AS PASTAGENS - PASSADO, PRESENTE E FUTURO
O PASSADO
Com a domesticação dos animais herbívoros, iniciada nos anos de 10 000 a 8 000
a.C., o Homem começou a prestar atenção às
pastagens, muito embora tal tivesse sucedido
só em fase adiantada, quando a submissão do
gado era já suficiente para suportar o domínio
do pastores.
Milénios mais tarde, provavelmente a
partir do século VI a.C., a pastorícia começou
a ser impulsionada no nosso território pelos
Celtas, porque a posse de gado conferia riqueza
e poder, segundo Caldas (1991), e a eles se
deve a prática da rega de abundância, ou rega
de lima, das pastagens de montanha (Raposo,
1994).
Foi, todavia, com os Romanos que se
iniciou a cultura das forragens, mediante a
introdução do feno-grego ou fenacho, da
ervilhaca e do tremoço, bem como o cultivo
da aveia forrageira (Caldas, 1991).
Importa frisar, no que respeita às leguminosas, que elas faziam parte dos sistemas
cerealíferos que os Romanos fomentaram na
Península Ibérica, pois autores como Varrão,
Columela e Vergílio já referiam os benefícios
induzidos na produção de cereais pela leguminosas que com eles alternavam.
Pode-se, portanto, dizer que as forragens
se cultivam em Portugal há mais de 2000 anos.
É, porém, na segunda metade do século
XIX que se inicia o desenvolvimento, com
base científica, das forragens - mas não ainda
das pastagens semeadas.
Assim, em 1878, preconiza-se a ensilagem
do milho e do sorgo sacarino como prática que
“os lavradores devem ensaiar” (Anónimo,
1877-1878).
Em 1897, a revista Portugal Agrícola
apresentou, sob o título genérico “As melhores
forragens”, diversos artigos com preceitos de
cultivo e informações úteis, quer respeitantes
a forragens já conhecidas, como a ervilhaca,
o chícharo, a serradela, o centeio, a aveia e o
milho, quer a outras, que eram recentes, citando-se o Bromo de Schrader (Bromus
unioloides), o fenacho (Trigonella foenumgraecum), a soja hispida (Dolichos Soja) e o
azevém ou erva-castelhana (Lolium multiflorum) (Carvalho, 1897-1898).
Digno de nota é o interesse suscitado no
Agrónomo Rebello da Silva, então Professor
do Instituto de Agronomia e Veterinária, pela
espécie que a seguir se indica e sobre a qual
fez uma experiência cujos resultados publicou
com o título “Estudo sobre a fertilização d’um
terreno por meio da luzerna - Cultura da
luzerna, e de sementeiras consecutivas de trigo
e milho sem adubação azotada” (Silva, 1903).
O autor estudou um luzernal, de 1 ha,
estabelecido em 1893 ou 1894, no Vale de
Santarém, em regadio. A sua duração foi de
sete anos e a fixação de azoto atmosférico foi
de 1664,2 kg, correspondendo a 237 kg/ano.
Nunca se lhe fez qualquer adubação, tendo
levado apenas uma tonelada de gesso no 4º
ano.
Comentando os resultados, Rebello da
Silva escreve: “...lavrado o luzernal, o terreno
deu a seguir duas boas colheitas de trigo e
outras tantas de milho, como anteriormente
nunca haviam sido obtidas antes da cultura da
luzerna.” Note-se que estes cereais foram
adubados apenas com superfosfato de cálcio.
Esta espécie, que Motta Prego (1926) afirmava, em 1924, ser completamente desconhecida em toda a região minhota, foi por ele
estudada em Santo Tirso. Aqui, fez a comparação com a sucessão tradicional de “milhogrão e erva no inverno (a dar dois cortes)”,
concluindo que a luzerna, num período de
cinco anos de vida, dá maiores rendimentos e
tem muito menos despesas, além de promover
um enriquecimento da terra em azoto, da
ordem de 60 kg/ha/ano.
Perante a relativamente fraca expansão da
luzerna nos tempos actuais, é pertinente dizer:
Que falta nos fazem Rebello da Silva e Motta
Prego!
A partir da década de 1920, os Serviços
Oficiais fizeram assinaláveis esforços, embora
bastante diferentes na intensidade e na distribuição geográfica, para o desenvolvimento
da cultura forrageira, abarcando um número
apreciável de espécies, principalmente de
leguminosas.
A sementeira de pastagens plurianuais
continuava a não ser preconizada. No caso do
sequeiro, porque se desconhecia a existência
de espécies que persistissem após o Verão e,
no caso do regadio, porque a tradição era de
se fazer a exploração da ervagem por cortes.
Assim se foram passando os anos, até que,
em 1965, se semeiam, pela primeira vez,
pastagens, ou seja, espécies cuja utilização
pelo gado é, total ou predominantemente, em
pastoreio, desta forma se distinguindo das forragens. Isto acontece com o trevo subterrâneo,
cerca de 50 anos depois da Austrália o ter feito.
É de toda a justiça referir que tal se deveu
à acção muito dinâmica dos engenheiros
agrónomos Mário Barreira da Ponte e David
Crespo, bem como ao Prof. Artur Garcia, que
lhes prestou todo o apoio no domínio da
inoculação das sementes com estirpes australianas de Rhizobium.
Note-se que, apesar dos trabalhos de
Rebello da Silva e de Motta Prego evidenciarem os benefícios da fixação do azoto
atmosférico, e até a quantificarem, a prática
da inoculação continuou omissa e só nesse ano
de 1965 principiou a generalizar-se, mas
apenas nas leguminosas pascícolas.
O PRESENTE
Utilização do solo
Para bem se perspectivar o futuro das pastagens semeadas, há que fazer uma análise da
situação actual e, para isso, os recenseamentos
gerais da agricultura de 1989 e 1999 constituem instrumentos preciosos.
O segundo recenseamento revela que a SAU
(superfície agrícola utilizada) diminuiu 3,5% em
relação a 1989. Todavia, nas utilizações do solo
que estão relacionadas com a alimentação
animal, as alterações foram muito mais
profundas, como se patenteia no Quadro 1.
A observação deste quadro mostra que
ocorreu uma diminuição de cerca de um terço
nas áreas de cereais e de pousio, totalizando
551 000 ha. Acresce ainda que as pastagens
temporárias tiveram uma redução de 37 000 ha,
o que eleva para 588 000 ha a superfície que
deixou de estar submetida a rotações agrícolas.
Certamente não por acaso, houve nas
pastagens permanentes um acréscimo de 580 000
ha, ou seja, da mesma ordem de grandeza.
Afigura-se, por isso, legítima a ilação de
que as terras que deixaram de ter cereais e,
consequentemente, de estar em pousio, bem
como as que deixaram de ter pastagens temporárias foram, em regra, para pastagens permanentes,
que ocupam agora a elevada área de
1,4 milhões de hectares (37% da SAU).
Esta reconversão poderia ter sido muito
benéfica se fosse para pastagens semeadas,
mas, na esmagadora maioria dos casos, isso
não aconteceu.
Nas culturas forrageiras houve uma diminuição de 6% da sua superfície de 1989, não
se sabendo qual a utilização que passaram a
ter.
Globalmente, os terrenos que constituíam
o suporte da nutrição herbácea dos gados em
1989, e que eram os de pousios, prados temporários e permanentes e culturas forrageiras,
aumentaram 254 000 ha, isto é, 11%, abrangendo, em 1999, quase 2,6 milhões de hectares. Isto representa a elevada proporção de
67% da SAU.
Efectivos pecuários
Achamos de muito interesse analisar a
repercussão que a evolução acabada de descrever teve nos efectivos pecuários.
O Quadro 2 permite comparar os efectivos
no ano seguinte ao de cada recenseamento, isto
é, em 1990 e 2000.
No que se refere a bovinos, houve um
acréscimo relativamente pequeno de 2,8%,
com evoluções muito díspares nos seus componentes.
Com efeito, os aumentos substanciais no número de novilhas com mais de 2
anos (que não figuram no quadro) e de vacas
não leiteiras - 55% e 47%, respectivamente foram muito atenuados por decréscimos
noutros grupos, em especial nas vacas leiteiras,
que tiveram uma baixa de 12%.
Quanto a ovinos e caprinos, registou-se
uma quebra de 27% nestes e uma subida de
6,5% naqueles.
No conjunto destas três espécies pecuárias,
em 2000 há apenas mais 23 000 cabeças, ou
seja, mais 0,4% do que 10 anos antes.
Atendendo à evolução, atrás referida, nas
áreas pascícolas e forrageiras, com uma resultante de mais 11%, pode-se afirmar que está a
dar-se um nítido subaproveitamento dos
recursos que se tornaram disponíveis.
Alimentos Compostos
A propósito de recursos, afigura-se pertinente examinar a produção de alimentos
compostos para animais nos anos de referência
(embora com a particularidade de se considerar aqui 1991, por não termos obtido elementos de 1990).
Apesar de neste sector ter havido importações e exportações, pensamos que há uma
correlação significativa entre produção nacional
(Quadro 3) e consumo de alimentos compostos.
Começando pelos bovinos, verifica-se
que a produção a eles destinada diminuiu,
em contraste com o aumento do seu número.
Já no que respeita às vacas leiteiras, o
decréscimo destas (12%) foi proporcionalmente maior do que o ocorrido na
produção de alimentos compostos para elas
(3%). Isto dá suporte à hipótese, comprovada por outros factos, de haver agora vacas
de maior produtividade e, consequentemente, consumidoras de maiores quantitativos de alimentos compostos.
Passando aos ovinos, é desproporcionada
a evolução no seu número, que foi de 6,5%
(com 9,4% em ovelhas), quando comparada
com a registada na produção de alimentos
compostos para eles, que aumentou 60%.
Mais surpreendente é o que se verificou
nos caprinos: a uma nítida diminuição destes
(27%) correspondeu um impressionante
acréscimo de 203% nos alimentos compostos
que lhes são destinados. Quer isto dizer que a
cabra está a passar de animal que só comia
matos e erva para animal que quase só come
rações. Se é certo que numa caprinicultura
racional os concentrados se justificam, surge,
no entanto, a dúvida de que, em muitas
cabradas, esteja a haver uma subutilização das
componentes arbustiva e herbácea.
Produção animal, comércio internacional e
grau de auto-aprovisionamento
As consequências das alterações verificadas na utilização do solo, expressas no
quadro 1, vão ser agora apreciadas, não apenas
no que diz respeito à produção animal, mas
também na influência desta sobre o comércio
internacional e o grau de auto-aprovisionamento de carne, leite e lacticínios.
Carnes
O exame do quadro 4 mostra que a evolução de 1990 para 2000 foi totalmente negativa.
Tanto a produção de carne de bovinos como
a de ovinos diminuiu, apesar dos efectivos
destas espécies ter aumentado (Quadro 2).
A baixa na carne de caprinos é de percentagem praticamente igual à verificada nos
efectivos.
Ora, o aumento da superfície de pastagens
devia repercutir-se substancialmente na produção cárnea e, como sucedeu o inverso, é
legítimo concluir-se que, se o encabeçamento
em 1990 já era pequeno, o de 2000 é ainda menor.
As consequências na balança comercial
são graves, pois as importações, sobretudo de
carne de bovinos, subiram muito e o grau de
auto-aprovisionamento teve uma quebra
significativa, estando a menos de 68%.
Leites e manteiga
Neste sector, o Quadro 5 patenteia uma
outra evolução.
A produção de leites de vaca e de ovelha
aumentou, graças a uma melhoria muito sensível na produtividade destes animais, que ultrapassou largamente o efeito negativo da redução
do número de vacas leiteiras (Quadro 2).
Daqui resultou um enorme acréscimo de
603% na exportação de leite e uma subida de
seis pontos percentuais no grau de auto-aprovisionamento.
Importa esclarecer que a maior produtividade das vacas leiteiras, que gerou, provavelmente, um maior consumo de alimentos
compostos em muitas delas, não determinou
um aumento da produção destes alimentos,
que, pelo contrário, até diminuiu (Quadro 3).
Já no que respeita às ovelhas, o acréscimo
do seu número (Quadro 2) e da sua produtividade explicam, em grande parte, que a
produção de alimentos compostos para elas
tenha sido, em 2000, mais 60% da que foi dez
anos antes (Quadro 3).
Quanto ao leite de cabra, a quebra de 19%
na sua produção deve-se à diminuição do
efectivo de fêmeas (Quadro 2), embora atenuada pela maior produtividade delas. Isto
provocou, por sua vez, uma subida de 203%
na produção de alimentos compostos para
caprinos.
Este facto, bem como o referido atrás
relativamente às ovelhas, indiciam uma fraca
utilização de pastagens, provavelmente porque
se trata, sempre ou quase, de pastos naturais e
os criadores têm a noção do pouco contributo
que tais pastos dão para a produção de leite.
Finalmente, há que mencionar a manteiga,
para dizer apenas que, a mais leite de vaca
correspondeu mais manteiga e maior autoaprovisionamento. Todavia, o saldo exportação menos importação diminuiu 14%, eventualmente devido a uma maior capitação, que
passou de 1,52 kg/habitante em 1990 para 1,90
em 2000, ou seja, mais 25%.
Queijos e leites acidificados
A evolução da produção de queijos, que
se apresenta no Quadro 6, reflecte, naturalmente, a que ocorreu com a de leites (Quadro
5), mas o mesmo já não sucede quanto ao
comércio daqueles e dos leites acidificados e
ao grau de auto-aprovisionamento.
A produção de queijo de vaca aumentou,
proporcionalmente, muito mais do que a de
leite - 38% para aquele e 21% para este.
No que respeita aos queijos de ovelha e de
cabra, a evolução é análoga à dos respectivos
leites.
Com efeito, a produção de leite de ovelha
aumentou 18% (Quadro 5) e o mesmo se
verificou na de queijo, ao passo que a produção
de leite de cabra diminuiu 19% (Quadro 5) e
foi também isto o que se verificou no queijo.
Não obstante estes aumentos, houve uma
extraordinária subida de 1531% nas importações (depois de deduzidas das exportações),
devido a um significativo acréscimo, de 76%,
na capitação do consumo de queijo, que está
agora em 10,2 kg/habitante.
Em consequência do que se acaba de
expor, o auto-aprovisionamento, que era
absoluto em 1990, passou para 81%.
Duas palavras apenas acerca dos leites
acidificados.
O quadro 6 revela que, de 1996 para 2000,
as importações (deduzidas das exportações)
aumentaram 516% e o grau de auto-aprovisionamento baixou de 93,5% para 64,3% (mas
era 100% em 1990).
Significa isto que também aqui a indústria
de lacticínios não acompanhou a importante
subida do consumo, reflectida num notável
acréscimo da capitação, que passou de 6,69
kg/habitante em 1990 para 15,1 kg em 2000
(mais 126%).
Subaproveitamento dos benefícios da
Política Agrícola Comum (PAC)
Tem havido uma subutilização de certas
medidas da PAC financeiramente benéficas e
que são relativas a ovinos e caprinos, vacas
em aleitamento, reconversão para a produção
animal extensiva de terras com culturas arvenses, forragens desidratadas e forragens
secas ao sol, e produção de sementes forrageiras.
Prémio por ovelha e por cabra
Existe um prémio para estes animais, que
é de 21 euros por ovelha destinada a carne e
de 16,8 euros por ovelha em produção de leite
e por cabra.
Portugal tem direito à atribuição deste
prémio a 2 690 000 ovelhas e cabras, mas os
pedidos feitos têm ficado aquém deste número,
cingindo-se, nos anos de 1996 a 1999, a valores
de 78% a 94% do efectivo elegível.
Espanha, por sua vez, tem utilizado 91% a
94% dos seus direitos (Anónimo, 2001).
Prémio por vaca em aleitamento
Para estas vacas, há um prémio-base de
200 euros por cabeça, a que se pode acrescentar um prémio por extensificação de 100
euros, quando o encabeçamento for igual ou
inferior a 1,4 CN/ha.
Os agricultores portugueses podem usufruir deste prémio até ao limite nacional de
286 554 direitos, mas têm utilizado, nos anos
de 1997 a 1999, apenas 91% a 94% desse total.
Em Espanha, mais uma vez, estes valores
são maiores: 95 e 96%.
Reconversão de terras consagradas às
culturas arvenses para a produção animal
extensiva
Em Abril de 1994, saiu o regulamento nº
1017/94 do Conselho que, fundamentado no
facto de terem sido colectivizados mais de um
milhão de hectares, que estavam dedicados à
produção animal e que, por isso, passaram a
ter culturas arvenses, permitia a reconversão
de 200 000 ha para produção animal extensiva,
desde que localizados nos distritos a sul do
Tejo e nos de Lisboa, Santarém e Castelo
Branco.
O mesmo regulamento estipulava a constituição duma reserva específica de direitos aos
prémios à vaca em aleitamento e/ou à ovelha
num quantitativo equivalente a 100 000 cabeças normais (CN), o que correspondia a 0,5
CN/ha.
Esta reconversão teria que se efectuar em
oito anos. Todavia, ao fim de sete anos isso só
tinha acontecido em 46 000 ha, pelo que em
Dezembro de 2001 foi emitido um novo
regulamento, que criou um período adicional
de três anos, para que a totalidade dos 200 000
ha ainda possa ir para produção animal
extensiva, isto é, para pastagens, que devem
ser semeadas e não naturais.
O grande benefício que advém desta medida, e que justificaria o seu pleno aproveitamento, é o de se poder acrescentar ao efectivo
pecuário nacional, 100 000 cabeças normais
com direito aos respectivos prémios.
Forragens desidratadas e forragens secas
ao sol
A transformação de forragens verdes,
essencialmente leguminosas, por desidratação
ou por secagem ao sol seguida de moenda, foi
sempre contemplada com ajudas e, até 1995,
não era alvo de restrições quantitativas.
Portugal produziu quantidades ínfimas
e, por isso, na reforma que este sector sofreu
em 1995, foram-lhe atribuídas, como quantidades máximas nacionais, 5000 t para as forragens desidratadas e 25 000 t para as secas ao sol.
Mesmo assim, o país continua a ficar
aquém destes valores e a indústria de alimentos
compostos para animais tem que importar
anualmente dezenas de milhar de toneladas de
luzerna desidratada, principalmente de Espanha.
Sementes pascícolas e forrageiras
As principais espécies pascícolas e forrageiras beneficiam de ajudas comunitárias à
produção de sementes. Portugal, porém, ou
produz quantidades exíguas nuns anos ou não
produz mesmo nada noutros anos.
Em 2002 foi, pela primeira vez, estabelecida uma quantidade máxima, repartida
pelos Estados-membros, que pode receber
ajudas. Ao nosso país foram atribuídas 300
toneladas, o que constitui mais uma oportunidade para, finalmente, se enveredar por uma
produção facilmente viável e de grande interesse.
Com efeito, a União Europeia é deficitária
em sementes de várias espécies, sobretudo
de leguminosas, e nós poderíamos ser um
grande fornecedor europeu.
Não podemos, a este respeito, deixar de
referir que, há 40 anos, ao lançarem-se medidas de política pecuária, já havia plena
consciência da importância das sementes
forrageiras. Com efeito, em Novembro de
1963, o Ministério da Economia publicou a
Portaria nº 20 161 com directrizes sobre o
“regime de produção e comercialização de
sementes certificadas (de forragens) destinadas à campanha de fomento pecuário”.
O FUTURO
O que se acaba de expor conduz, com toda a
evidência, à determinação de aumentar grandemente a produção animal, tendo como objectivo
mínimo o de alcançar a auto-suficiência.
Ora, dentre as três formas de alimentação
dos gados - pastagens semeadas, forragens
conservadas como feno ou silagem e alimentos
compostos -, as primeiras são as mais económicas, quando avaliadas pelo custo da unidade
de energia metabolizável.
As forragens conservadas e os alimentos
compostos ou concentrados são, na realidade,
muitas vezes indispensáveis, mas como suplementos da alimentação por pastoreio.
As pastagens só são eficazes, na generalidade dos casos, quando semeadas e constituídas por gramíneas e leguminosas, com
predomínio destas. Admitem-se pastagens
naturais para pecuária, a título excepcional, em
certas circunstâncias, como sucede nalgumas
zonas de altitude e nalguns lameiros.
Importa, porém, acentuar desde já que o
estabelecimento de pastagens tem que ser
ponderado para além do interesse imediato da
produção animal que vai gerar.
Elas, bem como qualquer cultura, têm, hoje
em dia, que ser vistas à luz do conceito de
agricultura sustentável, que deve presidir a
qualquer utilização agrária do solo.
Segundo a definição da FAO, a agricultura
sustentável tem por objectivo a satisfação
contínua das necessidades, não só das gerações
actuais mas também das futuras, conservando
o solo, a água e os recursos genéticos vegetais
e animais. Para isso, a agricultura não deve
degradar o ambiente, mas precisa de ser
tecnicamente adequada, economicamente viável e socialmente aceitável (Anónimo, 1992).
A concretização deste objectivo, sem ferir
as condicionantes aqui apontadas, requer uma
gestão do solo em que se pratique uma adequada rotação das culturas, sempre que estas
sejam viáveis, e um respeito pela conservação
e pela matéria orgânica desse mesmo solo.
Vejamos, então, neste contexto, o papel das
pastagens semeadas, encarando o regadio e o
sequeiro.
Naquele regime, elas nem sempre se justificam, mas casos há em que constituem uma
necessidade resultante da intensificação cultural a que esses solos são sujeitos.
A monocultura, que muitas vezes se pratica
por razões de lucro imediato, sem a noção de
que não pode persistir por muitos anos, e algumas rotações com culturas esgotantes - ao
arrepio do que se referiu atrás sobre agricultura
sustentável - devem ceder o lugar a rotações
com pastagens semeadas (temporárias,
portanto), em que a estas se confere o papel
de melhoradoras da porosidade e da estrutura
do solo, bem como o de aumento dos teores
de azoto e de matéria orgânica.
Estes objectivos também se podem alcançar sem se estabelecer uma pastagem propriamente dita, mas sim uma leguminosa forrageira para cortes destinados a desidratação ou
para semente. Como exemplo, mencionamos
que contribuiria muito para a sustentabilidade
dum sistema cerealífero de regadio a prática
da rotação de luzerna (3 anos) com milho.
São igualmente admissíveis rotações com
gramíneas para produção de sementes, desde
que se tenha em conta que isso não exclui pelo contrário, pode até exigir - que haja uma
pastagem temporária com leguminosas ou uma
leguminosa forrageira.
Em regadio, não deve haver, como regra,
pastagens permanentes, pois estas não se
compadecem com a intensificação cultural que
as disponibilidades de água possibilitam e
aconselham.
Uma vez que a vaca leiteira exige, para o
pleno aproveitamento das suas potencialidades, uma regularidade na sua alimentação
que é inviável em sequeiro, as pastagens regadas devem ser, preferencialmente, destinadas aos bovinos leiteiros.
Passemos agora ao sequeiro. O Quadro 1,
que patenteia os resultados dos recenseamentos gerais da agricultura, mostra-nos que
há já 1,4 milhões de hectares que os agricultores reconheceram como muito impróprios
para culturas agrícolas, pois deixaram de as
semear lá. Se a eles juntarmos os 577 000 ha
que estão de pousio, o que significa que
também têm severas limitações para culturas
arvenses, temos a vasta área de 2 milhões de
hectares para os quais as pastagens semeadas
à base de leguminosas constituem, não a única
mas uma das poucas utilizações viáveis no
quadro duma agricultura sustentável.
Note-se que 70% desta área já está com
pastagens, só que espontâneas na esmagadora
maioria dos casos, e a questão que se põe é
apenas a de nelas semear leguminosas e
gramíneas (com predomínio daquelas) para
bem dos gados e dos solos e, em última e
definitiva instância, para bem dos que agricultam a terra.
Todavia, não preconizamos a reconversão
total para pastagens semeadas permanentes.
Para além dalguns casos em que as pastagens
naturais são admissíveis, há que examinar
outras utilizações de grande interesse nacional,
tecnicamente possíveis e economicamente
justificáveis. São elas a floresta para madeira,
os sobreiros e a floresta produtora de frutos,
cujas espécies são o castanheiro, o pinheiro
manso e a alfarrobeira.
No que respeita aos restantes 30%, ou seja,
aos 577 000 ha que, por serem de pousio, estão
em rotação com uma cultura agrícola - certamente um cereal - circunstâncias haverá em
que, dado o efeito melhorador do solo e acumulador de azoto das leguminosas, se justifique a continuação da cultura, com a substituição do pousio por pastagem temporária
semeada.
Outras alternativas são, uma, a de substituir
o cereal por tremocilha ou tremoço de folhas
estreitas (cultivares doces) para a indústria e,
outra, a de fazer cereal e tremoço em rotação
com pastagem semeada. Ou ainda a de fazer
uma leguminosa forrageira anual para semente, como, por exemplo, o trevo-da-pérsia,
o trevo encarnado, a ervilhaca vulgar e a
ervilhaca-de-cachos-roxos (Vicia villosa) espécies que têm ajuda comunitária.
Procedendo assim está-se, não é demais
frisá-lo, a efectivar nas explorações agrícolas
uma agricultura sustentável. Com efeito, as
pastagens semeadas são, inegavelmente,
benéficas para a conservação do solo e para
o aumento do seu teor de matéria orgânica e
estes atributos também a tornam componente
muito valiosa de rotações agrícolas,
sobretudo em terrenos de baixa fertilidade e
com riscos de erosão sensíveis.
Diga-se, a propósito, que o seu estabelecimento se deve fazer - agora que há maquinaria para isso - por sementeira directa
ou por mobilização mínima.
Chegados aqui surge, lógica e pragmaticamente, a pergunta: que medidas de política agrícola nacional, que não colidam com
a PAC, existem para semear pastagens em
parte apreciável dos quase 2 milhões de
hectares de pastagens permanentes naturais
e de pousio?
Começo por lembrar que, no capítulo “O
Presente”, foi referido ter sido dada a Portugal,
em 1994, a possibilidade de reconverter 200 000
ha para produção animal extensiva, e que no final
de 2001 isso só tinha sido feito em 46 000 ha,
estando por saber com que tipo de pastagens.
Há, portanto, uma área de 154 000 ha para
entregar à pastorícia.
Além disso, foi criado em Julho de 2000 o
Plano de Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado RURIS, para vigorar de 2000
a 2006, que, através das chamadas “Indemnizações compensatórias” e “Medidas agroambientais”, concede ajudas que contemplam
as pastagens e a pecuária.
Apesar dalguns erros técnicos, designadamente quanto aos limites máximos de encabeçamento que, pelo menos nalguns casos,
poderiam ser mais altos, e de não diferenciar
as pastagens semeadas das naturais, o RURIS
afigura-se estimulador e parece estar a ser
subaproveitado.
Lembramos também que os direitos aos
prémios das vacas em aleitamento e dos ovinos
e caprinos estão a ser muito subaproveitados,
como se referiu atrás. Por isso, até atingir taxas
de utilização desses direitos de 97-98%, há
uma grande margem para expandir largamente
a área de pastagens semeadas.
Para finalizar, achamos pertinente e interessante citar o testemunho dum agricultor
evoluído de Mértola, proferido na Reunião
de Outono de 1999 da Sociedade Portuguesa
de Pastagens e Forragens.
Disse ele que, tendo aderido ao Programa
de Desenvolvimento Agro-Pecuário para a
Área do Concelho de Mértola (PAPCAM) em
1987, tinha já pastagens à base de trevo
subterrâneo com 12 anos e um encabeçamento
de 3,1 ovelhas/ha, que era 6 vezes mais do que
o inicial, de 0,5 ovelha/ha. Acrescentou ainda
que as análises comprovavam que os solos
estavam muito melhorados.
Como conclusão, afirmou que a principal
medida agrária para o concelho de Mértola
consistia no estabelecimento de tais pastagens
permanentes.
Não só para esse concelho, mas também
para muitos outros - dizemos nós a terminar.