Internet e adolescentes: nem tanto, nem tão pouco!
Internet e adolescentes: nem tanto, nem tão pouco!
Daniela Neves
USF Anta
ACES Grande Porto IX Espinho/Gaia
Bélanger RE, Akre C, Berchtold A, Michaud PA. A U-shaped association between
intensity of internet use and adolescent health. Pediatrics 2011 Feb; 127 (2):
e330-5.
A importância crescente da internet no quotidiano dos adolescentes tem motivado
a investigação da associação entre a utilização intensiva da internet e a
existência de problemas de saúde. Contudo, poucos estudos investigam a presença
de problemas de saúde nos adolescentes que têm uma utilização da internet baixa
ou ausente. O objectivo deste estudo foi avaliar a relação entre diferentes
intensidades de uso da internet e a saúde dos adolescentes.
Métodos
A base de dados do estudo foi obtida do 2002 Swiss Multicenter Adolescent
Survey on Health (estudo de âmbito nacional, realizado na Suíça, que incluiu
7.548 adolescentes dos 16 aos 20 anos, em escolaridade não
obrigatória, com aplicação de um questionário anónimo). O presente estudo
incluiu 7.211 adolescentes (3.305 raparigas e 3.906 rapazes) que responderam a
três perguntas, incluídas no referido questionário, sobre a intensidade de uso
da internet nos últimos 30 dias.
Os adolescentes foram divididos em quatro grupos: utilizadores intensivos, se
existiu uso da internet durante duas ou mais horas diárias, todos os dias;
utilizadores regulares, se houve uso da internet vários dias por semana, mas
durante menos de duas horas diárias; utilizadores ocasionais, se existiu
utilização da internet uma vez por semana ou menos; não utilizadores, se não
houve uso da internet nos 30 dias anteriores. As variáveis de saúde analisadas
foram: auto-percepção do estado de saúde, sintomas depressivos, excesso de peso
ou obesidade, cefaleias, lombalgia e quantidade de sono. Avaliaram-se também
características pessoais que foram incluídas na análise multivariada: idade,
situação académica, nível socioeconómico, realização de exercício físico,
presença de doença crónica e de incapacidade.
Resultados
Verificou-se que 7,3% dos rapazes e 2,2% das raparigas eram utilizadores
intensivos. A maioria dos rapazes foi classificada como utilizador regular
(44,9%) ou ocasional (31,4%). A proporção de raparigas foi semelhante (41,5% e
39,8%, respectivamente). Verificou-se percentagem semelhante de não
utilizadores: 16,4% dos rapazes e 16,5% das raparigas.
Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas nas características
pessoais entre os vários grupos de utilizadores (idade, situação académica,
nível socioeconómico e actividade física nos rapazes e idade, situação
académica e presença de doença crónica nas raparigas).
Considerando os rapazes utilizadores regulares como referência, verificou-se
que os utilizadores intensivos tiveram maior risco de excesso de peso ou
obesidade (risco relativo [RR] 1,78; intervalo de confiança [IC] de 95% 1,07-
2,95) e de sintomas depressivos (RR 1,36; IC 95% 1,01-1,81). Os não
utilizadores tiveram maior risco de lombalgia (RR 1,87; IC 95% 1,26-2,79) e de
sintomas depressivos (RR 1,31; IC 95% 1,02- 1,67).
Em comparação com as utilizadoras regulares, as utilizadoras intensivas
apresentaram maior risco de sono insuficiente (RR 1,91; IC 95% 1,07-3,42) e de
sintomatologia depressiva (RR 1,86; IC 95% 1,30-2,66). As utilizadoras
ocasionais e as não utilizadoras revelaram maior risco de sintomatologia
depressiva (RR 1,24; IC 95% 1,06-1,44 e RR 1,46; IC 95% 1,14-1,87,
respectivamente).
Discussão
Encontrou-se um padrão de associação em «U» entre a intensidade de utilização
da internet e o compromisso da saúde mental. O facto de os utilizadores
ocasionais e os não utilizadores terem apresentado maior risco de
sintomatologia depressiva foi um resultado inesperado e não parece ser
explicado pela falta de acesso à internet. Uma explicação possível seria que os
adolescentes poderiam estar desadaptados do seu grupo de amigos ou isolados em
contexto depressivo, utilizando menos a internet.
A internet pode fazer com que os adolescentes se deitem mais tarde e tenham
distúrbios de sono, podendo ser a explicação para os resultados verificados em
relação ao sono nas utilizadoras intensivas. Os resultados encontrados sobre
excesso de peso ou obesidade nos utilizadores intensivos referem-se apenas aos
rapazes, o que pode ser explicado pelo motivo de na Suíça este problema de
saúde ser menos frequente nas raparigas. Em relação ao maior risco de lombalgia
nos não utilizadores, há que ter em conta que a maioria dos rapazes estava em
estágios profissionais, implicando mais actividades físicas, com consequentes
queixas álgicas.
Um ponto forte do estudo a realçar é que foi utilizada uma amostra
representativa nacional de adolescentes. Existem, contudo, limitações: o estudo
não especifica a quantidade e a qualidade do uso da internet e não inclui
adolescentes que não frequentam a escola. Além disso, o acesso à internet tem
vindo a aumentar ao longo dos anos logo, actualmente, o número de horas
dispendido nesta actividade deve ser superior.
Conclusão
A utilização da internet de forma moderada pode ser benéfica. Utilizar a
internet várias vezes por semana e menos de duas horas por dia parece ser um
comportamento saudável. Os médicos devem estar atentos, não só à utilização
excessiva da internet, mas também à utilização rara ou mesmo ausente nos
adolescentes.
Comentário
À semelhança de trabalhos anteriores, este estudo demonstra que a utilização
excessiva da internet tem risco acrescido de problemas de saúde. Além disso,
acrescenta, de forma inovadora, que a ausência de uso e o uso ocasional da
internet se associam também a risco de problemas de saúde, tais como sintomas
depressivos.
Contudo, o desenho do estudo não permite determinar a direcção da associação e
estabelecer causalidade (não se sabe se a utilização escassa ou nula da
internet causa sintomas depressivos ou se estes determinam menor utilização da
internet). Existiam algumas diferenças nas características iniciais entre os
grupos de utilizadores. Embora tenha sido feito um ajustamento estatístico para
estas características, uma das limitações de estudos observacionais como este é
a possibilidade de existirem outras variáveis que não foram consideradas e que
constituam factores de confundimento, alterando a força ou mesmo a direcção da
associação.
Os resultados do estudo foram recolhidos em 2002, o que constitui uma limitação
importante, já que o fenómeno das redes sociais na internet é posterior. Em
Portugal, nos últimos anos, verificou-se a implementação de programas que
facilitam o acesso à sociedade de informação, com um aumento importante da
aquisição de equipamentos informáticos e de acesso à banda larga pelos
estudantes.1 Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, a utilização
da internet pelo grupo etário dos 16 aos 24 anos tem vindo a aumentar ao longo
dos últimos anos.2 Assim, actualmente, as definições dos vários tipos de
utilizadores podem ser bastante distintas, porque devem ser adaptadas à
expansão da internet em cada contexto cultural. É possível que o que foi
considerado como um comportamento saudável (utilização intermédia) ou
potencialmente nefasto (uso excessivo, escasso ou ausente) em 2002 seja
diferente do que se verifica na actualidade na Suíça e em Portugal.
Outra limitação é que o estudo não inclui adolescentes que não estudam ou
outros grupos etários. É pertinente saber se as conclusões seriam as mesmas se
se considerasse adolescentes com idade inferior a 16 anos, adultos ou idosos.
Em conclusão, a utilização da internet parece ser um elemento importante na
abordagem dos adolescentes e pode constituir um marcador associado a problemas
de saúde, embora se desconheça a existência de uma relação de causalidade.