Tipos de Ruptura em Madeira de Eucalyptus grandis Modificada Termicamente
1 - Introdução
Muitos processos de modificação térmica da madeira são descritos na literatura.
Em geral, eles apresentam em comum o fato da madeira ser exposta a temperaturas
próximas a 200ºC durante várias horas (CALONEGO et al.,2010, 2012; HOMAN et
al.,2000; METSÄ-KORTELAINEN et al.,2005; SEVERO et al.,2012; WASKETT e SELMES,
2001).
O aquecimento da madeira em altas temperaturas ocasiona a degradação das
hemiceluloses e das regiões amorfas da celulose, contribuindo com o aumento do
grau de cristalinidade desse polímero e melhorar a sua estabilidade
dimensional. Concomitantemente, a reticulação entre a lignina e os polímeros
resultantes da degradação térmica da madeira dificulta o reconhecimento do
substrato pelos fungos e aumenta a resistência natural da madeira aos agentes
xilófagos (BHUIYAN et al.,2000, 2001; CALONEGO et al.,2010, 2012; METSÄ-
KORTELAINEN et al.,2005; WASKETT e SELMES, 2001; SEVERO et al.,2012; WEILAND e
GUYONNET 2003; WIKBERG E MAUNU, 2004).
Contudo, em geral, as propriedades mecânicas da madeira diminuem com o
aquecimento (BODIG e JAYNE, 1982; FOREST PRODUCTS LABORATORY, 1999; HAYGREEN e
BOWYER, 1996). Quando a madeira é modificada termicamente, ocorre a degradação
térmica do material, resultando em perda de massa (FOREST PRODUCTS LABORATORY,
1999; HAYGREEN e BOWYER, 1996; HOMAN, et al.,2000; WASKETT e SELMES, 2001).
Assim, a resistência mecânica da madeira é reduzida em cerca de 30% (HOMAN et
al., 2000; WASKETT e SELMES, 2001).
O tratamento térmico da madeira de Eucalyptus globulusentre 190°C e 210°C
ocasionou a diminuição nos módulos de ruptura e de elasticidade em flexão
estática na ordem de 50,0% e 15,0%, respectivamente (ESTEVES et al., 2007).
Já, a madeira de Eucalyptus grandis,quando modificada termicamente entre 180ºC
e 220°C, apresentou diminuição significativa de 24,0% a 52,3% no módulo de
ruptura em flexão estática, sem alterar o seu módulo de elasticidade. Contudo,
segundo esse trabalho, os módulos de elasticidade e de ruptura em compressão
paralela às fibras não foram alterados com o tratamento térmico (CALONEGO et
al., 2012).
Entretanto, geralmente, a literatura sobre modificação térmica da madeira não
mostra o comportamento da ruptura nos ensaios mecânicos. Todavia, qualquer
elemento estrutural estará em situação de segurança quando apresenta ruptura
dúctil, que é acompanhada por grandes deformações até a ruína do material.
Segundo ASTM D-143 (2007), a forma de ruptura em compressão paralela às fibras
denominada fendilhamento e a superfície de ruptura em flexão estática
denominada tração com ruptura são indícios de estrutura molecular modificada
e/ou de defeitos internos na madeira.
A realização de cortes longitudinais ao longo de tábuas de Eucalyptus
grandistratadas termicamente a 200ºC, durante 3 a 4 horas, evidenciou que o
material apresentava fendas internas visíveis (CALONEGO e SEVERO, 2010).
ZICHERMAN e WILLIAMSON (1982) verificaram que durante a pirólise das madeiras
de Pseudotsuga menziesiie Tsuga heterophyllasurgiram micro-fissuras internas
devido ao estresse desenvolvido na matriz ligno-celulósica com a degradação
térmica da celulose.
Assim, o objetivo desse trabalho foi caracterizar os tipos de ruptura após os
ensaios mecânicos da madeira de Eucalyptus grandismodificada termicamente.
2 - Material e métodos
No presente estudo foi utilizada madeira proveniente de árvores de Eucalyptus
grandiscom 5,9 anos de idade da fazenda Rio Claro, da empresa Duratex SA,
localizada em Lençóis Paulista, São Paulo, Brasil. Dezenove árvores foram
aleatoriamente selecionadas de um talhão com 2,2 ha. Após o abate, as árvores
foram traçadas em toras com 6,0 m de comprimento. A primeira tora de cada
árvore com 20 a 22 cm de diâmetro foi processada mecanicamente em serra de fita
dupla. Posteriormente, as tábuas centrais foram secas de 75,7% a 10,0% de
umidade numa estufa de secagem com capacidade de 2,5 m3de madeira. As tábuas
secas e com aproximadamente 34 mm de espessura foram utilizadas nesse estudo.
2.1 - Modificação térmica das tábuas e preparo dos corpos-de-prova
Dezenove tábuas centrais foram aplainadas com 32 mm de espessura e cortadas em
peças menores, com 0,60 m de comprimento. As regiões com nós e fendas foram
descartadas. Uma das peças foi mantida em estado original (madeira não tratada)
e as outras peças foram tratadas termicamente (madeira termicamente
modificada).
O material foi colocado numa estufa elétrica com controlador programável. O
tratamento térmico (sem atmosfera inerte e por irradiação de calor) foi
realizado em etapas, com uma temperatura inicial de 100ºC até 140ºC, 160ºC,
180ºC, 200ºC e 220ºC por um período de 2,5 horas, de acordo com a aplicação da
patente desenvolvida por SEVERO e CALONEGO (2009). Após o término do tratamento
térmico, a estufa elétrica foi desligada e as peças de madeira foram mantidas
no seu interior sob resfriamento natural, até alcançarem 30ºC.
De cada peça de madeira foram retirados corpos-de-prova perfeitamente
orientados em relação aos três planos anatômicos (radial, tangencial e
longitudinal), a partir de 40 mm da medula. Os corpos-de-prova de compressão
paralela às fibras tinham dimensões de 29 mm x 29 mm x 87 mm, sendo a maior
aresta lateral orientada na direção longitudinal. As respectivas dimensões dos
corpos-de-prova de flexão estática foram 25 mm x 25 mm x 575 mm.
2.2 - Caracterização das rupturas da madeira de Eucalyptus grandis
Todos os corpos-de-prova foram aclimatizados (21ºC e 65% de umidade relativa)
numa câmara climática, no Laboratório de Secagem e Preservação de Madeiras, da
FCA, UNESP, Botucatu-SP, Brasil.
Posteriormente, ensaios de compressão paralela às fibras e de flexão estática
da madeira de Eucalyptus grandisforam realizados. Os módulos de ruptura em
compressão paralela às fibras e em flexão estática da madeira controle foram
39,8 MPa e 69,0 MPa, e apenas a resistência em flexão foi reduzida (até 52,3%)
pelo tratamento térmico (CALONEGO et al., 2012). Após os ensaios mecânicos,
todos os corpos-de-prova da madeira não tratada e das termicamente modificadas
tiveram as suas formas de ruptura classificadas pela norma técnica ASTM D-143
(2007), conforme mostra a Figura_1. As associações entre as variáveis
(temperatura do tratamento e tipo de ruptura) foram determinadas por meio do
teste do qui-quadrado.
3 - Resultados e discussão
Conforme proposto no presente estudo, determinou-se o efeito de diferentes
temperaturas de modificação térmica sobre as formas de ruptura e os tipos de
superfícies de ruptura dos corpos-de-prova de Eucalyptus grandis, após os
ensaios de compressão paralela às fibras e de flexão estática. A Tabela_1
mostra a classificação das formas e dos tipos de superfície de ruptura,
conforme o estabelecido pela norma ASTM D-143 (2007), em função do número de
corposde-prova provenientes tanto de madeira não tratada como das termicamente
modificadas.
Constata-se que 100% dos corpos-de-prova da madeira não tratada e das
termicamente modificadas entre 140ºC e 160ºC apresentaram tipos de ruptura
classificados como normais, após os ensaios de compressão paralela às fibras e
de flexão estática. Aproximadamente 89,5% e 26,3% das madeiras tratadas com
180ºC e 200ºC apresentaram forma normal de ruptura, no ensaio de compressão
paralela às fibras. Em torno de 84,2% e 55,6% do número de peças desse material
apresentaram superfície de rupturas classificadas como normais após os ensaios
de flexão estática.
Ficou constatado que existe uma relação direta entre a temperatura do
tratamento térmico e o número de corpos-de-prova com rupturas caracterizadas
como frágeis (p = 0,001 pelo teste qui-quadrado), de modo que 100% da madeira
de Eucalyptus grandistermicamente modificada a 220ºC apresenta ruptura frágil
após ensaios de solicitação mecânica.
Esses resultados são coerentes com as conclusões de ROUSSET et al.(2004),
ZICHERMAN e WILLIAMSON (1982) e CALONEGO e SEVERO (2010), que ao tratarem
termicamente as madeiras de Populus robusta, Pseudotsuga menziesii, Tsuga
heterophylla e Eucalyptus grandisencontraram micro-fendas internas originadas
durante os tratamentos térmicos, e com a explicação da norma técnica da ASTM D-
143 (2007), na qual as rupturas caracterizadas como frágeis podem ocorrer
devido a fendas internas na madeira e à estrutura molecular modificada do
material.
As mudanças na composição química da madeira durante o tratamento térmico podem
ser responsáveis por esse comportamento. Vários autores, dentre os quais:
BHUIYAN et al.(2000, 2001), METSÄ-KORTELAINEN et al.(2005), SEVERO et al.
(2012), WASKETTeSELMES(2001),WEILANDeGUYONNET(2003) e WIKBERGeMAUNU(2004)
afirmaram que a reticulação entre a lignina e os polímeros resultantes da
degradação térmica da madeira é responsável pela mudança em diversas
propriedades.
As prováveis alterações nas propriedades químicas e anatômicas da madeira de
Eucalyptus grandis, durante os tratamentos térmicos, deverão ser em trabalhos
futuros melhores elucidadas, pois poderão explicar com melhor exatidão os tipos
de ruptura dos corpos-de-prova do material modificado termicamente. Contudo,
precauções devem ser tomadas quanto ao uso da madeira de Eucalyptus grandisque
tenham sido submetidas ao processo de modificação térmica com temperaturas
acima de 180ºC, no que se refere ao seu uso estrutural.
4 - Conclusões
Verificando o efeito da modificação térmica sobre os tipos de ruptura da
madeira de E. grandis,conclui-se que: (1) existe uma relação direta entre a
temperatura do tratamento térmico e a ruptura frágil da madeira; (2) a madeira
de E. grandismodificada termicamente a 220ºC apresentou 100% de ruptura frágil
após ensaios de compressão paralela às fibras e de flexão estática.