A necessidade de nos afirmarmos na investigação
A necessidade de nos afirmarmos na investigação
Raquel Braga*
*Directora da Revista Portuguesa de Clínica Geral
No Editorial anterior reflectíamos acerca da qualidade da investigação que
publicamos na nossa Revista. Congratulamo-nos com o nível do que se vai fazendo
em Portugal e orgulhamo-nos do rigor metodológico de alguns trabalhos de
investigação efectuados a nível dos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Sentimos
que a Revista Portuguesa de Clínica Geral poderá ser um veículo e um incentivo
à investigação e publicação.
Sabemos que, ao contrário do que se passa na formação pós-graduada em outras
especialidades médicas, no Internato de Medicina Geral e Familiar (MGF), desde
há muito que zelamos por incluir no programa cursos obrigatórios de introdução
às metodologias da investigação que desenvolvam a apetência, a motivação e as
ferramentas básicas para investigar. Em escolas, cursos e congressos de MGF as
temáticas da investigação estão sempre presentes e são muito procuradas, quer
por internos, quer por especialistas.
Mas, de alguma forma, quando pretendemos ter uma visão de topo acerca do que se
passa na investigação em CSP em Portugal, apercebemo-nos que falta algo que nos
faça dar um salto qualitativo definitivo.
Terminado o congresso do European General Practice Research Network (EGPRN),
que decorreu em Nice, França, de 19 a 22 de Maio, dada a relevância que este
evento assume no panorama de investigação a nível europeu, importa comentar que
muitos dos trabalhos que vimos ser lá apresentados não se encontram seguramente
a um nível mais elevado do que os que produzimos por cá. A representação
portuguesa fez-se respeitar e ouvir interpares. Suscitou interesse e admiração,
sobretudo pelo rigor metodológico dos comentários efectuados a outros
trabalhos, mas também pela robustez e valor dos trabalhos apresentados por
Portugal. À nossa presença, no entanto, poderá ter faltado o brilho de uma
maior dimensão e da internacionalização...
Em alguns países da Europa, sobretudo nos países do noroeste, as estruturas que
sustentam a investigação e os grupos que a elaboram são diferentes dos nossos.
O trabalho é desenvolvidos em departamentos universitários, que não se
restringem apenas ao ensino, mas também ao desenvolvimento de grandes projectos
de investigação, obedecendo a programas e utilizando fundos específicos.1 Os
nossos colegas que desenvolvem investigação têm, na sua maioria, tempo
privilegiado e recursos para a concretizar.
A França, país anfitrião desta última Edição do EGPRN, é o exemplo de um país
que iniciou a implementação da MGF mais tardiamente que nós,2 apresentando-se
actualmente num nível de investigação mais ou menos semelhante ao nosso. No
entanto, o peso da sua representação em número de trabalhos apresentados fez-
nos a todos reflectir sobre o enorme avanço dado recentemente no caminho que
estão a percorrer. Apesar das dificuldades relativas à entrada dos
departamentos de MGF nas universidades, a sua disseminação já se concretizou e
consubstanciou com a graduação académica de muitos colegas nossos que são agora
os bastiões do desenvolvimento no terreno da investigação em CSP.2
Em Portugal, é necessário que o internato de MGF procure pontes e parcerias com
as universidades. Se em CSP um bom investigador não pode intervir distanciado
da clínica, ao clínico não pode faltar o rigor académico da investigação. A
nossa realidade, que mantém a carreira académica e carreira clínica em caminhos
geralmente separados, não facilita, provavelmente, o desenvolvimento da
investigação nos serviços de saúde e clínicos. Sem este desenvolvimento a nível
da investigação diminui o factor de atracção dos estudantes e dos jovens
licenciados em Medicina pela carreira de MGF.1
É preciso desenvolver uma agenda, que deve ultrapassar a adaptação ou tradução
da Agenda Europeia de Investigação, que tem de ser inovadora e adaptada às
particularidades da reforma dos CSP em curso no nosso país e ao momento de
grandes transformações que vivemos. A investigação em CSP em Portugal tem de
estar na vanguarda das inovações e na retaguarda do que de novo está a ser
feito... A agenda tem de ser não só cumprida mas estendida.3
Nos últimos dois anos muito se evoluiu em Portugal relativamente aos sistemas
de informação e relativamente à possibilidade de extracção de dados. Sem dúvida
que esse será um passo fundamental que nos poderá ajudar a obter resultados.
Esperemos haver quem saiba fazer boas e originais perguntas – pertinentes,
relevantes e com impacto na prática clínica – e quem saiba analisar os
resultados e discuti-los com elevação.
Construir competências e confiança, desenvolver parcerias, assegurar que a
investigação se encontra perto da prática clínica, disseminar a investigação,
investir em infra-estruturas, bem como construir elementos de sustentabilidade
e de continuidade, são alguns pontos que podemos avaliar num sistema de saúde
para objectivarmos a sua capacidade de desenvolver investigação.4
Para fazermos crescer a investigação em CSP em Portugal é preciso ver em quais
destes factores é necessário intervir mais e melhor. É importante ser
visionário e procurar a fórmula certa. É preciso pensar globalmente, em vez de
nos dedicarmos apenas a desenvolver estudos locais, é necessário procurar e
estabelecer as parcerias certas e encontrar os suportes financeiros e
estruturais necessários. Estamos a um pequeno passo de saltar para o último
patamar...
Seria, provavelmente, interessante avançarmos no campo da investigação
qualitativa, na qual temos tão pouca tradição (mas que tanto se adequa à nossa
especialidade).
É importante arriscar e não ter medo de ousar a caminho da afirmação. A Revista
Portuguesa de Clínica Geral deverá ser um motor, um apoio, um estímulo e também
um espelho do desenvolvimento dessa fórmula certa que nos permitirá crescer e
afirmarmo-nos na investigação.