Internamentos hospitalares associados à onda de calor de Agosto de 2003:
evidências de associação entre morbilidade e ocorrência de calor
2.1. Origem dos dados
Para a realização do presente estudo foram usados dados diários das
temperaturas do ar e dados dos internamentos hospitalares.
2.1.1. Temperaturas
As temperaturas máximas do ar para os 18 distritos de Portugal Continental
foram obtidas através do Instituto de Meteorologia. O período de exposição à
onda de calor ocorreu entre 28 de Julho e 16 de Agosto de 2003.
2.1.2. Internamentos hospitalares
Os efeitos da onda de calor 2003 foram estimados usando dados dos internamentos
hospitalares em estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde de
2001 a 2003.
2.2. Métodos
Para estudar os efeitos da onda de calor nos internamentos hospitalares em
estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, o número de
internamentos ocorridos durante o período de onda de calor - 28 de Julho
a 16 de Agosto (internamentos observados) foi comparado com o número de
internamentos que ocorreriam, no mesmo período de tempo, se a onda de calor não
tivesse ocorrido (internamentos esperados).
2.2.1. Definição do número de dias com excesso de calor
O número de dias com excesso de calor (onda de calor) foi definido com base nas
temperaturas máximas observadas e nos valores do índice ÍCARO emitidos
diariamente para o distrito de Lisboa e para as quatro Regiões1 definidas para
fins de previsão de efeitos da onda de calor (Paixão e Nogueira, 2003). Na
prática, definiu-se o número de dias com excesso de calor como sendo o número
de dias que o índice-ÍCARO local (Lisboa ou região) teve valores positivos.
2.2.2. Estimativa do excesso de internamentos
2.2.2.1. Cálculo das razões dos internamentos hospitalares entre períodos
(RIHP)e número relativo de internamentos hospitalares entre períodos -
RRIHP
O número de internamentos hospitalares é um processo de contagem sazonal não
estacionário. Mostra mudanças rápidas no seu número médio durante o Verão, onde
alcança geralmente o seu valor mais baixo; e o seu número total tem uma
tendência de aumento ao longo dos anos.
Se existe um efeito da ocorrência do calor nos internamentos hospitalares, será
de esperar um aumento do padrão usual nessa época do ano. Consequentemente é
particularmente importante determinar correctamente o número esperado de
internamentos hospitalares se a onda de calor não tivesse ocorrido tendo em
consideração a sazonalidade habitual.
Assim, é proposto um método que usa períodos de tempo equivalentes dentro do
período de Verão e entre diferentes anos. A consideração de diferentes anos
permite controlar para a tendência anual nos internamentos hospitalares e ter
uma referência para o padrão sazonal habitual.
Aqui em particular, foram considerados para cálculos os períodos de tempo
equivalentes no Verão de 2003 (ano do evento - com ocorrência da onda de
calor) e nos verões de 2001 e de 2002 (ano de referência - sem evento da
onda de calor). Em termos gerais, o período da onda de calor (POC)e os períodos
da comparação (PC)foram considerados dentro de todos os anos (evento e
referência). Obviamente no ano de referência (2001 e 2002) o POCé apenas um
período de tempo equivalente sem o calor adicional e nenhuma mortalidade
adicional prevista.
As razões dos internamentos hospitalares entre períodos são consideradas como o
número de internamentos hospitalares observados em POCdividido pelo mesmo
número no PC,isto é dentro da razão do ano/ evento do Verão.
As razões relativas dos internamentos hospitalares entre períodos foram
calculadas como a divisão do valor de RIHPpor ano do evento pelo valor de
RIHPpor ano de referência.
onde NP[s] - representa de número de admissões de hospital observadas no
período Pdo ano S.
Para cálculos, usando as circunstâncias indicadas acima, a fórmula é:
O RRIHPé uma medida relativa do impacto da onda de calor nos internamentos
hospitalares corrigido para a mudança entre os períodos em que o evento (onda
de calor) não ocorre. Consequentemente, RRIHPrepresenta uma estimativa
corrigida de RIHPapós controlar para a relação observada no ano de referência,
entre o número de internamentos ocorridos durante os dois períodos (POCe PC) em
2001-2002.
2.2.2.2. Estimativas de intervalos de confiança
Para testar a hipótese de um número adicional significativo de internamentos
hospitalares assumiu-se que o número de internamentos num período de tempo
específico segue uma distribuição de Poisson. Os intervalos de confiança a 95%
para o excesso de internamentos hospitalares para cada período de comparação
foram obtidos com os intervalos de confiança de 95% para RIHP,calculados
através do "método exacto de Silcocks", que usa a relação entre as
distribuições de probabilidade beta e binomial (Silcocks, 1994). Nomeadamente,
os limites de 95% de confiança são os valores de p, pL- Limite inferior e
pU- limite superior, tal que B(pL, O, E+ 1) = 0,025 e que B(pU, O+ 1, E)
= 0,975. Definimos O- o número de internamentos observado; e E- o
número de internamentos esperado. Os valores de pe os intervalos de confiança
para medidas de RRIHPforam calculados usando um teste do qui-quadrado, que
aproxima a probabilidade de observar valores N POC[S] e N PC[S], em cada
situação, sabendo que estas variáveis aleatórias condicionais à sua soma,
seguem uma distribuição binomial (Breslow e Day, 1987). Mais precisamente,
onde
ou, equivalentemente,
Donde o Intervalo de confiança para RRIHP100(1 - α)% pode ser obtido da
equação anterior, depois de calculados os limites de confiança para π cujas
equações são as seguintes:
onde Fα/2(ν1; ν2) denota o quantil 1- da distribuição Fcom os graus de
liberdade ν1 e ν2.
2.2.2.3. Períodos da comparação
O efeito estimado da onda de calor de 2003 nos internamentos hospitalares foi
desenvolvido com as seguintes comparações:
a) Do número de internamentos no período da onda de calor (Jul28-Ago16) com o
número de internamentos nos 4 períodos definidos para a comparação em 2003
(Jun18-Jul7, Jul8-Jul27, Ago17-Set5 e Set6-Set25), considerando as bases de
dados de internamentos hospitalares do respectivo ano; considerando o mesmo
número de dias e exactamente os mesmos dias úteis dos períodos em 2003 (as
datas correspondentes foram deslocadas ligeiramente em 2001 e 2002).
b) Do número de internamentos durante o período da onda de calor (Jul28-Ago16)
e dos períodos da comparação em 2003 com os períodos homólogos de 2001 e de
2002.
Avaliação do número de internamentos hospitalares durante o período da onda de
calor com os quatro períodos de comparação
NÚMERO DE INTERNAMENTOS OBSERVADOS (O)
O período de referência para a contagem dos internamentos hospitalares
observados (O) foi fixado em 20 dias (Jul28-Ago16).
NÚMERO DE INTERNAMENTOS ESPERADOS (E)
O cálculo dos internamentos esperados (aqueles que ocorreriam durante o período
de onda de calor (20 dias) se o excesso do calor não tivesse ocorrido), foi
obtido usando 4 períodos de comparação:
P- 2: Período Jun18-Jul7 - precedente a P- 1, com duração de
20 dias. P- 1: Período Jul8-Jul27 - precedente à onda de calor, com
20 dias. P+ 1: Período Ago17-Set5 - posterior à onda de calor, com 20
dias. P+ 2: Período Set6-Set25 - posterior a P+ 1, com 20 dias.
Todos os períodos incluem o mesmo número de dias da semana. O número esperado
de internamentos hospitalares no período da onda de calor se esta não tivesse
ocorrido foi calculado genericamente como:
Concretizado um pouco mais,
O número esperado de internamentos hospitalares é então definido pelo número de
internamentos hospitalares observados durante o período de comparação (no ano
da ocorrência) multiplicada pela razão entre períodos na situação da referência
(sem a onda de calor nesta situação particular).
A determinação do excesso de internamentos hospitalares foi obtida com a
diferença O- E,para cada período de referência para comparação.
2.2.3. Diagnósticos principais de internamento (em grandes grupos)
Para estudar os diagnósticos principais de internamento para os anos em estudo,
foi usada a classificação internacional de doenças, 9.a revisão (CID-9) (Quadro
I).
Quadro I
Codificação das causas de internamento segundo a classificação CID-9 (Grandes
Grupos)
As principais causas de internamentos hospitalares foram estudadas através da
estimativa do aumento percentual do excesso de internamentos hospitalares em
relação aos internamentos esperados, representada por
2.2.4. Outras considerações metodológicas e apresentação dos resultados
Para finalidades de robustez, foram considerados dois anos, 2001 e 2002, para
serem usados como referência. Assim, foi calculada a média em cada período
usando os valores do Verão de 2001 e 2002 (sem ocorrência da onda de calor).
Os resultados apresentados mostram os números de internamentos hospitalares por
períodos no ano do evento (onda de calor) e no ano de referência.
Para avaliações finais dos efeitos da onda de calor em todas as idades e em 75
ou mais anos, os resultados apresentados são:
● Os internamentos hospitalares observados em todos os cinco períodos
de tempo considerados;
● Estimativa(s) de RRIHP
- para todos os períodos de comparação;
- usando todos os períodos de comparação como um
único período;
- obtido como a média das quatro estimativas
individuais dos períodos de comparação de RRIHP;
● Estimativa de internamentos hospitalares esperados e excesso de
internamentos hospitalares
- em cada período de comparação;
- usando todos os períodos de comparação como um
único período;
- obtido a partir da média de RRIHPe no valor médio
esperado.
Somente um período (P- 1) foi usado para estimar o excesso de
internamentos hospitalares durante o período da onda de calor em Portugal
Continental, por sexo, e diagnóstico principal de internamentos hospitalares.
O programa MS Access 2003, e MS Excel 2003 e R (www.r-project.org) foram usados
para a análise de dados e cálculos.
3. Resultados
3.1. Temperaturas do ar
Durante o período compreendido entre 28 de Julho e 16 de Agosto de 2003
Portugal Continental esteve exposto a temperaturas ambientais superiores às
habituais para a época. As temperaturas máximas diárias para o período de 27 de
Julho a 18 de Agosto de 2003, dos distritos de Portugal Continental constam do
Quadro II.
Quadro II
Temperaturas máximas diárias entre 27 de Julho a 18 de Agosto de 2003, por
região e distrito do Continente
Verificou-se que o valor da temperatura começou a aumentar a 28 de Julho, e
mantiveram-se temperaturas elevadas até dia 15 de Agosto.
Os distritos de Beja, Castelo Branco, Évora, Portalegre foram os que tiveram
mais dias consecutivos temperaturas iguais ou superiores 32°C (20 dias para
Beja e 18 dias para os restantes), seguidos de Bragança, Guarda, e Vila Real
com 17 dias consecutivos em que as temperaturas foram iguais ou superiores
32°C. O distrito de Viseu esteve 16 dias consecutivos com temperaturas acima de
32°C.
Os distritos de Beja, Évora, Santarém e Setúbal, registaram durante 5 dias
consecutivos temperaturas iguais ou superiores a 40°C. Os distritos de Beja e
Évora registaram ainda dois períodos não consecutivos de 3 e 4 dias com
temperaturas iguais ou superiores a 40°C. Portalegre e Santarém registaram
ainda dois períodos de 2 e 3 dias com temperaturas iguais ou superiores a 40°C.
Oito distritos (Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Lisboa, Santarém, Setúbal e Viana
do Castelo) tiveram pelo menos 12 dias não consecutivos com temperaturas acima
desse valor. Somente os distritos de Aveiro e Porto apresentaram um menor
número de dias com temperaturas superiores a 32°C. Aveiro foi mesmo o distrito
menos quente só com dois dias acima dessa temperatura.
As temperaturas máximas registadas foram de 45°C em Beja, Évora e Santarém, no
dia 1 de Agosto (Quadro II).
A média das temperaturas máximas em todos os distritos de Portugal Continental,
entre 2001 e 2003, encontram-se representadas na Figura 1. Nesta representação
gráfica torna-se nítida a existência do período da onda de calor de Jul28
- Ago16no ano de 2003, face aos restantes anos onde tal não se verificou.
De facto, o período de 28/07 a 16/08 de 2003 foi em média mais quente em cerca
de 5°C do que o esperado.
Figura 1
Média das temperaturas máximas, em graus centígrados, registadas nos cinco
períodos em estudo em todos os distritos de Portugal Continental, nos anos de
2001 a 2003
Figura 2
Distribuição do número total de internamentos nos 5 períodos estudados nos anos
de 2001, 2002 e 2003
3.2. Estimativas de excesso de internamentos hospitalares
O objectivo de obter estimativas de excesso de internamentos hospitalares foi
conseguido usando a comparação de razões (ratios)de internamentos observados,
definida como as Razões (ratios)de Internamentos nos Períodos Estudados
(RIHP).Os valores estimados destas razões (ratios) foram obtidos para os quatro
períodos de comparação considerados (P- 1, P- 2, P+1 e P+ 2) para o
ano de 2003 (ano de ocorrência do evento) e os anos 2001-2002 (anos de
referência - sem ocorrência da onda de calor).
O excesso relativo foi estimado pela relação entre RIHPequivalentes, denominado
como Razões (ratios)Relativas de Internamentos entre Períodos Estudados
(RRIHP).Este procedimento gerou quatro estimativas distintas do risco de
excesso de admissões hospitalares devido à ocorrência da onda de calor. A média
das quatro estimativas precedentes foi calculada e obteve-se somente uma
estimativa deste risco. Foi obtida uma outra estimativa de RRIHPusando os
quatro períodos considerados de comparação como sendo um único.
Em Portugal Continental, o número total de internamentos nos períodos em estudo
no ano de 2003 apresentam um aumento relativamente aos anos de 2001 e 2002, a
partir do período imediatamente anterior à onda de calor e durante o período da
onda de calor. Foi estimado um excesso de 2578 internamentos hospitalares
durante o período de onda de calor em 2003, correspondendo a um aumento de 5%
do número de internamentos previstos (Quadro III).
Quadro III
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003
O número total de internamentos em indivíduos com 75 e mais anos, em Portugal
Continental manteve-se acima dos níveis verificados nos anos de 2001 e 2002
(Figura 3).Registou-se um pico durante o período da onda de calor em 2003, o
que corresponde ao descrito na literatura sobre o tema, sobre o risco acrescido
a esta faixa etária.
Figura 3
Distribuição do número total de internamentos em indivíduos com 75 e mais anos,
nos anos de 2001, 2002 e 2003
Para os indivíduos com 75 ou mais anos o mesmo procedimento gerou um excesso
estimado das admissões 1211 de hospital durante o período onde a onda de calor
2003 ocorreu, correspondendo a um aumento de 14% do número de internamentos
esperados (Quadro IV).
Quadro IV
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003 em indivíduos com 75 e mais anos
As estimativas de excesso de internamentos hospitalares por sexo nos indivíduos
com 75 e mais anos foram calculadas somente durante um período de comparação
(POCcontra P- 1), a fim simplificar os cálculos.
Uma estimativa revelou um excesso de 371 de internamentos hospitalares em
indivíduos do sexo masculino e de 659 em indivíduos do sexo feminino, no grupo
etário acima de 75 anos. Observou-se uma distribuição de internamentos
hospitalares de 64% nos indivíduos do sexo feminino e de 36% nos indivíduos do
sexo masculino (Quadro V).As estimativas do número absoluto de internamentos
hospitalares em excesso de acordo com o sexo foram realizadas no período de
comparação (POCcontra P- 1) que origina uma estimativa mais baixa, como
podem ser observadas no Quadro IV.
Quadro V
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003 em indivíduos com 75 e mais anos, por sexo
Tendo em conta que o grupo mais afectado em termos de internamentos durante o
período da onda de calor foi o grupo de indivíduos com 75 e mais anos,
considerou-se adequado desenvolver a caracterização dos internamentos
verificados entre 28 de Julho e 16 de Agosto de 2003, por Regiões de Portugal
Continental. As várias Regiões de Portugal Continental apresentaram diferentes
aumentos de internamentos hospitalares para a classe etária de 75 e mais anos.
As Regiões que apresentaram maior excesso de internamentos para o sexo
feminino, foram Lisboa e Vale do Tejo (1,22) e Centro (1,22), que representa um
excesso estimado de 383 e 282 internamentos. Para os indivíduos do sexo
masculino, o maior risco de internamento hospitalar situa-se nas regiões de
Lisboa e Vale do Tejo (1,15) e Alentejo (1,18), representando um excesso de 195
e 39 internamentos, respectivamente.
É interessante notar que a estimativa global de excesso (1154,9) dada pela
estratificação por regiões, usando como o período de comparação o período
imediatamente anterior à onda de calor (P- 1), é mais próxima das
estimativas globais obtidas (1210,8, 1212,7 ou 1214,8) do que a estimativa
obtida pelos internamentos totais dos indivíduos com 75 ou mais anos ao
comparar o período da onda de calor com o período P- 1 (1028,6).
Quadro VI
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003 em indivíduos com 75 e mais anos, por região de Portugal
Continental
Quadro VII
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003 em indivíduos do sexo feminino com 75 e mais anos, por região de
Portugal Continental
Quadro VIII
Excesso corrigido de internamentos hospitalares associados à onda de calor de
Agosto de 2003 em indivíduos do sexo masculino com 75 e mais, por região de
Portugal Continental
3.3. Diagnósticos principais de internamento durante o POC
No seguimento do estudo dos internamentos hospitalares associados à onda de
calor de Agosto de 2003 (Jul28-Ago16), o estudo dos diagnósticos principais de
internamento proporciona um melhor conhecimento dos problemas de saúde
exacerbados durante episódios de calor.
3.3.1. Todas as idades
No que respeita ao total de internamentos hospitalares ocorridos entre 28 de
Julho e 16 de Agosto de 2003, as doenças do aparelho respiratório foram o
diagnóstico principal de internamento que registou um maior aumento (43,4%),
seguido das doenças das glândulas endócrinas, nutrição e metabolismo (41,5%) e
das doenças do aparelho genitourinário (24,1%) (Quadro IX).
Quadro IX
Diagnósticos principais de internamento (em grandes grupos) realizados durante
o período da onda de calor (Jul28-Ago16) em 2003 e média 2002-2001
De referir que foram encontradas diferenças significativas para os diagnósticos
principais de internamento em grandes grupos assinalados a sombreado no Quadro
IX.
3.3.2. Indivíduos com 75 e mais anos
Quando se trata dos indivíduos com 75 e mais anos de idade, a ordem de
diagnósticos principais verificada foi semelhante ao padrão para todas as
idades, para os três diagnósticos que tiveram um maior aumento durante a onda
de calor em 2003 (Quadro X).As doenças do aparelho respiratório mantiveram-se
em primeiro lugar (85,6%), em segundo lugar situaram-se as doenças endócrinas,
nutrição e metabolismo (66,8%) e em terceiro as doenças do aparelho
genitourinário (60,0%) (Quadro X).
Quadro X
Diagnósticos principais de internamento (em grandes grupos) durante o período
da onda de calor nos anos de 2003 e média 2002-2001 para indivíduos com 75 e
mais anos
Foram estatisticamente significativas as diferenças observadas para grupos de
diagnósticos principais de internamento em grandes grupos assinalados a
sombreado no Quadro X.
4. Discussão
Entre 28 de Julho e 15 de Agosto de 2003 uma onda de calor de apreciável
intensidade afectou o território do Continente.
O estudo dos efeitos na mortalidade de anteriores ondas de calor, especialmente
as de Junho de 1981, Julho de 1991 e Agosto de 2003 e os conhecimentos
adquiridos constituíram os antecedentes para o estudo sobre os internamentos
hospitalares associados à onda de calor de Agosto de 2003.
Segundo o Ministério da Saúde, a investigação sobre os efeitos das Ondas de
Calor na saúde é fundamental como instrumento de apoio à elaboração de
estratégias e planos de intervenção, assim como a colmatar lacunas no
conhecimento e consolidação deste (Portugal. Ministério da Saúde. DGS, 2007).
Importa agora discutir alguns aspectos relevantes relacionados com os
resultados obtidos.
4.1. Explicações para o excesso de internamentos hospitalares
Poderia admitir-se que o excesso de internamentos em estabelecimentos
hospitalares do Serviço Nacional de Saúde teria, no todo ou em parte, origem
não na onda de calor mas noutros fenómenos concomitantes.
Durante os meses de Verão, a população do Continente aumenta apreciavelmente
por influência da presença de elevado número de turistas. Também a presença de
emigrantes portugueses e lusodescendentes em férias no Continente contribui
para o aumento da população. No entanto, pertencem predominantemente a grupos
etários jovens ou de meia-idade, em regra saudáveis e pouco susceptíveis de
falecer sob o efeito de uma onda de calor.
A elevada sinistralidade rodoviária durante os meses de verão, poderia estar na
origem do excesso de internamentos. Esta explicação parece não se fundamentar,
uma vez que os dados de acidentes de viação com vítimas ocorridos em Agosto não
sofreram alterações significativas (2001: 3915 acidentes com vítimas (Portugal.
Ministério da Administração Interna. Observatório de Segurança Rodoviária. DGV,
2002); 2002: 3961 acidentes com vítimas (Portugal. Ministério da Administração
Interna. Observatório de Segurança Rodoviária. DGV, 2002); 2003: 4159 acidentes
com vítimas (Portugal. Ministério da Administração Interna. Observatório de
Segurança Rodoviária. DGV, 2003).
Os fogos florestais ocorridos durante o período da onda de calor poderiam
também ter tido efeito sobre o número de internamentos hospitalares. Um excesso
de morbilidade poderia ocorrer devido a várias hipotéticas causas como, por
exemplo, terramoto, cheias ou outras catástrofes naturais muito violentas,
acidentes aéreos, ferroviários, rodoviários ou marítimos de grandes dimensões,
actos terroristas com graves consequências ou epidemia de doença. Não há
conhecimento de que tenham ocorrido fenómenos desta natureza durante o período
em estudo. Nestas condições, considera-se que ocorreu um apreciável excesso de
internamentos hospitalares num período que começou um dia após o inicio da onda
de calor e que se prolongou até alguns dias depois dela ter terminado. Essa
onda de calor é a explicação mais plausível para o excesso de morbilidade
registado.
A reduzida actividade gripal sazonal observada no Inverno de 2002/2003, poderá
ter gerado um número não habitual de indivíduos susceptíveis à ocorrência de
calor e consequentemente gerado um maior número de internamentos hospitalares.
4.2. Explicações para os resultados obtidos
Sendo a grande onda de calor de Agosto de 2003 a primeira que ocorreu dentro do
período de recolha de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH), e sendo
aceite que a exposição da população a calor excessivo provoca alterações na
saúde em geral e não apenas na mortalidade, faz sentido perscrutar naquela base
de dados evidências do impacto do calor nos internamentos hospitalares.
Os resultados apresentados mostram evidência de que existe de facto um impacto
da ocorrência de ondas de calor nos padrões de internamentos hospitalares,
nomeadamente no número de internamentos hospitalares na população de Portugal
continental em geral e na população mais idosa em particular (75 e mais anos).
A onda de calor de Agosto de 2003 ocorreu no período em que o número de
internamentos hospitalares está em regra no seu ponto mais baixo. O número
estimado de internamentos adicionais associados ao calor rondará um número
estimado de 2673, número que distribuído por todos os hospitais não terá tido
particular expressão no sector da saúde em Portugal.
É notório que o efeito é sobretudo evidente na população idosa (75 ou mais anos
de idade), grupo em que é evidente um acréscimo de internamentos associado ao
excesso de calor. O excesso de internamentos, neste grupo etário, foi estimado
em cerca de 1200 a 1600 um excesso de, pelo menos, 45% de todo o excesso de
internamentos (para toda população), num grupo etário que é apenas usualmente
responsável por cerca de 15% dos internamentos.
É digno de nota o facto de, fora do período da onda de calor, quer antes quer
depois, no ano de 2003 o internamento de idosos foi em média cerca de 2% mais
elevado. Este facto dificultou a análise dos dados, mas a estratégia
metodológica contornou este problema sendo os excessos estimados apresentados
de forma relativizada tendo já em conta o maior número de internamentos que
ocorriam em 2003 na população idosa.
Será importante identificar claramente que fenómeno está na origem de um maior
internamento da população idosa, para que se perceba que outro fenómeno que não
só o calor terá interferido na morbilidade da população idosa, e em que
sentido. Uma possibilidade para tentar obviar esta limitação seria usar todo o
conjunto de diagnósticos associados a cada internamento e aplicar a mesma
metodologia.
Estas razões parecem indiciar que investigação adicional relativa à letalidade
associada aos internamentos hospitalares ocorridos terá de ser feita, para
averiguar a exacta dimensão do fenómeno ocorrido. Estimativas mais exactas
sobre a dimensão dos efeitos na letalidade, a sua distribuição por outros
grupos etários, por género, por região e por causa serão averiguadas em
investigações futuras.