Aspectos biológicos de Tuta absoluta (Lepidoptera: Gelechiidae) criada em
folhas de diferentes genótipos de tomate
Introdução
O tomateiro (Lycopersicum esculentum Miller) tem como centro de origem a região
andina, e, no Brasil, sua introdução deve-se a imigrantes europeus no final do
século XIX (Alvarenga, 2004). Esta é a hortícola mais cosmopolita e amplamente
disseminada no mundo, entretanto, não há na agricultura brasileira outra
cultura tão complexa, do ponto de vista agronómico e de riscos económicos tão
elevados, em virtude principalmente da infestação por diversas pragas, tanto na
cultura para consumo in natura, como para indústria (Filgueira, 2005; Gonçalves
Neto et al., 2010).
A infestação por insetos-praga pode ocorrer durante todo o ciclo, e até mesmo
em culturas protegidas e os ataques podem causar danos consideráveis (Silva e
Carvalho, 2004). A praga-chave da cultura é a traça-do-tomateiro, Tuta absoluta
(Meyrick) (Lepidoptera: Gelechiidae)(Gonçalves Neto et al., 2010), que na fase
imatura ataca toda a planta em qualquer estádio de desenvolvimento, como as
folhas, brotos apicais, caules, botões florais e até os frutos, formando
galerias transparentes, principalmente nas gemas apicais, nas quais destroem
brotações novas, além dos frutos, que são depreciados para comercialização
(Silva e Carvalho, 2004).
Com o objetivo de diminuir os prejuízos ocasionados por esta praga, têm-se
utilizado inseticidas de forma indiscriminada, ocasionando problemas no
controle deste inseto, como a resistência de T. absoluta aos seus ingredientes
ativos (Siqueira et al., 2001), além de exercerem grande impacto sobre inimigos
naturais, afetando principalmente as áreas onde o controle biológico é
praticado.
Diante deste fato, é de fundamental importância o desenvolvimento de variedades
resistentes a T. absoluta a fim de diminuir o número de aplicações de
inseticidas nessa cultura. Assim, torna-se necessário o conhecimento das
possíveis fontes de resistência do tomateiro ao inseto (Suinaga et al., 2004),
pois a resistência de plantas mostra-se eficiente para diminuir os riscos
económicos e ambientais que prejudicam a produção e apresentam várias
vantagens, como baixo custo, facilidade de utilização e compatibilidade com
outras táticas de controle (Lara, 1991).
Várias fontes de resistência a diversas pragas do tomateiro têm sido
identificadas, sendo que, dentre essas, a espécie Lycopersicon hirsutum f.
glabratum (C. H. Mull.)tem-se destacado por apresentar o aleloquímico 2-
tridecanona (2-TD), substância considerada tóxica a vários insetos (Linden,
1996). Trabalhos realizados com a traça-do-tomateiro demonstram que o 2-TD
confere resistência da planta a essa praga. Giustolin e Vendramim (1994)
observaram, em laboratório, alongamento das fases larval e pupal, redução da
sobrevivência larval, menor peso de pupas e menor fecundidade das fêmeas na
linhagem PI134417 de L. hirsutum f. glabrum. Thomazini et al. (2001) também
constataram que PI134417 afeta tanto a biologia como o comportamento de
oviposição de T. absoluta.
Algumas variedades de L. esculentum, como Gigante Orita e Príncipe Gigante,
também apresentam menor suscetibilidade a algumas pragas, tais como Helicoverpa
zea(Boddie), T. absoluta, Macrosiphum euphorbiae(Thomas), Spodoptera exigua
(Hübner) e Tetranychus urticae(Koch)(Fornazieret al., 1986; Eigenbrode e
Trumble 1993, 1994). Essa resistência se deve, em alguns casos, aos tricomas
glandulares e/ou à lamela foliar. Além disso, características físicas
(espessura da camada cuticular) e químicas dos frutos e hábito de crescimento
(Leite et al., 2003) também influenciam na resistência de L. esculentum a
pragas.
Assim, teve-se por objetivo, avaliar a resistência de nove genótipos de
tomateiro, sendo cinco comerciais e quatro linhagens selvagens, sobre o
desenvolvimento de T. absoluta, em condições de laboratório.
Material e Métodos
O estudo foi desenvolvido na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias –
FCAV/UNESP, Jaboticabal, SP, no Departamento de Fitossanidade, Laboratório de
Resistência de Plantas a Insetos, à temperatura de 25±1 ºC, UR de 70±10% e
fotofase de 12-h, com as espécies de tomateiro L. esculentum (cv. ‘Santa Clara'
(testemunha) e quatro híbridos: Saladete Italiano Ty Tyna, Santa Cruz Débora
Ty, Salada Lumi e Saladete Italiano Andrea Victory), L. hirsutumf.glabratum
(linhagens PI 134418 e PI 134417) e Lycopersicon pimpinellifolium(Just)
(linhagens NAV 1062 e PI 126931), as quais foram cultivadas em vasos (40 x 20
cm2) mantidos em estufa. As plantas foram utilizadas com 60 dias após a
emergência.
A praga foi criada em gaiolas de vidro retangular (0,4 m x 0,4 m de base e 0,5
m de altura) com uma abertura lateral, revestida com tecido voile. Folíolos de
tomateiro da cultivar ‘Santa Cruz Kada Paulista' foram retirados das plantas
cultivadas em estufa e suas hastes mergulhadas em potes de vidro (10 cm de
altura e 4 cm de diâmetro) contendo água e fechados com algodão hidrófogo.
Estes foram colocados no interior das gaiolas, onde os adultos foram
libertados, obtendo-se os ovos. As hastes com ovos foram transportadas para
outra gaiola de mesmas dimensões, para a eclosão das lagartas. Ao atingir a
fase de pupa, estas foram deixadas no interior das gaiolas com as hastes secas,
até a emergência dos adultos, que novamente foram libertados nas gaiolas de
oviposição (Miranda et al., 1998). Os adultos foram alimentados com solução de
mel a 10%..
O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, composto
por nove tratamentos e 20 repetições, cada uma contendo três lagartas.
Primeiramente, obtiveram-se os ovos da criação, os quais foram colocados, com o
auxílio de um pincel, em placas de Petri (6 cm de diâmetro) até à eclosão das
lagartas. As lagartas recém-eclodidas foram colocadas em placas de Petri (6 cm
de diâmetro) contendo papel filtro levemente umedecido e folhas de cada
genótipo. As folhas fornecidas às lagartas estavam completamente desenvolvidas
e a cada dois ou três dias foram fornecidas folhas novas dos genótipos em
estudo (Giustolin et al., 2002), retiradas da parte mediana e apical da planta
(Leite et al., 1999).
As placas de Petri foram observadas diariamente, anotando-se a ocorrência de
pupas que, 24h após a formação, foram pesadas e individualizadas em tubos de
vidro (8,5 cm de altura x 2,5 cm de diâmetro), onde permaneceram até a
emergência dos adultos, que foram sexados.
Os parâmetros avaliados foram: duração (dias) e sobrevivência (%) das fases
larval e pupal, sobrevivência (%) de e lagartas de primeiro instar à emergência
dos adultos (global), duração (dias) global, longevidade dos adultos sem
alimento, massa total de pupas (medida com 24 horas de idade) e razão sexual.
Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), seguindo
a distribuição de F, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey, ao nível
de 5% de probabilidade. Os dados de duração larval, pupal e global, longevidade
dos adultos sem alimento, massa de pupas e razão sexual foram transformados em
(x + 0,50)1/2e os dados de sobrevivência transformados em arcsen [(x + 0,50)/
100]1/2.
Realizou-se, também, a análise de agrupamento hierárquico, utilizando-se o
método Single Linkage e a distância euclidiana como medida de dissimilaridade,
além da análise dos componentes principais, a fim de se classificar os
genótipos que apresentassem a máxima similaridade e a mínima dissimilaridade
entre os grupos. Para estas duas análises foram usados os parâmetros:
Sobrevivência larval (SL), pupal (SP) e global (ST), duração larval (DL), pupal
(DP) e global (DG), massa de pupas (MP), longevidade de adultos(L) e razão
sexual (RS), com o uso do programa Statistica versão 7.0 (Statsoft, 2004).
Resultados e Discussão
A duração da fase larval foi significantemente mais alongada nos genótipos PI
134417 (20,0 dias) e PI 134418 (20,3 dias) (L. hirsutumf. glabratum) em relação
aos criados em Andrea Victory (16,3 dia) e Tyna (16,4 dia) (L. esculentum)
(Quadro_1).
A sobrevivência da fase larval foi significativamente reduzida quando o inseto
foi criado nos genótipos PI 134417 (25,0%) e PI 134418 (20,0%) em comparação
àqueles criados em ‘Santa Clara' (testemunha) (53,5%), Tyna (65,0%) e NAV 1062
(53,5%)(Quadro_1). Nos outros genótipos os valores não diferiram do encontrado
na testemunha.
Com relação à duração e sobrevivência da fase pupal, não houve diferenças
significativas entre os tratamentos. A longevidade dos adultos apresentou
diferenças significativas entre os genótipos PI 126931 (11,3 dias) e Andrea
Victory (7,8 dias), sugerindo proporcionar, neste último, insetos menos
longevos (Quadro_2).
A sobrevivência global de T. absoluta criada nos genótipos ‘Santa Clara'
(50,0%), NAV 1062 (50,0%) e Tyna (46,7%) diferenciaram-se das criadas em PI
134418 (16,7%) (Quadro_2). A duração do desenvolvimento desde a eclosão das
lagartas até à emergência dos adultos (duração global), a massa de pupas e a
razão sexual não obtiveram diferenças significativas entre os tratamentos,
mostrando não terem sido afetados pelos genótipos (Quadro_2).
O genótipo PI 134418 foi, dentre os demais avaliados, o que apresentou efeito
mais negativo sobre T. absoluta, alongando a fase larval e reduzindo as
sobrevivências larval e global. Eigenbrode e Trumble (1993), também em um
estudo sobre o mecanismo de resistência por antibiose, constataram alta
mortalidade de S. exigua por L. hirsutum f. glabratum (PI 134418). Segundo
Rosero (2010) essas espécies silvestres de tomateiro são importantes fontes de
genes para resistência genética a insetos pragas.
O genótipo PI 134417 também prejudicou o desenvolvimento de T. absoluta,
proporcionando um aumento da fase larval e reduzindo a sobrevivência larval, o
que confirma a resistência deste material, também constatada por Thomazini et
al. (2001), onde o genótipo alongou a fase larval e pupal e reduziu a massa de
pupas fêmeas desta espécie. Giustolin e Vendramim (1994) também observaram a
resistência deste genótipo, provocando alongamento das fases larval e pupal,
redução da sobrevivência larval, menor massa de pupas e menor fecundidade das
fêmeas de T. absoluta.
Os efeitos adversos sobre a praga indicam ser a antibiose um dos tipos
responsáveis pela menor suscetibilidade das linhagens PI 134417 e PI 134418 de
L. hirsutumf. glabratum. Leite (2004) relata que as causas que podem estar
envolvidas nesta menor suscetibilidade devem estar associadas aos tricomas
glandulares e não glandulares e àquelas associadas com lamela média, folha,
frutos, hábito de crescimento ou idioblastos cristalíferos.
Além disso, a espécie L. hirsutum f. glabratumapresenta o aleloquímico 2-TD,
substância considerada tóxica a vários insetos, o que prejudica, assim, o seu
desenvolvimento (Linden, 1996). Gilardón et al. (2001) consideram apenas em
parte o 2-TD responsável pela resistência do tomateiro à T. absoluta,
considerando que alguma podem ter outras causas de resistência. No entanto,
segundo Willians et al. (1980), Lin et al. (1987) e Pereira et al. (2000), essa
substância tem sido citada como responsável pela resistência a várias pragas.
Fatores outros que também podem influenciar a suscetibilidade dos genótipos são
a idade da planta e o estágio de desenvolvimento da folha, pois os mesmos podem
proporcionar variações nas concentrações de 2-TD. Segundo Leite et al. (1999),
a parte apical do dossel de L. hirsutumé menos atacada por lagartas de T.
absoluta,e o teor de 2-TD aumenta da base para o ápice do dossel.Kennedy et al.
(1981) relataram que, com o aumento da fotofase, ocorre acréscimo no teor de 2-
TD.
Com relação aos genótipos de L. pimpinellifolium(NAV 1062 e PI 126931),
constatou-se que não afetaram nenhum dos aspectos biológicos estudados,
discordando dos relatos apresentados por Lourenção et al. (1984), em que NAV
1062 se destacou como o genótipo menos danificado (em comparação com genótipos
de L. esculentum e L. peruvianum Mill).
Dentre os genótipos comerciais de tomateiro, Andrea Victory interferiu apenas
na longevidade dos adultos, reduzindo-a, porém, não houve mais qualquer outro
aspecto biológico em que esta se diferenciou da testemunha, sendo assim
considerada suscetível ao ataque de T. absoluta, semelhante aos demais
genótipos comerciais.
Por meio da análise de agrupamento hierárquico, observou-se que houve uma
distinção entre os genótipos, dividindo-os em grupos de acordo com o grau de
similaridade entre os mesmos (Figura_1). A partir do gráfico da distância de
ligação dos grupos (Figura_1b), fixou-se a distância euclidiana em 3,14,
sugerindo a divisão dos genótipos em quatro grupos distintos: o primeiro é
formado pelo genótipo PI 134418; PI 134417 forma o segundo grupo; o terceiro
grupo é formado pelo genótipo PI 126931; e os genótipos Santa Clara, Andrea
Victory, Tyna, Lumi, Débora e NAV 1062 se isolam dos demais genótipos e formam
um único grupo (Figura_1a).
Pela análise dos componentes principais, o primeiro componente principal (CP1)
concentrou 40,4% da variabilidade contida nas variáveis originais, sendo os
seguintes parâmetros aqueles que mais influenciaram esse componente principal:
duração larval (0,93), sobrevivência larval (-0,88), duração global (0,76), e
sobrevivência global (-0,83) (Figura_2a). O segundo componente principal (CP2)
concentrou 22,4% da variabilidade presente nas variáveis originais, e os
parâmetros que mais influenciaram o CP2 foram o período pupal (0,87) e
sobrevivência pupal (0,78) (Figura_2a). Longevidade, razão sexual e massa de
pupas foram os parâmetros biológicos que menos influenciaram na diferenciação e
classificação dos genótipos de tomateiro quanto aos graus de resistência a T.
absoluta (Figura_2a).
Os resultados obtidos por meio da análise dos componentes principais foram
semelhantes aos obtidos pela análise de agrupamento hierárquica quanto ao
número de grupos formados pelos genótipos de tomateiro (Figura_2a). Os
genótipos PI 134418 e PI 134417 ficaram isolados dos demais, posicionando-se no
4º e 1º quadrantes, respectivamente (Figura_2a). No 3º quadrante, formou-se um
grupo composto pelos genótipos PI 126931, Santa Clara, Andrea Victory e Tyna.
Por fim, um quarto grupo foi constituído por Débora, Lumi e NAV 1062,
posicionando-se próximo ao eixo do CP2 (Figura_2a).
Nota-se, no entanto, que houve algumas alterações quanto aos genótipos
integrantes de cada grupo formado pela análise de componentes principais em
relação à análise de agrupamento hierárquica (Figura_2a). Contudo, em ambas as
análises multivariadas os genótipos PI 134418 e PI 134417 foram isolados
individualmente dos demais por serem influenciados principalmente pelas maiores
durações do período larval e menores sobrevivência larval e sobrevivência
global (Figura_2a_e_2b).
Bottega (2013), constatou que o genótipo PI134417 apresentou alto teor de
tricomas glandulares, principalmente do tipo IV, e efeitos negativos sobre a
duração larval e global, e baixa sobrevivência larval e global de T. absoluta.
De acordo com Gonçalves et al. (2006) e Rodríguez-Lopes et al. (2011) os tipos
de tricomas glandulares VI e IV em tomateiro, são os dois tipos mais citados
como influência negativa a artrópodes praga.
Gonçalves et al.(2006) realizando testes para verificar a relação entre
zingibereno, tricomas foliares e repelência a Tetranychus evansi
(Koch),constataram que o zingibereno está associado especialmente aos tricomas
tipo VI e mostram a sua maior presença na superfície abaxial dos folíolos dos
genótipos de tomateiro avaliados. Esses dados concordam em parte com Freitas et
al.(2002), que atribuíram a presença do sesquiterpeno aos tricomas glandulares,
especialmente os de tipo VI e IV.
Baldin et al. (2005) constataram que PI134418 e PI134417 alongaram o ciclo de
B. tabaci, indicando a ocorrência de não-preferência para alimentação e/ou
antibiose. Constataram também que os tricomas glandulares desempenham papel
fundamental para a não-fixação ou mortalidade do inseto na planta, devendo ser
devidamente explorados nos programas de melhoramento, a fim de oferecer novas
ferramentas para o controle de insetos-praga.
Dessa forma pode-se considerar que das linhagens de L. hirsutumf. glabratumsão
material muito interessante para introgressão de genes de resistência.
Conclusões
De maneira geral, conclui-se, a partir dos resultados obtidos nas análises de
agrupamento hierárquica e dos componentes principais, que é possível
classificar os genótipos de tomateiro da seguinte forma, de acordo com os graus
de resistência do tipo antibiose demonstrado nesse experimento: PI 134418,
altamente resistente, (AR); PI 134417, moderadamente resistente (MR); PI
126931, ‘Santa Clara', Tyna e Andrea Victory, suscetíveis (S); e Débora, Lumi e
NAV 1062, altamente suscetíveis (AS).