao
galgamento (secção 2), começando por se efetuar a caracterização da agitação
marítima junto às estruturas estudadas, com base em previsões da agitação
marítima por modelos de propagação de ondas. Posteriormente, efetua-se o
cálculo dos galgamentos em cada estrutura considerada (molhe sul, defesa
frontal e enraizamento do esporão 3) para logo de seguida, se proceder à
avaliação do risco associado a episódios de galgamento que excedam um limiar
pré-estabelecido de caudal galgado. De notar que esta aplicação foi efetuada
apenas para dois anos de previsões de agitação marítima, pelo que os resultados
obtidos apenas ilustram a metodologia, não podendo constituir a avaliação do
risco da zona em estudo.
O sistema GUIOMAR foi utilizado para o estabelecimento do regime de agitação
marítima na zona próxima das estruturas em estudo e de avaliação do respetivo
grau de risco. Para o cálculo dos galgamentos foi utilizada a ferramenta
NN_OVERTOPPING2 que também foi executada a partir do sistema GUIOMAR.
3.2. Caracterização da agitação marítima local
A caracterização da agitação marítima com o sistema GUIOMAR passa por utilizar
os resultados das previsões de agitação marítima ao largo da zona considerada
para o período correspondente aos anos de 2009 e 2010 através de modelo
WAVEWATCH III (Tolman, 1999) que juntamente com dados de vento do modelo MM5
(Tolman, 1999) forneceram os dados a transferir para o interior da baía com
recurso a dois modelos de propagação e deformação da agitação marítima: o
modelo SWAN e o modelo DREAMS (Fortes, 2002). O nível de maré foi considerado
constante ao longo dos dois anos analisados e igual a +1.4 m (ZH), isto é, o
nível médio acrescido de uma sobrelevação meteorológica de 0.4 m. Assim,
obtiveram-se as séries temporais das alturas significativas da agitação
marítima prevista nos pontos P1 ' frente ao trecho do molhe sul que protege o
cais 12 (fundo à cota -18.0 m (ZH)), P2 - defesa frontal (-1.4 m (ZH)) e P3 '
enraizamento do esporão 3 (-1.0 m (ZH)), Figura_12. Importa referir que, embora
não representadas, também foram determinadas as séries temporais do período e
direção média da mesma agitação marítima.
Os resultados obtidos em termos de agitação marítima mostram claramente que o
ponto P1 apresenta valores mais elevados de alturas significativas do que P2 e
P3, chegando a ultrapassar os 8 m, nos dois anos de dados analisados. Tal é
consequência do ponto em estudo se localizar no exterior da zona abrigada pelos
molhes da baía. No caso dos pontos P2 (defesa frontal) e P3 (enraizamento do
esporão P3) cujas profundidades são 2.8 m e 2.4 m, respetivamente, a agitação
marítima neles incidente é limitada pela profundidade. Daí observarem-se nestes
pontos valores de altura significativa claramente inferiores a P1 sendo os
valores máximos de Hs em P2 (2.5 m) ligeiramente superiores aos de P3 (2.0 m).
3.3. Cálculo dos galgamentos
No cálculo dos galgamentos nos diferentes locais, P1 - cais 12 do molhe sul, P2
- defesa frontal e P3 ' enraizamento do esporão 3, utilizou-se a ferramenta
NN_OVERTOPPING2 e as variáveis dessa ferramenta que caracterizam as estruturas
são as referidas no Quadro_4.
Os 12 parâmetros da ferramenta NN_OVERTOPPING2 representativos da geometria da
estrutura conseguem descrever corretamente os dois perfis da defesa frontal
aderente (ver Figura_10 e Figura_11 e Quadro_4). Contudo, para o perfil do
molhe sul que protege o cais 12, a parte superior (berma de coroamento, com uma
largura aproximada de 16.0 m) é composta por tetrápodos numa largura de
aproximadamente 8.0 m, por elementos de betão armado numa largura de 5.0 m e
por elementos de betão armado de forma especial, que criam condições especiais
de drenagem e dissipação de energia, numa largura de 3.0 m (ver Figura_8).
Assim, enquanto não se dispõem de medições no protótipo e/ou em modelo físico
do caudal médio galgado por unidade de comprimento do coroamento da estrutura,
q, considera-se que a melhor estimativa do galgamento para cada estado de
agitação incidente se pode obter através do cálculo da média dos valores de q
obtidos por aplicação da ferramenta a duas representações aproximadas e
distintas do coroamento (Quadro_4): i) considerando a berma permeável e com
8.0 m de largura (Gc=8.0 m); e ii) considerando a totalidade da berma permeável
(Gc=16.0 m). Como referido anteriormente, os valores estimados têm que ser
validados com recurso a modelação física, medições no protótipo e/ou contactos
com a autoridade portuária sobre eventos de galgamentos passados. Até à data
deste artigo, ainda não foi possível realizar essa validação.
Na Figura_13 apresentam-se as séries temporais deste caudal obtido com a
agitação incidente prevista para os pontos P1, P2 e P3. Para tornar mais
evidente que não é apenas a altura significativa a característica da agitação
marítima incidente na estrutura marítima relevante para a determinação do
caudal q, apresenta-se na Figura_13, para um intervalo de tempo mais curto, a
série temporal da melhor estimativa do caudal fornecido pela aplicação da
ferramenta NN_OVERTOPPING2 e a série temporal do produto q*: q* = gHsTm-1,0 ,
que é uma quantidade utilizada na adimensionalização de caudais médios galgados
por metro linear de coroamento da estrutura galgada. Naquele produto, g é a
aceleração da gravidade, Hs = Hm e Tm-1,0 são a altura significativa e o
período médio espectrais do estado de agitação no pé da estrutura,
respetivamente.
Note-se que o objetivo deste trabalho foi testar a metodologia desenvolvida.
Nesse sentido, ao analisar estes resultados, não se pode esquecer que o nível
de maré foi considerado constante ao longo dos dois anos analisados e igual a
+1.4 m (ZH), que resulta da consideração do nível médio acrescido de uma
sobrelevação meteorológica de 0.4 m. Num estudo mais aprofundado será
necessário considerar a variação da maré astronómica no local em estudo no
período em análise acrescida da variação da sobrelevação associada à passagem
de depressões atmosféricas e/ou à ação continuada de ventos fortes de mar para
terra.
Da Figura_13 verifica-se que nos trechos das estruturas frente aos pontos P1
(molhe sul) e P2 (defesa frontal), o número de ocorrências de galgamentos é
maior do que o observado para a estrutura frente ao ponto P3 (esporão 3). Mais
ainda, os caudais médios galgados nestas duas estruturas são superiores aos do
esporão 3.
Com efeito, no ponto P1, frente ao molhe sul e mais exposto à agitação
incidente, a percentagem de ocorrência de galgamentos foi de 1.81%, sendo a
média dos caudais médios galgados de 0.17 l/s/m e o valor máximo de 1.42 l/s/m.
Relativamente à percentagem de caudais médios galgados superiores a 1 l/s/m,
obteve-se 3.03%.
Quanto ao ponto P2, frente à defesa frontal e já no interior da baía, a
percentagem de ocorrência de galgamentos passa para 6.76%, sendo a média dos
caudais médios galgados de 0.08 l/s/m e o valor máximo de 0.32 l/s/m, o que são
valores francamente inferiores aos observados em P1. Relativamente à
percentagem de caudais médios galgados superiores a 0.3 l/s/m, obteve-se 0.02%.
Finalmente, para o ponto P3, no enraizamento do esporão 3, a percentagem de
ocorrência de galgamentos passa para 0.17%, sendo a média dos caudais médios
galgados de 0.012 l/s/m e o valor máximo de 0.028 l/s/m. Relativamente à
percentagem de caudais médios galgados superiores a 0.01 l/s/m, obteve-se
0.05%. Estes valores de q inferiores aos observados em P2 são essencialmente
consequência da forma do perfil respetivo do trecho da estrutura (com uma berma
de talude), Figura_11, que promove a dissipação de energia reduzindo os
galgamentos.
3.4. Avaliação do risco de galgamento
Enquanto no ponto anterior se aplicou apenas uma metodologia para fornecer a
variável relevante (caudal médio galgado) para a avaliação da ocorrência de
situação perigosa a partir da agitação marítima incidente, nesta fase, é
necessário levar em conta as características da zona onde se pretende estimar
tal ocorrência, pois, mantendo-se o fenómeno observado, o que é perigoso para
uma dada zona pode não o ser para outra.
É pois necessário para cada zona: a) avaliar a natureza das atividades
desenvolvidas na zona abrigada pela estrutura e qual o impacto na segurança de
pessoas e infraestruturas; b) estabelecer os caudais médios galgados críticos
admissíveis a cada estrutura e tipo de atividade; c) avaliar o grau de
probabilidade de ocorrência desses caudais; d) avaliar o grau de consequências;
e) avaliar o grau de risco.
3.4.1. Caudais críticos admissíveis
Um critério importante no dimensionamento de uma estrutura marítima, numa
avaliação de risco ou num sistema de previsão e alerta de ocorrência de
galgamentos é o valor admissível de galgamento. Neste trabalho, procurou
utilizar-se as diretivas existentes (Pullen et al., 2007) e que levam em conta
as diversas utilizações da zona galgada.
O estabelecimento do valor crítico do caudal médio galgado depende das
consequências do galgamento, da natureza das atividades desenvolvidas na zona
abrigada pela estrutura, do perfil da estrutura galgada e da necessidade de
garantir a segurança de pessoas e infraestruturas localizadas nessa zona.
Do Quadro_5_ao_Quadro_8 apresentam-se os valores críticos do caudal médio
galgado por metro linear de estrutura, q, definidos em Pullenet al.(2007).
Quadro_5
Quadro_6
Quadro_7
Quadro_8
Merecedora de destaque nestes quadros é a gama crítica de caudais médios por
comprimento unitário da estrutura, q, que vai desde valores tão pequenos como
0.01 l/s/m (para veículos) até 200 l/s/m (para a estrutura galgada). Note-se
que para garantir a segurança de pessoas que se encontram na vizinhança da
estrutura marítima, Pullen et al.
(2007) referem ainda uma taxa crítica mais severa de q=0.03 l/s/m, mas apenas
para casos especiais de pessoas totalmente desprevenidas, que não conseguem
visualizar a agitação incidente, que podem facilmente ficar perturbadas ou
assustadas, que não estão vestidas de forma apropriada para se molharem, que se
desloquem numa zona estreita ou propícia a tropeções e quedas.
Pullenet al., 2007 refere ainda, como regra expedita, que o perigo causado por
um galgamento num ponto x-metros atrás do coroamento da estrutura galgada pode
ser avaliado por redução do galgamento obtido na estrutura, q, por um fator de
x, para x no intervalo de 5 a 25 m. Ou seja, o galgamento efetivo a uma
distância x da estrutura, qefetivo, é dado por qefetivo=q/x.
Os quadros acima apresentados (do Quadro_5_ao_Quadro_8) ajudam a definir um
limiar aceitável de galgamento de acordo com a natureza das atividades
desenvolvidas junto à zona a estudar. Assim, para cada tipo de atividade e após
a consulta da correspondente tabela, adota-se um caudal crítico admissível, com
o qual se vai determinar a frequência de ocorrência de valores de caudais
médios galgados superiores a esse limite, para cada zona de estudo, assim como
definir o tipo de consequências que a excedência desse valor de caudal crítico
acarreta. Com base nessa frequência de ocorrência é possível atribuir os graus
de probabilidade e de consequências de acordo com o Quadro_2 e Quadro_3.
3.4.2. Aplicação da metodologia
O galgamento do trecho do molhe sul que protege o cais 12, da defesa costeira e
do enraizamento do esporão 3, pode ter consequências quer para a estrutura
galgada, quer para pessoas ou veículos que se deslocam na proximidade. No caso
do enraizamento do esporão 3, o galgamento poderá também originar danos no
edifício que aí se localiza (Figura_11). No caso do cais 12, pode também haver
consequências para as operações portuárias e para a segurança dos navios
atracados. Outra consequência que não é desprezável é a integridade dos
contentores arrumados no cais (Figura_8).
Do Quadro_5_ao_Quadro_8, obtém-se como valores limites do caudal médio galgado
por metro linear do coroamento da estrutura os indicados seguidamente,
considerando-se que:
* Qualquer das estruturas estudadas tem uma geometria, do ponto de vista do
tardoz, que pode ser enquadrada no caso da defesa frontal, referida no Quadro
5- 200 l/s/m
* A circulação de veículos nas diferentes zonas é feita a baixa velocidade - 10
l/s/m
* Edifício localizado no enraizamento do esporão 3 - 1l/s/m
* Os contentores no cais 12 encontram-se a 5-10 m da estrutura galgada - 0.4 l/
s/m
* Os utilizadores do terrapleno junto ao cais 12 não ficam facilmente
perturbados ou assustados e, além disso, deslocam-se numa zona larga; as
pessoas que se deslocam na defesa frontal da baía têm uma visão clara do mar
e também se deslocam numa zona larga - 0.1 l/s/m.
É de notar também que tendo em conta a regra referida acima para o caudal médio
efetivo, não tem sentido estabelecer um valor limite do caudal médio galgado a
partir do qual podem ocorrer danos nos navios atracados no cais 12 porque estes
estão muito distantes da estrutura galgada (cerca de 130 m).
No Quadro_9 são indicadas as probabilidades de ocorrência de valores iguais ou
superiores a esses limites, para cada uma das zonas.
Assim, para o cais 12 do molhe sul, o Quadro_9 e a Figura_13 mostram que o
galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais no
pavimento do cais, sendo o valor máximo dos galgamentos a que a estrutura está
sujeita de 1.42 l/s/m. Os galgamentos são inofensivos para a segurança e
integridade dos veículos que circulam no cais, supostamente a baixa velocidade.
Em termos de graus de probabilidade (Quadro_2) a ocorrência de um caudal médio
galgado superior a 0.4 l/s/m (equipamento) tem um grau de probabilidade de
ocorrência de 1 (acontecimento improvável) e a ocorrência de um caudal médio
galgado superior a 0.1 l/s/m (pessoas) tem um grau de probabilidade de
ocorrência de 2 (Quadro_2, acontecimento raro). Admitindo o pior cenário, o
grau de probabilidade associado a este cais é o grau 2.
Para a defesa frontal, o Quadro_9 e a Figura_13 mostram que o valor máximo dos
galgamentos a que a estrutura está sujeita é de 0.32 l/s/m, sugerindo que o
galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais na
marginal (estrada e passeios). Os galgamentos são inofensivos para a segurança
e integridade dos veículos que circulam na estrada marginal, supostamente a
baixa velocidade. Os valores de caudais médios galgados são perigosos para as
pessoas que transitam nesta zona em 419 casos, correspondentes a 11 dias do
ano, sendo necessário nestas situações a emissão de alertas. Assim, o grau de
probabilidade de excedência do limiar associado a esta estrutura é 2
(acontecimento raro).
Quanto ao enraizamento do esporão 3, a consulta dos valores no Quadro_9 e os
resultados apresentados na Figura_13 revelam que o valor máximo dos caudais
médios galgados a que a estrutura está sujeita é 0.028 l/s/m, sugerindo que o
galgamento não provoca danos na estrutura galgada, nem danos estruturais na
marginal (estrada e passeios), nem ainda no edifício que aí se localiza. Os
valores de caudais são perigosos para as pessoas que transitam nesta zona
ocorrem em 5 casos (0.04%), correspondentes a um dia do ano, sendo necessário
nestas improváveis ocasiões a emissão de alertas. Assim, o grau de
probabilidade associado a esta estrutura é 1.
Relativamente à determinação do grau de consequências, e uma vez que a
ocorrência de um galgamento pode ter consequências em mais do que uma vertente,
cada qual com o seu valor crítico do caudal médio galgado, faz sentido que se
procure o caudal crítico que maximize o risco. Esse foi o procedimento adotado
neste trabalho.
Como já referido anteriormente, um dos problemas da aplicação desta metodologia
da avaliação de risco é a falta de informação acerca dos prejuízos associados à
ocorrência do acontecimento perigoso. Neste trabalho, para o risco de
ocorrência de galgamentos, a colaboração da Administração dos Portos da
Terceira e Graciosa, S.A. (APTG) permitiu definir um grau de consequências
baseado na realidade do porto.
Para o cais 12 (ponto P1), segundo troca de impressões com a APTG, o grau de
consequências será quanto muito de 2 (Quadro_3), já que pode haver
essencialmente necessidade de algumas alterações nas atividades portuárias por
uma questão de segurança de pessoas e bens (por exemplo: deslocação de
contentores para pontos do cais não afetados pelo galgamento, interdição
temporária da circulação de pessoas, veículos e equipamento na zona afetada
pelo galgamento). Não é necessário interromper as atividades portuárias, pois a
dimensão do cais em termos de largura permite continuar as cargas e descargas
dos navios. Os galgamentos não ultrapassam nunca, mesmo no cenário pior, um
quinto da largura do terrapleno do cais, e apenas naquela área, permitindo as
atividades normais em toda a área remanescente do terrapleno portuário.
Para o caso da defesa frontal, como a circulação de veículos se faz a baixa
velocidade, existem lugares de estacionamento que permitem que os veículos se
desviem dos caudais galgados. Existe ainda uma proteção vertical e uma berma
larga que impede o galgamento diretamente na via. Além disso, as autoridades
podem vedar o acesso à zona, existindo alternativa para a circulação dos
veículos e das pessoas para acesso aos estabelecimentos existentes na marginal.
Assim, o grau de consequências atribuído é de 2.
Quanto ao enraizamento do esporão 3, para além do que foi já mencionado, o
edifício encontra-se a uma distância de 10 m da defesa frontal, o que o protege
do galgamento direto. De qualquer forma, este galgamento, segundo o Quadro_9 e
a Figura_13, não chega a ultrapassar o limiar perigoso para os edifícios. Note-
se que o referido edifício apenas funciona como bar no período de verão e à
noite. Em caso de necessidade, é possível proceder ao seu encerramento para
proteger as pessoas e equipamentos no seu interior ou imediações. Do exposto, o
grau de consequências atribuído é 1.
Finalmente, o cálculo do grau de risco para cada zona passa pela multiplicação
do grau de consequências encontrado pelo grau de probabilidade, Quadro_10.
Com base neste quadro, o sistema GUIOMAR tem a capacidade de representar
graficamente os graus de risco associados a cada zona estudada. Assim, a Figura
14 mostra o risco de galgamento das estruturas considerando dois anos de dados
(2009 e 2010) nas diferentes zonas estudadas. A figura utiliza para indicação
do valor de risco uma bandeira colorida de acordo com as cores apresentadas no
Quadro_1.
4. Conclusões e futuros desenvolvimentos
Neste artigo, apresentou-se a metodologia desenvolvida no LNEC para a avaliação
do risco associado à ocorrência de galgamentos de estruturas portuárias ou
defesas frontais e testou-se a sua aplicação na baía da Praia da Vitória, Ilha
Terceira, Açores, onde se insere o porto da Praia da Vitória. Foram estudados
três tipos de estruturas marítimas: o trecho do molhe sul que protege o cais
12, a defesa frontal da baía e o enraizamento do esporão 3 da baía.
Em frente a cada uma das estruturas, foram primeiramente determinados os
regimes de agitação marítima recorrendo ao acoplamento de modelos numéricos de
geração e propagação de ondas (WAVEWATCH III, SWAN e DREAMS) incorporados no
sistema GUIOMAR.
Com base nesses regimes, foi efetuado o cálculo dos galgamentos com recurso à
ferramenta NN_OVERTOPPING2, baseada na análise de redes neuronais. Apesar das
estruturas não terem exatamente o mesmo perfil, o conjunto de parâmetros de
entrada desta ferramenta permitiu descrever aproximadamente os três perfis e
obter estimativas do caudal médio galgado para cada um deles. Este exercício
confirmou a simplicidade de utilização, a rapidez de cálculo e a abrangência no
que diz respeito ao tipo de estruturas e condições de agitação contempladas
pela ferramenta NN_OVERTOPPING2, permitindo afirmar que ela constitui uma boa
alternativa para a estimação do caudal médio galgado caso não se disponha de
dados de protótipo, resultados de ensaios em modelo físico reduzido ou de
modelos numéricos.
Após definição dos caudais médios galgados máximos admissíveis em cada
estrutura, seguindo os critérios de Pullen et al. (2007), foi avaliado o
correspondente grau de risco associado aos galgamentos das estruturas estudadas
e representado graficamente com a ajuda do sistema GUIOMAR. Atendendo aos
limites impostos, verificou-se que em todos os trechos estudados, é o caudal
perigoso para as pessoas o que é ultrapassado com mais frequência. Tal pode até
justificar a emissão de alertas relativamente à utilização da marginal por
peões.
Com a colaboração da APTG foi possível estabelecer com bastante rigor o grau de
risco associado à ocorrência de galgamentos no cais 12. Da avaliação de risco
efetuada concluiu-se que, para o cais 12, o risco é reduzido, sendo necessárias
algumas medidas de controlo de risco, normalmente levadas a cabo pelo porto. A
mesma conclusão é válida para a defesa frontal, enquanto para o enraizamento do
esporão 3 o risco é insignificante, não sendo, por isso, necessário adotar
quaisquer medidas.
Do trabalho desenvolvido, verificou-se que a metodologia desenvolvida de
avaliação do risco é simples e eficaz e que pode ser facilmente estendida a
outros tipos de risco (navegação, inundação, etc.). Note-se, no entanto, que
esta metodologia é função da qualidade e quantidade de dados de agitação
marítima existente, bem como da correta avaliação das consequências associadas
à excedência do limiar estabelecido, a variável relevante associada a um dado
risco.
Desta avaliação do risco, cujo objetivo principal é contribuir para o
planeamento de intervenções nas zonas em estudo do porto da Praia da Vitória,
pode resultar a indicação da necessidade de implementação de sistemas de alerta
para os fenómenos considerados ' quando o valor do risco, ou do grau de risco,
é muito elevado. Uma vez que estes fenómenos são uma consequência direta da
agitação marítima, os procedimentos utilizados para previsão da resposta dos
sistemas na avaliação do risco, serão certamente uma componente fundamental dos
sistemas de alerta.
Como trabalho futuro, refira-se a utilização de outras metodologias de cálculo
do galgamento e a comparação das vantagens e inconvenientes de cada uma delas,
o desenvolvimento de uma tabela de consequências com custos associados e a
análise da inundação das áreas em que se verifica a ocorrência de galgamentos.