Situação ecológica, socioeconómica e de governança após a implementação do
primeiro plano de ordenamento no Parque Marinho Professor Luiz Saldanha
(Arrábida, Portugal): I - informações e opiniões dos pescadores
1. Introdução
O Parque Marinho Professor Luiz Saldanha (PMLS) foi o primeiro Parque Marinho a
ser criado em Portugal continental em 1998 (Decreto Regulamentar N.º 23/98) ao
longo da costa da Península de Setúbal. Esta concretização legislativa surgiu
33 anos após as primeiras iniciativas para a criação de um "parque
nacional submarino" na zona de Sesimbra (CPAS 1965a, b) e 22 anos depois
da criação do Parque Natural da Arrábida (PNA - Decreto Lei N.º 622/76) na
parte terrestre da serra de Arrábida. O PNA foi criado com o intuito de
proteger esta zona de elevado valor ecológico, cultural e paisagístico do
aumento da intensidade da pressão demográfica e do crescimento urbano e
industrial na região metropolitana de Lisboa-Setúbal. O PMLS surgiu como
extensão do PNA para o mar, numa área de 53 km2 ao longo de 38 km de linha da
costa (com o limite exterior a cerca de 1 milha da costa, em profundidades
entre os 30 e os 100 m). O ordenamento actual do PMLS, incluindo o zonamento
com áreas de protecção total, parcial e complementar (Figura_1) com as
respectivas regras de uso, foi estabelecido com o Plano de Ordenamento do
Parque Natural de Arrábida publicado em 2005 (POPNA, Resolução de Conselho de
Ministros N.º 141/2005 de 23 de Agosto), embora apenas tenha sido totalmente
consolidado em 2009 após uma fase de transição onde as restrições referentes à
pesca profissional foram entrando em vigor de forma faseada.
Os objectivos do PMLS listados no POPNA são a preservação da elevada
biodiversidade marinha da zona (Henriques et al., 2007); a promoção da
recuperação das pradarias locais de fanerogâmicas marinhas (Cunha et al.,
2014); o estímulo à investigação científica aplicada à conservação, a
informação, sensibilização e educação ambientais; a adaptação das normas gerais
de emissão de efluentes à capacidade do meio receptor; a promoção do turismo da
natureza e das actividades económicas tradicionais de base regional como a
pesca com linhas e anzóis. Este último objectivo traduz a intenção genérica do
POPNA de beneficiar o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das populações
locais, juntamente com a promoção da conservação. Todavia, a introdução do
plano foi demorada e contestada na fase da apresentação pública e os conflitos
dos utentes com a entidade gestora e entre eles foram acesos e mantiveram-se
após a implementação (Carneiro, 2011; Vasconcelos et al., 2012).
A contestação foi maior no caso da pesca comercial, uma vez que na área do PMLS
havia longo histórico de uso por embarcações de Sesimbra e Setúbal (Cruz, 1966;
Cabral et al., 2008; Ramos, 2009; Horta e Costa et al., 2013a, b). O decreto
regulamentar de 1998 proibiu a pesca com ganchorra e a apanha de bivalves com
escafandro autónomo na área do PMLS. Também na altura ficou prevista a
possibilidade de estabelecimento de outros condicionalismos específicos ao
exercício da pesca profissional e lúdica, incluindo a fixação de um número
máximo de embarcações a operar na área do PMLS, dando prioridade às comunidades
locais dependentes da pequena pesca. Com a implementação do POPNA em 2005, a
frota de pesca com licença para operar no PMLS ficou reduzida a embarcações de
Sesimbra com menos de 7 metros de comprimento total, removendo deste espaço
embarcações maiores do mesmo porto (principalmente embarcações polivalentes
entre 7-9 m e algumas maiores embarcações de cerco) e embarcações de portos
vizinhos (principalmente de Setúbal).
O objectivo do presente estudo é caracterizar o sistema social-ecológico
complexo do PMLS resultante da interacção da pequena pesca com esta AMP
(Ostrom, 2009; McClanahan et al., 2009; Pollnac et al., 2010) depois da entrada
em vigor do seu plano de ordenamento, adaptando para tal uma metodologia
genérica desenvolvida no âmbito do projecto MAIA (Áreas Marinhas Protegidas no
arco Atlântico; http://www.maia-network.org). Os temas são divididos entre
assuntos ecológicos, socioeconómicos e de governança, com indicadores
específicos para avaliar o estado actual ou a tendência recente (mas ao
contrario do expert judgement utilizado por Batista et al., 2011, aqui a
estimação dos indicadores é directamente baseada nas respostas dos utentes). O
exercício é desenvolvido através de inquéritos e inclui o registo de
informações e opiniões dos pescadores com licença para pescar no PMLS (presente
trabalho) e as percepções de outros utentes do PMLS sobre os mesmos temas
(Stratoudakis et al., 2015). O objectivo geral do conjunto destes trabalhos é
apoiar a avaliação da eficácia de gestão no processo da primeira revisão do
plano de ordenamento do PMLS, com base em metodologias participativas (por
isto, ambos os documentos estão escritos em Português e submetidos numa revista
com livre acesso on-line).
2. Materiais e Métodos
O desenvolvimento desta metodologia no âmbito do projecto MAIA teve um
objectivo duplo: primeiro, apoiar a avaliação de eficácia de planos de gestão
em AMPs isoladas através do contacto repetido no tempo com um painel de
informantes (ver Yasué et al., 2010 para exemplo deste tipo de estudo
longitudinal e Pomeroy et al., 2005 para o raciocínio subjacente a avaliações
de eficácia de planos de gestão); segundo, potenciar estudos comparativos entre
sistemas através da observação de padrões de semelhanças e diferenças na
interacção pequena pesca/AMP em diferentes áreas (ver Jentoft et al., 2012 para
exemplo desta comparação entre AMPs e Coll et al., 2014 para comparações
semelhantes em escalas espacio-temporais mais alargadas).
i) Inquérito
Para construir o questionário foram inicialmente definidas 15 perguntas sobre
assuntos ecológicos, socioecónomicos e de governança do sistema do PMLS e da
sua interacção com a pequena pesca, que foram consideradas relevantes para a
avaliação da eficácia de gestão em qualquer AMP (Pomeroy et al., 2004; Pomeroy
et al., 2005). Estas perguntas são todas direccionais, apontando para o sentido
considerado positivo na tendência temporal em qualquer AMP, independentemente
dos objectivos específicos da criação, as regras de uso, a dimensão da área ou
a duração do processo (ver Informação de Suporte: 1 - Perguntas genéricas
na base do inquérito). Com base nestas 15 perguntas genéricas foram criadas
perguntas específicas (uma ou mais para cada assunto), de modo que as respostas
pudessem constituir um indicador quantitativo (de estado ou de tendência) para
cada propriedade do sistema e que, através do seu uso repetido, se pudessem
tirar ilações sobre a evolução do sistema (ver também Batista et al., 2011,
Leleu et al. 2012, e Santos et al., 2012 para raciocínio similar e Stratoudakis
et al., 2015 para a definição de perguntas específicas para os restantes
utentes do PMLS).
No caso do questionário para os pescadores com licença da AMP os indicadores
foram criados tendo em conta o conhecimento e condições de pesca locais,
procurando principalmente obter indicadores de estado através de estimadores
baseados no desenho de amostragem (Davis and Wagner, 2003). Para cada
propriedade do sistema ecológico, tentou-se identificar um indicador familiar
aos pescadores (i.e. uma variável com interesse ou facilmente quantificada por
eles), pedindo uma estimativa para um período recente e uma comparação com os
últimos 4-5 anos (numa escala Likert de 5 níveis: muito inferior; inferior;
igual; superior; muito superior). Por exemplo, para a propriedade de
biodiversidade do PMLS foi pedido para cada arte de pesca uma estimativa do
número total de espécies capturadas no ultimo ano (incluindo as espécies sem
valor comercial) em intervalos que variaram de <5 espécies até >30 espécies e
depois foi perguntado como este número se comparava com os últimos 4-5 anos. As
perguntas ecológicas foram desenvolvidas ao nível dos métiers (principais
artes, usadas numa época do ano para determinadas espécies alvo), assim as
informações e comparações ecológicas foram requeridas ou ao nível da arte
(dimensão, frequência de uso por semana dentro e fora do PMLS, etc.) ou ao
nível da espécie alvo (captura numa semana normal de trabalho, peso máximo de
exemplar capturado no último ano, etc.).
No total foram desenvolvidas 5 perguntas para caracterização da actividade
pesqueira e 12 perguntas ecológicas. No caso das propriedades socioeconómicas e
de governança foram também desenvolvidos alguns indicadores de estado (e.g.
"quantos projectos científicos relacionados com o PMLS conhece (nos
últimos 4-5 anos), em quantos participou e de quantos teve conhecimento dos
seus resultados?"), mas houve também várias perguntas de ordenação de
opções (e.g. "ordena, em preferência decrescente, o regime de gestão que
na sua opinião garantiria a pesca mais sustentável dentro do PMLS: regras UE
(PCP - Política Comum de Pescas); regras nacionais (DGRM - Direcção Geral de
Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos); regras PMLS (ICNF -
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas); cogestão (ICNF e
pescadores); pescadores"). Nas perguntas de ordenação, em vários casos
foi incluída uma opção aberta, enquanto que no cumprimento das regras e nos
problemas de gestão pesqueira houve também perguntas abertas para registar
problemas e sugestões dos pescadores. No total foram desenvolvidas 9 perguntas
socioeconómicas e 10 de governança, identificando também alguns indicadores de
tendência para avaliar o estado de propriedades-chave comparativamente à sua
situação 4-5 anos antes (aproximadamente o período desde a entrada em pleno
funcionamento dos condicionalismos espaciais do plano de ordenamento).
Para além destas 31 perguntas sobre o sistema social-ecológico, foram incluídas
no questionário algumas perguntas sobre o inquirido, a clareza e possível
utilidade do questionário. Todas as perguntas foram inicialmente desenvolvidas
em inglês, no contexto da colaboração de equipa internacional do projecto MAIA,
e depois foram traduzidas para português para aplicar no PMLS. Depois da
tradução, o questionário foi testado com dois colaboradores com grande ligação
com a comunidade piscatória portuguesa e de Sesimbra para aconselhar sobre o
melhor método de formular cada pergunta e os termos mais apropriados a usar. Na
ficha do questionário um preâmbulo introduziu os objectivos e componentes do
estudo no âmbito do projecto MAIA, indicando também a garantia do anonimato dos
inquiridos.
ii) Amostragem
O questionário foi desenhado para ser respondido por pescadores da frota com
licença de pesca no PMLS. Na data de realização do inquérito (verão de 2012)
este universo era constituído por 67 embarcações de Sesimbra, todas com menos
de 7 m de comprimento total, mas mesmo assim com alguma heterogeneidade entre
botes e aiolas (ver Informação de Suporte: 2 - Caracterização da frota do
PMLS). O inquérito foi efectuado de Julho a Setembro de 2012, simultaneamente
com o trabalho de campo para o inquérito dirigido aos outros utentes do PMLS
(ver Stratoudakis et al., 2015). Foram entrevistados 23 pescadores que
representam 34% do total dos pescadores com licença do PMLS na altura do estudo
(ver Informação de Suporte: 3 - Representatividade da amostragem). Todos
os questionários foram respondidos em formato de entrevista que durou entre 30
e 120 minutos (dependendo do detalhe nas respostas do entrevistado, da
necessidade de esclarecimentos com perguntas adicionais do entrevistador e da
vontade do entrevistado de falar em outros assuntos relacionados com as
perguntas) e ocorreu sempre numa sala isolada, na presença exclusiva do
inquirido e do entrevistador. Os entrevistadores foram os dois primeiros
autores, procurando seguir o mesmo formato de entrevista. O inquérito estava
sempre visível ao entrevistado, que podia observar as respostas que estavam a
ser registadas para cada pergunta. O guião da entrevista era condicionado pela
ordem das perguntas, mas para todas as situações que uma resposta extrema ou
uma informação atípica era fornecida, havia oportunidade de iniciar curtos
diálogos sobre o assunto. As entrevistas não foram gravadas mas foram tirados
apontamentos, nomeadamente para registar frases específicas ou informações
adicionais. A escolha dos inquiridos foi aleatória (baseada na disponibilidade
para o dia e hora de entrevista ou no encontro na área do porto) e todos os
contactados aceitaram participar. Todavia, em três casos o inquérito não foi
realizado por falta de comparência e só num destes casos a entrevista foi
realizada posteriormente. A idade dos inquiridos variou entre os 28 e os 71
anos (média de 50 anos), sem diferenças significativas entre pescadores de
botes e aiolas (Cabral et al., 2008 indicam que os pescadores de aiolas são
geralmente de maior idade de que os dos botes). O contacto mínimo do pescador
com o sistema ecológico do PMLS foi de 7 anos, sendo em média de 30 anos e a
máxima de 58 anos.
iii) Dados e análise
Para além dos dados resultantes dos inquéritos, foram também utilizados dados
oficiais da DGRM para caracterização da actividade pesqueira e de desembarques
para embarcações com <7 m de comprimento total e licenciadas a exercer
actividade profissional de pesca. Para comparar a evolução da frota no PMLS com
o resto do país desde a entrada em vigor do POPNA, foram utilizados registos
anuais de número de embarcações, arqueação bruta, potência de motor e
comprimento médio nos 32 principais portos de pesca em Portugal continental no
período 2006-2014. A análise incluiu portos com registo de embarcações
licenciadas tanto para o mar como para águas interiores, mas só foram
considerados os dados referentes às embarcações licenciadas para operar no mar.
Para analisar a evolução de desembarques (em quantidade e valor) no PMLS, foram
utilizados os registos diários por espécie para a frota do PMLS durante o
período 2005-2013. É conhecido que esta informação tem várias limitações, como
a contaminação dos desembarques para cumprir a regra dos 100 dias
(principalmente com espécies pelágicas), a fuga à lota (principalmente para
espécies mais valiosas) e o facto dos desembarques de botes incluir também
capturas provenientes fora do Parque (que é impossível de discriminar). Em
qualquer caso, os desembarques em lota representam por ano aproximadamente o
valor global da frota do PMLS (estimativa baseada em informação fornecida pelos
pescadores no inquérito), não sendo assim um valor de pescado desprezível.
Procedendo também a análise por espécies ou grupos de espécies e utilizando
médias de CPUEs por maré, procurámos minimizar os efeitos acima mencionados, no
pressuposto de ausência de padrões sistemáticos ao longo do tempo na fuga à
lota ou na repartição da captura por espécie dentro e fora do PMLS.
Os resultados do questionário e restantes dados foram codificados e analisados
utilizando o software R (versão 3.1 - R Core team 2014). As perguntas
ecológicas preliminares foram utilizadas para caracterizar a pesca no PMLS,
enquanto que as perguntas de cada secção foram separadas em indicadores de
estado (i.e. situação actual) e indicadores de tendência (i.e. evolução da
situação ao longo dos 4-5 anos até a data do inquérito). Algumas variáveis
ecológicas tiveram de ser consideradas no nível do métier ou da espécie alvo,
criando assim algumas situações de pseudo-replicação. O carácter ordinal das
respostas na escala Likert foi mantido numa escala numérica natural, na qual a
resposta de ausência de mudança foi codificada como zero (ver Informação de
Suporte: 4 - Método de análise de respostas ordinais na escala Likert e
respectivos resultados). Para as respostas dadas sob a forma de intervalo de
valores quantitativos, foi considerada a média do intervalo. Foram utilizados
testes não paramétricos para explorar diferenças significativas na distribuição
de amostras (emparelhadas ou não, utilizando o estatístico W do Wilcoxon signed
rank test ou rank sum test respectivamente) ou a associação entre amostras
emparelhadas (através do estatístico Rho do Spearman rank correlation test).
3. Resultados
i) A pesca no PMLS
Os 23 pescadores que responderam ao inquérito identificaram cumulativamente o
uso de 45 artes de pesca (utilizadas em simultâneo ou em períodos alternados do
ano) com 57 espécies ou grupos de espécies como alvo (de 17 taxa distintos: 12
teleósteos, 3 moluscos cefalópodes, 1 crustáceo e 1 peixe cartilagíneo). Com
base nestas respostas, é possível distinguir 15 métiers (Tabela_1) operados por
embarcações com licença do PMLS. Alguns destes métiers foram descritos só para
a área dentro do PMLS (e.g. pesca com toneira para choco - Sepia oficinalis e
lula - Loligo sp.) ou só fora do PMLS (e.g. pesca de tresmalho para tamboril -
Lophius sp. e raias - Raja sp.), mas a maioria dos métiers é praticada
tanto dentro como fora do PMLS. Dos 17 taxa identificados como alvo, o mais
comum foi o choco com 14 pescadores de tresmalho e toneira a defini-lo como
principal alvo (no caso do tresmalho só para os primeiros quatro meses do ano).
O segundo alvo mais comum foi o polvo (Octopus vulgaris) a ser identificado por
10 pescadores, maioritariamente de covos mas também de piteira e palangre, o
terceiro foi a lula (por 7 pescadores de toneira) e quarto o linguado (Solea
sp. por 5 pescadores de tresmalho).
Comparando as 17 espécies ou taxa da Tabela_1 com a lista das 10 espécies mais
desembarcadas em lota pelas embarcações do PMLS ao longo de 2011 em peso e
valor (dados DGRM não apresentados), nota-se que das espécies mais abundantes
nos desembarques anuais não constam na Tabela_1 a cavala (Scomber colias, 1.ª
espécie mais desembarcada pela frota do PMLS), o carapau (Trachurus trachurus,
3.ª espécie mais desembarcada) e o carapau negrão (Trachurus picturatus -
10.ª espécie mais desembarcada). Destas três espécies, só a cavala consta na
lista das 10 espécies mais valiosas (7ª) o que é consistente com a definição
dos alvos dos pescadores em função do valor e não da abundância das espécies.
Da lista das espécies na Tabela_1 não constam na lista dos mais abundantes ou
valiosos a lagosta (Palinurus sp.), a moreia (Muraena helena), o tamboril, a
língua (Dicologlossa cuneata), o besugo (Pagellus acarne) e o salmonete (Mullus
surmuletus). A maioria destas espécies foi referida como alvo só por um
pescador (o salmonete por dois e o besugo por três), o que é consistente com
uma menor representação nos desembarques anuais cumulativos do PMLS. As três
espécies mais importantes em 2011 (polvo, choco e lula, juntamente a perfazer
64% do valor total da primeira venda em lota das embarcações do PMLS) são
também as espécies mais referidas como alvo na amostra, que perfazem 54% das
pescarias identificadas nos inquéritos.
Dos 23 inquiridos, 14 afirmaram pescar só dentro do PMLS, 1 praticamente só
fora e 8 tanto dentro como fora (alguns deles em simultâneo, principalmente com
covos). Há uma diferença muito significativa na probabilidade de pescar dentro
do PMLS para aiolas e restantes embarcações (Wilcoxon test: W=110, p=0.001);
todas as aiolas e três embarcações intermédias (4-6m) sem alador declararam só
pescar dentro do PMLS, podendo assim dizer-se que o grau de utilização do PMLS
(parcial vs total) distingue na prática a operação dos maiores botes
mecanizados com as restantes embarcações do PMLS. Só as maiores embarcações com
alador (e em vários casos com mais de um tripulante) têm autonomia para se
afastar do PMLS e capacidade de alar artes maiores ou em vários locais durante
a mesma maré. Apesar destas diferenças espaciais, não houve diferenças
significativas no número de artes utilizadas por embarcação (de 1 a 4, com
mediana de 2 e média de 2,2) ou no esforço potencial: a maioria dos inquiridos
assumiu pescar 4-5 vezes numa semana sem problemas de tempo, havendo também
casos que só saem 1-2 vezes (emprego complementar) ou mesmo todos os dias que o
mar permite. Todavia, o número de dias com vendas em lota para cada embarcação
do PMLS em 2011 variou entre 27 e 209, com a média nos 125 dias (ou 2.3 saídas
por semana) e com uma diferença marginalmente significativa entre aiolas e
botes (W=693, p=0,049) de cerca de 18 dias de menos pesca por ano para as
aiolas (medianas de 117,5 e 136 dias respectivamente).
ii) Indicadores ecológicos
Dividindo a captura total estimada para uma semana de pesca sem interferências
de mau tempo pelo número médio de marés nesta mesma semana típica, obtém-se uma
estimativa de captura por unidade de esforço (CPUE) para cada espécie alvo por
pescador do PMLS. Esta CPUE é considerada um indicador de estado ecológico da
AMP (indicador de abundância de espécies focais), juntamente com o tamanho
máximo capturado para cada espécie alvo (indicador de composição demográfica).
A Figure_2a visualiza a relação da CPUE com o peso do maior exemplar capturado
no último ano para cada espécie referido por cada entrevistado. A correlação
significativa entre as duas variáveis (Spearman´s rank correlation test:
Rho=0,54; p<0,001) aponta para alguma coerência interna nas respostas dos
pescadores, apesar da grande variabilidade entre espécies (peso máximo de maior
exemplar varia entre 0,3 kg para o salmonete e 45 kg para a corvina) e
embarcações (CPUE média de espécie alvo por maré varia entre 1,2-125 kg). Esta
variabilidade em CPUE está em grande medida relacionada com a dimensão das
embarcações (aiolas vs botes) que se reflecte bem no grau de utilização do PMLS
para a sua actividade: a Figure_2b mostra uma diferença significativa na CPUE
das espécies alvo entre embarcações que utilizem totalmente (aiolas) ou
parcialmente (botes) o PMLS para a sua actividade (W=465,5; p<0,001), com
significativamente maiores capturas para as maiores embarcações que utilizem
parcialmente o PMLS. Esta diferença é também significativa para o valor dos
desembarques (considerando o valor médio da primeira venda em lota para cada
espécie em 2012) por maré (W=421,5; p=0,011), mas não para o peso máximo
(W=353,5; p=0,406).
Outros indicadores de estado ecológico obtidos pelas respostas dos pescadores
sobre a sua actividade são: a frequência de observação de artes e embarcações
nas fronteiras externas do PMLS (indicador de efeito spill-over da AMP), o
número de espécies sem interesse comercial capturados (indicador de
biodiversidade) e a frequência de captura de exemplares da espécie alvo perto
do tamanho máximo registado (indicador de proporção de maiores peixes). A
maioria dos pescadores inquiridos (15 dos 20 que responderam a esta pergunta,
75%), vêm diariamente artes e/ou embarcações nas imediações do PMLS, com um
pescador a assumir que nunca vê, um a assumir que vê quinzenalmente e três
semanalmente. O número de espécies sem interesse comercial capturadas ao longo
do último ano é muito dependente da arte, com as redes de tresmalho e de
emalhar (60 e 80 mm) a serem as artes que mais espécies capturam (maioria
identificou o intervalo 21-30 espécies), sendo mais variável para o palangre e
sempre menor (maioria a identificar <5 espécies) para os covos, a toneira e a
rede de emalhar de 220 mm de malhagem. A frequência de encontro de espécimes
perto do tamanho máximo foi maioritariamente muito raro (28/57, 49% só
anualmente), mas 11/57 indicaram encontrar semanalmente, principalmente para
espécies alvo das redes de emalhar.
Para os indicadores de estado acima descritos, indicadores de tendência
equivalentes foram obtidos através das respostas sobre a percepção da evolução
de cada indicador nos últimos 4-5 anos (ver Informação de Suporte: 4 -Método de
análise de respostas ordinais na escala Likert e respectivos resultados). Em 4
dos 5 indicadores a moda está situada na percepção de ausência de mudança
temporal. Só no caso da abundância das espécies alvo a moda está situada na
percepção de alguma deterioração, mas mesmo assim a diferença não é
significativamente diferente com uma distribuição resultante da normal padrão
centrada na ausência de mudança (estatístico k=54%). Comparando estas
percepções com os dados de desembarques por embarcações do PMLS no porto de
Sesimbra durante o período 2005-2013 (Figure_3), verifica-se que as
espécies alvo com padrões de aumento consistente neste período são a pescada,
os sargos (Diplodus sp.) e, eventualmente, o salmonete. Para as restantes
espécies sem evidência de tendência neste período, comparando o valor do CPUE
em 2005 e 2013, só no caso da lula existe uma indicação de diminuição, enquanto
que para a maioria das outras espécies os valores em 2013 são superiores aos
registados em 2005.
Com base na pergunta sobre espécies que não sejam alvos e cuja abundância mudou
muito no último ano, há mais indicações de aumento (11) do que de declínio (4).
Todavia, a maioria dos aumentos é relacionada com espécies pelágicas (cavala,
carapau negrão, boga - Boops boops e pilado - Polybius henslowii)
ou de espécies que utilizam muito pouco o PMLS no seu ciclo de vida (corvina e
tamboril), sendo que só o aumento dos equinodermes (principalmente estrelas do
mar) pode ter um significado ecológico local. Das espécies cuja abundância
aparentou diminuição foram indicadas a faneca (Trisopterus luscus), o judeu
(Coris julis), o pampo (Balistes capriscus) e o lavagante (Homarus gammarus).
Finalmente, das espécies raras observadas, destaque para o registo do mero
(Epinephelus marginatus) por 2 pescadores e do reconhecimento da captura de
algumas espécies exóticas provavelmente de origem mais tropical (num caso o
pescador informou que tinha entregue o exemplar a uma Universidade). Em relação
às espécies não alvo (ver Informação de Suporte: 5 - Desembarque de
espécies não alvo) os dados dos desembarques confirmam tanto o aumento muito
substancial da captura de peixes pelágicos (nomeadamente cavala e boga), como a
diminuição do desembarque da faneca, mas demonstram que estas alterações
correspondem a um período mais alargado de tempo e não ao ano antes do
inquérito (no caso dos pelágicos demonstram também o impacto da regra dos 100
dias, uma vez que em vários anos há mais pelágicos aparentemente desembarcados
por aiolas que por botes).
Uma informação relevante sobre tendências ecológicas numa escala temporal mais
alargada foi inesperadamente obtida através duma pergunta de governança,
construída com o objectivo de avaliar o conflito dos pescadores com a entidade
gestora do PMLS. Este indicador de governança foi avaliado através da
importância relativa atribuída a este conflito relativamente a outros problemas
que pudessem ser considerados graves para a pesca. Uma larga maioria dos
pescadores (15/23, 65%) elencou como maior problema a poluição, com outros 6
pescadores a elegê-la como segundo maior problema. O conflito com a entidade
gestora foi considerado o terceiro maior problema (13% como primeiro e 17% como
segundo), atrás do valor de venda do pescado (22% primeiro e 26% segundo) e só
à frente da pesca furtiva.
No pedido de justificação desta ordenação, o discurso invariavelmente
identificou o desaparecimento repentino das macroalgas castanhas da costa de
Sesimbra, algures no final dos anos 1980 ou o início dos anos 1990. No
raciocínio dos pescadores este desaparecimento não pode ser relacionado com a
pesca ou a apanha de algas, por ter sido repentino, só podendo ser explicado
pela poluição. Apesar da variabilidade nas explicações oferecidas para a mais
provável fonte desta "poluição", as opiniões convergiam para a
percepção de que este desaparecimento trouxe uma redução de diversidade e
produtividade, através da simplificação dos habitats costeiros que na altura
das macroalgas castanhas abrigavam juvenis de várias espécies de peixe com
interesse comercial e crustáceos valiosos (ver também Stratoudakis et al.,
2015, para discurso similar dos outros utentes do PMLS).
iii) Indicadores socioeconómicos e de governança
Dos 23 pescadores inquiridos, 5 (22%) não dependem exclusivamente da pesca para
os seus rendimentos, sendo que para 3 deles a pesca é metade ou menos do
rendimento total. Em relação ao valor da embarcação, quase todos assumiram que
a embarcação valeria mais se pudesse ter a licença do PMLS incluída. Alguns só
foram capazes de estimar um valor de potencial venda no caso de incluir a
licença do PMLS ("sem a licença do parque não vale nada"), enquanto
que a mediana de incremento de valor após inclusão da licença do PMLS foi em
cerca de 22%. Apesar deste aumento proporcional ser aproximadamente igual para
embarcações a pescar totalmente e parcialmente dentro do PMLS, os valores
totais atribuídos foram significativamente diferentes (W=7,5, p<0,001): a
mediana do valor das embarcações a pescar parcialmente dentro do PMLS era 8
vezes superior à das que só pescam dentro do PMLS. Isto reflecte principalmente
a diferença de tamanho, potência, investimento em equipamento e idade entre
botes e aiolas, sendo que o valor estimado é correlacionado com a captura
(Rho=0,37; p=0,010) e fortemente correlacionado com a CPUE (Rho=0,41; p=0,004)
da espécie alvo identificada por cada pescador.
A maioria dos inquiridos conhecia pescadores que se viram forçados a abandonar
zonas de pesca tradicionalmente usadas com a entrada em vigor do plano de
ordenamento do PMLS. A grande maioria (14/22, 64%) considerou que os pescadores
excluídos pelo POPNA foram maioritariamente pescar em outras áreas (como por
exemplo os pescadores de Setúbal), mas houve também quem achasse que o mais
frequente foi a procura de reforma (23%) ou o desemprego por impossibilidade de
se adaptar às novas condições de pesca (13%). Foi também identificada uma
minoria que modificou a sua actividade dentro do PMLS, saindo da pesca
profissional para entrar na actividade marítimo-turística ou na pesca lúdica.
Na opinião dos pescadores actualmente a pescar no PMLS, o principal motivo para
os pescadores excluídos do PMLS abandonarem a pesca profissional foi a
possibilidade de reforma ou problemas de saúde (7/23, 30%), enquanto que 5
(22%) consideraram directamente o PMLS como principal motivo de abandono
(através da impossibilidade de transferir a licença em caso de reforma ou da
ausência de espaço dentro do PMLS) e 3 indirectamente (através do aumento do
custo da deslocação para pescar fora do PMLS). Por outro lado, 19 dos 23
inquiridos (83%) conhecem pelo menos uma pessoa a querer obter a licença do
PMLS, sendo que 13 (55%) conhecem pelo menos 6-10 pescadores a querer obter
esta licença.
Considerando os dados oficiais da actividade pesqueira no período desde a
introdução das regras do PMLS, verifica-se que, em 2014, as embarcações com
licença do PMLS eram cerca de 60% das 113 embarcações inicialmente licenciadas
em 2006 (Figure_4). Este decréscimo foi relativamente menor para a arqueação
bruta total (cerca de 70% do inicial) e ainda menor para a potência (80%), uma
vez que houve um abandono desproporcional de embarcações comparativamente mais
pequenas (principalmente aiolas, algumas delas até sem motor) que contribuiu
também para o progressivo aumento do comprimento médio das embarcações.
Pelos dados apresentados pode também se deduzir que só uma parte das
embarcações excluídas pelo PMLS foram abatidas ou desactivadas, uma vez que a
redução para o porto de Sesimbra neste período é menor do que para o PMLS
(acompanhando aproximadamente o limite inferior do intervalo interquartil dos
32 portos de pesca mais importantes em Portugal continental). Desde 2013 parece
também ter havido uma inversão de tendência, com um aumento no número de
embarcações de pesca legalmente registadas no porto de Sesimbra mas sem licença
do PMLS. Esta entrada de novas embarcações resultou também num aumento de
arqueação e de potência (passando em média de 4 KW em 2006 para 18 KW em 2014),
ao ponto que em 2014 a potência total das embarcações de Sesimbra com <7 m é
maior que em 2006, apesar da redução do número total de embarcações neste
período em cerca de 20%.
Na identificação dos principais conflitos com outros usuários da AMP, a grande
maioria (16/23) priorizou conflitos de uso com outros pescadores (profissionais
ou lúdicos) autorizados a operar no PMLS: 39% dos inquiridos identificaram os
pescadores lúdicos e outros 30% os pescadores profissionais com outras artes
como o principal motivo de conflito. Conflitos com pescadores furtivos
(embarcações sem licença do PMLS provenientes de outros portos ou de pesca
submarina) foram também assumidos (2 como primeiro problema e 6 como segundo),
enquanto que os conflitos com outros utentes (principalmente mergulho) ou
agências de fiscalização (policia marítima e vigilantes da natureza do ICNF)
tiveram menor destaque. Isto reflecte-se também na priorização de problemas de
gestão pesqueira não resolvidos dentro do PMLS, com 48% dos inquiridos a
identificarem a predominância de algumas artes dentro do espaço do PMLS como o
maior problema de gestão pesqueira na AMP. A pesca ilegal foi reconhecida como
o segundo maior problema de gestão a resolver, mas com a ênfase nos pescadores
furtivos externos ao PMLS (57% dos inquiridos assumiram raramente ou nunca
quebrar as regras do PMLS, mas houve 35% a admitir que quebrava alguma regra
pelo menos quinzenalmente). Finalmente, a presença de demasiados barcos dentro
do PMLS surgiu como terceiro problema e o excesso de rejeições como pouco
importante.
Relativamente à criação de conhecimento, cerca de 60% (14/23) dos inquiridos
afirmaram conhecer em média 2.8 projectos de investigação relacionados com o
PMLS, tendo participado de alguma forma em 1,6 deles (os restantes 40%
assumiram não conhecer nenhum projecto). Todavia, só 26% (6/23) dos inquiridos
reconheceram ter tido conhecimento dos resultados de qualquer projecto de
investigação. Para o indicador de governança relacionado com o associativismo,
70% dos inquiridos tiveram conhecimento em média de 5.6 reuniões e participaram
em 3,6 (os restantes 30% não participaram em nenhuma reunião da AAPCS no último
ano, com 17% nem sequer sendo sócios). Só 44% (10/23) dos pescadores interveio
alguma vez nas deliberações da Associação, em média 2,7 vezes por ano. A grande
maioria dos inquiridos (17/23, 74%) reconhece que entre os papéis da AAPCS deve
ser a deliberação e propostas para a gestão do PMLS, sendo que 30% considera
isto como primeira prioridade (mas há um número semelhante de inquiridos a
achar que a primeira prioridade da Associação deve ser a resolução de assuntos
legais e pessoais dos associados). Finalmente, 65% (15/23) identifica como
melhor modelo de governação para garantir a pesca sustentável dentro do PMLS a
cogestão entre a actual entidade gestora do PMLS (ICNF) e os próprios
pescadores.
Relativamente ao aconselhamento hipotético sobre actividade profissional a um
membro jovem da sua família, 19 em 22 (86%) recomendariam um emprego não ligado
a pesca, seguido por um actividade ligada a pesca e só por último considerar
ganhar a vida na pesca. Só 2 (10%) escolheram pesca como primeira opção e 3
como segunda, enquanto que 1 não considerou sequer a pesca como opção.
Relativamente à preferência pessoal para o futuro (5 cenários alternativos de
actividade nos próximos 5 anos), praticamente ninguém quis ir para uma maior
embarcação e pescar fora do PMLS (só um o considerou como terceira opção e um
como ultima) e só dois consideraram a hipótese de encontrar outro emprego (um
como primeira e outro como segunda opção). Cerca de um terço (30%) consideraram
a reforma, 2 como primeira opção e 5 como segunda, e quase metade (44%)
preferiram continuar na situação actual (6 como primeira opção e 4 como
segunda). Todavia, a maioria (48%) optou por escolher voltar às condições de
pesca antes da entrada do PMLS, 10 como primeira opção e 1 como segunda. Houve
também 4 pescadores (17%) que mesmo sem a existência deste cenário no
questionário identificaram como primeira opção uma situação intermédia entre a
actual e a anterior à entrada em vigor das regras do PMLS (afirmações variaram
desde "como antes, mas com regras" até "como é agora, mas com
mais algum espaço para pescar").
4. Conclusões
A caracterização da pesca do PMLS com base nas respostas ao inquérito foi
reveladora de uma maior complexidade da que normalmente é reconhecida para a
actividade desta pequena frota de <7 m (ver Cabral et al., 2008 para uma
descrição detalhada da frota do PMLS e Horta e Costa et al., 2013b para uma
caracterização comparativa da distribuição espacial das artes de pesca antes e
depois da implementação do POPNA):
* Existem múltiplos métiers com zonas de operação variáveis (e provavelmente
dinâmicas definidas em escalas espaciais distintas para as correspondentes
espécies alvo): a pescada, o besugo, os tamboris, as raias e a corvina são
principalmente capturados fora do PMLS, o polvo, o linguado, o congro, o
robalo e a dourada tanto dentro como fora, enquanto que o choco, a lula, os
sargos, a moreia e o salmonete são principalmente capturados dentro do PMLS;
* As diferenças de tipologia entre botes e aiolas (Cabral et al., 2008;
Abecassis et al., 2013) resultam também em diferenças operacionais
relacionadas com o grau de uso do PMLS na sua actividade regular (muito maior
dependência do espaço do PMLS para as aiolas) e na CPUE por maré
(significativamente inferior em quantidade e valor para as aiolas);
* O número total de licenças de artes de pesca disponíveis em cada embarcação é
largamente superior ao número efectivamente utilizado (em sintonia com a
situação no resto do país), não podendo actualmente constituir nem um
indicador de actividade nem uma ferramenta de gestão do esforço pesqueiro;
* Apesar da predominância de espécies pelágicas ou semi-pelágicas nos
desembarques do PMLS (nomeadamente cavala e carapau), estes recursos de baixo
valor comercial não constituem alvo dos pescadores (que em algumas situações
até procuram evitá-los para reduzir o tempo de limpeza e reparação das
redes), gerando desperdício e enviesando os indicadores baseados em dados de
capturas em lota (e.g. Fig. 4 em Cunha et al., 2014);
* As 17 espécies ou taxa superiores identificadas pelos pescadores como alvos
na Tabela_1, representam entre 73 e 91% do total do valor das 160 espécies ou
taxa superiores desembarcados na lota de Sesimbra por embarcações do PMLS no
período 2005-2013; isto indica que, na óptica dos pescadores, existe uma
diferença substancial entre espécies passíveis de ser desembarcadas e
espécies alvo e esta diferença deve ser tida em conta na análise da
informação de monitorização por censos visuais no PMLS (que só incide sobre
as espécies com presença em menor profundidade - e.g. Henriques et al., 2007;
Horta e Costa et al., 2013a; Henriques et al., 2013 e que deve ser
complementada com outro tipo de monitorização para as restantes espécies
- e.g. através da pesca experimental com tresmalho iniciada no projecto
BIOMARES - Cunha et al., 2014).
Os resultados obtidos pelos pescadores para os indicadores ecológicos no PMLS
são inconclusivos, dada a ausência de padrões claros nas respostas e algumas
incongruências com outras fontes de informação:
* Para o conjunto da actividade dos vários métiers, existe uma prevalência não
significativa da percepção de algum declínio na CPUE das espécies alvo, mais
evidente nas respostas dos que pescam exclusivamente dentro do PMLS
(nomeadamente com toneira para lula e choco), que pode ser corroborada no
caso da lula pelos dados oficiais de desembarque (enquanto que para a maioria
das espécies da Tabela_1 apresentadas na Figure_3 a CPUE média em 2013 é
superior à de 2005, para a lula é inferior) e teoricamente apoiada no caso do
choco (pelo estudo do efeito reserva no PMLS com recurso a telemetria -
Abecassis et al., 2013), mas em ambos os casos esta dinâmica é definida em
escalas espaciais maiores que a do PMLS;
* Espécies para as quais os dados de lota (Fig._3) e a literatura apontam para
algum aumento nos desembarques recentes (pescada, como resultado do plano de
recuperação do stock Ibérico - e.g. STECF, 2013; sargos como verificado
na monitorização do PMLS - Horta e Costa et al., 2013a; e salmonete,
como resultado da pesca experimental no PMLS licenciada nos primeiros 4 meses
do ano desde 2011) não foram destacadas nas respostas dos pescadores;
* No caso dos linguados, ligeiros indícios de aumento recente nas respostas ao
inquérito e nos dados de desembarques é teoricamente apoiada pelos resultados
dum estudo recente de telemetria (que aponta para movimentos limitados dentro
e perto da AMP - Abecassis et al., 2014) mas não pela análise de CPUE
experimental apresentada no mesmo trabalho;
* Existem algumas indicações de alterações para espécies não alvo, com os
pelágicos a aumentar e a faneca a diminuir, que são corroboradas pelos dados
de desembarques nos últimos anos (no caso dos pelágicos mesmo para
embarcações locais fora do PMLS) e, no caso da cavala por literatura recente
(e.g. Martins et al., 2013);
* Nos indicadores ecológicos de tendência, não houve percepção de alguma
alteração na biodiversidade do sistema, no tamanho de predadores, na força de
recrutamento de espécies alvo ou no spill-over de biomassa para fora do PMLS,
podendo isto significar falta de melhoria no sistema ecológico do PMLS ou
falta de adequação dos indicadores pesqueiros às propriedades do sistema a
monitorizar (resultante de formulação inapropriada da pergunta ou falta de
informação adequada na resposta - e.g. o número de espécies capturadas
por ano estimado nas respostas é substancialmente inferior ao observado por
arte em Cabral et al., 2008);
* A observação mais relevante para a biodiversidade e produtividade da zona
ocorreu indirectamente (através das respostas a uma pergunta de governança)
que revelou a importância do desaparecimento das macroalgas castanhas antes
da delimitação do PMLS, tanto na estrutura e funcionamento ecológico do
sistema (e.g. Santos, 1993; Ramos, 2009) como na aceitação do PMLS (por causa
da lembrança de um sistema ecológico rico e diverso sem as restrições do
POPNA).
Os resultados obtidos para os indicadores socioeconómicos e de governança são
claros no registo maioritário de desalento, mas difusos no registo das causas e
propostas de solução:
* Prevalece uma insatisfação com a situação actual de pesca no PMLS (maioria
quer voltar à situação anterior ao PMLS ou modificar as regras actuais) e
pessimismo sobre o futuro (quase ninguém recomenda a pesca para o futuro de
jovens familiares), posições que, apesar da provável influência das
tendências gerais na pequena pesca em Portugal (Fig._4) e no sul da Europa
(e.g. Freire and Garcia-Allut, 2000; Garcia-de-la-Fuente et al., 2013),
contêm também alguns elementos específicos da realidade do PMLS (e.g. vontade
de mudar para condições antes do PMLS significativamente maior para aiolas do
que para botes; as mesmas perguntas nas AMPs de Cedeira e Lira na Galiza
tiveram respostas mais optimistas - Vidal e Verisimo, per. com.);
* Apesar da falta de detecção de melhorias ecológicas com influência na
actividade pesqueira nos anos recentes, identifica-se um número razoavelmente
elevado de pescadores a querer obter a licença do PMLS (juntamente com o
surgimento de embarcações <7 m mais potentes em Sesimbra sem licença do PMLS)
e há reconhecimento de algum valor económico especificamente atribuído na
licença do PMLS (que possivelmente é mais ligado à proximidade ao porto de
origem, principalmente no caso das aiolas - Horta e Costa et al.,
2013b);
* Os maiores problemas de gestão pesqueira são relacionados com a concorrência
pela ocupação do espaço por actividades de pesca autorizadas no PMLS (lúdicos
e profissionais), mas apesar dos problemas e da vontade de alterações, o
conflito com a entidade gestora (ICNF) não é assumido como forte ou a
deteriorar. A opção de cogestão com o ICNF é largamente prevalecente, o que é
consistente com uma vontade de maior participação na governança do sistema
(Carneiro, 2011; Vasconcelos et al., 2012) mas não com a visão de uma
considerável fração dos inquiridos que entende que a principal função da
Associação deve ser de resolver problemas pessoais dos pescadores;
* Existem grandes diferenças entre aiolas e botes em termos de licenças,
rendimentos, perspectivas para o futuro que se agravem com o passar dos anos
desde a implementação do POPNA.