Desempenho agronómico e dissimilaridade genética entre genótipos de soja
Introdução
Em função dos altos rendimentos e da ampla adaptação nas diferentes latitudes,
aliados ao alto teor proteico e lipídico, a cultura da soja constitui-se como a
mais importante oleaginosa cultivada no Brasil. O incremento médio de 36 kg ha-
1 ano-1 na produtividade, entre 1976/77 até 2012/13, foi proporcionado
principalmente pelo melhoramento genético e a expansão na área de cultivo, que
totalizou nesta safra cerca de 28 milhões de hectares, com produtividade média
de 2,9 kg ha-1 (Conab, 2013).
Tomando como referência o cenário atual, dentre os grandes produtores mundiais
da oleaginosa, o Brasil figura como o país que apresenta as melhores condições
para expandir a produção e prover o esperado aumento da demanda mundial. No
país, apenas o ecossistema dos Cerrados apresenta mais de 50 milhões de
hectares de terras ainda virgens, além de possuir condições topográficas e de
clima favoráveis, caracterizando-se em uma região apta à incorporação ao
processo produtivo da soja (Embrapa, 2004).
A utilização de tecnologias e de materiais genéticos de alto potencial
produtivo condicionou o aumento na produtividade de grãos. Porém, torna-se
necessária, para condicionar incrementos cada vez mais compensatórios, a
obtenção de materiais adaptados às condições edafoclimáticas de cada região
(Torres et al., 2014). No melhoramento genético da soja, para obtenção de
populações segregantes, necessita-se da escolha dos genitores a serem cruzados.
Além disso, as hibridações artificiais em plantas autógamas geralmente envolvem
cruzamentos entre biparentais, sendo as maiores limitações a variação genética
estreita e a recombinação baixa, devidas ao processo posterior de
autofecundação. Neste sentido, uma forma de possibilitar a obtenção de
progênies superiores é reunir informações sobre a superioridade agronómica e a
divergência genética, para possibilitar combinações entre genitores,
identificando o conjunto gênico mais amplo e a viabilidade de cruzamentos,
podendo-se, assim, relacioná-las por técnicas multivariadas biométricas
(Miranda, 1998; Cruz et al. 2004).
Apesar da preocupação atual sobre a perda da diversidade vegetal, em razão da
substituição de variedades crioulas por cultivares com base genética estreita,
a variabilidade genética consiste na manutenção produtiva em resposta às
adversidades sobre estresses (Rinaldi et al., 2007). Neste sentido, caracteres
agronómicos e morfológicos são submetidos à análise multivariada, permitindo
identificar informações entre inúmeros caracteres, possibilitando restringir os
erros quanto à escolha de progenitores mais divergentes nos programas de
melhoramento (Cruz et al., 2004).
Assim, o objetivo do trabalho foi avaliar o desempenho agronómico de cultivares
de soja no cerrado brasileiro, além de quantificar a variabilidade genética,
por meio do agrupamento dos cultivares de soja e a contribuição relativa das
variáveis para a dissimilaridade genética, podendo-se, assim, identificar as
combinações promissoras.
Material e Métodos
O experimento foi instalado no setor de Fitotecnia da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul - Unidade Universitária de Aquidauana (UEMS/UUA), município
de Aquidauana-MS, compreendendo as coordenadas geográficas 20o27'S e 55o40'W e
com uma altitude média de 170 m.
O solo da área foi classificado como Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico de
textura arenosa, com as seguintes características na camada de 0 - 0,20 m: pH
(H2O) = 6,2; Al trocável (cmolc dm-3) = 0,0; Ca+Mg (cmolc dm-3) = 4,31; P (mg
dm-3) = 41,3; K (cmolc dm-3) = 0,2; Matéria orgânica (g dm-3) = 19,74; V (%) =
45; m (%) = 0,0; Soma de bases (cmolc dm-3) = 2,3; CTC (cmolc dm-3) = 5,1.
O clima da região, segundo a classificação descrita por Köppen-Geiger, é do
tipo Aw (Tropical de Savana) com precipitação acumulada de 464 mm e
temperaturas máximas e mínimas médias de 37,7 e 16,9 oC, respectivamente ao
longo do experimento.
O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados, com seis
tratamentos e quatro repetições. As parcelas consistiram de sete linhas com 10
metros de comprimento, com espaçamento de 0,45 m entre linhas e densidade de
plantas entre 12 a 18 sementes por metro. Os tratamentos foram constituídos de
seis cultivares transgênicas de soja: P98Y70, CD 238, CD 241, BRS 255, VMAX e
NK 7059.
Na preparação da área experimental, foi realizada uma dessecação com o
herbicida Gliphosate (herbicida não seletivo, de ação sistêmica do grupo
químico Glicina substituída) na dose de 6 L ha-1, empregando-se na aplicação
pulverizador de barras equipado com bico do tipo cone.
As sementes foram tratadas com mistura de fungicidas (piraclotrobina + metil
tiofanato) e inseticida (fipronil), na dose de 200 mL do produto comercial para
cada 100 kg de sementes afim de se garantir proteção contra o ataque de pragas,
como a larva alfinete (Diabrotica speciosa G.), a broca do colo (Elasmopalpus
lignosellus Z.) e o coró (Phillophaga cuiyabana M.), e a doenças, como
crestamento foliar (Cercospora kikuchii T.), fusariose (Fusarium semitectum B.)
e antracnose (Colletotrichum dematium truncata). Para a fixação biológica de
nitrogénio (FBN), as sementes foram inoculadas com bactérias do género
Bradyrhizobium, sendo utilizada a dose de 200 mL de inoculante líquido
concentrado para cada 100 kg de sementes.
A sementeira foi realizada nos dias 14 e 15/12/2011, de forma manual e
utilizando-se o sistema de sementeira direta sobre palhada de milho. A área foi
sulcada com o uso de uma semeadora-adubadora, empregando-se adubo químico de
fórmula 02-18-16 na dose de 250 kg ha-1.
O controle da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis H.) e de algumas espécies
de percevejos, como o percevejo marrom (Euschistus heros F.) e percevejo verde
(Nezara viridula L.), foram realizados com a aplicação dos inseticidas metomil,
na dose de 600 mL ha-1 do produto comercial, e tametoxam + lambda-cialotrina na
dose de 200 mL ha-1, sendo aplicados com pulverizador de dorso de bico cónico.
Para o controle de plantas infestantes foi utilizado o herbicida glifosato na
dose de 6 L ha-1 e, posteriormente, monda manual.
As variáveis medidas foram: altura das plantas na maturação (ALT), altura da
inserção da primeira vagem (INS), número de ramificações (NR), número de vagens
(NV), massa de 100 sementes (MCG) e produtividade de sementes (PROD).
Para as avaliações agronómicas foram colhidas 10 plantas de cada parcela, sendo
as variáveis altura de planta e altura de inserção da primeira vagem
determinadas com auxílio de régua milimetrada. Por ocasião da maturação
realizou-se a contagem do número de vagens por planta. A massa de 100 sementes
foi determinada pela contagem manual, pesagem e correção da umidade para 13%.
A colheita das plantas foi realizada manualmente em duas linhas centrais de 8 m
de comprimento. A produtividade de sementes foi estimada por meio da
extrapolação da produção colhida na área útil para 1 ha, corrigindo-se para 13%
de base úmida.
Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas
ao teste de Tukey a nível de 5% de probabilidade. Posteriormente, foi obtida a
matriz de dispersão, empregando-se métodos multivariados, com base no método de
agrupamento de ligação simples ou vizinho mais próximo, obtendo-se o
dendrograma, utilizando-se a distância Euclidiana média como medida de
dissimilaridade. Foi aplicado, também, o critério de Singh (1981), para
quantificar a contribuição dos caracteres para a divergência genética entre os
genótipos (Cruz et al., 2004). Todos os procedimentos foram realizados com
software estatístico Genes (Cruz, 2006).
Resultados e Discussão
Houve diferença (P<0,05) entre os genótipos para todos os caracteres avaliados
(Quadro_1), permitindo inferir sobre a existência de variabilidade genética
dentre os genótipos avaliados. Resultado similar foi obtido por Torres et al.
(2014), que ao avaliarem genótipos de soja na mesma região, verificaram
presença de variabilidade genética entre os mesmos.
Observa-se que o genótipo NK7059 obteve o maiores valores médios dos caracteres
AP, AIV e NR (Quadro_2). Apesar de ser característica do genótipo, o caráter AP
sofre influência principalmente da época de sementeira, fertilidade, nível de
umidade do solo, entre outras condições do ambiente. A soja semeada dentro da
época recomendada tende a ter sistema radicular mais profundo, aumentando sua
tolerância à seca, e uma altura menor, entre 60 e 120 cm, considerada adequada
à mecanização da colheita (Pitol e Broch, 2012; Guimarães et al., 2008).
Os fatores ambientais ou de práticas culturais que interferem na altura de
planta também podem influenciar na inserção da primeira vagem. Para que a
altura de inserção da primeira vagem não confira perdas à colheita, é ideal que
esta esteja inserida a pelo menos 10 cm do solo (Aquino et al., 2010).
Observou-se que somente a NK7059 (10,39 cm) e a CD238 (12,50 cm) apresentaram
uma altura considerada ideal para colheita mecanizada.
De acordo com Peixoto et al. (2008) a planta da soja pode atingir de um até dez
ramos por planta, com o maior deles inserido na parte mais baixa da haste
principal. O NR relaciona-se diretamente com a competição que ocorre entre as
plantas de soja pelos fatores de crescimento do ambiente, em especial a luz,
que determina o maior ou menor número de ramificações.
O NV numa planta de soja é dependente da época de plantio, onde sementeiras
realizadas além do período recomendado ocasionam uma menor altura de planta,
menor número de nós e, consequentemente, uma diminuição da quantidade de vagens
na planta (Oliveira, 2010). A cultivar BRS255 apresentou o NV mais elevado,
porém, isso não contribuiu para que a mesma atingisse uma boa produtividade,
provavelmente devido às condições climáticas adversas que ocasionou vagens
vazias (Quadro_3).
De acordo com Santos et al. (2003) a MCG apresenta grande variação entre os
genótipos, e constitui uma informação que dá idéia do tamanho das sementes,
assim como de seu estado de maturidade e de sanidade. A MCG não influenciou na
PROD dos genótipos deste experimento. A média mais alta foi da cultivar BRS255
(21,54 g), que possui a menor média do caráter PROD. O genótipo mais produtivo
foi o P98Y70, porém, se enquadrando entre as menores médias do MCG. Isto
ocorreu, provavelmente, devido ao aborto de vagens e deficiência no enchimento
das sementes dos demais genótipos.
No tocante à divergência genética, as medidas de dissimilaridade foram
estimadas a partir da distância Euclidiana Média (Quadro_4). Observou-se
elevada magnitude entre as distâncias (2,9861>D>0,9643), reforçando a hipótese
de alta variabilidade genética. Desta forma, houve grande divergência entre as
cultivares estudadas, assim como ampla variabilidade, segundo constataram
outros trabalhos entre genótipos de soja, como os de Sihaget al. (2004),
Chettri et al. (2005), Malik et al. (2007) e Rigon et al. (2012).
O par formado entre os genótipos VMAX e P98Y70 (D=0,9643) foi o mais próximo.
Tal par, por apresentar o mesmo padrão de similaridade, não é recomendado para
utilização em programas de melhoramento genético por hibridação, para que a
variabilidade genética não seja restrita, de modo a inviabilizar os ganhos a
serem obtidos por seleção (Cruz et al., 2004). Isto ocorre porque progenitores
geneticamente relacionados tendem a compartilhar muitos genes ou alelos em
comum e, quando dois destes progenitores são cruzados, há pouco estímulo,
atribuído ao baixo nível de heterogozidade alélica no cruzamento (Abreu et al.,
1999).
O par mais divergente foi composto pelos genótipos NK7059 e P98Y70 (D=2,9861).
Essa alta divergência, a princípio, permite recomendar o cruzamento entre esses
pares, visando maximizar a heterose nas progênies e a aumentar a possibilidade
de ocorrência de segregantes nas gerações avançadas devido aos diferentes
números de locos nos quais os efeitos de dominância estão evidentes (Cruz et
al., 2004).
O método utilizado de aglomerativo Ligação Simples por vizinho mais próximo tem
a finalidade de reunir indivíduos mais similares entre si; em seguida,
identificar o novo par mais semelhante para formar outro par de indivíduos e,
assim, sucessivamente, formando grupos de acordo com suas similaridades (Cruz
et al. 2004). Este procedimento também foi realizado em outros estudos sobre
divergência na cultura da soja (Peluzio et al. 2009; Almeida et al., 2011,
Rigon et al., 2012).
O dendrograma (Figura_1) representa bem os agrupamentos dos genótipos de soja.
Verifica-se que a 50% de similaridade há formação de três grupos. O primeiro é
constituído pelos genótipos CD238, P98Y70, CD241 e NK7059, enquanto o segundo e
o terceiro foram formados pelos genótipos VMAX e BRS255.
Dentre as variações entre os caracteres avaliados, o parâmetro de maior
influência, e, consequentemente, de mais intensa contribuição para a
divergência genética, foi o NV, seguido pelo AIV (Quadro_5), resultados estes,
semelhantes aos constatados por Rigon et al. (2012). De acordo com estes
autores, esta pequena distinção entre os genótipos deve-se, possivelmente, ao
fato de o melhoramento genético deste caráter na cultura da soja ter sido
intensificado, pois se relaciona diretamente com a PROD.
Conclusão
O genótipo de soja mais produtivo foi o P98Y70. Os caracteres número de vagens
e altura de inserção de vagens foram os que mais contribuíram para a
divergência entre os genótipos. Cruzamento entre os genótipos NK7059 e P98Y70
pode resultar num híbrido com alto vigor heterótico.