Qualidade de vida de mulheres com cancro da mama nas diversas fases da doença:
o papel de variáveis sociodemográficas, clínicas e das estratégias de coping
enquanto factores de risco/protecção
Introdução
O cancro da mama é o tipo de tumor maligno mais frequente na mulher 1. Em
Portugal são anualmente detectados cerca de 4500 novos casos e aproximadamente
1500 mulheres morrem com esta doença. Nas últimas décadas, os progressos
registados tanto ao nível do diagnóstico precoce do cancro da mama, como da
eficácia dos meios de tratamento, têm contribuído para um aumento significativo
da esperança média de vida e, desta forma, do número desobreviventes, isto é,
mulheres que receberam um diagnóstico de cancro da mama e que já terminaram a
fase activa de tratamento 2.
Muito embora a probabilidade de cura tenha aumentado significativamente nos
últimos anos, o diagnóstico de cancro da mama mantém-se como um acontecimento
de vida adverso e potencialmente traumático 3. Frequentemente resulta em níveis
significativos de ansiedade e depressão 4-6, perturbação de stress pós-
traumático 3,7, e alterações na qualidade de vida 4,8,9.
A trajectória do cancro da mama é constituída por diversas fases, cada uma
caracterizada por diferentes desafios e por tarefas de adaptação específicas,
nomeadamente nas esferas pessoal, familiar, conjugal, social e espiritual da
mulher 10-12. A fase de diagnóstico, ao obrigar a mulher a confrontar-se com
uma doença ameaçadora da vida, ainda encarada como uma sentença de morte e,
consequentemente, a tomar consciência da sua vulnerabilidade pessoal, surge
frequentemente associada a um sentimento de descrença, negação e revolta 13.
Por seu lado, a fase de tratamento exige que a mulher se submeta a um conjunto
de procedimentos médicos, habitualmente agressivos e prolongados, que causam
sequelas físicas e na imagem corporal muitas vezes irreversíveis. Não obstante
o término dos tratamentos e a possível remissão clínica da doença, o período de
sobrevivência caracteriza-se, frequentemente, por sentimentos de incerteza e
preocupação constante quanto ao futuro e à possibilidade de uma recidiva ou
diagnóstico de um novo cancro 14,15.
A literatura tem-se debruçado extensivamente no estudo da qualidade de vida
(QdV) das mulheres com cancro da mama, enquanto "percepção do indivíduo sobre a
sua posição na vida, dentro do contexto do sistema de cultura e valores nos
quais está inserido e em relação aos seus objectivos, expectativas, padrões e
preocupações" 16.
De uma forma geral, a investigação tem sugerido que, apesar de se encontrarem
em maior risco de disfunção psicossocial e QdV diminuída, muitas mulheres
revelam um padrão de funcionamento normal, indiciador de resiliência 17,18. Não
obstante este padrão, no período inicial da doença, logo após o diagnóstico e/
ou durante a fase de tratamento, a investigação tem apontado para um impacto
negativo do cancro da mama na QdV 4,19-21. Por exemplo, aquando da realização
de quimioterapia, para além dos efeitos secundários esperados como alopécia,
perda de apetite, prisão de ventre e fadiga, que podem limitar o normal
funcionamento físico da mulher, é também frequente uma maior insatisfação com a
imagem corporal, bem como dificuldades a nível cognitivo, emocional e social
19,22,23.
Contudo, estas reacções são na sua maioria transitórias. Estudos transversais
realizados em diferentes fases da trajectória da doença 24, e em particular,
estudos longitudinais 15,21,25-27 mostram que, à medida que o tempo vai
passando e a mulher vai recuperando dos efeitos secundários dos tratamentos,
sobretudo durante o período de sobrevivência da doença, a QdV tende a melhorar
significativamente, equiparando-se à de mulheres saudáveis 28-33 ou com outros
problemas de saúde 15,34.
Ainda assim, na fase de sobrevivência algumas mulheres manifestam sequelas
físicas resultantes dos tratamentos; níveis elevados de fadiga; capacidade de
trabalho reduzida; dificuldades em lidar com a imagem corporal; e desinteresse/
insatisfação no relacionamento sexual do casal 12,15,26,27,29,31. Estas
sequelas, se não forem devidamente detectadas e tratadas atempadamente, podem
tornam-se obstáculos na vida diária da mulher, podendo comprometer a QdV 10.
Com vista a uma melhor identificação das mulheres em maior risco de disfunção
psicossocial, é fundamental conhecer as variáveis que podem favorecer ou, pelo
contrário, comprometer a QdV nas várias fases da doença.
Numa revisão realizada por Mols et al. 35, os autores verificaram que um nível
socioeconómico elevado, a não realização de quimioterapia, a inexistência
concomitante de outros problemas de saúde, bem como níveis elevados de suporte
emocional por parte da família, protegem a mulher das implicações negativas do
cancro da mama na QdV. Além disso, a existência de um relacionamento íntimo e
um grau de instrução elevado 26,32, bem como idade mais avançada aquando do
diagnóstico 26,29,36,37, podem também funcionar como factores protectores de um
impacto negativo da doença na QdV da mulher, aumentando a capacidade de
resiliência e/ou de recuperação.
Tendo em consideração os diferentes tipos de cirurgia, a maioria dos estudos
não aponta para a existência de diferenças entre mulheres que realizam cirurgia
conservadora (tumorectomia) ou remoção total da mama (mastectomia) 33,38-40.
Contudo, Moyer 41, recorrendo a uma meta-análise verificou que a realização de
uma tumorectomia, comparativamente à mastectomia, conduzia a uma maior
satisfação com a imagem corporal, melhor funcionamento psicológico, social, e
sexual e, inclusivamente, a menor ansiedade quanto à possibilidade de uma
recidiva, resultados estes corroborados em estudos mais recentes 21,26. Já em
relação ao tipo de tratamento adjuvante, alguns estudos têm mostrado que a
realização de quimioterapia conduz a um maior risco de QdV diminuída,
particularmente a nível físico e sexual 23 e também no que respeita ao
desempenho de papéis 21.
No processo de adaptação ao cancro da mama, a forma como as mulheres lidam com
os desafios particulares de cada fase da doença poderá também ser um importante
factor de risco ou de protecção para a QdV. De acordo com Maes et al. 42, a
literatura tem apontado para resultados relativamente consistentes no que
respeita à associação entrecoping e adaptação numa situação de doença crónica.
Assim, a implementação de umcoping de evitamento, traduzido na tendência para
ignorar, negar ou minimizar o significado da doença; o recurso a álcool ou
drogas; a recusa em procurar/aceitar o suporte disponibilizado pela rede
social, bem como o desinvestimento cognitivo e comportamental de acções que
possam atenuar o problema, conduzem, habitualmente, a dificuldades no processo
de adaptação à doença, quer do ponto de vista psicológico, quer físico 11,42-
45. Pelo contrário, estratégias baseadas em acções que visem resolver, alterar
ou lidar com a origem do problema, como por exemplo, a procura de informação e
de suporte (Coping Comportamental Activo, segundo a terminologia de Fawzy e
Fawzy 43), assim como estratégias baseadas em pensamentos e mecanismos mentais,
nomeadamente, a aceitação da gravidade da doença, a procura de meios para lidar
com a mesma, a focalização em aspectos positivos, e/ou tentar encarar a
situação como uma oportunidade de desenvolvimento psicológico (Coping Cognitivo
Activo, segundo Fawzy e Fawzy 43), promovem o bem-estar dos doentes
oncológicos, portanto, são formas adaptativas decoping 43-45.
Todavia, a literatura tem igualmente referido que ocoping unicamente focado na
resolução das dificuldades emocionais ou no evitamento, pode também revelar-se
eficaz, sobretudo em circunstâncias incontroláveis, as quais o indivíduo não
pode alterar os seus resultados, ou para as quais não lhe é possível obter
ajuda 42,46. Neste sentido, este tipo decoping pode revelar-se útil numa fase
aguda da doença, como por exemplo após o diagnóstico, numa altura em que as
estratégias activas podem ser demasiado confrontativas para a mulher, e assim
mais prejudiciais para a sua adaptação do que as estratégias de evitamento 47.
Assim sendo, e dado o facto de ocoping envolver necessariamente uma avaliação
contínua das exigências e significados de cada situação particular, o debate
acerca da sua eficácia, mais do que focalizar-se no seu valor inerentemente
adaptativo ou inadaptativo, deve ter em consideração as idiossincrasias de cada
mulher, e as exigências de cada situação. Só deste modo poderá ser possível
compreender o valor e a eficácia das estratégias decoping 48.
Embora em proeminente expansão, a grande maioria das investigações nesta área
foca apenas uma fase específica da doença, sendo ainda escassos os estudos,
quer longitudinais, quer transversais, que avaliem a QdV da mulher nas diversas
fases da trajectória do cancro da mama 11. Por outro lado, os estudos que o
fazem, apesar de serem na sua maioria longitudinais, avaliam a mulher numa
grande diversidade de meses após o diagnóstico, não mencionando, muitas vezes,
a fase em que esta se encontra. Esta limitação parece-nos relevante uma vez
que, por exemplo, seis meses após o diagnóstico a mulher poderá estar a
realizar quimioterapia, já numa fase de sobrevivência ou até a viver uma
recidiva. Não obstante, a maioria dos estudos têm sido conduzidos com
sobreviventes, sendo raras as investigações com mulheres nas fases mais
iniciais da doença, nomeadamente no momento do diagnóstico e durante o
tratamento. Paralelamente, pouco se conhece ainda sobre as variáveis que podem
actuar como factores de risco/protecção para a QdV nas diversas fases da
trajectória da doença, nomeadamente, o papel das características
sociodemográficas da mulher, da sua situação clínica, bem como das respectivas
estratégias decoping. Assim sendo, são necessários estudos que, ao invés de
focarem critérios meramente temporais, avaliem a mulher nas diversas fases do
cancro da mama, de acordo com critérios clínicos 11. Para além disso, é
fundamental mais investigação sobre os factores que colocam em risco/protegem a
QdV 9,12,25.
Tentando dar resposta às limitações da literatura, o presente estudo tem dois
objectivos principais. Em primeiro lugar, pretende analisar e comparar a QdV
das mulheres nas fases de diagnóstico, tratamento e sobrevivência para o cancro
da mama, tendo como referência um grupo de mulheres da população geral sem
história pessoal de doença oncológica. O segundo objectivo consiste em
identificar o papel de variáveis sociodemográficas e clínicas, bem como das
estratégias decoping na QdV da mulher, em cada uma das fases da doença. Tendo
em consideração a teoria e a investigação anterior, colocamos por hipótese que
as mulheres recentemente diagnosticadas e a realizar tratamento apresentem uma
pior QdV do que as sobreviventes e as mulheres da população geral. Em relação
às mulheres sobreviventes, esperamos que estas apresentem uma QdV semelhante às
mulheres do grupo de controlo, podendo apresentar, contudo, um pior
funcionamento do ponto de vista físico. Hipotetizamos ainda que mulheres mais
jovens, com menor instrução, sem companheiro, submetidas a tratamentos mais
agressivos, como a realização de uma mastectomia, esvaziamento axilar e/ou
quimioterapia, e cujocopingse baseie sobretudo em estratégias de evitamento,
apresentem uma pior QdV em todas as fases da doença. Por outro lado, espera-se
que o recurso a umcoping comportamental activo oucoping cognitivo activo se
associe a uma melhor QdV. No entanto, e de acordo com a revisão da literatura,
é também de esperar que as mulheres que na fase de diagnóstico utilizem
estratégias de evitamento apresentem, igualmente, uma boa QdV.
Método
O presente estudo transversal representa um recorte de um projecto mais extenso
e de desenho longitudinal e prospectivo, intitulado "Adaptação ao Cancro da
mama e aos seus tratamentos: Factores individuais e psicossociais envolvidos".
Este projecto obteve a aprovação da Comissão de Ética para a Saúde dos
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e da Direcção da Liga Portuguesa
Contra o Cancro - Núcleo Regional do Centro (LPCC-NRC).
Amostra e procedimentos
A amostra é constituída por um total de 363 mulheres, distribuídas por quatro
grupos distintos: três grupos de mulheres diagnosticadas com cancro da mama a
viver diferentes fases da trajectória da doença, designadamente, mulheres
recentemente diagnosticadas (n = 55), mulheres a receber tratamento de
quimioterapia adjuvante ou neo-adjuvante (n = 63) e mulheres na fase de
sobrevivência para o cancro da mama (n = 85) -grupo clínico; e por último, um
grupo de controlo, constituído por mulheres da população geral, sem história
pessoal de doença oncológica (n = 160) -grupo de controlo.
Os procedimentos de recrutamento e de recolha da amostra obedeceram às
particularidades do local onde estes decorreram. Assim, as participantes
recentemente diagnosticadas com cancro da mama foram recrutadas na Unidade de
Internamento C do Serviço de Ginecologia dos HUC, por duas investigadoras que
contactaram pessoalmente as participantes no primeiro dia de internamento para
realização de cirurgia da mama (tumorectomia ou mastectomia). As mulheres a
receber quimioterapia adjuvante ou neo-adjuvante foram recrutadas no Hospital
de Dia de Ginecologia dos HUC, tendo sido o contacto realizado pelas
investigadoras durante o tratamento. Já as mulheres sobreviventes foram
convidadas a participar no estudo no primeiro dia de internamento para cirurgia
de reconstrução da mama, na Unidade de Internamento C do Serviço de Ginecologia
dos HUC. Além disso, foram também recrutadas utentes e voluntárias doVencer e
Viver, um movimento de entre-ajuda da LPCC-NRC, constituído por mulheres que
tiveram cancro da mama e que prestam apoio voluntário a outras mulheres e
familiares a viver a doença.
A inclusão das participantes no estudo teve em linha de conta os seguintes
critérios: para integrar o grupo de diagnóstico era exigido que as mulheres
tivessem recebido o diagnóstico de cancro da mama não metastático, no limite
máximo de 4 meses (período durante o qual não poderiam ter realizado qualquer
tipo de tratamento) e que estivessem a iniciar o tratamento pelo método
cirúrgico (mulheres a iniciar quimioterapia neo-adjuvante foram excluídas deste
grupo). Já para o grupo de tratamento, as mulheres deveriam estar a receber
quimioterapia adjuvante ou neo-adjuvante na sequência de um primeiro
diagnóstico de cancro da mama (mulheres a realizar quimioterapia para uma
recidiva ou doença metastática foram excluídas); para integrar o grupo de
sobreviventes, era exigido que as mulheres se encontrassem em fase de remissão
total ou parcial da doença (livres de qualquer indício de doença e sem história
de uma recidiva), e que não estivessem a realizar quimioterapia ou radioterapia
há pelo menos um ano. Finalmente, para inclusão no grupo de controlo, as
mulheres não poderiam ter história pessoal de doença oncológica e as suas
características sociodemográficas deveriam ser semelhantes às do grupo clínico.
Em todos os grupos era exigido que as mulheres fossem maiores de idade, não
apresentassem qualquer tipo de condição física ou mental que invalidasse a
participação no estudo e que soubessem ler e escrever português.
Das 268 mulheres convidadas a integrar o grupo clínico, 203 (75,7 %) aceitaram
participar. Todas as participantes foram informadas acerca dos principais
objectivos do estudo e foi-lhes entregue um envelope contendo uma carta de
apresentação do estudo, o consentimento informado e os questionários de auto-
resposta. A confidencialidade foi assegurada através do anonimato das
respostas. No caso das mulheres avaliadas durante o período de hospitalização
ou durante a realização de tratamento, os protocolos foram devolvidos
pessoalmente às investigadoras. No caso das utentes e voluntárias do
movimentoVencer e Viver os protocolos foram devolvidos via correio pré-pago.
As características sociodemográficas e clínicas da amostra são apresentadas na
tabela 1.
Tabela_1 - Caracterização sóciodemográfica da amostra
Instrumentos de avaliação
Qualidade de vida
Versão Breve do Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vidada Organização
Mundial de Saúde (WHOQOL-Bref) 16,49.
Questionário de auto-resposta que permite avaliar a percepção subjectiva de
QdV. É constituído por 26 questões organizadas numa Faceta Geral (avalia a
percepção global de QdV e de saúde) e em 24 facetas específicas (avaliam
aspectos como dor e desconforto, satisfação com as relações sociais, apoio
social, entre outros). As 24 facetas distribuem-se por 4 domínios distintos de
QdV: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiente. Pontuações mais elevadas
no WHOQOL-Bref indicam valores superiores de QdV. Na nossa amostra, o alfa
deCronbach oscilou entre .501 na Faceta Geral da QdV, no grupo de mulheres em
diagnóstico, e .851 no domínio Físico, no grupo de mulheres sobreviventes.
Estratégias de coping
O grupo clínico respondeu aoBrief COPE 50,51, questionário de auto-resposta
constituído por 28 itens que se organizam em 14 subescalas que descrevem uma
grande variedade de pensamentos e comportamentos a que habitualmente os
indivíduos recorrem de forma a lidar com circunstâncias indutoras de stress.
Foi-lhes solicitado que respondessem de acordo com a forma como, no momento de
resposta ao questionário, estavam a lidar com o stress induzido pela doença,
numa escala de resposta entre 0 ("Nunca faço isto") e 3 (Faço sempre isto").
De forma a organizar as várias subescalas em medidas mais compósitas decoping,
reduzindo assim o número de subescalas a introduzir nas diversas análises
estatísticas, foi realizada uma análise factorial exploratória com as 14
subescalas do Brief COPE. Numa primeira análise, foram obtidos 4 factores com
valor próprio (eigenvalue) superior a 1 (critério de Kaiser), explicativos de
60,0 % da variância. Optou-se por retirar a subescala Expressão de sentimentos,
uma vez que saturou de forma elevada em 3 factores e também por revelar
limitações na forma como os itens estão construídos 6,52. Assim repetiu-se a
análise sem esta subescala, tendo-se mantido a estrutura de 4 factores, agora
explicativos de 61,9 % da variância.
Nesta versão final, a solução obtida permitiu explicar 65,5 % da variância
total do instrumento, sendo o Factor 1 explicativo de 29,0 % da variância, e os
restantes 3 factores de 16,2 % (Factor 2), 8,7 % (Factor 3) e 8,0 % (Factor 4).
Em virtude da semelhança encontrada entre as subescalas que constituem estes
factores e o modelo proposto por Fawzy e Fawzy 43, estes foram respectivamente
designados porCoping Comportamental Activo (Planear, Suporte emocional, Suporte
instrumental, Coping activo, Auto-distracção),Coping Cognitivo Activo (Humor,
Reinterpretação positiva, Aceitação),Evitamento (Negação, Desinvestimento
Comportamental, Auto-culpabilização e Uso de substancias) eReligião (idêntico
ao original). Os valores de consistência interna (alpha deCronbach) para cada
um dos factores em cada grupo variou entre .619 no factor Coping Evitamento, no
grupo de mulheres a receber tratamento, e .839 no factor Religião, no grupo de
mulheres sobreviventes.
Informação demográfica e clínica
As participantes responderam a um questionário construído pelos investigadores
através do qual foram recolhidos os dados sociodemográficos. No que respeita à
informação clínica (dados relativos à doença e/ou tratamentos), esta foi obtida
mediante consulta dos processos clínicos das doentes, sob autorização médica, e
só em caso de impossibilidade, através de entrevista às participantes.
Análises estatísticas
O tratamento estatístico dos dados foi realizado recorrendo ao Pacote
Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS), versão 17.0. Para a caracterização
da amostra recorreu-se às estatísticas descritivas, nomeadamente frequências
simples e relativas, médias e desvios-padrão. Testes de qui-quadrado e a
análises de variância univariada (ANOVA) foram utilizadas de forma a comparar
os grupos no que toca às características sociodemográficas e clínicas.
Para estudar a estrutura factorial das subescalas do Brief COPE, foi realizada
uma análise factorial exploratória com recurso ao método Componentes
Principais, com rotação ortogonal tipo Varimax, tendo sido retidos os factores
cujo valor próprio (eigenvalue) fosse igual ou superior a 1 (critério de
Kaiser) e as subescalas com saturação, em pelo menos um factor, igual ou
superior a 0,4 53.
Para determinar as diferenças de médias entre os três grupos na QdV, recorreu-
se à análise de variância multivariada (MANOVA). Sempre que observada a
significância multivariada (Pillai's Trace), procedeu-se à análise dos testes
univariados e comparações múltiplas à posteriori, tendo em conta a correcção de
Bonferroni ajustada para o número de comparações a realizar. O valor de Eta
quadrado parcial (hp 2) é apresentado como medida do tamanho do efeito.
Com o objectivo de testar o impacto docoping na QdV foram efectuadas,
separadamente para cada grupo clínico, análises de regressão hierárquica
múltipla (métodoenter). De forma a seleccionar as variáveis sociodemográficas e
clínicas, bem como as estratégias decoping a introduzir nas várias equações de
regressão, foram previamente calculadas correlações de Pearson entre estas
variáveis e a QdV, de acordo com a informação disponível em cada grupo. Para o
mesmo efeito, todas as variáveis com mais de duas categoriais foram
transformadas em variáveis dicotómicas, nomeadamente: estado civil (solteira,
divorciada ou viúva;vs casada ou unida de facto); nível de escolaridade (até
ensino básicovs ensino secundário ou superior); tipo de cirurgia realizada
(conservadoravs mastectomia); realização de quimioterapia (nãovs sim); e
realização de radioterapia (nãovs sim). A variável idade foi introduzida
enquanto variável contínua. Variáveis clínicas e sociodemográficas
correlacionadas a um nível de significância estatística < 0,05 foram
introduzidas nas análises de regressão num primeiro bloco. De forma a testar-se
o contributo adicional das estratégias decoping na explicação da variabilidade
de cada variável dependente, estas foram introduzidas num segundo bloco. Em
caso de ausência de correlações significativas entre as variáveis dependentes e
as variáveis clínicas e/ou sociodemográficas, as estratégias decoping eram
introduzidas simultaneamente, num único bloco.
Resultados
Qualidade de vida nas fases de diagnóstico, tratamento e sobrevivência para o
cancro da mama
Com o objectivo de avaliar a QdV, os três grupos de mulheres em diferentes
fases do cancro da mama e o grupo de controlo foram comparados nos quatro
domínios e Faceta Geral da QdV (tabela 2). Foi encontrado um efeito
multivariado significativo do tipo de grupo na QdV. Os resultados dos testes
univariados revelaram diferenças significativas relativamente à Faceta Geral e
ao domínio Físico da QdV. Assim, são as mulheres a receber tratamento para o
cancro da mama que apresentam uma pior QdV geral, distinguindo-se
significativamente dos restantes três grupos. Também no que respeita ao domínio
Físico, são as mulheres a realizar tratamento que avaliam de uma forma mais
desfavorável a sua QdV, especialmente quando comparadas com as mulheres do
grupo de controlo.
Tabela_2 - Comparação entre os grupos nos vários domínios e Faceta Geral da
qualidade de vida (N = 363)
Nos restantes domínios da QdV, e para um nível de significância < 0.008
(ajustado ao número de comparações), não foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos.
Os grupos foram ainda comparados no que respeita às pontuações nas 24 facetas
do WHOQOL-Bref, bem como nos dois itens que compõe a Faceta geral da QdV. Na
tabela 3 são apresentados os resultados relativos às facetas nas quais foram
encontrados efeitos univariados significativos, considerando um nível de
significância < 0.008.
Tabela_3 - Comparação entre os grupos nas várias facetas da qualidade de vida
(N = 363)
Como se pode verificar, as mulheres recentemente diagnosticadas e a receber
tratamento para o cancro da mama apresentam uma menor satisfação com o seu
estado de Saúde geral do que as mulheres sobreviventes e as mulheres da
população geral. Por outro lado, as mulheres a realizar tratamento apresentam
menor Energia e mais fadiga do que as mulheres recentemente diagnosticadas e a
população geral; Capacidade de trabalho mais reduzida do que os restantes
grupos; Auto-estima mais baixa comparativamente às sobreviventes e às mulheres
da população geral; bem como resultados mais negativos na Faceta Actividade
sexual do que as mulheres do grupo de controlo e em diagnóstico, o que também
se verifica para o grupo de sobreviventes. No que respeita à realização de
Actividades de vida diária e ainda à Capacidade de trabalho, todos os grupos
clínicos revelam um pior funcionamento do que o grupo de controlo.
No entanto, as mulheres recentemente diagnosticadas e em tratamento
percepcionam ter maior Suporte social do que as mulheres da população geral,
sendo que as primeiras se distinguem também das mulheres sobreviventes. Por
último, as mulheres a realizar tratamento sentem-se mais satisfeitas com os
Cuidados de saúde e sociais do que as mulheres da população geral.
O papel das variáveis sociodemográficas, clínicas e das estratégias de coping
na QdV
Previamente à realização das análises de regressão linear múltipla hierárquica
foram calculadas, separadamente para cada fase da doença, correlações
dePearsonentre a QdV e as variáveis sociodemográficas, clínicas e as
estratégias decoping. Na tabela 4 é apresentada a matriz de correlações entre
as estratégias decoping e os domínios e Faceta Geral da QdV para os três grupos
em estudo.
Tabela_4 - Matriz de correlações entre as estratégias de coping e a qualidade
de vida nos três grupos clínicos
No que respeita às associações entre as variáveis sociodemográficas e clínicas
e a QdV, no grupo de diagnóstico foi encontrada uma correlação significativa
entre o domínio Ambiente e o nível de escolaridade (r = 0,320,p = 0,018). As
variáveis idade, situação conjugal, tempo decorrido desde o diagnóstico e tipo
de tumor não se associaram significativamente com a QdV.
No grupo de mulheres a realizar tratamento foram encontradas associações
significativas negativas entre a Faceta Geral da QdV e a idade (r = -0,264,p =
0,038). O nível de escolaridade correlacionou-se positivamente com os domínios
Físico (r = 0,305,p = 0,016), Psicológico (r = 0,369,p = 0,003), Relações
Sociais (r = 0,358,p = 0,004) e Ambiente (r = 0,477,p = 0,000). Não foram
encontradas correlações entre a QdV e as variáveis situação conjugal, tempo
desde o diagnóstico, tipo de tumor, tipo de cirurgia e realização de
esvaziamento axilar.
No grupo de mulheres sobreviventes foram encontradas correlações significativas
entre o nível de escolaridade e os domínios Físico (r = 0,348,p = 0,001) e
Ambiente (r = 0,349,p = 0,001). O domínio Relações Sociais associou-se
positivamente com o tipo de tumor (r = 0,240,p = 0,029) e negativamente com o
tipo de cirurgia (r = -0,368, p = 0,001). Finalmente, o domínio Ambiente
associou-se também ao tipo de cirurgia (r = -0,236,p = 0,034). As variáveis
idade, situação conjugal, bem como as variáveis clínicas tempo desde o
diagnóstico, esvaziamento axilar, quimioterapia, radioterapia e decisão de
reconstrução, não se correlacionaram significativamente com a QdV.
De seguida, e para cada um dos grupos, foram efectuadas análises de regressão
múltipla hierárquica para os vários domínios e Faceta geral da QdV que
previamente revelaram associações significativas com as variáveis em estudo
(tabela 5).
Tabela 5 - Análise de regressão linear hierárquica múltipla a testar o papel
das variáveis sociodemográficas, clínicas e das estratégias de coping na
qualidade de vida nas três fases da doença
No grupo de mulheres recentemente diagnosticadas, oCopingCognitivo Activo
mostrou associar-se a uma melhor QdV tanto a nível Psicológico como a um nível
mais global. Já o recurso a estratégias de Evitamento associou-se a resultados
mais negativos nestes dois domínios. Apesar das correlações negativas
encontradas entre oCopingde Evitamento e o domínio Ambiente, após controlar
para o efeito da escolaridade, esta forma decoping não mostrou associações
significativas com este domínio da QdV.
No grupo de mulheres em tratamentos, e controlando o efeito da idade e do nível
de escolaridade, respectivamente, verificou-se que oCoping de Evitamento
mostrou associar-se a uma pior percepção de QdV em todos os domínios e Faceta
geral. Já o recurso a umCoping Cognitivo Activo associou-se a uma melhor QdV
Psicológica. À excepção da Faceta Geral de QdV, o nível de escolaridade
associou-se positiva e significativamente com todos os domínios da QdV.
Já no grupo de mulheres sobreviventes, o nível de escolaridade associou-se a
uma melhor QdV Ambiental. Já oCoping de Evitamento revelou associações
negativas significativas.
Discussão
O diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida, do futuro e do bem-estar da
mulher requer adaptações em todas as áreas da vida, assim como recursos para
lidar o mais eficazmente com os seus desafios. Recorrendo a uma metodologia
baseada em critérios clínicos, respondendo assim a uma importante limitação das
investigações anteriores, na sua maioria sustentadas em critérios temporais,
este estudo representa um contributo importante para um conhecimento mais
aprofundado da QdV das mulheres diagnosticadas com cancro da mama,
identificando características sociodemográficas e clínicas, bem como
estratégias decoping, enquanto factores de risco/protecção para a QdV.
Com o intuito de se obter uma melhor compreensão da QdV nas diversas fases da
trajectória da doença, neste estudo foram avaliadas mulheres num período
recente à recepção do diagnóstico, durante a fase de tratamentos, bem como
durante a fase de sobrevivência livre de doença, por comparação a uma amostra
de mulheres sem história de cancro.
De uma forma global, os resultados confirmam que, apesar do cancro da mama ser
um acontecimento adverso que coloca em risco a QdV, as mulheres tendem a
revelar um padrão de funcionamento psicossocial normal, indiciador da
capacidade de resiliência, pelo menos em algumas áreas de funcionamento 17,18.
Por outro lado, os resultados da comparação entre as mulheres nas três fases da
trajectória do cancro da mama, permitem-nos inferir que as repercussões
negativas na QdV são sobretudo transitórias, não ficando a QdV permanentemente
implicada 29. Muito pelo contrário, tende a registar progressos ao longo do
percurso clínico da doença, melhorando significativamente na fase de
sobrevivência 24.
Mais especificamente, os resultados obtidos revelam que na fase de tratamento o
cancro da mama compromete significativamente a QdV global e física da mulher.
Já nas fases de diagnóstico e de sobrevivência a QdV, nos seus vários domínios,
revelou-se semelhante à das mulheres sem história de doença oncológica. Estes
dados dão suporte às investigações anteriores que apontam como período mais
crítico em termos de repercussões negativas do cancro da mama, as fases
iniciais da doença 4,19-21. Paralelamente, confirmam os resultados de outros
estudos que recorrendo a uma amostra de controlo de mulheres saudáveis
verificaram, igualmente, diferenças significativas entre os grupos apenas nos
períodos mais iniciais da doença, que correspondem à fase de tratamento 21,27.
Corroboram também investigações realizadas com sobreviventes, nas quais não
foram encontradas diferenças na generalidade dos domínios da QdV,
comparativamente a controlos da população geral 28.
Todavia, parece-nos importante referir que a inexistência de diferenças entre o
grupo clínico e o grupo de controlo na fase de diagnóstico, o que contraria de
certa forma a literatura 21, poderá dever-se ao facto de termos optado, neste
estudo, por avaliar as mulheres numa fase ainda recente da experiência de
cancro, sem que ainda as mulheres tivessem iniciado o período de tratamento.
Noutros estudos, esta avaliação é realizada num momento um pouco mais tardio,
que em muitos casos coincide já com o período do tratamento, durante o qual são
esperadas maiores implicações na QdV 27. Estudos futuros que avaliem a QdV da
mulher numa fase precoce do conhecimento da doença deverão ter em conta estes
aspectos.
Apesar disto, em cada fase da doença as mulheres apresentaram limitações em
algumas facetas específicas da QdV. Os nossos resultados apontam para o facto
de os períodos iniciais da doença (diagnóstico e tratamento) se caracterizarem
por uma insatisfação relativamente ao estado de saúde geral. Nestes períodos as
mulheres tendem a apresentar um pior funcionamento ao nível da realização de
actividades diárias e uma capacidade de trabalho mais reduzida do que as
mulheres da população geral, especialmente enquanto se encontram a realizar
quimioterapia. Para além disso, nesta fase de tratamento, a mulher tende também
a apresentar menor energia e maior fadiga do que as mulheres recentemente
diagnosticadas ou o grupo de controlo, o que é coerente com a literatura 27.
Ainda assim, os nossos resultados tornam-se mais compreensíveis se tivermos em
linha de conta que as mulheres em tratamento estavam a receber quimioterapia
após terem feito, em metade dos casos, mastectomia e esvaziamento axilar. Esta
combinação de tratamentos pode revestir-se de efeitos negativos acrescidos ao
nível das capacidades físicas da mulher.
Além disso, os dados obtidos sugerem também implicações importantes ao nível da
satisfação com a sexualidade, significativamente inferior à população geral na
fase de tratamentos mas também durante o período de sobrevivência 29,54. Mais
uma vez, estas dificuldades podem ficar a dever-se aos tratamentos,
particularmente à quimioterapia, que muitas vezes conduz a alterações
hormonais, secura vaginal e menopausa precoce, habitualmente associados à
perda/diminuição da libido 15,23. Não obstante, podem também resultar da
dificuldade em lidar com as alterações da imagem corporal que, por sua vez,
podem afectar as relações íntimas e a sexualidade 55. Assim sendo, é importante
intervir o mais precocemente sobre estas dificuldades de forma a evitar que
estas se repercutam em limitações futuras na QdV da mulher.
Muito embora não tenham sido encontradas diferenças entre os grupos no domínio
Psicológico, o que não fora previsto inicialmente mas que corrobora os
resultados encontrados noutras investigações 22, verificamos que as mulheres a
realizar tratamento exibem uma auto-estima mais baixa, comparativamente às
mulheres na fase da sobrevivência e da população geral. Efectivamente, esta
diferença torna-se compreensível se mais uma vez atendermos ao facto de estas
mulheres estarem a realizar quimioterapia, e na sua maioria, adjuvante ao
tratamento cirúrgico. Assim, pode inferir-se que, em virtude das alterações na
sua auto-imagem e de eventuais limitações ao nível dos seus papéis sociais,
estas mulheres sintam a sua auto-estima mais diminuída 56.
Apesar destas implicações, as fases de diagnóstico e de tratamento não se
associam unicamente a um pior funcionamento, mas também a uma percepção mais
positiva de suporte social, superior à da população geral ou das sobreviventes.
Tal evidência poderá dever-se a uma maior consciencialização relativamente à
disponibilidade de suporte e de ajuda por parte da rede social da mulher, que
em momentos de crise, como o período de hospitalização e de tratamento na
sequência do diagnóstico de uma doença oncológica, tende a ser activada 25.
Paralelamente, as mulheres a realizar tratamento sentem-se também mais
satisfeitas relativamente à disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e
sociais do que as mulheres saudáveis.
Em suma, estes dados permitem-nos afirmar que o cancro da mama compromete
algumas áreas da QdV da mulher, especialmente a nível físico, sexual, auto-
estima e percepção de saúde em geral. Todavia este impacto tende apenas a
manifestar-se nas fases iniciais da doença, diminuindo significativamente no
período em que a mulher não apresenta sinais de doença.
No processo de adaptação ao cancro da mama, as características da mulher, a sua
situação clínica, bem como a forma como esta lida com os desafios específicos
de cada fase da doença, podem desempenhar um papel importante na QdV, enquanto
factores de risco/protecção.
No que diz respeito à influência dos variáveis individuais, os resultados
mostram que, tal como era previsto, a QdV é influenciada pelo nível de
escolaridade 21,26,32. Assim, nas fases de tratamento e de sobrevivência, as
mulheres com escolaridade equivalente ao ensino secundário e/ou superior
revelaram uma melhor QdV do que as mulheres com instrução inferior, sobretudo
no domínio Ambiente da QdV. Durante a fase de tratamento, o nível de
escolaridade associou-se a uma melhor QdV também nos domínios Físico,
Psicológico e Relações Sociais. Assim sendo, podemos pensar que um nível de
escolaridade mais elevado poderá facilitar o acesso a informação relevante que
se repercutirá numa melhor prestação de cuidados a si própria 26. Por outro
lado, poderá dotar a mulher de competências mais assertivas de procura de ajuda
e suporte por parte da rede social, bem como aumentar a probabilidade de
utilização de estratégias decoping mais activas. Investigações futuras poderão
tentar examinar possíveis relações entre o nível de escolaridade,coping e QdV.
O facto de o nível de escolaridade não ter revelado associações significativas
com nenhum dos domínios da QdV na fase de diagnóstico poderá compreender-se
tendo em conta que, numa fase ainda tão inicial da doença sem que ainda se
tenham iniciado os tratamentos, a QdV ainda se encontre pouco implicada e daí
que as reacções das mulheres sejam pouco determinadas pelo nível de
escolaridade. Ainda assim, os nossos dados sugerem que um nível de escolaridade
elevado pode constituir-se como um factor de protecção para a QdV da mulher,
sobretudo durante o período de tratamento para o cancro da mama, pelo que
deverá ser tido em consideração no planeamento de intervenções dirigidas à
promoção da QdV.
Surpreendentemente, a idade e a situação conjugal, bem como todas as variáveis
clínicas, não mostraram ter relação significativa com a QdV. De um modo geral,
estes resultados permitem-nos inferir que as variáveis relacionadas com o
contexto sociodemográfico da mulher e, particularmente com a sua situação
clínica, têm um contributo modesto para a compreensão da QdV das mulheres com
cancro da mama, o que é coerente com os resultados encontrados em estudos
anteriores 36. No entanto, é importante referir que o reduzido tamanho da
amostra poderá ter contribuído para a ausência de resultados significativos.
Assim sendo, e para uma melhor compreensão do impacto das destas variáveis na
QdV, são necessários mais estudos sobretudo com amostras mais extensas.
Não obstante, os resultados deste estudo permitem-nos, por outro lado, destacar
a relevância docoping na explicação da variabilidade atribuída a cada domínio
da QdV, particularmente na fase de tratamento. De uma forma geral, os nossos
resultados confirmam a literatura que tem consistentemente apontado para o
facto das pessoas que lidam com a doença oncológica recorrendo a estratégias de
evitamento, estão mais vulneráveis à ocorrência de dificuldades psicossociais
durante o processo de adaptação do que aquelas que se esforçam por adoptar
estratégias decoping mais confrontativas 42,43.
Assim, nas fases de diagnóstico e de tratamento, os nossos dados sugerem que
estratégias Cognitivas Activas, como o Humor, a Reinterpretação positiva e a
Aceitação, protegem a mulher das repercussões do cancro da mama na QdV, tanto a
nível global como Psicológico. Este tipo de estratégias, ao basear-se em
esforços cognitivos para lidar com a doença, promove a aceitação do diagnóstico
e o envolvimento em comportamentos mais adaptativos, promotores da QdV. Carver
et al. 46 referem que estratégias cognitivas são particularmente importantes em
"circunstâncias nas quais o indutor de stress é algo que deve ser integrado,
por oposição a circunstâncias em que este pode ser facilmente alterado" (p.
270). Considerando o cancro da mama como um acontecimento de vida involuntário,
incontrolável e irreversível, poderá compreender-se que estas estratégias se
revistam de um impacto significativo na QdV, contrariamente às estratégias
Comportamentais Activas que, inesperadamente, não mostraram associações
significativas com a QdV.
Por outro lado, os nossos dados sugerem que lidar com os desafios decorrentes
do cancro da mama através de cognições e comportamentos que visem a negação do
diagnóstico, ou tentar agir como se o mesmo não fosse real, isto de forma a
diminuir a ansiedade causada pelo mesmo 46, constitui um importante factor de
risco para a QdV nas diversas fases da doença. De facto, a literatura sugere
que o Evitamento, apesar de temporariamente proporcionar algum alívio das
emoções negativas, pode impedir os indivíduos de tomarem decisões importantes,
o que poderá revelar-se nocivo perante uma doença que ameaça a própria vida
48,57.
Contribuindo para uma melhor compreensão acerca da QdV da mulher com cancro da
mama, este estudo alerta para a necessidade de se atender à fase específica do
curso da doença, às caracteristicas sociodemográficas da mulher e,
particularmente, às formas de lidar com a doença, que se assumem como factores
de risco/protecção para a QdV. Além disso, reforça a necessidade de se
promoverem formas decoping mais adequadas às exigências de cada fase da doença,
isto de modo a diminuir o risco de inadaptação.
Os resultados deste estudo sugerem algumas linhas orientadoras relevantes para
o planeamento de intervenções psicológicas mais eficazes e ajustadas aos
desafios e exigências particulares de cada fase da doença. Por um lado,
reforçam a necessidade de se proceder ao despiste e intervenção precoce nas
dificuldades apresentadas nas fases iniciais, sobretudo em áreas específicas do
funcionamento da mulher como a sexualidade, a auto-estima e as capacidades
físicas, sob a pena destas poderem persistir, comprometendo a adaptação futura
17. Simultaneamente, alertam para a importância de uma reavaliação num longo
período após o diagnóstico, de forma a identificar as mulheres que recuperaram
os seus padrões habituais de funcionamento e aquelas que ainda não conseguiram
fazê-lo. Apesar do impacto do cancro da mama na QdV ser transitório, poderá
também ser importante desenhar intervenções específicas para as mulheres que
numa fase de sobrevivência apresentam dificuldades persistentes em determinadas
áreas da QdV.
É também importante referir que as intervenções psicossociais, especialmente
dirigidas às mulheres recentemente diagnosticadas ou a receber tratamento,
deverão promover a identificação das formas habituais decoping com a doença,
focando, igualmente, o ensino e o reforço de estratégias Cognitivas Activas,
como sejam o Humor, a Reinterpretação positiva e a Aceitação. Não obstante, os
técnicos de saúde deverão ter especial atenção às mulheres que recorrerem a
umcoping de Evitamento, factor de risco para a QdV. A estas mulheres devem ser
ensinadas formas mais adaptativas de lidar com a doença. Também fundamental
para o sucesso das intervenções psicossociais, é ter em consideração o nível de
escolaridade da mulher.
Apesar destes contributos, a nossa investigação apresenta algumas limitações,
nomeadamente o tamanho reduzido da amostra e sobretudo o seu carácter
transversal, impedindo-nos de verificar as continuidades/mudanças nos padrões
de QdV ao longo do tempo e das diversas fases da doença, bem como factores
preditores de (in)adaptação. Por outro lado, a amostra de mulheres a realizar
tratamento incluiu apenas mulheres a receber quimioterapia, pelo que seria
importante estudar as mulheres que realizam outros tipos de tratamentos como a
radioterapia.
Assim sendo, são necessários mais estudos de natureza prospectiva e
longitudinal de forma a compreender o impacto do cancro da mama imediatamente
antes, durante e após os tratamentos. Estes estudos permitirão identificar
formas decoping preditoras da QdV em fases posteriores do percurso da doença e,
desta forma, a identificação das mulheres em maior risco de QdV diminuída. Além
disso, a investigação futura deverá ainda tentar compreender a possível relação
de causalidade entre nível de escolaridade,coping e QdV. Não menos importante
será reforçar o estudo do impacto de outras variáveis psicossociais e
relacionadas com a doença, que neste estudo não mostraram associar-se à QdV da
mulher. O conhecimento destas variáveis reveste-se de grande importância no
aprofundar do conhecimento sobre a QdV de mulheres com cancro da mama e desta
forma, no planeamento de intervenções psicossociais mais efectivas, componente
essencial na qualidade da prestação de cuidados ao doente oncológico. Sendo a
trajectória do cancro da mama marcada por períodos de bom funcionamento
psicossocial, em algumas áreas superior comparativamente às mulheres da
população geral, investigações futuras deverão, igualmente, explorar o
potencial desenvolvimento pessoal e relacional que poderá associar-se à
experiência de cancro da mama 3.
Em conclusão, os resultados deste estudo sugerem que o cancro da mama reveste-
se de diferentes implicações na QdV consoante a fase da doença. Adicionalmente,
evidenciam o importante contributo do nível de escolaridade e do recurso a
estratégias decoping Cognitivas Activas, enquanto factores protectores da QdV,
bem como o efeito negativo de estratégias de Evitamento que, contrariamente,
colocam em risco a QdV da mulher. Deste modo, estes resultados contribuem com
pistas importantes para o desenvolvimento de intervenções psicológicas mais
eficazes e ajustadas às necessidades da mulher com cancro da mama.