Processamento mínimo de cogumelos do género pleurotus
INTRODUÇÃO
A cultura de cogumelos comestíveis é, actualmente, uma realidade em grande
expansão. A produção do género Pleurotus tem aumentado nos últimos anos devido,
principalmente, ao facto de se poderem cultivar numa ampla variedade de
substratos vegetais, permitindo o aproveitamento de resíduos da indústria agro-
alimentar.
Estes cogumelos são, actualmente, considerados muito interessantes, do ponto de
vista comercial, não só pelas características organolépticas, efeitos
nutricionais e medicinais, mas também pela fácil adaptação e manutenção,
resistência a pragas e doenças, crescimento rápido, baixo custo de cultura,
permitindo um rápido retorno do investimento inicial. Estima-se que podem ser
atingidos elevados lucros (superior a 100%) sobre o capital investido no final
do ciclo de cultura, percentagem que pode variar em função do sistema utilizado
(Poppe, 2000).
Os cogumelos frescos pertencem ao grupo de alimentos vivos altamente
perecíveis, com tempo de vida útil muito limitado. Mesmo quando colhidos nas
melhores condições, e mantidos à temperatura ambiente, apenas permanecem
aceitáveis para consumo cerca de 36 horas. Tal facto deve-se não só à elevada
taxa respiratória (Burton & Twyning, 1989), mas também à produção de
etileno (Kader et al., 1989) e ainda por não apresentarem qualquer barreira à
perda de água ou deterioração bacteriana. As perdas pós colheita podem ser
estimadas em cerca de 40% do total da produção.
Como normalmente são comercializados in natura,rapidamente podem ser detectados
sinais de alteração, que se manifestam por desidratação, perda de rigidez dos
tecidos, escurecimento enzimático e/ou a lesões bacterianas, bem como por
alterações no sabor e no aroma, o que conduz à diminuição da qualidade
(Gormley, 1975).
Este facto constitui um problema para a distribuição, uma vez que obriga a
circuitos rápidos, com refrigeração constante, exigindo a definição de um
método de conservação adequado. Assim, actualmente, dada a tendência cada vez
maior para os mercados apresentarem várias espécies de cogumelos, o
processamento e conservação são factores determinantes para o sucesso do
produto. Contudo, reveste-se de alguma complexidade, pois estamos em presença
de um sistema muito heterogéneo, uma vez que os cogumelos são órgãos
fisiologicamente activos e sensíveis, que continuam as suas actividades
metabólicas, após colheita (Rolle & Chism, 1987).
No sentido de controlar o metabolismo activo destes produtos, tem-se procurado
associar técnicas de frio (Gormley, 1975) em combinação com embalagem em
atmosfera modificada (MAP), de modo a aumentar o tempo de vida útil, podendo
constituir uma boa alternativa de conservação, com redução da desidratação,
condensação e desenvolvimento de anaerobiose nas embalagens (Nichols &
Hammond, 1974; Burton & Twyning, 1989; Exama et al., 1993; Roy et al.,
1995; Tano et al., 1999; Barron et al., 2002).
A MAP consiste no acondicionamento dos produtos em embalagens com uma atmosfera
gasosa, de composição diferente da do ar atmosférico, tendo por finalidade
retardar o metabolismo das células, inibindo as reacções enzimáticas e o
desenvolvimento de microrganismos. Pode ser obtida apenas pela respiração do
produto, designada por atmosfera modificada passiva, ou intencionalmente, por
substituição da atmosfera normal por uma mistura gasosa, conhecida por
atmosfera modificada activa. A atmosfera inicial vai-se alterando gradualmente,
à medida que os gases se difundem através da película de protecção (filme de
embalagem) e ocorre a actividade respiratória do produto, até ser atingido o
equilíbrio.
O objectivo deste trabalho foi fazer uma abordagem acerca da forma como devem
ser explorados alguns aspectos relacionados com a embalagem em atmosfera
modificada e equacionar os factores que limitam o controlo de qualidade de
cogumelos minimamente processados.
CONSERVAÇÃO EM SISTEMA MAP
A composição e estrutura dos cogumelos geram um ambiente favorável aos
processos de alteração, que conduzem a uma deterioração rápida, cumulativa e
irreversível da qualidade. O potencial energético mantém-se praticamente
constante, mesmo em caso de stress, ao longo do qual, as células utilizam as
suas proteínas e lípidos membranares, como substratos do metabolismo. As
membranas vão perdendo progressivamente as propriedades de permeabilidade,
conduzindo à morte celular. Estes tecidos transpiram igualmente, libertando
vapor de água proporcionalmente à sua actividade respiratória. Este fenómeno
provoca, em função da humidade relativa e da temperatura do meio de
conservação, uma desidratação progressiva do produto. Esta perda de água conduz
à plasmólise dos tecidos, e em certos casos, a um stress hídrico que se traduz
pela senescência acelerada. A qualidade final do produto e o seu tempo de vida
útil podem ser melhorados com a utilização de embalagem em atmosfera modificada
associada a uma cadeia de frio.
No processo MAP, durante a conservação, o sistema formado pela embalagem
(produto, sua biocenose e atmosfera interior) e a camada envolvente exterior
(fornecida pela unidade de refrigeração) pode contribuir favoravelmente para o
estabelecimento de uma atmosfera dinâmica, em que o equilíbrio é atingido
rapidamente, por transferências gasosas que ocorrerem, através do filme de
embalagem (Sapata, 1997; Sapata et al., 2007a) (Figura 1). Ao actuarem no
alimento ou na flora microbiana a ele associada, minimizam ou controlam o
desenvolvimento de microrganismos indesejáveis, reacções químicas e
enzimáticas, mantêm a qualidade e as características organolépticas, bem como o
valor nutricional (Marcellin, 1982; Vankerschaver et al., 1996).
Figura 1 – Representação esquemática do sistema MAP (Adaptado de Brecht, 1980).
O êxito desta tecnologia está dependente da qualidade inicial do produto,
especificidade das misturas gasosas utilizadas, controlo da temperatura durante
o processo tecnológico, características do filme de embalagem e eficiência do
equipamento de acondicionamento. Porém, não elimina a necessidade de utilização
de boas práticas de higiene e de controlo da temperatura de conservação
(Brochado & Morais, 1994). Para se conseguir um bom controlo dos produtos,
sob o ponto de vista de segurança, existem inúmeros factores intrínsecos
(propriedades internas do produto) e extrínsecos (condições externas de
conservação), que afectam o comportamento do produto e que podem ser usados
para aumentar o período de vida útil. As características microbiológicas do
alimento, temperatura, filme de embalagem, misturas gasosas e factores
ambientais são determinantes para que o sistema MAP seja bem sucedido
(Wilbrandt, 1989). A interacção destes factores, implica por vezes alterações
organolépticas do produto, tornando-o inaceitável do ponto de vista do
consumidor (Vankerschaver et al., 1996). Assim, tem de haver um compromisso
entre os factores de estabilidade, nomeadamente físicos, bioquímicos,
microbiológicos e sensoriais, de modo a garantir o controlo da degradação, uma
vez que a MAP não é uma alternativa para resolver problemas de qualidade de
produtos.
Relativamente à aplicação deste processamento a cogumelos, têm sido
desenvolvidos estudos no sentido de aumentar consideravelmente o tempo de vida
útil (9 a 12 dias), sem prejuízo da sua caracterização como “produto fresco”
(Sapata et al., 2007a).
Selecção de espécies para processamento
Devido ao modo como os nutrientes são assimilados, as únicas espécies de
cogumelos até hoje cultiváveis de forma intensiva, são as sapróbias, em
especial as lenhícolas, uma vez que é possível elaborar facilmente um substrato
semelhante ao que encontram na Natureza.
De entre os vários géneros de cogumelos com esta disponibilidade, as espécies
de Pleurotus têm sido bastante estudadas, pois possuem a capacidade de se
desenvolverem em qualquer resíduo que contenha celulose, lenhina e
hemiceluloses. Tal facilidade está relacionada com a capacidade oxidativa e
hidrolítica de um amplo espectro de enzimas que actuam especificamente nas
estruturas lenhocelulósicas dos materiais que compõem os substratos
(Rajarathman & Bano, 1987). Na cultura de Pleurotus, normalmente realizada
em resíduos agrícolas, agro-industriais e florestais, é a palha de trigo o
substrato mais vulgarmente usado.
De entre as várias espécies de cogumelos, há umas mais adaptadas que outras à
conservação pós colheita e à transformação (Sapata et al., 2007 b). Os
principais critérios de selecção de qualidade residem na possibilidade de
escolher o material com maior rendimento, melhor textura, reduzida actividade
enzimática e baixa sensibilidade à refrigeração e à desidratação (Carbonell,
1990). Uma das espécies que melhor corresponde a estes critérios é a Pleurotus
ostreatus (Jacq.) P. Kumm.
Características microbiológicas
Um dos principais aspectos a considerar na avaliação da tecnologia de
conservação em atmosfera modificada é o conhecimento do estado microbiológico
destes produtos (Baird-Parker & Kilsby, 1987), sendo fundamental a
determinação qualitativa e quantitativa das floras susceptíveis de alteração,
tanto do ponto de vista higiénico como do ponto de vista comercial (Guiraud
& Galzy, 1980; Carlin et al., 1990).
A tecnologia em atmosfera modificada, pode servir como indicador de inibição de
microrganismos de alteração antes do desenvolvimento de microrganismos
patogénicos (Ronk et al., 1989). Day (1989), já observou o desenvolvimento de
microrganismos patogénicos e a produção de toxinas, em cogumelos embalados,
antes do produto se tornar organolepticamente inaceitável. Este fenómeno deve-
se ao ambiente que é criado no interior da embalagem que determina a natureza
microbiana que se desenvolve e a qualidade do produto (Brecht, 1980; Daniels et
al., 1985; Ballantyne, 1989; Kader et al., 1989).
Embalagem e filmes de embalagem
O principal papel da embalagem é conter o produto e ajudar a retardar ou a
prevenir a perda de qualidade. A embalagem contribui para a protecção do
produto contra contaminantes, cria e/ou mantém uma atmosfera que minimiza a
actividade fisiológica, aumentando o tempo de vida útil e, facilita o
transporte, manuseamento, armazenamento e venda, garantindo a sua integridade
física (Barron et al., 2002). Os materiais de embalagem, de acordo com as
normas em vigor, devem permitir o controlo da humidade e transferência de
gases, bem como proteger o produto contra danos físicos e contaminação
microbiológica, sem perderem a funcionalidade (Wiley, 1994). Contudo, é de ter
sempre em consideração que, quaisquer que sejam as características do material
utilizado, a embalagem nunca corrige eventuais defeitos do produto a embalar.
A eleição adequada dos materiais de embalagem está dependente do produto, do
mercado a que se dirige, método de embalagem, permeabilidade aos gases e vapor
de água, propriedades de resistência mecânica, transparência, brilho,
tratamento anti-vapor, etc.
Para ser garantida a manutenção da atmosfera modificada dentro da embalagem, o
filme deve ter uma adequada permeabilidade ao oxigénio e vapor de água, e a
embalagem deve apresentar uma razão apropriada entre o peso do produto e a área
de superfície da embalagem, bem como uma relação entre o volume de gás e de
produto embalado (Labell, 1985; Moldão & Empis, 2000). Por outro lado, a
embalagem deverá ser capaz de compensar as alterações da taxa respiratória do
produto, permitindo que se atinja um equilíbrio dinâmico entre as concentrações
de CO2 e O2 (Fellows, 2000).
Na MAP as permeabilidades dos filmes aos gases devem ser consideradas em
conjunto com a actividade respiratória do produto que se pretende embalar, de
forma a que se estabeleça o mais rapidamente possível, um ambiente gasoso
desejado, após um estado de transição, devido à interacção da fisiologia do
produto e do ambiente físico (estado de equilíbrio) (Labell, 1985; Chinnan,
1989).
Embora existam no mercado muitos tipos de filmes de embalagem, são
relativamente poucos os adequados para os produtos frescos, sendo os mais
comuns o polietileno de baixa densidade e o policloreto de vinilo. Também o
poliestireno e o polipropileno são bastante aplicados devido à facilidade de
utilização e características ópticas (Fellows, 2000). Por vezes há necessidade
da utilização de vários polímeros em estruturas de multicamada. No caso
particular de embalagens de cogumelos tem sido utilizado, com maior frequência,
o polietileno, polímero resultante da polimerização de um monómero de etileno.
Apesar do baixo grau de transparência (55-70%), apresenta uma óptima
permeabilidade aos gases e vapor de água (Wiley, 1994).
Actualmente, são comercializados filmes de polietileno que permitem a
realização de perfurações no mesmo, apresentando como vantagens o aumento da
taxa de transmissão de CO2 e, ao mesmo tempo, o controlo das concentrações de
O2, sem afectar a permeabilidade, mesmo ocorrendo condensação da água no
interior da embalagem. Contudo, as transferências gasosas, como se encontram
concentradas numa área muito pequena, podem criar dentro da embalagem uma
distribuição de gás pouco uniforme (Emond & Chau, 1990).
Misturas gasosas
A atmosfera gasosa no interior da embalagem, de composição diferente da do ar,
é uma das barreiras químicas de importância relevante, utilizadas para aumentar
a duração do produto e contribuir consideravelmente, para a manutenção da
qualidade.
Os gases mais utilizados na obtenção das atmosferas modificadas são o azoto, o
dióxido de carbono e complementarmente, o oxigénio (Brochado & Morais,
1994; Fellows, 2000). O papel das misturas gasosas consiste em inibir o
metabolismo das células, as reacções enzimáticas e o desenvolvimento de
microrganismos.
O objectivo do sistema MAP é o de atingir uma atmosfera modificada de
equilíbrio, muito útil do ponto de vista de estabilidade. Este equilíbrio é
definido como sendo o momento a partir do qual a velocidade de produção de CO2
e a do consumo de O2 do produto iguala a taxa de transferência dos respectivos
gases através do filme de embalagem, a uma determinada temperatura, ou seja, a
relação entre a taxa de respiração do produto e a permeabilidade do filme
utilizado. A atmosfera inicialmente imposta vai-se alterando gradualmente, à
medida que os gases se difundem através da embalagem e à medida que a
actividade respiratória dos produtos e o crescimento microbiano têm lugar.
Volume livre na embalagem
O volume livre na embalagem, ou espaço de cabeça (“headspace”) tem influência
no tempo necessário para que a atmosfera nela contida atinja o equilíbrio. O
volume de gás deve ser o suficiente para que a atmosfera contacte devidamente
com o produto, mas que não tenha influência na sua composição de equilíbrio. O
período de transição máximo não deverá exceder, em princípio, 24 horas e, caso
a embalagem não o permita, deverá ser ponderada a utilização de uma atmosfera
modificada activa (Kader et al., 1989).
Factores ambientais
Para além dos factores já mencionados devem ainda ser considerados os factores
relacionados com o meio envolvente, nomeadamente, humidade relativa,
temperatura de conservação e luz.
Humidade Relativa – Um baixo teor de humidade inibe o desenvolvimento
microbiano, mas provoca a libertação de grandes quantidades de água, conduzindo
a uma elevada perda de massa e uma a redução da qualidade do produto. A
humidade relativa no interior da embalagem deve resultar de uma situação de
compromisso entre o desenvolvimento microbiano e a perda de água (Brochado
& Morais, 1994). Muitos dos filmes poliméricos apresentam propriedades
barreira ao vapor de água, mantendo uma humidade interna elevada. No entanto,
se esta for muito elevada, pode causar condensação à superfície do produto,
favorecendo deste modo, o desenvolvimento microbiano e a respectiva
deterioração. Uma das vantagens do sistema MAP é a possibilidade de manter uma
humidade relativa adequada no interior da embalagem, de modo a assegurar a
turgescência dos produtos (Nichols, 1985).
Como os cogumelos carecem de uma estrutura epidérmica especializada, estando
protegidos unicamente por um tecido epitelial, a falta de protecção propicia
uma rápida perda de humidade e a consequente perda de qualidade. Nestas
condições, é frequente ocorrer crescimento microbiano, exsudação celular e, por
conseguinte desenvolvimento de substâncias nutritivas utilizáveis pelos
microrganismos saprófitas, com depreciação do produto embalado (Sánchez &
Royse, 2001).
Temperatura – Os processos metabólicos são sensíveis à temperatura. Sabe-se que
a degradação da qualidade deste tipo de produtos é inibida a baixas
temperaturas (Schlimme, 1995) com um limite inferior, abaixo do qual, podem
ocorrer lesões pelo frio (Shewfelt et al., 1990). A conservação de cogumelos, à
temperatura entre 2 e 4ºC, permite reduzir a actividade metabólica, sem
conduzir a alterações fisiológicas e minimiza a rápida senescência dos tecidos,
factor determinante das alterações bioquímicas e microbiológicas (Zagory &
Kader, 1988).
Luz – No caso dos cogumelos minimamente processados, a presença de luz não é
considerado um factor relevante. Quando comparado com qualquer vegetal verde,
os cogumelos, como não possuem clorofila, apenas respiram, tornando mais
difícil o controlo de uma atmosfera modificada específica dentro da embalagem,
por não ocorrerem reacções de antagonismo fisiológico fotossíntese/respiração.
Factores Sanitários
A higienização dos cogumelos frescos minimamente processados é um assunto
deveras importante, estando demonstrado que um aumento da população microbiana
compromete seriamente a segurança e o respectivo tempo de vida útil do produto
(Hurst, 1995).
Para garantir a aceitação do produto há que ter em conta que:
– a refrigeração utilizada para a manutenção da qualidade, não fornece
protecção adequada, visto existirem alguns microrganismos patogénicos
psicrotróficos gram negativos que podem sobreviver e mesmo multiplicarem-se
nesta gama de temperaturas, provocando alterações no aroma e sabor;
– a conservação em atmosfera modificada inibe a taxa de crescimento de muitos
microrganismos de alteração, no entanto certos patogénicos, tais como a
Listeria monocytogenes podem desenvolver-se nestas condições, até níveis
perigosos (Berrang et al., 1989);
– a temperaturas de conservação/distribuição superiores a 7ºC, são criadas
condições para o desenvolvimento de outros patogénicos como o Clostridium
botulinum, Bacillusspp., Salmonella spp. e Staphylococcus aureus (Corlett,
1989);
– as etapas de processamento, nomeadamente corte e lavagem podem não ser
eficazes para eliminar a flora indígena normal, mas até facilitarem a
introdução de alguma flora patogénica com vantagem competitiva para o
respectivo crescimento.
Nesta conformidade, as práticas de higiene devem ser muito rigorosas e
indispensáveis, assim como a utilização de pré-tratamentos de desinfecção, para
que seja assegurada a obtenção de cogumelos minimamente processados como
alimentos seguros e saudáveis (Brennan & Gormley, 1998). Por outro lado,
para garantia do consumidor, também deve ser muito rigorosa toda a cadeia de
frio, desde o processamento ao consumo, para reduzir os riscos associados à
flora patogénica psicrotrófica.
PROCESSO TECNOLÓGICO
De forma a obterem-se produtos de alta qualidade torna-se necessário dar
importância à selecção das matérias-primas, bem como à optimização de todas as
etapas pós-colheita.
Todas as operações de processamento devem ser realizadas com rigor, tendo
sempre em atenção a separação das zonas sujas e limpas. Os cogumelos são
preparados segundo uma linha de produção previamente definida, obedecendo a
determinadas etapas, consoante a espécie (Figura 2).
Figura 2 – Esquema geral de processamento de cogumelos.
Matéria prima
A qualidade dos cogumelos é um factor determinante na estabilidade do produto
final (Figura 3). Segundo Varouquaux et al. (1996) os principais critérios que
definem a adaptabilidade das espécies ao processamento mínimo são:
– rendimento tecnológico elevado, com qualidade e requisitos especiais,
exigidos para este tipo de produtos;
– baixa sensibilidade a alterações fisiológicas;
– resistência a alterações microbianas;
– resistência mecânica dos tecidos;
– resistência a elevados teores de CO2 e/ou baixos de O2;
– teores de açúcar que não provoquem o stresse energético;
– taxa respiratória o menos elevada possível.
Figura 3 – Pleurotus ostreatus após colheita para processamento.
O êxito na conservação reside em efectuar a colheita atempadamente, ou seja,
quando os carpóforos estão convexos e com as lâminas absolutamente brancas,
apresentando-se com uma boa textura e aparência excelente.
Após a colheita, como os cogumelos continuam a sua actividade metabólica,
aconselha-se o transporte rápido e refrigerado, entre 0 e 2ºC, de modo a que o
tempo que decorre entre a colheita e o processamento seja o mais curto
possível. Para evitar perdas de peso fresco, a refrigeração e o transporte
devem realizar-se com uma humidade relativa de 90-95%, de modo a diminuir a
pressão de vapor de água dos cogumelos e assim, reduzir a sua evaporação a
partir das superfícies dos carpóforos.
Recepção e avaliação da qualidade
Uma vez efectuada a recepção, a matéria prima é submetida a um processo de
classificação, tendo em consideração a aparência e o calibre. Desta forma é
possível uniformizar lotes, factor determinante na qualidade e apresentação do
produto.
Corte
O corte deverá ser evitado sempre que possível. Trata-se de uma operação
bastante delicada, onde muitas células sofrem rupturas com libertação de
componentes intracelulares, tais como, enzimas de oxidação. Simultaneamente a
superfície de corte fica exposta ao ar e à contaminação de bactérias, leveduras
e fungos, o que se traduz por perturbações fisiológicas, particularmente,
aumento da actividade respiratória e/ou etilénica. Por outro lado, esta
operação origina lesões celulares que favorecem o desenvolvimento microbiano,
assim como o escurecimento das superfícies externas e de corte e à hidrólise de
pectinas e celulose.
Inibição de escurecimento e desinfecção
Os cogumelos estão especialmente sujeitos, como foi referido a problemas de
escurecimento das superfícies externas e de corte, devido não só à manipulação
das etapas anteriores de processamento, mas também à senescência ou ao
desenvolvimento de bactérias de alteração, como por exemplo, a Pseudomonas
tolaasii. Estas reacções são complexas e dependem das condições e do estado da
matéria prima. Têm sido desenvolvidos estudos no sentido de controlar o
escurecimento e lesões bacterianas associadas ao processamento mínimo (Sapers
et al., 1994). Assim, segundo estes investigadores, podem ser aplicados
tratamentos com soluções aquosas de vários inibidores de escurecimento e/ou
substâncias com efeito antimicrobiano, ajustado ao pH específico com NaOH ou
HCl, durante 5 a 120 segundos (Quadro 1). Estas soluções de imersão, utilizadas
isoladamente ou combinadas, podem ter um efeito no aumento de massa em cerca de
8%, contudo evitam que a cor dos cogumelos se altere.
Quadro 1 – Compostos testados no controlo da inibição do escurecimento e do
desenvolvimento microbiano de cogumelos minimamente processados.
Relativamente à utilização de substâncias antimicrobianas tem-se optado pela
aplicação de peróxido de hidrogénio (H2O2) em concentrações da ordem de 5%
durante 30 segundos (Sapers & Simmons, 1998).
A eficiência do H2O2 depende de dois factores. Um está relacionado com a
letalidade deste sobre as populações bacterianas, através da oxidação de grupos
sulfidrilicos das proteínas bacterianas. O H2O2 é altamente reactivo quando
convertido em radicais hidroxílicos, podendo degradar o ADN, proteínas, lípidos
e polissacáridos (Borges et al., 1989). O outro factor, está relacionado com o
aumento da remoção de partículas, assim como de microrganismos da superfície
dos cogumelos, pela acção mecânica de pequenas bolhas de oxigénio, que são
produzidas pela reacção da catalase (Sapers & Simmons, 1998).
A utilização de soluções cloradas, utilizadas na maior parte dos vegetais
minimamente processados, encontra-se limitada para a matéria prima em estudo,
pois está confirmado que, mesmo em doses baixas (50 ppm), a aplicação de cloro,
provoca escurecimento à superfície do chapéu, resultante da oxidação não
enzimática do L-DOPA e seus derivados existentes nos cogumelos (Choi &
Sapers, 1994).
Secagem
Esta etapa do processo é de extrema importância, uma vez que o excesso de água
presente nos cogumelos favorece o desenvolvimento anormal de microrganismos,
antes da data limite de consumo (DLC). A secagem pode ser realizada em túnel
com circulação de ar, ou através de escorredores simples.
Pesagem e embalagem
Após pesagem, os cogumelos são conduzidos à secção de embalagem e
acondicionamento, onde são embalados em atmosfera modificada, em condições de
higiene e uma temperatura de cerca 12ºC (Figura 4).
Figura 4 – Pleurotus ostreatus embalados em MAP.
A modificação da atmosfera no interior da embalagem pode ser efectuada
recorrendo às técnicas de “gas flushing” ou de vácuo compensado.
A técnica “gas flushing” consiste na substituição do ar, que envolve o produto,
pela mistura gasosa pretendida através de um fluxo contínuo, antes da soldagem
final da extremidade da embalagem. Este sistema apresenta, como vantagens,
elevada velocidade de produção e grande versatilidade, pois os equipamentos
podem ser ajustados para diferentes tamanhos e configurações de cogumelos,
possibilitando a utilização de uma grande gama de materiais de embalagem.
Contudo, apresenta uma menor eficiência em relação à composição da atmosfera
gasosa, pois conduz a valores de oxigénio residual no interior da embalagem de
2% a 5% (v/v).
A técnica de vácuo compensado consiste em criar vácuo no interior da embalagem
e posteriormente, proceder à injecção da mistura gasosa pretendida. Este
sistema é, utilizado para embalagens semi-rígidas, apresentando menores
velocidades de operação, conduzindo, no entanto, a níveis de oxigénio residual
mais baixos de cerca de 0,05% (v/v).
Conservação
O acondicionamento é considerado um dos parâmetros críticos na comercialização,
procurando-se garantir a retenção da mistura gasosa na embalagem, em estado
equilíbrio com o produto, evitando degradações bioquímicas, tais como o
escurecimento, desenvolvimento de aromas desagradáveis e alterações de textura.
A fim de proporcionar um aumento de vida útil significativo e fiável, alguns
dos efeitos negativos podem ainda ser minimizados através de uma boa gestão de
temperatura, pelo que as embalagens com o produto final devem ser mantidas em
câmaras de frio, a uma temperatura entre 0 a 4ºC, sem luz, até à expedição.
UNIDADE DE PROCESSAMENTO
A unidade deverá obedecer a determinados requisitos, que passam pelo projecto
de instalação, propriamente dito, de acordo com o tipo de cogumelos a
processar.
Como sector de apoio torna-se imprescindível a existência de um armazém para
embalagens, uma sala de lavagem de material utilizado durante o processo
tecnológico, um laboratório de controlo do produto final, assim como uma secção
social (gabinetes, vestiários).
A higiene na unidade industrial é muito importante em todas as técnicas de
conservação de alimentos, mas na tecnologia de embalagem em atmosfera
modificada, é particularmente essencial. As boas práticas de higiene são
idênticas às que são adoptadas para todas as indústrias que manipulam produtos
agro-alimentares. Interessa não só o controlo do produto acabado, mas
igualmente o do ar ambiente e das superfícies (instalações e equipamentos).
As recomendações e disposições regulamentares, que visam a obtenção de um
produto acabado de qualidade passam por:
– fornecimento de matéria prima de forma contínua e homogénea;
– separação entre a sala de recepção e as salas de lavagem e de embalagem, com
temperaturas de 12ºC e de 4ºC, respectivamente;
– desinfecção das referidas salas, bem como do equipamento, com hipoclorito ou
água clorada (80 ppm de cloro activo);
– cumprir os requisitos de higiene;
– possuir manual de procedimentos de HACCP com identificação dos riscos, pontos
críticos e respectivas acções correctivas;
– respeitar as condições de distribuição, nomeadamente, a cadeia de frio.