Efeito da Intervenção Cultural na Caracterização Morfológica de Diferentes
Proveniências de Quercus suber
1 - Introdução
O sobreiro (Quercus suber L.) é uma espécie com elevado potencial de expansão
considerando as simulações das alterações climáticas preditas pelos modelos. A
área de sobreiro em Trás-os-Montes é de 8 800 ha sendo uma espécie importante a
considerar nas estratégias de silvicultura adaptativa planeadas para fazer face
às alterações climáticas. Apesar da sua importância a adaptação da espécie às
condições ambientais está pouco estudada. Com o objetivo de compreender o
determinismo genético dos traços adaptativos da espécie e estudar padrões de
variação adaptativa, assumindo que existe diferenciação genética nos traços
fenológicos encontrados nas populações de sobreiro, estabeleceu-se um ensaio em
Mogadouro -Trás-os-Montes com 34 proveniências oriundas da bacia do
Mediterrâneo onde a espécie tem a sua distribuição natural. Este ensaio insere-
se numa rede internacional EUFORGEN de ensaios de proveniência e descendência
de sobreiro.
Considerando que não só a adaptação, mas também a melhoria da qualidade do
material reprodutivo, em termos de conformação do tronco e da cortiça
produzida, são importantes, e que a melhoria da forma pode ser induzida
artificialmente através da técnica de assentamento de cortes de formação, neste
trabalho testou-se a influência das podas de formação na melhoria da forma das
proveniências, uma vez que aos testes genéticos devem estar associados às
técnicas culturais mais adequadas. Pretendeu-se avaliar, em termos
comparativos, se a aplicação da técnica alterava significativamente a maior ou
menor adequação das proveniências para a exploração da cortiça.
Como é sabido, o sobreiro quando deixado crescer livremente raramente apresenta
a conformação desejável para a exploração da cortiça na medida em que apresenta
uma dominância apical pouco marcada e uma tendência natural para formar
bifurcações desde muito cedo, dificultando, por si só, a obtenção de um fuste
único e cilíndrico numa extensão de pelo menos 3 a 4 metros para rentabilizar a
tiragem da cortiça e acrescentar uma maior valorização às pranchas obtidas.
Desta forma os cortes ou podas de formação devem ser aplicados aos sobreiros
jovens a partir de 1 a 1,5 m de altura (BARROS e SOUSA, 2006) com o objetivo de
formar a árvore para um melhor aproveitamento industrial da cortiça. Consistem
em suprimir os duplos ou múltiplos cimos de uma árvore e em retardar ou
suprimir os ramos perigosos que fazem ângulos muito apertados com o tronco
principal, bem como os restantes ramos grossos, caso a árvore ainda comporte
uma redução de copa. As podas de formação devem ser executadas progressivamente
ao longo do tempo de acordo com a altura da árvore e o desenvolvimento dos
ramos (HUBERT e COURRAUD, 1994). Trata-se de uma técnica cultural que, quando
bem executada, proporciona uma melhoria significativa da forma da árvore.
Segundo NATIVIDADE (1990) os sobreiros explorados em montado para produção de
cortiça devem possuir um fuste único com 3 m de comprimento e uma armação da
copa em duas a três pernadas (ramificações de 1ª ordem), bem posicionadas, com
1,5 m de comprimento, livres de ramos, e braças (ramificações de 2ª ordem) com
1,20 m de comprimento, igualmente livres de ramos, para permitir extrair a
cortiça dos ares.
A execução deste modelo de condução do sobreiro em sistema agro-florestal só é
possível com a aplicação de podas de formação desde muito cedo que valorizem,
inicialmente, a formação de um fuste único na extensão pretendida e,
posteriormente, a armação da copa por forma a conseguir-se a arquitetura ideal
para a extração da cortiça.
2 - Material e métodos
2.1 - Desenho experimental e material vegetal
Em março de 1998 instalou-se um ensaio com 34 proveniências de sobreiro,
oriundas de 7 países da Bacia do Mediterrâneo (Figura_1), na Quinta da
Nogueira, Mogadouro, Trás-os-Montes. Na Tabela_1 é apresentada a origem das
diferentes proveniências. Este ensaio está inserido na rede internacional
EUFORGEN de ensaios de proveniência de sobreiro (3 ensaios em Portugal, um no
Norte e dois no Sul do país, 2 em França, 3 em Itália, 1 em Marrocos, 2 em
Espanha e 2 na Tunísia). O ensaio foi implementado em 30 blocos casualizados
completos, ocupando uma área de 11,5 ha. Cada bloco com uma área de 0,25 ha é
constituído por duas parcelas distribuídas aleatoriamente dentro do bloco,
sendo cada parcela constituída por duas plantas da mesma população, perfazendo
no total 140 plantas por bloco. Inicialmente optou-se pela plantação com dupla
planta para assegurar a sobrevivência com um compasso de 6 x 6 m, ficando as
plantas da mesma parcela à distância de 1 m. Cada par de plantas pertencente à
mesma família foi desbastado em 2008. Informações detalhadas sobre as
populações produtoras de semente e o estabelecimento dos ensaios poderão ser
encontradas em VARELA (2003).
2.2 - Descrição do local
O ensaio foi estabelecido numa quinta privada localizada em Mogadouro
(41º20'19'' N, 6º40'29'' W e 750 m de altitude). A precipitação média anual é
de 819,3 mm com um máximo de 106,2 mm registado em fevereiro e um mínimo de
13,4 mm em Agosto. A temperatura média anual é de 12ºC com um máximo absoluto
de 38,8ºC ocorrido em Junho e um mínimo absoluto de -12,3 em Janeiro. O
principal tipo de solos presente no local são os Cambissolos Districos de
acordo com (FAO, 1988). A Quercus suber, Quercus ilex e Quercus pyrenaicasão as
espécies arbóreas dominantes na Zona.
2.3 - Recolha de dados de campo
A recolha de dados de campo foi efetuada em dois momentos distintos: em Abril
de 2005, antes das árvores serem submetidas a podas de formação, e em Abril de
2010, um ano após o último corte de formação e após o desbaste efetuado dentro
das parcelas da mesma família. A caracterização morfológica das proveniências
foi efetuada com recurso à avaliação de características qualitativas do fuste
(F1 - vigor do ramo principal; F2 - retitude; F3 - cilindricidade), inclinação
(desvio do ramo principal relativamente à horizontal) e dominância do fuste
(existência de ramo principal, perda de guia e densidade de ramos no tronco),
utilizando uma escala de 1 (pior característica) a 6 valores (melhor
característica).
Em ambos os períodos foram avaliadas as alturas totais h (m) e os diâmetros d
(cm) das árvores sobreviventes em cada bloco. Embora as variáveis de
crescimento d e h possam não ser uma característica adaptativa, podem ser
assumidas como um indicador de crescimento dando informação acerca da
adaptabilidade das proveniências ao local.
Todas as árvores do ensaio foram intervencionadas aplicando a mesma técnica
(Figura_2) para não comprometer a possibilidade de comparação, em futuras
avaliações, entre e dentro das populações.
2.4 -Análise estatística
No tratamento estatístico dos dados recolhidos em 2005 e em 2010, efetuaram-se
testes de Kruskal-Wallis para comprovar a existência de diferenças
significativas (a=0,05) entre proveniências no que respeita às variáveis
caracterizadoras da morfologia. Posteriormente exploraram-se padrões existentes
na estrutura de variabilidade dos dados, através da análise de componentes
principais (PCA) usando o procedimento de Optimal Scalling do SPSS Statistics
20. Procedeuse ainda a um escalonamento multidimensional não métrico (nMDS) de
modo a obter o mapa perceptual de proximidades entre proveniências a partir de
uma matriz de distâncias medidas nas variáveis da morfologia que foram
avaliadas. Usou-se o algoritmo ALSCAL (alternating least squares scaling) do
SPSS Statistics 20 aplicado à matriz de distâncias de Bray-Curtis (BRAY e
CURTIS, 1957) calculadas com as variáveis avaliadas para as proveniências.
3 - Resultados e discussão
Relativamente à análise estatística efetuada, verificou-se que no caso do nMDS,
a solução com duas dimensões revelou ser capaz de reproduzir de forma adequada
as diferenças nas características morfológicas entre proveniências. A qualidade
da solução do nMDS foi avaliada através de uma função de discrepância (STRESS)
e uma estatística semelhante ao R2da regressão linear (RSQ). O STRESS é
considerado uma medida da mediocridade da solução e quanto maior o seu valor,
pior é a qualidade da solução retida. Os valores obtidos para 2005 indicam,
segundo MARÔCO (2011), uma qualidade da solução excelente (STRESS=0.0436) a
muito boa (RSQ=0.993). Para o ano 2010, a qualidade da solução é boa
(STRESS=0.0748) a muito boa (RSQ=0.984).
A análise dos mapas perceptuais das semelhanças/dissemelhanças entre
proveniências revelou que, globalmente, o grupo de proveniências marroquinas
apresenta melhores características morfológicas do que as restantes
proveniências. Se esta performance não se verificava em 2005 para algumas
proveniências deste grupo, em 2010, após a intervenção cultural, todo o grupo
evidencia bom vigor e boas características de forma (Figura_3).
O grupo de proveniências italianas é aquele que globalmente apresenta menor
vigor e pior conformação da árvore individual e a performance do grupo de
proveniências francesas é também modesta. Em termos de escalonamento, o efeito
comparado das podas de formação na melhoria da morfologia das proveniências
destes grupos e de algumas proveniências portuguesas e espanholas é muito
reduzido. Há a destacar as duas proveniências tunisinas com evolução muito
positiva após podas de formação, passando uma delas a estar entre as
proveniências com melhores características morfológicas em 2010, sobretudo
devido à melhoria da retitude e do vigor do fuste. As proveniências dos dois
maiores grupos, portuguesas e espanholas, onde se regista maior variabilidade,
aparecem quer entre as proveniências com piores características morfológicas,
quer entre as proveniências com melhor conformação do fuste. Assinala-se também
a melhoria ao nível morfológico da proveniência portuguesa do Romeu (PT24) que
se destaca em 2010, sobretudo pela melhoria da retitude, inclinação e
dominância do fuste. Duma maneira geral, as proveniências marroquinas e
tunisinas revelam boas características adaptativas com bons crescimentos, forma
e vigor do fuste que são potenciadas pelos cortes de formação, sobretudo no
caso das tunisinas.
A análise de componentes principais (PCA) realizada permite-nos chegar a
conclusões similares como se pode observar na Figura_4. A componente 1 traduz
um gradiente (esquerda-direita) de melhoria no crescimento em altura e nas
características morfológicas ligadas à forma. Esta componente explica 61% da
variabilidade total em 2005 e 52% em 2010. A componente 2 explica uma
percentagem claramente inferior da variabilidade total, sendo de 15% em 2005,
onde a variável inclinação é aquela que mais se correlaciona com esta
componente, e de 21% em 2010, estando sobretudo associada à dominância.
Em 2005, antes das podas de formação, a maioria das proveniências marroquinas,
algumas portuguesas e espanholas estão associadas a melhor crescimento em
altura, melhor dominância, melhor vigor e maior retitude do fuste. Entre as
proveniências com pior retitude e menor vigor do fuste encontram-se as
italianas, francesas e tunisinas. Cinco anos depois, após podas de formação
sucessivas, uma das proveniências tunisinas (TU32) responde muito positivamente
em termos de retitude e dominância do fuste, acompanhando as marroquinas e a
proveniência do Romeu (PT24) com melhores desempenhos nestes parâmetros. As
proveniências italianas, francesas e da Serra Morena Ocidental (ES6) continuam,
em termos comparativos, entre as que apresentam pior crescimento em altura,
menor vigor, dominância e retitude do fuste.
4 - Conclusões
As podas de formação parecem não ter efeito ou ter um efeito muito reduzido no
escalonamento da evolução das proveniências que anteriormente revelavam já as
piores características morfológicas como o grupo das italianas e o das
francesas e algumas proveniências dos grupos de portuguesas e espanholas. As
proveniências marroquinas revelam boas características adaptativas em termos de
crescimento, vigor e conformação do fuste que são potenciadas pelos cortes de
formação. As proveniências tunisinas demonstraram uma evolução muito positiva
após podas de formação sobretudo devido à melhoria da retitude e do vigor do
fuste.
As podas de formação interferem na melhoria da conformação do fuste de todas as
proveniências, no entanto, em termos de escalonamento em função do crescimento,
vigor e forma do fuste, foram poucas as proveniências que alteraram
consideravelmente a sua posição, relativamente às já anteriormente melhor
posicionadas, uma vez que todas ganharam em termos de forma com esta
intervenção cultural.
As podas de formação têm um efeito benéfico na melhoria da forma da árvore
dando uma ajuda ao carácter intrínseco da expressão génica inerente à
proveniência. Assim, e uma vez que a técnica aplicada para melhoria da forma
foi a mesma em todos os indivíduos mas proporcional às suas necessidades,
aquilo que o potencial genético não conseguiu demonstrar foi-lhes
proporcionado, em certa medida, através da técnica. Contudo, os bons resultados
só são conseguidos quando se associa a qualidade do material genético à
aplicação correta das podas de formação.