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EuPTCVHe0870-71032011000400004

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Prevalência da INGestão de Álcool nos Adolescentes: Estudo PINGA

Introdução O álcool é a substância de abuso mais comercializada a nível mundial1 e uma das poucas substâncias psicotrópicas que tem o seu consumo legalizado e inclusivamente incentivado pela sociedade.2 De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o seu consumo pode ser classificado em cinco categorias: 3 abstinência, consumo não nocivo, consumo de risco, consumo nocivo e dependência (Quadro I).

QUADRO I. Classificação do padrão de consumo de álcool de acordo com a OMS

Nos adolescentes o consumo de álcool tem vindo a assumir proporções alarmantes, tratando-se da principal substância de abuso nesta faixa etária.5 Um padrão de consumo que tem assumido importância crescente neste grupo é o chamado «binge drinking», que corresponde ao consumo de cinco ou mais bebidas contendo álcool (quatro no sexo feminino), num período de poucas horas, geralmente com o objectivo de atingir a embriaguez.6,7 O consumo excessivo de álcool tem consequências negativas imediatas para a saúde,7,8 podendo causar danos cerebrais, interferindo com o desenvolvimento mental e com o aproveitamento escolar. Encontra-se frequentemente relacionado com comportamentos anti-sociais, violência, suicídio, acidentes de viação, comportamentos sexuais de risco, delinquência juvenil e abuso concomitante de outras substâncias.2,5,7,8,10-12 Está também comprovadamente associado a um risco aumentado de desenvolvimento de doença hepática, hipertensão arterial, doença coronária, acidentes vasculares cerebrais e cancro da mama, boca ou esófago, entre outras consequências.2,4,13 Um aspecto particularmente preocupante é o facto de o consumo de álcool ter início em idades cada vez mais precoces,5,12,14 o que aumenta o risco de desenvolvimento de problemas no futuro.15,16 Segundo um estudo realizado nos EUA em 2003, o consumo de álcool no último mês em jovens entre os 12 e os 20 anos foi de 50-52,8%;17 30% referiam praticar «binge drinking» pelo menos uma vez por mês e 58% dos alunos do 12.o ano e 20% dos alunos do 8.o ano referiam ter ficado embriagados pelo menos uma vez na vida.8 De acordo com um outro estudo de grande dimensão, 25,2% dos estudantes do 7.o ao 12.o ano tinham consumido pelo menos uma bebida no último mês.14 Em Portugal, um estudo realizado no Porto com alunos do 9.o ao 12.o ano de escolaridade,18 revelou que a proporção de consumo de álcool neste grupo era de 59,8%. Um outro estudo,19 realizado a nível nacional com alunos do 6.o ao 10.o ano, demonstrou que 55,6% dos jovens do sexo masculino e 48,8% do sexo feminino haviam experimentado bebidas alcoólicas, enquanto 44% admitiam consumir ocasionalmente e 7,1% faziam-no regularmente.

Parecem ser várias as razões que motivam o consumo de álcool pelos adolescentes, nomeadamente o gosto pelo paladar, a necessidade de se integrarem no grupo de amigos (como estratégia de coping), de se sentirem adultos ou o desejo de relaxar e esquecer os problemas. Dois estudos realizados neste âmbito20-21 concluíram que o consumo de álcool nos adolescentes ocorria sobretudo por motivos sociais, nomeadamente como estratégia de coping. No entanto, um número significativo de jovens consumia álcool com o objectivo de se embriagar.21 Dada a escassez de estudos sobre o consumo de álcool nos adolescentes do Nordeste Transmontano, região tradicionalmente referida por algum excesso no consumo, a determinação da proporção de adolescentes que consomem bebidas alcoólicas de forma regular e a quantificação e caracterização desse consumo permitirá adequar estratégias de intervenção.

Objectivos O presente estudo tem como objectivos caracterizar o consumo de álcool nos adolescentes e verificar se existe relação com o sexo e com a idade. Pretende- se ainda determinar as principais razões que motivam esse consumo, verificando também se estão relacionadas com o sexo e com a idade.

Material e Métodos Tipo de Estudo: Observacional, transversal e analítico.

Local do estudo: Escolas do 3.o ciclo e secundárias do distrito de Bragança.

População em estudo: Constituída pelos 14.826 adolescentes a frequentar as referidas escolas no ano lectivo 2008/2009,18 definindo-se como adolescentes os jovens com idades compreendidas entre os 13 e os 19 anos.

Critérios de exclusão: adolescentes ausentes da respectiva escola durante o período de recolha de dados e estudantes dos estabelecimentos de ensino seleccionados com menos de 13 anos ou mais de 19 anos.

Caracterização da amostra e técnica de amostragem: Amostra constituída por adolescentes de turmas e escolas do distrito de Bragança no ano de 2009, seleccionadas através de uma técnica de amostragem aleatória por etapas múltiplas, seleccionando inicialmente as escolas e posteriormente algumas turmas dentro de cada escola. A dimensão calculada da amostra, para uma prevalência esperada de 45%, com um nível de precisão de 3,0% e um intervalo de confiança de 95%, corresponde a 955 indivíduos.

Variáveis em estudo: • Sexo: género masculino ou feminino.

• Idade: número de anos de vida. Agrupada em três intervalos: 13-14 anos; 15-17 anos e 18-19 anos.

• Consumo de álcool: consumo de bebidas contendo álcool. Agrupado em cinco categorias: abstinente (0 pontos); bebedor ocasional (1-19 pontos); consumo de risco (20-41 pontos); consumo nocivo (42-57 pontos) e dependência (58-79 pontos).

• Motivos de consumo: classificados nas seguintes categorias - gosto pelo paladar; para acompanhar os amigos; para se sentir adulto; por nervosismo/ tensão/problemas ou ainda por tristeza, solidão ou pena de si próprio.

Métodos de recolha de informação: Dados recolhidos através de um questionário internacional validado para a população portuguesa, anónimo e de auto-preenchimento, distribuído nas escolas e turmas seleccionadas. Como forma de garantir o anonimato, após o seu preenchimento, os questionários foram colocados em envelopes fechados.

O «Adolescent Alcohol Involvement Scale» (AAIS) é um questionário de 14 questões, dirigido especificamente para populações jovens.23 A pontuação total varia de 0 a 79 pontos. A cada alínea a) corresponde um ponto (excepto nas questões 1, 2, 6, 12, 13 e 14, em que corresponde a 0 pontos), a cada alínea b) dois pontos e assim sucessivamente. Em cada uma das questões pode ser seleccionada mais do que uma alínea, contudo, para efeitos de pontuação, apenas é contabilizada a resposta de maior pontuação. Os resultados encontram-se agrupados em 5 categorias: abstinência (0 pontos); consumo ocasional (1-19 pontos); consumo de risco (20-41 pontos); consumo nocivo (42-57 pontos) e dependência (58-79 pontos). Em Portugal, Barrias et al24 traduziram e validaram este questionário, aplicando-o a amostras populacionais de várias regiões.

Tratamento dos dados: Dados codificados e registados em base de dados informática (Microsoft Excel®).

Para o tratamento estatístico, utilizou-se o programa SPSS v.13.0 recorrendo-se ao teste do qui-quadrado e adoptando um nível de significância de 0,05.

Resultados Foram obtidos 1343 inquéritos, dos quais 240 foram excluídos por se encontrarem incorrectamente preenchidos ou incompletos, o que corresponde a uma taxa de resposta de 82,1%. Destes, foram ainda excluídos mais 42, por não preencherem os critérios de inclusão, restando assim um total de 1061 inquéritos válidos e correctamente preenchidos. A caracterização da amostra obtida encontra-se no Quadro II. A média de idades foi de 16 anos e a mediana de 16,1 anos.

QUADRO II. Caracterização da amostra

Relativamente à proporção de consumo de álcool, a frequência verificada foi elevada, com 69,5% dos jovens a apresentarem pelo menos um consumo mensal de bebidas alcoólicas (Quadro III).

QUADRO III. Frequência de consumo de álcool pelos adolescentes

Dos 1061 jovens que responderam ao questionário, 89,8% (953) consumiram álcool em alguma ocasião, 96,4% dos quais no último ano. Apenas 10,2% referem nunca ter ingerido bebidas alcoólicas, enquanto 21,3% dizem beber todos os fins-de-semana e 2,0% diariamente. Por outro lado, 27,7% (294) dos jovens dizem praticar «Binge Drinking».

Constatou-se ainda que o intervalo 14-15 anos foi a idade mais frequente para o início do consumo de álcool, tendo sido referida por 36,1% dos jovens. Contudo, uma percentagem de aproximadamente 6% admitiu ter começado a beber antes dos 10 anos.

Relativamente ao padrão de consumo de álcool obtido, mais de dois terços dos adolescentes apresentam um consumo de risco. O Quadro IV apresenta esses resultados.

QUADRO IV. Padrão de consumo de álcool obtido

Relacionando o sexo com o consumo de álcool, verificou-se que existe uma relação estatisticamente significativa, sendo que o sexo masculino apresenta maior consumo (pontuação média: 34,3, que corresponde a um consumo de risco; p = 0,032), como se pode comprovar no Quadro V.

QUADRO V. Consumo de álcool por sexo

Analisando a distribuição do consumo de álcool por intervalos de idade, verificou-se que este aumenta com a idade, apesar de esta relação não ser estatisticamente significativa (Quadro VI).

QUADRO VI. Consumo de álcool por intervalo de idade

Relativamente aos motivos de consumo apontados, estes encontram-se expressos no Quadro VII, destacando-se o «acompanhar os amigos» (coping) e o «gosto pelo paladar» como principais motivos.

QUADRO VII. Motivos de consumo de álcool obtidos

Verificou-se a existência de uma relação entre sexo e motivos de consumo, embora não estatisticamente significativa. Em ambos os sexos destacam-se como motivos mais frequentes «acompanhar os amigos» e «gosto pelo paladar». No entanto, no sexo masculino estes predominam sensivelmente de forma equitativa, enquanto no sexo feminino predomina claramente o «acompanhar os amigos» (Quadro VIII).

QUADRO VIII. Motivos de consumo por sexo

Analisando os motivos de consumo por grupo etário, não foi encontrada qualquer relação - independentemente do grupo etário, os motivos mais referidos foram sempre «acompanhar os amigos» e «gosto pelo paladar» (Quadro IX).

QUADRO IX. Motivos de consumo por grupo etário

Discussão A proporção de consumo de álcool nesta faixa etária é elevada e superior à obtida noutros estudos realizados neste âmbito,5,7,14,18 o que levanta a hipótese de o Nordeste transmontano ser efectivamente uma região com um consumo de álcool nos adolescentes acima da média. Um outro dado que sustenta esta afirmação é a elevada proporção de jovens que consumiram álcool em alguma ocasião (89,8%), valor bastante acima daquele encontrado na literatura para esta faixa etária. No que diz respeito ao «binge drinking», a taxa encontrada foi semelhante à obtida no estudo realizado nos EUA em 2003.17 Este aspecto é particularmente relevante, na medida em que este tipo de consumo demonstrou estar associado a maior dano social e para a saúde.11 O padrão de consumo predominante foi o consumo de risco, seguido pelo consumo nocivo, constatando-se assim a existência de padrões de consumo preocupantes.

Verificou-se um predomínio de consumo no sexo masculino. Existe também um predomínio de consumo nas faixas etárias mais elevadas, ainda que não estatisticamente significativo. Ambos os resultados vão, contudo, de encontro ao referido na literatura.14 Em relação aos motivos de consumo, os motivos de carácter social assumem-se como um factor determinante, à semelhança do referido noutros estudos,20,21 independentemente do sexo ou da idade. Assim, o gosto pelo paladar e o acompanhar os amigos (motivos baseados num reforço positivo) foram os mais frequentemente apontados. Este facto poderá estar associado a um esforço, por parte dos adolescentes, para corresponder às expectativas do grupo, para se sentirem integrados e respeitados.

É também preocupante a elevada percentagem de jovens com início de consumo de álcool muito precoce, que quase metade dos jovens referiram começar a beber antes dos 15 anos. Constitui ainda motivo de reflexão a importante percentagem dos que iniciaram o consumo antes dos 10 anos de idade. Uma das razões para este início de consumo tão precoce é o facto de as bebidas alcoólicas funcionarem como uma droga socialmente aceite e facilmente acessível, apesar de a sua venda estar interdita a menores de 16 anos.25 No que diz respeito à validade interna deste estudo, pode ser caracterizada como boa, uma vez que a amostra foi representativa e aleatória e se obteve uma boa taxa de adesão. Relativamente a limitações, admite-se a existência de alguns viéses, nomeadamente de memória ou de medição, apesar da garantia de anonimato e confidencialidade. Quanto à validade externa, os resultados obtidos foram semelhantes a outros estudos existentes, embora com uma proporção de consumo ligeiramente superior, o que reforça a ideia de estarmos perante um problema da maior gravidade.

Este estudo permitiu assim caracterizar o consumo de álcool dos adolescentes do distrito de Bragança, possibilitando o estabelecimento de estratégias de prevenção e educação mais direccionadas, nomeadamente a divulgação destes resultados nas respectivas escolas e realização de sessões educativas. Uma outra medida a implementar seria a abordagem desta problemática nos Exames Globais de Saúde dos 11-13 anos, sensibilizando desde logo os jovens e encarregados de educação.

Como linhas futuras de investigação sugere-se a avaliação de possíveis factores relacionados com o consumo de álcool, nomeadamente de natureza psicológica ou social. Seria igualmente pertinente verificar se existe relação entre motivos de consumo, quantidade consumida e consequências directas desse consumo.


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