Agricultura biológica e fertilização
INTRODUÇÃO
Tem-se verificado que, com alguma frequência, nos vulgarmente chamados órgãos
de comunicação social se fala, de uma forma que até parece cada vez mais
entusiástica, da chamada agricultura "biológica", a qual, como é
sabido, para além de outras exigências, exclui o uso dos adubos de síntese
mineral. Ora, este facto poderia levar a pensar, àqueles que ao longo de mais
de quarenta anos, dentro e fora do Instituto Superior de Agronomia, ensinei, e/
ou àqueles que leram (e, creio eu, ainda muitos continuam a ler) que estaria
errado o que escrevi em relação ao uso daqueles adubos na agricultura.
Uma tal atitude teria, no entanto, de ser demonstrada com base num hipotético
avanço de conhecimentos. Acontece porém que, tanto quanto ainda hoje se sabe,
permanecem inteiramente válidos os fundamentos que por mim, e por todos os
outros que nesta área do conhecimento têm ensinado e/ou investigado, sempre
foram associados às principais formas sob as quais os nutrientes são absorvidos
pelas plantas e ao decisivo contributo que os fertilizantes, nomeadamente os
adubos, vieram trazer para uma melhor nutrição, e consequente maior produção,
de quase todas as culturas.
É isso que adiante procuraremos demonstrar; mas, entretanto, eu quereria
salientar o fato de, para efeitos de definição das exigências da UE quanto a um
tal tipo de agricultura, o termo agricultura biológica ser considerado sinónimo
de agricultura orgânica e de agricultura ecológica, o que, em relação a esta
última, não nos parece aceitável. Aliás, em relação aos dois primeiros termos
deve mesmo reconhecer-se que ambos são incorretos.
Efetivamente, o facto de se chamar biológica a um determinado tipo de
agricultura sugere que há outra ou outras agriculturas que não são biológicas,
o que, como é óbvio, está errado, já que toda a agricultura é, necessariamente,
biológica.
Também o termo agricultura orgânica, por sugerir que as plantas utilizam os
nutrientes sob a forma orgânica, é totalmente incorreto. De facto, a teoria do
húmus, também conhecida no domínio da produção vegetal por teoria de
Aristóteles, formulada no início da atual ERA, segundo a qual as plantas não
poderiam viver sem encontrarem matéria orgânica nos solos, foi desmentida pela
teoria da nutrição mineral apresentada por Liebig cerca de 1843. Aliás, se
algumas dúvidas restassem quanto á inexatidão da teoria do húmus, bastaria
lembrar que, como é do conhecimento geral, é possível fazer culturas em
hidroponia e até, por nelas se controlarem em muito maior extensão os fatores
de crescimento (nomeadamente o solo, o qual é controlado por omissão uma vez
que, por definição de hidroponia, ele nem sequer se encontra presente), com
obtenção de produções unitárias muito mais elevadas!
È conveniente, no entanto, deixar desde já bem claro que a matéria orgânica é
de particular importância para a fertilidade global dos solos; mas essa
importância, ao contrário do que muitas vezes se afirma, reflete-se muito mais
nas fertilidades física e biótica (que são, aliás, as mais difíceis de
melhorar) do que na fertilidade química, isto é, como fonte direta de
nutrientes. Em relação a estes deverá, no entanto, ressalvar-se o facto de,
dada a sua origem, a matéria orgânica conter nutrientes que, sobretudo no
domínio dos micronutrientes, podem não se encontrar nos adubos a que poderemos
chamar normais, embora possam ser incluídos em adubos especiais, e/ou
libertados em maior extensão no solo mediante a correção da reação através do
uso de corretivos minerais, isto é, fertilizantes destinados a corrigir a
acidez (chamados alcalinizantes) ou a alcalinidade (chamados acidificantes).
Repete-se, no entanto, mais uma vez, que a matéria orgânica é de fundamental
importância para a fertilidade global dos solos, sendo a sua influência
benéfica tanto maior quanto pior for o solo em termos físicos e bióticos. Por
tal motivo, vemos com grande simpatia o uso na agricultura de diversos resíduos
orgânicos, com potencial interesse fertilizante, nomeadamente como corretivos
orgânicos, que hoje aparecem em grandes quantidades.
È o caso, por exemplo, dos resíduos e efluentes dos animais explorados em
pecuária intensiva, dos produtos associados aos resíduos sólidos urbanos e/ou
ao tratamento de águas residuais, etc. Note-se, entretanto, que aqueles outros
produtos, cujas disponibilidades são dia a dia mais elevadas, têm de ser, em
função das suas características próprias, devidamente tratados e aplicados. Se
a agricultura dita biológica, por fazer apelo ao seu maior consumo e,
eventualmente, proceder á sua mais correta utilização como fertilizantes, puder
contribuir para uma melhor gestão destes produtos poluentes, será lógico dizer-
se que estará a proporcionar um importante benefício ambiental. De facto, se
aqueles produtos não forem tratados (e o solo pode completar o seu tratamento)
e utilizados de forma correta, podem constituir, antes ou mesmo depois de serem
utilizados, importantes focos de poluição ambiental
Já o termo agricultura ecológica, porque sugere uma estreita ligação com a
necessidade de ser praticada de forma a não agredir o ambiente, parece-nos
inteiramente correto e, como adiante veremos, perfeitamente compatível com o
uso dos fertilizantes em geral e, no caso em análise, dos adubos de síntese
mineral.
O QUE SÃO E PORQUE SÃO NECESSÁRIOS OS ADUBOS DE SÍNTESE MINERAL?
Comecemos por recordar uma realidade que, quando se fala em agricultura
biológica, parece que nem sempre é tomada em consideração.
A agricultura, á semelhança das outras atividades económicas, só poderá ter
êxito desde que se resolvam, o mais corretamente possível, os problemas da
produção e da gestão.
Quanto á produção, torna-se evidente que as plantas, como seres vivos que são,
para produzirem necessitam de crescer e para crescerem necessitam de se
alimentarem.
Sendo assim, ou o condicionalismo agroclimático em que as culturas estão ou vão
ser instaladas é capaz de lhes fornecer, em quantidade e equilíbrio, os
nutrientes de que necessitam para poderem manifestar o seu potencial genético
de produção, ou, o que infelizmente quase sempre acontece em Portugal,
verifica-se a existência de um deficit que torna indispensável o recurso ao uso
de produtos a que se dá a designação vulgar de fertilizantes. Estes, atuando de
forma essencialmente direta, com é o caso dos chamados adubos, ou de forma
essencialmente indireta, como é o caso dos corretivos (minerais e orgânicos),
vão contribuir para um aumento da fertilidade global do solo e, através dele,
para uma melhor nutrição das plantas, a qual irá refletir-se num aumento das
produções unitárias, e que, em igualdade de outros fatores, irá provocar um
abaixamento dos custos de produção. Será, então, mais fácil obter viabilidade
económica, mesmo que os produtos agrícolas sejam vendidos a preços a que
poderemos chamar normais. Pelo contrário, se as produções unitárias forem
baixas, a viabilidade económica da exploração, se não for subsidiada, só poderá
ser garantida através de uma redução dos encargos com o uso dos fertilizantes
e/ou da venda dos produtos agrícolas a preços mais elevados, aos quais, em
oposição aos normais, poderemos agora chamar especiais.
Ora, esta realidade, indesmentível á luz dos conhecimentos atuais, poderá
justificar, desde logo, a principal razão pela qual a agricultura dita
"biológica", ao impedir o uso dos adubos de síntese mineral - que
são, justamente, os mais suscetíveis de veicularem, em formas minerais (as
únicas que, tanto quanto atualmente se sabe, as plantas podem absorver através
das raízes), maiores quantidades de nutrientes e que, de um modo geral, têm
preços mais baixos por unidade fertilizante -, não permite a obtenção de
produtos vegetais a preços minimamente capazes de competirem com os que se
podem obter na agricultura praticada em condições normais.
Efetivamente, só em casos muito especiais, e infelizmente muito raros no nosso
país, em que, de forma natural e/ou artificial, os solos tenham acumulado uma
elevada fertilidade química, o uso de tais fertilizantes poderia, e mesmo assim
por períodos de tempo não muito longos, ser realisticamente dispensável.
Poderá argumentar-se, mas com certeza levianamente, que os outros países da UE
também praticam, com as mesmas restrições, a chamada agricultura biológica. Mas
acontece, porém, que a grande maioria desses países, nomeadamente dos que se
situam no Centro e Norte da Europa, reúnem, em maior ou menor extensão, duas
condições que não se verificam em Portugal: i) têm excesso de produtos
agrícolas e, sendo assim, pouco interessa, em termos da sua produção total,
qualquer ligeira quebra eventualmente provocada pelos "agricultores
biológicos"; ii) graças à maior incorporação de resíduos orgânicos pelas
culturas (consequência das maiores produções unitárias que neles se obtêm) e á
menor destruição da matéria orgânica causada pelas características do clima
predominante, têm larga representação condicionalismos em que os solos
apresentam um nível de fertilidade química suficiente para, sem reduções de
produção que inviabilizem o caráter económico das explorações agrícolas, possam
dispensar, durante alguns anos, a utilização dos adubos de síntese mineral.
Note-se, aliás, que aqueles países terão, com certeza, todo o interesse em
defender as "virtudes", da agricultura dita biológica, sobretudo se
ela crescer em países que, como é o caso de Portugal, já constituem
tradicionais mercados para a exportação dos seus excedentes. A este propósito,
parece-me haver algum interesse em recordar o que dizia o teletexto de uma das
nossas televisões, no dia 31 de Dezembro de 2006, a propósito da entrada da
Bulgária e da Roménia na UE: "os agricultores alemães congratulam-se com
a entrada daqueles países na Comunidade, por verem neles a possibilidade de
aumentarem as suas exportações de alimentos vegetais". É caso para
perguntar: será que os alemães também vão aconselhar aqueles novos estados da
UE a fazerem agricultura biológica? É muito provável que sim!
Mas será que, efetivamente, poderá haver perigos associados ao uso dos
fertilizantes em geral e, em particular, aos que são excluídos pela agricultura
biológica, ou seja, aos adubos de síntese mineral?
Vejamos, através de alguns exemplos, que não tem qualquer justificação, nem em
termos científicos, nem em termos técnicos, nem mesmo em termos prático/
económicos, o receio de que o uso de tais adubos possa, ao contrário doutros
fertilizantes (adubos e corretivos orgânicos, adubos e corretivos naturais
obtidos através de processos ditos naturais, etc.) ter consequências negativas,
quer para a fertilidade do solo, quer para a qualidade das águas que sobre eles
escorrem ou que neles se infiltram, quer para a chamada "qualidade"
dos produtos vegetais neles obtidos, quer mesmo, embora com menor significado,
para a poluição da atmosfera que os rodeia.
Como atrás já foi referido, as plantas, através das raízes, só podem absorver
os elementos em formas minerais, tal facto significando que, ou os nutrientes
são já fornecidos nesta forma ou, então, as plantas, exceção feita às que obtêm
um nutriente, o azoto, através de simbioses, como acontece com as leguminosas,
terão de esperar que ocorra a libertação a partir da mineralização da matéria
orgânica e/ou de outros fenómenos, nomeadamente de dissolução e de permutas
iónicas no complexo coloidal dos solos.
Acontece entretanto que, de facto, as formas iónicas dos nutrientes, mas
independentemente da sua origem (introduzidas no solo ou neles libertadas),
podem conduzir a algum ou alguns dos fenómenos de poluição atrás referidos.
Mas, como também é fácil demonstrar, todos os potenciais inconvenientes podem
ser evitados ou, pelo menos, reduzidos a valores suficientemente baixos para,
com segurança, poderem ser desprezados.
O caso do azoto
Tomando como exemplo o azoto, nutriente que, devido ao seu caráter
acentuadamente dinâmico e aos seus efeitos mais espetaculares na vegetação, se
torna mais suscetível de ser usado em excesso, facilmente se verifica que,
quando presente em elevada concentração na solução do solo, pode contribuir
para criar desequilíbrios nutritivos (com reflexos eventualmente desfavoráveis
em termos de quantidade e/ou de qualidade das produções), provocar exagerado
enriquecimento das águas em nitratos, aumento da salinização secundária dos
solos e poluição da atmosfera quando haja condições que favoreçam a
desnitrificação ou a libertação de amoníaco. No entanto, facilmente se
demonstra que tais fenómenos só poderão ter lugar quando a aplicação daquele
nutriente não se faça corretamente, isto é, quando em face de um determinado
potencial de produção esperado e das características do solo e do clima, não se
utilizem as quantidades que, sendo as necessárias, sejam apenas as suficientes;
ou quando não se utilizem, como veículo do nutriente, as combinações químicas
mais aconselháveis; ou, ainda, quando a época e/ou a técnica de aplicação não
sejam as mais recomendáveis. De facto, uma vez que só o azoto mineral que, por
exceder largamente as exigências da cultura num determinado momento, se acumula
na solução dos solos, é suscetível de causar os danos ambientais atrás
referidos, o problema passa por ser ou não possível, com o uso de adubos de
síntese mineral, evitar tais excessos.
Ora, é aqui que reside, penso eu, a principal razão pela qual os defensores da
chamada agricultura biológica afirmam que o azoto tem de ser fornecido em
formas orgânicas, uma vez que estas, sofrendo uma mais gradual libertação do
azoto, contribuem para que, mediante um mais apropriado sincronismo entre a
libertação e a absorção pelas plantas, evitaria as acumulações suscetíveis de
provocarem, em termos ecológicos, algum ou alguns dos inconvenientes atrás
mencionados.
Acontece, porém, que esta suposição nem sempre será verdadeira, a não ser que
se controle, com um pormenor que não me parece possível em termos práticos e/ou
económicos, a taxa de mineralização da matéria orgânica de modo que a
quantidade de azoto libertado seja, sempre, muito semelhante á taxa de absorção
pelas culturas. De facto, na prática, sendo impossível usar materiais que
tenham, forçosamente, o mesmo ritmo de mineralização e de este variar com as
condições ambientais, nomeadamente a humidade e temperatura do solo, será muito
frequente ocorrerem situações em que as plantas poderão não dispor do azoto
suficiente para satisfazerem as suas exigências numa determinada fase do
desenvolvimento vegetativo; ou, ao invés, casos em que o ritmo de mineralização
daquele nutriente exceda o ritmo de absorção, tal facto conduzindo, como é
óbvio, a acumulações na solução do solo e, deste modo, poderem ter os mesmos
inconvenientes já antes mencionados. Podem mencionar-se, a título de exemplos
mais significativos, as acumulações de nitratos nas águas no fim do verão
(sempre que as plantas, mesmo que ainda presentes, já praticamente não absorvam
nutrientes) e a seguir a desflorestações (em que o equilíbrio entre a absorção
pelas árvores e a mineralização da matéria orgânica existente sob o coberto
vegetal é desfeito e passa a haver azoto disponível para, se ocorrerem chuvas,
ser transferido para as águas).
Por outro lado, é fácil demonstrar que, com a utilização dos adubos de síntese
mineral, muitos dos inconvenientes potencialmente associados ao azoto podem até
ter menor extensão do que se apenas forem usados produtos orgânicos. Assim,
mesmo quando o condicionalismo definido pelo potencial de produção e pela
possibilidade de usar outros fatores produtivos (rega e drenagem, pesticidas,
etc.) aconselhar a aplicação de grande quantidade de azoto, será sempre
possível evitar, até com maior certeza, a acumulação de azoto no solo; para
tanto bastará aplicar os adubos várias vezes com pequenas quantidades de cada
vez, fracionando as coberturas, praticando a fertirrigação no solo ou mesmo em
pulverização, e usar adubos de libertação gradual, de preferência aqueles cujo
ritmo de libertação do azoto, por depender da temperatura, aumentem a
libertação quando também aumentam as exigências de absorção por parte da
planta.
Muitos terão presentes os casos, de entre outros, da cultura do tabaco e da
beterraba sacarina, nas quais se deve evitar a absorção tardia do azoto com a
finalidade de manter ou melhorar a combustibilidade da folha no primeiro caso e
facilitar a extração do açúcar no segundo, o que será fácil usando adubos de
síntese mineral, mas praticamente impossível se usarmos adubos e/ou corretivos
orgânicos.
Em resumo, não tem qualquer suporte científico a exclusão dos adubos azotados
(obtidos, por definição através de síntese mineral) na chamada agricultura
biológica. A este respeito, consideramos absolutamente inaceitável que na
agricultura "biológica" não possa utilizar-se um adubo chamado
ureia, pelo simples facto de ser obtida por síntese mineral, e ser admitida,
porventura até incentivada, a utilização de dejetos e excrementos animais, onde
o azoto se encontra, predominantemente, na mesma combinação química. Aliás, em
relação às urinas e a outros dejetos dos animais, é conveniente não deixarem de
se considerar os receios, que esperamos sejam infundados, de poderem vir a
atuar como veículos de transmissão de doenças. Ainda a este propósito, convém
não esquecer que, tal como também se depreende do que já antes foi referido, se
numa determinada situação existissem fertilizantes "naturais"
suficientes para garantirem as produções unitárias nos níveis físico e
económico que hoje têm de se exigir, as quantidades a aplicar teriam de ser de
tal modo elevadas que, provavelmente, iriam ainda ser mais desfavoráveis em
termos ecológicos. Recorde-se, a título de exemplo, o facto de alguns
corretivos orgânicos poderem conter apreciáveis quantidades de metais pesados e
de microrganismos patogénicos, nomeadamente, salmonella e Escherichia Coli.
Quanto a esta última, que recentemente causou graves problemas de saúde na
Europa, talvez não seja mera casualidade o facto de, pelo menos nalguns casos,
ter sido associada a produtos alimentares obtidos em agricultura biológica.
Vários outros exemplos se poderiam apresentar e que, facilmente, demonstram a
falibilidade das exigências na agricultura impropriamente chamada biológica.
Citaremos apenas mais dois. Porque não se podem usar adubos nítricos de síntese
mineral nem nitrato do Chile mas pode usar-se o guano, que tem a mesma origem
do nitrato do Chile e do qual apenas diferirá em termos de menor mineralização?
Será que este último adubo, uma vez aplicado, poderá ter um comportamento
significativamente diferente em termos da libertação de nitratos? E se tiver,
isso será de facto uma vantagem? Não se terá pensado que quanto menor for a
mineralização maior será a possibilidade de o adubo veicular substâncias
tóxicas para as plantas? Também gostaria de saber se, no caso do sulfato de
amónio, que não se pode usar porque é obtido por síntese mineral através da
reação do ácido sulfúrico com o amoníaco, o adubo, com a mesma composição, já
poderá usar-se se for obtido como subproduto do fabrico de um composto
orgânico, a caprolactama.
As vantagens da não utilização dos adubos de síntese mineral podiam, em última
análise, resultar dos seus mais elevados preços da unidade fertilizante e/ou de
serem mais difíceis de distribuir. Acontece porém que, em relação a qualquer
daqueles aspetos, se verifica justamente o contrário. Na realidade, os preços
unitários do azoto nos adubos da síntese mineral são, em termos médios, muito
inferiores àqueles que se verificam nos produtos orgânicos; e estes, como é
fácil de supor, também são mais incómodos de distribuir.
Refira-se, ainda, que se a absorção do azoto, fornecido através de formas já
previamente existentes nos adubos de síntese mineral, fosse prejudicial, então
teríamos também de tentar evitar as águas de rega, as quais, como é sabido, em
determinadas situações (em particular quando tenham origem em albufeiras nas
quais, durante o verão, estão sujeitas a acentuadas evaporações), podem
incorporar apreciáveis quantidades de azoto em formas minerais. Suponho que
esteja fora de questão a rega com água destilada!
Por outro lado, se fosse para evitar, em absoluto, o azoto mineral, então
teriam ainda de se proteger as culturas das precipitações atmosféricas, já que
estas, sobretudo quando associadas á ocorrência de trovoadas, veiculam para o
solo quantidades significativas de azoto que, neste caso concreto das
trovoadas, só pode ser de síntese mineral! E as siderações? Não poderão, em
muitos casos, conduzir a elevadas concentrações de formas minerais de azoto no
solo?
Outros nutrientes
Na impossibilidade de abordarmos, de forma sistemática, todos os nutrientes
que, á luz dos conhecimentos atuais, se consideram indispensáveis para as
plantas, iremos restringir-nos, e apenas em termos de agricultura biológica
versus agricultura ecológica, aos casos dos outros dois macronutrientes
principais: o fósforo e o potássio.
Em relação ao fósforo (o qual, dado o seu caráter estático, praticamente só é
suscetível de contribuir para a poluição das águas superficiais), cremos não
ter qualquer base científica o facto de a chamada agricultura biológica
excluir, por exemplo, adubos como os superfosfatos, pelo simples facto de serem
obtidos através de uma reação química entre uma fosforite (que é,
essencialmente, fosfato tricálcico) e o ácido sulfúrico, e aceitar um adubo,
também oriundo de uma fosforite, mas tratada apenas por processos físicos.
Será que, efetivamente, o primeiro daqueles adubos tem quaisquer inconvenientes
em relação ao segundo? È sabido que as plantas, através das raízes só absorvem
o fósforo em formas iónicas (principalmente ortofosfato primário, H2PO4-). Ora
acontece que, enquanto no caso dos superfosfatos grande parte do fósforo já se
encontra naquela combinação química e, por isso, pode ser desde logo utilizado
pela planta, nos fosfatos naturais é necessário decorrerem períodos de tempo
que, embora variáveis com diversos fatores, nomeadamente a reação do solo,
serão quase sempre relativamente longos, tal facto significando que podem não
atuar sobre a cultura na altura em que, eventualmente, mais seria necessário.
Mas haverá qualquer inconveniente, de ordem ecológica, pelo facto de se usarem
superfosfatos? O perigo de absorção em excesso pelas culturas, suscetível de se
verificar em relação ao azoto e ao potássio, não ocorre no caso do fósforo.
Será de recear um maior arrastamento pelas águas no caso dos superfosfatos?
Cremos que não, uma vez que a facilidade com que aquela forma origina nos solos
combinações químicas pouco solúveis faz que a sua concentração seja sempre
baixa e, pelo mesmo motivo, não é muito provável a sua passagem para as águas
subterrâneas: e, quanto às águas de escorrimento superficial, tudo leva a crer
que, dada a natureza dos principais fenómenos envolvidos, em particular a
erosão, qualquer das formas poderá ser arrastada.
O inconveniente dos superfosfatos poderá ser consequência do cádmio
eventualmente presente? Trata-se de um problema que, de facto, pode ter
inconvenientes ecológicos associados àquele metal pesado, mas é um problema que
a indústria pode e deve resolver, utilizando fosforites sempre com baixo teor
de cádmio, ou procedendo á sua eliminação durante o processo de fabrico.
Restaria, á semelhança do que se disse a propósito do azoto, esperar que a
utilização de fertilizantes fosfatados de origem natural proporcionasse
vantagens de ordem económica e/ou prática. Acontece, porém, que também neste
caso o preço da unidade fertilizante dos adubos usados no País é muito mais
elevado, e a aplicação, por se tratar de uma forma que, devido á exigência de
uma fração se apresentar praticamente em pó, também não é, seguramente, mais
cómoda de utilizar. Poderá dizer-se que aquelas rochas fosfatadas têm preços
mais elevados porque são submetidas a tratamentos que produzem um valor
acrescentado. Mas será que, em tais casos, não se estará, também, a aumentar a
probabilidade de se criarem problemas ambientais?
De qualquer modo, os fosfatos naturais, quando e onde a sua utilização se
justificar em termos económicos, poderão ser usados, em particular naqueles
casos em que se possa tirar partido do seu importante contributo para a
correção da acidez dos solos.
No caso do potássio, que é absorvido pelas plantas apenas sob a forma de ião
potássio (K+), de novo vamos encontrar na chamada agricultura biológica
exigências que não têm justificação científica, parecendo obedecerem, antes, á
realidade de alguns países da UE, nomeadamente a Alemanha (e mesmo a vizinha
Espanha), possuírem elevadas reservas dos chamados "sais brutos".
Assim, por exemplo, restringe-se a utilização, e mesmo quando se utilizem, só
em casos especiais, aos sais brutos, nomeadamente silvinite (produto contendo
cloretos de potássio e de sódio), silvite (cloreto de potássio praticamente
puro) e o sulfato de potássio (que, curiosamente, se admite agora o produto que
se obtenha por lavagem de sais brutos, naturais, mas também se aceita o que se
obtenha através de uma reação química entre o cloreto de potássio proveniente
da silvinite e o sulfato de magnésio proveniente da kieserite). Por outro lado,
não pode deixar de se estranhar que não se faça qualquer referência a uma
importante diferença entre a silvinite e a silvite. É que a primeira, por
conter sódio em quantidades que podem ser consideravelmente elevadas, é
suscetível, como se sabe, de provocar inconvenientes graves em vários aspetos
da fertilidade dos solos.
Mas, e á semelhança do que se disse em relação às fosforites, a
"purificação" de sais brutos estará isenta de agressões ao
ambiente?
É certo que os chamados sais de potássio concentrados, mais usados na
agricultura normal, são quase sempre obtidos a partir dos sais brutos; mas que
mal poderão causar, sobre as plantas e/ou sobre o solo, se forem obtidos
através de outras vias, desde que estas, em determinadas condições, possam
originar produtos com menor preço da unidade fertilizante?
Poderia, por fim, dizer-se que se a Agricultura não usar adubos de síntese
mineral a Indústria não os produz e, sendo assim, não ocorrem possíveis
fenómenos de poluição associados ao seu fabrico. Mas, a atribuirmos apreciável
significado a este facto, então teríamos também de exigir, por exemplo, e com
muito mais forte razão, que não existissem automóveis, tratores, medicamentos,
pesticidas, etc. Sejamos coerentes!
Em qualquer dos casos que vêm sendo apresentados, temos partido do princípio de
que, com o uso dos adubos de síntese mineral, estamos a tentar obter o ótimo
económico, isto é, aquele nível de produção para o qual a diferença ente o
valor da colheita e os encargos resultantes do uso daqueles fertilizantes é
máxima.
Casos haverá, porém, em que, face a uma drástica carência de alimentos
vegetais, ao usarem-se os adubos de síntese mineral, ou mesmo quaisquer outros
fatores produtivos, pode ser necessário olhar, antes, para a obtenção do ótimo
físico, isto é, para a máxima produção de alimentos obtenível num dado
condicionalismo, independentemente dos encargos que lhes estejam associados.
Também em muitos casos, aliás dia a dia mais frequentes, poderá ser mais
prudente, ou mesmo indispensável, usar os fatores de produção de forma a não
ultrapassar o chamado ótimo ecológico, isto é, até àquele ponto em que vão
melhorar, ou, pelo menos, não prejudicar, a qualidade do ambiente, nas suas
componentes associadas á fertilidade dos solos, a certos aspetos da qualidade
das águas e dos produtos vegetais, e até da atmosfera.
Deve notar-se que, enquanto os ótimos físico e económico são grandezas fáceis
de calcular com rigor, já o ótimo ecológico, por ter ainda hoje uma forte
componente subjetiva, e por estar associada a vários fatores inter atuantes,
será sempre de mais difícil quantificação.
NOTA FINAL
Na exposição que temos vindo a efetuar, só muito ao de leve falámos no problema
da qualidade dos produtos agrícolas, facto que, aparentemente, seria uma grande
falha da nossa parte. Na realidade, não ignoramos que é sobretudo com base numa
pretensa melhoria de qualidade que os agricultores biológicos justificam os
preços mais elevados dos seus produtos. Acontece porém que, pelo menos no que
se refere a um possível contributo suscetível de ser associado á não aplicação
de adubos de síntese mineral, a influência é, com certeza, praticamente nula.
Aliás, a propósito da qualidade dos produtos agrícolas, convém lembrar que,
salvo em casos muito concretos, é bastante difícil, ainda hoje, utilizar
parâmetros suscetíveis de serem facilmente quantificáveis. Assim, pode ser um
parâmetro objetivo dizer que um produto é de má qualidade, por exemplo quando,
devido ao uso de certos fertilizantes, os alimentos vegetais acumulam teores de
metais pesados, nomeadamente de cádmio, que os podem tornar mesmo impróprios
para consumo.
Certos aspetos, como por exemplo o poder de conservação dos produtos, a
apresentação de excessivos teores de nitratos e o abaixamento do teor de
glícidos são por vezes associados a uma excessiva absorção de azoto pela
planta. Acontece, no entanto, que tais fenómenos, a ocorrerem, serão
normalmente consequência não do azoto considerado isoladamente mas antes de um
desequilíbrio provocado pela absorção de outros nutrientes em quantidades que,
perante a absorção de mais azoto também deviam ser absorvidos em maiores
quantidades. Trata-se de uma situação que, embora não sendo de excluir a
possibilidade de não ocorrer quando não se utilizem adubos de síntese mineral,
também pode ser evitada e, por certo de forma mais prática e eficaz, recorrendo
ao uso daqueles fertilizantes.
De qualquer modo, a qualidade dos produtos agrícolas, quando associada ao uso
dos fertilizantes, em particular dos adubos de síntese mineral, terá sempre,
ainda hoje, um caráter muito empírico e altamente subjetivo. Em boa verdade, o
conceito de qualidade é completamente diferente consoante seja observado numa
ótica de produtor, de comerciante ou de consumidor. Assim: para o produtor, a
qualidade confunde-se com o mais elevado preço que lhes possa ser pago; para o
comerciante a qualidade confunde-se com a maior ou menor margem de lucro que
possa obter; para os consumidores, nos quais todos nós nos incluímos, a
qualidade, de um modo geral, pouco ou nada tem a ver com um conceito biológico,
sendo determinada, isso sim, pela apresentação, a embalagem e, sobretudo, pela
publicidade que se faça aos produtos.
Ainda a propósito da qualidade dos produtos parece-nos conveniente chamar a
atenção para algumas afirmações que por vezes se fazem nos órgãos de
comunicação social, nomeadamente na televisão, as quais, não tendo
contraditório ou tendo um contraditório deficiente em termos científicos, fazem
passar mensagens incorretas. A título de exemplo, refiro um recente programa de
televisão em que um adepto da agricultura biológica (mais concretamente um
suinicultor) respondeu ao entrevistador, quando interpelado sobre a
possibilidade de no momento de crise em que o país se encontra, os consumidores
não teriam maior dificuldade de acesso a produtos que são mais caros, obteve a
seguinte resposta: "quando os consumidores utilizam produtos biológicos,
como são melhores, não precisam de comer tanto; e, por outro lado, vão gastar
menos dinheiro em medicamentos". Ora é evidente que uma tal resposta não
pode ter qualquer fundamento científico. Os produtos serão melhores em quê?
Serão melhores porque são mais saborosos? Se assim for, tudo leva a crer que as
pessoas até tenham tendência para comer mais! Serão melhores em termos de
qualidade biológica? Não existe qualquer demonstração de que assim seja. Por
fim, quanto a uma potencial redução no consumo de medicamentos também não
existem quaisquer provas de que tais produtos tenham maior qualidade sanitária.
Aliás, como já se referiu, em certos casos pode até acontecer precisamente o
contrário!
Saliente-se, entretanto, que quando se trate de outros fatores produtivos,
nomeadamente o uso de pesticidas, o problema da qualidade dos produtos vegetais
pode tornar-se mais objetivo, se associado, por exemplo, á presença de resíduos
perigosos para a saúde dos consumidores. No entanto, mesmo nestes casos, e
ressalvada que esteja a proibição de produtos que já se saiba que nunca podem
ser usados, parece ser de aconselhar seguir o princípio da precaução máxima e
não o princípio do risco zero, já que este último é paralisante em termos
científicos. Aliás, e ainda a propósito dos pesticidas, valerá a pena recordar
uma célebre e muito antiga frase: "a diferença entre um remédio e um
veneno é, apenas, uma questão de dose". Esta frase, embora citada por
vários autores a propósito dos pesticidas, pode continuar a ter validade quando
aplicada a outros fatores produtivos, como sejam os adubos de síntese mineral
que foram particularmente referidos nesta palestra, os corretivos minerais e
orgânicos, a água de rega, etc.
Em relação ao potencial efeito prejudicial do uso dos adubos de síntese mineral
em certos aspetos direta e/ou indiretamente relacionados com o ambiente (que
cremos ter demonstrado poderem sempre ser evitados), apenas quereríamos
acrescentar que o ambiente, no seu complexo e vasto conjunto, estará,
forçosamente, em mudança, pelo que deverá sempre ser encarado numa perspetiva
dinâmica e não numa perspetiva estática. Esta realidade era, aliás, já
conhecida quando, cerca de 500 anos a. C., um célebre filósofo, Heráclito,
afirmava: "no mundo nada é constante senão a mudança"!
Devemos, com o uso dos adubos de síntese mineral, e de todos os outros fatores
de produção, procurar não acelerar a mudança, mas será ilusório pensarmos que
podemos evitá-la
Ainda a propósito do ambiente, e em particular da tão falada e receada poluição
atmosférica, recordamos que, como anteriormente já se disse, a influência do
uso dos adubos de síntese mineral é, na quase totalidade dos condicionalismos,
praticamente nula. Pelo contrário, como há já mais de 50 anos escrevemos a
propósito dos fertilizantes em geral, "não deve esquecer-se que os
fertilizantes, ao contribuírem para um maior desenvolvimento vegetativo,
aumentam a fotossíntese, aumentam a libertação de oxigénio, dilatam o pulmão da
Humanidade".
Para finalizar, eu bem gostaria de poder hoje responder afirmativamente a um
meu ex-aluno, que há cerca de quatro décadas, então já adepto da chamada
agricultura biológica, me perguntava se eu, ao menos, não lhe dava o benefício
da dúvida! Acontece, porém que, pelo menos tanto quanto eu sei, não houve,
neste domínio concreto, qualquer evolução dos conhecimentos que me leve a
alterar o que sempre pensei da impropriamente chamada agricultura biológica.
Tenho pena de não poder dar o benefício da dúvida; mas talvez possa, isso sim,
dar a certeza da dívida no dia em que este tipo de agricultura deixe de ser
subsidiado!
Na realidade, e pelo menos enquanto não for revista a atitude referente á
proibição do uso de adubos de síntese mineral, eu continuarei a afirmar que, na
quase totalidade dos condicionalismos que ocorrem no nosso país, a
impropriamente chamada agricultura biológica ainda hoje não é, e nem creio que
possa vir a ser, mais do que uma espécie de "manobra de diversão".
A meu ver, trata-se de um mito que, muito provavelmente, só poderá tornar-se
realidade com a intervenção de divindades. Daí parecer-me que talvez não fosse
de todo errado chamar-lhe agricultura mitológica.
Recepção/Reception: 2011.10.14
Aceitação/Acception: 2011.10.14