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EuPTCVHe0870-90252011000200002

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Custos indirectos da dor crónica em Portugal

Introdução A dor crónica distingue-se da dor aguda, que é desencadeada pelo sistema nervoso central para alertar o organismo quando ocorre uma lesão, por ser persistente. Podem ser provocadas inicialmente por alguma lesão - infecções, escoriações, torções, pancadas - ou podem não ter nenhuma causa visível ou identificável.

Globalmente, os dados disponíveis indicam que a dor crónica tem um impacto significativo na qualidade de vida relacionada com a saúde e capacidade produtiva da população. A dor é a razão primária para a procura de cuidados de saúde nos EUA, país onde se estima que a dor seja responsável por 100 biliões de dólares anuais de custos indirectos provocados pelo aumento do absentismo e produtividade reduzida no trabalho1. Na Europa, estudos recentes indicam que na Alemanha pelo menos 8 a 10 milhões de indivíduos sofrem de dor crónica, o que representa cerca de 10% da população2. Em 2002, a patologia com mais prevalência na população suíça em idade activa foi a dor nas costas (lombalgia), afectando 8% das mulheres e 13% dos homens. Os custos indirectos da dor crónica neste país foram estimados em € 4 mil milhões (7,9% da despesa total em Saúde)3.

A prevalência da dor em Portugal foi estudada em 2002 pelo Observatório Nacional de Saúde, através de entrevista telefónica às famílias portuguesas que constituíam a amostra ECOS54. Neste estudo concluiu-se que cerca de 74% dos entrevistados tinham tido algum tipo de dor nas duas semanas anteriores à entrevista. Recentemente, foi apresentado pela Associação Portuguesa para o Estudo da Dor um estudo sobre a prevalência da dor crónica que envolveu mais de cinco mil entrevistas, tendo concluído que 31% da população portuguesa sofre de dor crónica5.

A dor crónica e a sua prevenção é uma das preocupações actuais dos responsáveis pela política de saúde, como o demonstra o Programa Nacional de Controlo da Dor6.

Perante esta realidade, a avaliação do impacto social e económico da dor crónica torna-se mais relevante, sendo a estimação dos custos económicos, directos e indirectos, da doença um dos seus componentes. Este estudo tem como objectivo estimar os custos indirectos da dor crónica na região lombar e articulações, para Portugal Continental. Recorreu-se a metodologias de estimação dos custos da doença baseadas na abordagem do capital humano e aos dados fornecidos pelo Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006. Usaram-se valores para as produtividades baseados em estimativas dos salários para 2010.

Metodologia Este estudo foi desenvolvido segundo o ponto de vista da sociedade, não apenas dos pacientes ou do Estado. As estimativas baseiam-se na prevalência de dor crónica, i. e., consideram todos os casos de dor crónica existentes no período estudado, numa abordagem bottom-up: estudou-se uma amostra representativa da população, extrapolando--se os resultados para toda a população portuguesa7.

Na perspectiva da sociedade, os custos monetários de doença e morte prematura como alternativas perdidas são medidos em termos de custos directos e indirectos. Os custos directos correspondem ao valor dos recursos consumidos em cuidados de saúde, serviços médicos e de enfermagem, medicamentos e outros que poderiam ter sido afectados para outros usos na ausência de doença8. Por outro lado, os custos indirectos referem-se ao valor da produção perdida pela redução ou cessação de produtividade causada por morbilidade ou mortalidade atribuível a doença9.

Foi adoptada uma definição restrita de custos indirectos, seguindo as "Orientações Metodológicas para Estudos de Avaliação Económica de Medicamentos" da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED)10.

Consideram-se apenas os custos relacionados com a perda de produtividade de trabalhadores, não sendo incluídos na estimativa os custos indirectos de incapacidade para domésticas e outras pessoas não empregadas formalmente, nem estimativas dos rendimentos perdidos por morte prematura antes da idade de reforma.

Para obter uma estimativa dos custos do tempo de trabalho perdido, é necessário estimar numa primeira fase em que medida a dor crónica afecta o emprego para os vários grupos etários e para cada sexo. Com isso quer-se saber qual o efeito da dor crónica no mercado de trabalho, o que inclui as situações de reforma precoce. Numa segunda fase é necessário ter em conta o custo das incapacidades de curto prazo, ou seja, o absentismo gerado pelos problemas de saúde associados à dor crónica. Infelizmente o Inquérito Nacional de Saúde não parece ter dados que permitam a estimação do presentismo (redução da produtividade enquanto presente no local de trabalho) associado à dor crónica.

Dados A principal fonte de dados neste trabalho é o Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006 (INS)11. O INS fornece dados sociodemográficos e da saúde de cada indivíduo inquirido, permitindo o cruzamento dos dados sobre saúde e emprego numa amostra representativa da população do Continente. Consideraram-se apenas as observações referentes a indivíduos entre os 20 e os 74 anos, inclusive, dado que até esta idade ainda se encontra participação significativa no mercado de trabalho. O INS contém 21.338 pessoas que satisfazem os critérios de inclusão na amostra. Para construir a variável binária que identifica quem está a trabalhar usaram-se como condições o inquirido declarar ter exercido uma profissão nas últimas duas semanas (primeira resposta à pergunta 8 do capítulo 1 do INS) e adicionalmente trabalhar por conta própria, por conta de outrem ou como empregador (três das respostas possíveis à pergunta 11 do capítulo 1 do INS). A variável "Trabalho" assume o valor "1" quando o indivíduo está empregado (observação das respostas acima mencionadas) e o valor "0" nos restantes casos (o individuo deu uma das outras respostas alternativas às duas perguntas).

A partir da informação no INS e das taxas de amostragem podemos obter estimativas da população representada. A população abrangida é de 7,195 milhões e o emprego total é de 4,607 milhões. A tabela 1 mostra o número de pessoas empregadas, por sexo e grupo etário, para a população em geral e para a subpopulação de indivíduos com dor crónica nas costas ou articulações, que se podem obter a partir dos dados do INS. O número estimado de pessoas que sofre de dor crónica nas costas ou articulações é 861 960, um número que representa 8,5% da população sob análise. Destas, estima-se que menos de metade (414 263) participem no mercado de trabalho.

Tabela_1 -População total, subpopulação com dor e emprego no INS 2005/6

Estimação dos custos indirectos - incapacidade a longo prazo Abordagem preliminar A estimação desenvolveu-se em duas etapas: primeiro estima-se o número de pessoas que não trabalha devido à dor crónica e, numa segunda etapa, estima-se a produtividade média dessas pessoas, a qua l corresponde ao valor perdido pela sociedade pela sua ausência do mercado de trabalho.

Como referido anteriormente, para estimar o número de pessoas que não estão empregadas recorreu-se ao INS. Para identificar os indivíduos com dor crónica usam-se duas perguntas. A primeira questiona se o inquirido tem ou teve dor crónica (dor constante ou repetitiva durante, pelo menos, três meses - pergunta 21 do capítulo 5 do INS). A segunda questiona em que zona do corpo o inquirido tem habitualmente essa dor (pergunta 22 do capítulo 5 do INS). Com estes dados construiu-se uma variável binária que indica se cada inquirido tem, ou não, dor crónica nas costas e articulações. A variável assume o valor "1" quando o indivíduo respondeu "sim" à pergunta 21 e respondeu "nas costas" ou "nas articulações" à pergunta 22. Para indivíduos com respostas diferentes, a variável "dor crónica" assume o valor "0" (ausência de dor crónica nas costas ou nas articulações).

Para uma análise preliminar das consequências no mercado de trabalho da dor crónica, recorreu-se às taxas de emprego ocorridas nas subpopulações relevantes do INS, procurando verificar até que ponto a população em geral tem uma taxa de emprego mais elevada do que a subpopulação dos indivíduos que sofrem de dor crónica.

É possível depreender pelos resultados globais na tabela 2, que os indivíduos que sofrem de dor crónica têm menores taxas de emprego que a população em geral. Verifica-se também que a diferença entre a taxa de emprego das subpopulações com e sem dor crónica está relacionada com o grupo etário, sendo mais elevadas para os grupos etários mais idosos.

Tabela_2 -Taxa de emprego com e sem dor crónica

Para estimar rigorosamente a diferença entre a participação no mercado de trabalho de indivíduos com dor crónica e a população em geral, recorremos a métodos econométricos.

Estimação da participação no mercado de trabalho por um modelo Logit O software utilizado para realizar a análise foi o STATA® versão 10 da StataCorp. Para estimar o impacto da dor crónica, nas costas e articulações, na participação do mercado de trabalho construímos um modelo logit em que a variável dependente Trabalho é uma variável binária que assume o valor "1" quando o indivíduo está a trabalhar e "0" quando não está12,13.

A variável Trabalhoi é construída a partir de uma variável latente contínua Trabalhoi* de acordo com a seguinte especificação: As variáveis independentes (vector X), que explicam o resultado "1" ou "0" da variável Trabalho, são a idade (com efeitos lineares, quadráticos, cúbicos e à quarta potência), o nível de escolaridade (variável categórica), a região do país (variável categórica), o género do indivíduo (variável binária, em que "0" define homem e "1" define mulher), e variáveis binárias que indicam se o indivíduo tem insuficiência renal, asma e diabetes (variáveis binárias em que "1" define ter a doença e "0" define não ter). Por último, a variável explicativa Dor crónica foi igualmente inserida no modelo como uma variável binária que toma o valor "1" quando o indivíduo tem dor crónica nas costas ou articulações e "0", caso contrário. As estimativas do modelologit para as variáveis estudadas são apresentadas na tabela 3. Especificações iniciais do modelo incluíam outras doenças crónicas presentes no INS, tendo sido seleccionadas para variáveis explicativas apenas as estatisticamente significativas. Foram executados testes de especificação para seleccionar a especificação do modelo que melhor se adequa aos dados. O Critério de Informação de Akaike (AIC) e o R2 ajustado de McFadden permitiram escolher o melhor modelo. O linktest14 confirmou que a relação entre variáveis explicativas e variável dependente está bem especificada.

Tabela_3 -Estimativas do modelo para o emprego

Apesar destes modelos não-lineares não permitirem uma leitura simples da magnitude com que as variáveis explicativas afectam o valor da variável dependente, os seus sinais podem ser interpretados. Para ajudar a transmitir a magnitude dos efeitos reportamos os odds ratiosrelativos no caso de variáveis qualitativas. O coeficiente da variável binária "Dor crónica" é negativo indicando que o facto de um indivíduo ter dor crónica nas costas ou articulações reduz a sua probabilidade de estar a trabalhar. Dedução confirmada por um odds ratio relativo inferior a 1, indicativo que a presença de dor crónica reduz a probabilidade de trabalhar. Os resultados são significativos do ponto de vista estatístico, sendo o valor p da variável indicadora de dor crónica de 0,6%.

Como referido, através das estimativas do modelo logit conseguimos quantificar a probabilidade de um indivíduo não trabalhar devido à dor crónica e extrapolar o número de pessoas por grupo etário e género que não está empregada devido à dor crónica15. O ponto de partida é dado pelas previsões da probabilidade de trabalhar feitas para cada observação individual na amostra do INS utilizada. O impacto da dor crónica é estimado através da diferença entre as previsões do modelo das probabilidades de trabalhar na amostra original e as previsões do mesmo modelo numa outra amostra, contrafactual, com as mesmas observações individuais mas eliminando a presença de dor crónica. Esta estimativa pode ser vista na tabela 4.

Tabela_4 -Impacto da dor crónica no emprego

Produtividade média dos trabalhadores Para valorizar o valor do tempo de trabalho perdido devido à dor crónica nas costas e articulações vamos seguir a teoria do Capital Humano16, segundo a qual os custos indirectos da produção perdida podem ser estimados pela remuneração bruta dos trabalhadores afectados.

A informação salarial utilizada neste estudo provém dos microdados dos "Quadros do Pessoal" em 200717. Somam-se ao ordenado base elementos adicionais regulares da remuneração e multiplica-se esta soma por 1,2375, para incluir a contribuição patronal para a Segurança Social (23,75%). A este valor adicionamos elementos da remuneração de carácter irregular. Sabendo que a taxa média de crescimento dos salários entre 2007 e 2009 foi de 5,3% (homens) e 10,2% (mulheres) e entre 2009 e 2010 foi de 2,37% (taxa média das taxas mensais de crescimento dos salários, entre Janeiro e Julho de 2010, ponderada pelo número de indivíduos que viram os seus salários aumentados18,19), estimamos os custos médios mensais que as entidades patronais têm com os salários dos trabalhadores. O custo anual do trabalho inclui não os salários mensais, mas também o subsídio de férias e o de Natal, pelo que os custos mensais são multiplicados por 14 para obter a estimativa anual da produtividade dos trabalhadores.

A produtividade por dia de trabalho é calculada a partir dos custos anuais das entidades patronais com os salários dos trabalhadores, divididas por 230 dias, número esse que representa a média de dias de trabalho por ano quando se têm em conta fins-de-semana, férias e feriados. Os resultados podem ser vistos na tabela 5.

Tabela_5  - Productividades médias anuais e diárias em 2010

Resultados para os custos indirectos a longo-prazo Com a estimativa do número de pessoas que não trabalham devido à dor crónica obtida pelas previsões do modelo e do valor da produção que é perdida pela sociedade por estas pessoas não trabalharem, calculamos uma estimativa dos custos indirectos. Para isso multiplica-se, para cada grupo etário e sexo, os valores de produtividade (tabela 5) pelo número de pessoas desse grupo que não participa no mercado de trabalho devido à dor crónica (tabela_4). Os resultados são apresentados na tabela 6 e figura 1.

Tabela 6 - Custos indirectos da dor crónica em Portugal por incapacidade a longo prazo em 2010

Figura 1 - Custos da redução de emprego devida à dor crónica em Portugal, em 2010.

Para Portugal continental, os custos indirectos por incapacidade a longo prazo devido à dor crónica, ascenderam aos € 458,91 milhões em 2010. Observando a figura 1, verificamos que os indivíduos nos quais a dor crónica mais causa incapacidade para trabalhar se encontram nos grupos etários entre os 50 e os 59 anos e que as mulheres são mais afectadas. A dor crónica tem maior incidência em idades mais avançadas20 mas a partir dos 60 anos muitos portugueses abandonam o mercado de trabalho por outras razões, pelo que é natural que os custos indirectos da dor crónica comecem a decrescer a partir dessa idade. No entanto, esta é uma doença que causa perdas significativas para a sociedade em todos os grupos etários.

Estimação dos custos indirectos - incapacidade a curto prazo Estimação do absentismo devido à dor crónica A segunda parte da estimação dos custos indirectos diz respeito à contribuição da incapacidade a curto prazo provocada pela dor crónica. Estes são os custos da produção perdida por indivíduos que, estando a trabalhar, têm de se ausentar temporariamente do seu emprego.

A estimativa dos dias de ausência devido a baixa atribuível à dor crónica vem directamente dos dados do INS, dado que uma das perguntas que consta no inquérito é precisamente "Quantas vezes é que faltou ao trabalho devido a essa dor, nos últimos 12 meses?". As respostas a esta pergunta dão-nos o número médio de dias perdidos, por grupo etário e sexo, atribuíveis à dor crónica. Os resultados obtidos estão presentes na tabela 7.

Tabela 7 - Média dos dias de produção perdidos por dor crónica

Resultados para os custos indirectos a curto prazo As médias dos dias de absentismo na tabela 7 são multiplicadas pelo salário médio bruto diário (tabela_5) e pelo número de trabalhadores com dor crónica por sexo e grupo etário (tabela_1), obtendo-se assim o custo indirecto provocado por absentismo de curto prazo justificadas por dor crónica nas costas ou articulações. Os resultados agregados são apresentados na tabela 8 e na figura 2.

Tabela 8 - Custos indirectos da dor crónica por incapacidade de curto-prazo

Figura 2 - Custos indirectos devidos à dor crónica em Portugal em 2010.

O custo médio anual do absentismo devido à dor crónica por trabalhadora é estimado em €864 e por trabalhador em €496, sendo a média global de €678.

Como pode ser observado na figura 2, os custos indirectos devido a ausência temporária no emprego são mais substanciais entre os 50  e os 54  anos, sobretudo para as mulheres. Os custos indirectos totais estimados, para 2010, por absentismo devido a dor crónica nas costas ou articulações são aproximadamente € 281 milhões.

Conclusões Agregando os resultados dos custos da dor crónica por incapacidade a curto e longo prazo, a estimativa final dos custos indirectos da dor crónica nas costas e articulações é de € 739,85 milhões. Contextualizando este valor, o custo monetário estimado para a perda de produção devido à dor crónica representa 0,43% do PIB estimado para 201021, e apenas por referência, 8,1% da despesa do Estado no sector da Saúde em 200922 ou uma perda de € 160,59 por trabalhador.

Em 2002, Pereira e Mateus23 estimaram o custo indirecto da obesidade em Portugal em 199,8 milhões de euros (0,13% do valor do PIB de 200222), um valor significativamente inferior à nossa estimativa para o custo indirecto da dor crónica.

Esta perda de produção para a sociedade é passível de ser reduzida, existindo alguns esforços nesse sentido, como o Plano Nacional de Luta Contra a Dor da Direcção Geral de Saúde. Os resultados a longo prazo destes programas poderão vir a mitigar o impacto da dor crónica na qualidade de vida e capacidade produtiva dos portugueses.

O presente estudo tem algumas limitações. A primeira é que não foram estimados os custos directos da dor, apenas os indirectos. Outra limitação, embora numa área menos metodologicamente consensual, é que não foram estimados os custos indirectos decorrentes da morte prematura. Uma outra questão em aberto é que os salários das pessoas com dor podem não ser iguais aos da população em geral para idêntico grupo etário ou sexo (ex: diferenças sociais ou em termos de formação). Finalmente, uma possibilidade de causalidade inversa na regressão (ou seja, o facto de uma pessoa não trabalhar pode também influenciar a sua saúde). Eventualmente, podemos esperar que no futuro se disponha de dados mais detalhados que permitam ultrapassar algumas destas limitações.


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