Associação entre o marketing de produtos alimentares de elevada densidade
energética e a obesidade infantil
Introdução
Atualmente o excesso de peso infantil é uma das principais preocupações a nível
de Saúde Pública. Em Portugal, a prevalência de excesso de peso em crianças e
adolescentes é considerada alarmante, existindo valores de cerca de 30% em
algumas regiões continentais e do arquipélago da Madeira1-3. Estudos
recentes1 confirmaram que em crianças entre os 6 e os 8 anos, 32% apresentava
excesso de peso e 13,9% tinha obesidade. O excesso de peso afeta mais de 25%
das crianças deste grupo etário em alguns países da Europa e nos EUA, sendo os
países de origem Mediterrânica os que apresentam taxas mais elevadas4-8. A
Organização Mundial de Saúde (OMS)9 já considera a obesidade uma epidemia a
nível mundial, estando a prevalência do excesso de peso infantil a aumentar
rapidamente em determinados países10,11 nomeadamente em Portugal6,12.
A obesidade infantil está associada a diversas consequências negativas, tais
como o aumento dos fatores de risco das doenças cardiovasculares, o aumento da
resistência à insulina, a esteatose hepática, a apneia do sono e os problemas
ortopédicos, hormonais e psicossociais. Ainda mais preocupantes são as
consequências a longo termo, pois existe uma grande probabilidade de crianças
obesas se tornarem adultos obesos13,14.
O aumento tão rápido das taxas de prevalência de obesidade que se tem vindo a
observar indica que os fatores genéticos não são a única causa desta
alteração4. Os fatores ambientais, designadamente alterações na dieta e no
estilo de vida decorrentes da industrialização, urbanização, desenvolvimento
económico e globalização do mercado têm levado ao aumento da ingestão
energética aliada à diminuição do dispêndio energético consequente de um estilo
de vida sedentário15. No caso das crianças, é provável que o aumento das
atividades sedentárias, o aumento do consumo de alimentos de elevada densidade
energética ricos em gordura e açúcar e a popularidade dos estabelecimentos de
fast-food tenham contribuído para este aumento4,15. O visionamento televisivo
também tem sido apontado como um dos fatores preditivos do aumento de peso
devido ao aumento da ingestão energética total relacionada com a elevada
exposição à publicidade alimentar16. Consequentemente, a OMS15 já considera o
marketing dirigido a crianças de alimentos de elevada densidade energética e de
estabelecimentos de fast-food como um dos elementos concorrentes para a
obesidade infantil. Por este motivo, nos últimos anos, o marketing de géneros
alimentícios tem sido alvo de intenso debate internacional, especialmente no
que diz respeito às crianças17.
Metodologia
Para a realização do presente artigo de revisão foi efetuada uma extensa
pesquisa bibliográfica de Janeiro a Outubro de 2010, tendo sido utilizadas as
bases de dados PubMed e B-on - Biblioteca do Conhecimento Online. Dos artigos
encontrados através da pesquisa com as palavras-chave "crianças", "excesso de
peso infantil", "obesidade infantil", "marketing", "publicidade" e "alimentos
de elevada densidade energética", foram seleccionados 167 artigos, dos quais
72 foram utilizados pelo seu rigor científico.
Marketing e publicidade: definições
Marketing é um processo social que tem como objetivo a criação, a comunicação,
a entrega e a troca de ofertas que têm valor para clientes, empresas e para a
sociedade em geral18,19. Trata-se de um processo utilizado pelas empresas em
todo o mundo para persuadir o consumo dos seus produtos, que abrange o
planeamento, a conceção, a atribuição do preço, a promoção e a distribuição de
ideias, bens e serviços17.
A publicidade, por sua vez, é uma ferramenta utilizada pelo marketing20 para
promover a venda de produtos, serviços e a divulgação de ideias. De acordo com
o Código de Publicidade21 considera-se publicidade qualquer forma de
comunicação desenvolvida por entidades de natureza pública e privada, no âmbito
de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo
direto ou indireto de a) promover, com vista à sua comercialização ou
alienação, quaisquer bens ou serviços, e b) promover ideias, princípios,
iniciativas ou instituições.
Para efeitos desta revisão, o conceito de marketing será menos abrangente,
critério também utilizado por Hawkes, e será usado para referir apenas os
processos que são visíveis para o consumidor, nomeadamente a publicidade (ex.
anúncios televisivos, de cinema e de rádio), e a promoção de produtos em geral.
Atualmente, o marketing apresenta diversas formas de ser implementado. As
técnicas tradicionais aparecem em meios de comunicação como a televisão, o
cinema, o rádio e os outdoors, e encorajam diretamente o consumidor a comprar o
produto promovido. As técnicas não tradicionais são mais recentes (ex:
patrocínio; product placement - uso de alguma mensagem, logótipo ou objeto que
aparece numa imagem ou grafismo em troca de pagamento) e podem aparecer em
novos meios de comunicação, como a Internet, os SMSs ou no ponto de venda17.
A compreensão da publicidade pelas crianças
Uma das preocupações dos pais, das organizações de consumidores e dos
profissionais de saúde é a "fragilidade" e a "credulidade" das crianças perante
a publicidade. A compreensão da publicidade televisiva pelas crianças apresenta
duas componentes: a sua capacidade para distinguir a programação dos anúncios,
ou seja, até que ponto as crianças entendem a publicidade como uma categoria de
mensagens que está separada e é diferente dos programas de televisão, e a sua
capacidade para compreender a intenção de venda dos anúncios publicitados22,23.
Para se defenderem da publicidade e para poderem criticá-la, as crianças têm
que desenvolver estas capacidades24,25. O reconhecimento da transição de um
programa para um anúncio é um pré-requisito necessário para uma criança se
defender da publicidade, podendo fazê-lo, por exemplo, mudando de canal.
Contudo, a compreensão da natureza essencial dos programas e dos anúncios é
também essencial para que possam ser usadas outras defesas estratégicas
cognitivas, como por exemplo, a argumentação contra a própria publicidade22.
A compreensão da publicidade televisiva pelas crianças parece depender de
alguns fatores, sendo a idade um dos mais determinantes22,23. De uma forma
geral, antes dos 4 ou 5 anos, as crianças vêm a publicidade apenas como
informativa e não a distinguem facilmente da programação22-25. Entre os 4 e os
7 anos, ficam aptas para distinguir publicidade de programação e apenas aos
8 anos percebem a intenção de persuasão. Só após os 11 ou 12 anos podem
construir um pensamento crítico acerca da publicidade e das intenções dos
publicitários26,27. Ou seja, à medida que a idade avança, vai aumentando o
ceticismo das crianças relativamente à informação fornecida pela publicidade,
bem como relativamente à sua intenção persuasiva23.
Alguns autores24 acreditam que o desenvolvimento social é necessário para as
crianças reconhecerem a intenção persuasiva da publicidade. Esta teoria,
conhecida por teoria da mente, defende que as crianças primeiro têm de ser
capazes de compreender que os pensamentos e intenções das outras pessoas são
diferentes dos seus próprios pensamentos para conseguirem perceber as intenções
da publicidade. Durante a idade pré-escolar, a perceção da persuasão é muito
imatura, pois acredita-se que emerge aos 3 anos, continuando a desenvolver-se
pelo menos até aos 6 anos.
Marketing de produtos alimentares dirigido a crianças
Nos últimos anos, o marketing alimentar dirigido a crianças tem sido alvo e
tema de aceso debate internacional devido à elevada frequência e intensidade de
publicidade a alimentos menos saudáveis na televisão, em particular em horários
e canais em que as crianças são alvos principais. Um dos objetivos do marketing
dirigido a crianças é o fortalecimento de uma marca, para que estas reconheçam
e distingam produtos e logótipos específicos28, bem como a fidelização,
baseando-se na teoria de que, quanto menor a idade na qual é estabelecido o
reconhecimento de uma marca, mais forte será a sua lealdade à medida que a
criança cresce29,30. Alguns estudos apontam para o facto de a indústria
alimentar, atenta a estas e outras questões, como a influência das crianças na
decisão de compra dos seus pais31, gasta somas elevadas em publicidade dirigida
a crianças, sendo estas e os jovens o destinatário primário das iniciativas de
marketing de alimentos e bebidas20,26. Em Portugal, em 2005, cerca de 45% dos
anúncios publicitados durante a programação infantil eram referentes a
alimentação e bebidas32, sendo este valor muito semelhante ao dos EUA (49%) no
que respeita à programação das manhãs de sábado33. Posteriormente, em 2009, no
estudo Português "TV Sweeps" de Breda, Rito e Rodrigues, que ainda não está
publicado, elaborado no contexto da European Network on Reducing Marketing
Pressure on Children da qual Portugal faz parte, verificou-se que, em 16 horas
de transmissão televisiva de um canal generalista, houve 59 anúncios de
alimentos ricos em açúcar, gordura e/ou sal durante a semana, e 77 durante o de
fim de semana.
Para além da elevada frequência dos anúncios a produtos alimentares dirigidos a
crianças, os géneros alimentícios mais publicitados diferem significativamente
dos recomendados no âmbito de uma alimentação saudável, sendo principalmente
ricos em gordura, açúcar e sal17,34,35. Entre os produtos mais publicitados
estão os cereais de pequeno-almoço açucarados, os refrigerantes, bolos e doces,
snacks salgados e restaurantes de fast-food, constituindo assim o denominado
"Big-Five"36.Pelo contrário, os alimentos saudáveis nomeadamente os frutos,
legumes e hortaliças, são significativamente sub-representados31,36. Na Europa,
incluindo Portugal32,37,38, os anúncios televisivos mais vistos pelas crianças
são também de alimentos ricos em açúcar e/ou gordura, enquanto que os menos
vistos são de vegetais e fruta fresca. Num estudo realizado pela DECO32, os
bolos e as bolachas, os cereais açucarados e os aperitivos salgados eram os
alimentos mais publicitados durante a programação infantil. Incluídos nos
anúncios emitidos estavam também alimentos de fast-food, cremes de chocolate
para barrar, chocolate em pó, gelados e guloseimas. Klepp e col.37 verificaram
que, em Portugal, durante a programação geral, os anúncios de água mineral
(75,9%), refrigerantes (75,8%), fast-food (69,4%), doces e chocolates (65,4%),
pães e bolos (61,8%), sumos de fruta (60%) e batatas fritas e snackssalgados
(60%) eram os mais reportados como tendo sido vistos pelas crianças no mês
anterior, sendo os anúncios de fruta fresca e vegetais os menos observados
(56,7% e 42%, respetivamente). Por sua vez, num estudo realizado na Direção
Geral da Saúde conceptualizado por Breda J., verificou-se que 27,1% de todos os
anúncios transmitidos em Portugal durante o período do estudo, das 7h às
23h30 durante o fim de semana eram referentes a géneros alimentícios. Destes,
48% eram dirigidos a um público infantil/adolescente, sendo que a subcategoria
de alimentos predominante destinada a esta população era a dos produtos
açucarados, ao contrário da subcategoria predominante destinada à população em
geral, a dos laticínios. De todos os anúncios, cerca de 55% era referente a
alimentos não incluídos na "Nova Roda dos Alimentos". No estudo "TV Sweeps" já
referido anteriormente, os anúncios de alimentos considerados menos saudáveis
mais reportados durante a experiência foram os cremes para barrar de elevado
teor em gordura, açúcar e/ou sal, bebidas açucaradas e refrigerantes, e
restaurantes de fast-food.
A percentagem de anúncios dirigidos a crianças de alimentos considerados menos
saudáveis varia de país para país (49% em Itália e perto de 100% na
Dinamarca)31. Na Austrália, um dos países que mais estuda a publicidade
alimentar, em 390 horas de televisão analisada, verificou-se que cerca de 55%
dos anúncios promovia alimentos ricos em gordura e/ou açúcar. Por conseguinte,
se uma criança Australiana visionasse, em média, 2,5 horas de televisão
comercial por dia, estaria exposta diariamente a 11 anúncios deste tipo de
alimentos39. Em geral, estes anúncios são mais publicitados durante a
programação infantil do que na restante programação39-41, o que reforça a ideia
de que as crianças e os jovens são o alvo preferencial da indústria
publicitária e alimentar, pois, como já referido anteriormente, os hábitos e as
preferências alimentares adquiridas enquanto crianças tendem a manter-se ao
longo da vida. Nos EUA, segundo um estudo de Powell et al.35, cerca de 98% dos
anúncios alimentares vistos por crianças dos 2 aos 11 anos publicitavam
alimentos ricos em gordura, açúcar e sódio e pobres em fibra, sendo que, em
média, 46% do total de calorias dos produtos publicitados eram provenientes de
açúcar de adição.
Técnicas utilizadas na publicidade televisiva
Em geral, na publicidade alimentar dirigida a crianças são utilizadas técnicas
que têm o objetivo de chamar a atenção das crianças, nomeadamente o uso de
temas como a diversão, a música, a fantasia, o sabor, a felicidade e a energia,
sendo a saúde e a nutrição temas menos utilizados36,42. Frequentemente, os
alimentos são também associados a heróis e a desenhos animados31,32. Os
anúncios de fast-food, por exemplo, têm tendência a focar-se na construção do
reconhecimento da marca e nas associações positivas através do uso de
personagens, logótipos e slogans, tendo como principal objetivo, mais do que
criar vendas imediatas, criar consumidores a longo prazo29. Em Portugal, as
estratégias de marketing mais utilizadas são: brindes, desenhos animados,
mensagens que podem induzir em comportamentos errados e a imagem materna32.
Estas técnicas são frequentemente utilizadas, pois as crianças têm preferência
por produtos que fazem alusão a personagens conhecidas e que apreciam os
brindes gratuitos nos seus produtos alimentares preferidos, como verificou um
estudo realizado pela Universidade do Minho43. O product placement e o
patrocínio também são técnicas frequentemente utilizadas em Portugal, como se
pôde verificar no estudo "TV Sweeps".
Outras formas de marketing alimentar
A maior fonte de mensagens publicitárias sobre alimentação dirigidas a crianças
é a televisão 17,26,36, o que se torna preocupante quando este meio de
comunicação é o mais utilizado por este grupo etário. A Academia Americana de
Pediatria44 desaconselha o visionamento televisivo a crianças com idades
inferiores a 2 anos e àquelas com idades superiores recomenda uma restrição
para apenas 1 a 2 horas por dia. Apesar destas recomendações, em Portugal, no
âmbito de um estudo realizado em nove países Europeus com crianças de 11 anos,
estas crianças observavam, em média, 2,7 horas de televisão e vídeos por dia37.
Num outro estudo verificou-se que a maior parte das crianças dos 7 aos 9 anos
passavam entre 4 a 6 horas do seu dia a ver televisão45. Nos EUA, segundo o
relatório da Nielson de 2009, as crianças Americanas estão a ver mais do que
3 horas de televisão por dia46.
Apesar de a televisão ser a maior fonte de comunicação de mensagens
publicitárias para as crianças, existe alguma evidência que o marketing
televisivo está a decair36. Por outro lado, o marketing não tradicional está a
aumentar, sendo a Internet, as promoções no ponto de venda e os patrocínios as
técnicas em crescimento47. As revistas de maior popularidade entre as crianças
e os adolescentes são também um veículo cada vez mais usual, em que na
Austrália, por exemplo, os gelados e os alimentos pré-confecionados congelados,
as refeições de restaurantes de fast-food, as bebidas com elevado teor de
açúcar e os snackssão os alimentos mais publicitados48.
Do mesmo modo, um número cada vez maior de Websites tem tentado atrair a
atenção das crianças e dos adolescentes através de técnicas de
marketing47,49,50. Nestes sites podem ser encontrados anúncios online, jogos
interativos com conteúdos publicitários - advergames -, marketing direto via e-
mail e páginas de marketing integrado11,49. No Reino Unido, por exemplo, uma
percentagem significativa dos gastos totais de publicidade de alimentação e
bebidas é utilizada na Internet, fazendo deste meio de comunicação o segundo
mais importante a seguir à televisão31. Tanto os produtos mais publicitados
como as técnicas utilizadas são semelhantes aos encontrados no marketing
televisivo49. Para além da publicidade na Internet estar a aumentar, cerca de
metade dos Websitesde marcas alimentares utiliza áreas específicas destinadas a
crianças, em que um Website infantil está ligado ao principal, contendo em
geral gráficos, movimento e animação, programas interativos e sons,
apresentando frequentemente fotografias do alimento ou da bebida
correspondente. Muitos utilizam também desenhos animados, celebridades e grande
parte mostra crianças a consumir o produto anunciado51. Em certos países
Europeus, as escolas podem representar também um importante canal de marketing.
As estratégias mais utilizadas incluem o patrocínio de eventos, a venda de
alimentos e bebidas consideradas menos saudáveis em máquinas de
disponibilização automática e a oferta de equipamento educativo ou desportivo
com logótipos de marcas alimentares31.
O investimento em marketing por parte do setor alimentar é elevado e parece
estar a aumentar. Em Portugal, segundo o ranking Media Monitor, da Markest, o
setor alimentar constituiu em 2009 o segundo maior investimento com 10,7% dos
gastos totais em publicidade52. No Reino Unido, em 2003, foram gastos
173 milhões de libras em publicidade de alimentação e bebidas, na Alemanha a
publicidade alimentar representa 87% dos gastos totais da publicidade
televisiva, na Holanda os mesmos gastos aumentaram cerca de 128% entre 1994 e
2003, e na Grécia o montante destinado ao marketing alimentar dirigido a
crianças aumentou cerca de 38% entre 2002 e 2003, ou seja, de 1,3 para
1,8 milhões de euros31.
A relação entre o marketing e a obesidade infantil
A promoção de alimentos é, em geral, seguida com gosto e atenção pelas crianças
e parece influenciar a sua forma de comunicação e o seu comportamento de
consumo36. Existe evidência de que o marketing de alimentos e bebidas
influencia as crianças relativamente a escolhas, consumos e preferências
alimentares, compras de alimentos e bebidas e pedidos destes produtos aos
pais26,36,53. A preocupação com a influência da publicidade nas escolhas
alimentares das crianças não é recente, existindo estudos experimentais
realizados desde a década de 197054-56, sendo reconhecido que a publicidade
pode influenciar as escolhas alimentares infantis.
O intervalo de idades em que as crianças são mais vulneráveis situa-se entre os
2 e os 11 anos, apesar de não excluir idades superiores26. Esta certeza torna-
se particularmente importante pelo facto de os alimentos mais publicitados não
se incluírem nos grupos de alimentos recomendados pelos especialistas a serem
consumidos com maior frequência. Deste modo, em 2003, a publicidade alimentar
foi considerada pela OMS um dos fatores responsáveis pelo aumento de peso e da
obesidade infantil15. Lobstein e Dibb57, através de um estudo ecológico
realizado em 2005, encontraram uma associação positiva e significativa entre a
proporção de crianças com excesso de peso e o número de anúncios transmitidos,
por hora, na televisão infantil, que encorajam o consumo de alimentos de
elevada densidade energética e pobres em micronutrientes, sugerindo assim que a
quantidade de anúncios destes alimentos está relacionada com a prevalência do
excesso de peso entre as crianças.
A exposição ao marketing alimentar pode influenciar de diversas formas o
comportamento alimentar das crianças. Robinson et al.28, em 2007, verificaram
que crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 5 anos preferiam o sabor
dos alimentos e das bebidas se pensassem que estes eram de uma das mais
conhecidas marcas de fast-food, o que aponta no sentido de que a identidade da
marca pode influenciar as perceções de sabor de crianças mais novas. Além
disso, os anúncios televisivos de géneros alimentícios parecem ter um efeito
imediato nas preferências alimentares das crianças, bastando uma a duas
exposições a este tipo de anúncios com uma duração entre 10 e 30 segundos para
influenciar as preferências a curto prazo de crianças entre os 2 e os 6 anos
por alimentos específicos58. No entanto, esta influência poderá não ser só de
curto prazo, já que Chamberlain et al.59, em 2006, verificaram que as crianças
mais expostas à publicidade foram as que reportaram mais pedidos dos produtos
publicitados nos 7 a 20 meses seguintes à exposição. A influência do marketing
não funciona só ao nível da marca publicitada, mas também ao nível de produtos
pertencentes a categorias de elevada densidade energética, existindo um impacto
da publicidade televisiva generalizado a outros produtos da mesma categoria na
qual o alimento publicitado se insere60.
Em geral, as crianças apresentam um elevado reconhecimento dos logótipos das
marcas dos alimentos apesar de não existir evidência que sugira uma relação
positiva entre este elevado reconhecimento e uma alimentação menos saudável61.
Têm também tendência para reconhecer logótipos de fast-food62, e de
refrigerantes63, como se verificou num estudo Português em 2008, numa
frequência mais elevada do que logótipos de outros alimentos, o que sugere que
as estratégias de marketing empregues pela indústria deste tipo de produtos
possam ser mais eficazes para captar a atenção das crianças.
Alguns estudos têm sugerido consistentemente que a exposição a anúncios de
produtos alimentares leva ao aumento da energia total ingerida pelas
crianças64-68. Foi possível demonstrar que a exposição de crianças a anúncios
televisivos aumentava a sua seleção do número total de alimentos, de alimentos
ricos em gordura e do número total de alimentos de determinada marca64 e também
estimulava a ingestão energética, aumentando as escolhas de alimentos menos
saudáveis67. Estes estudos, apesar de serem realizados em condições
laboratoriais, reforçam a ideia que, durante o visionamento televisivo, o
comportamento sedentário não é o único fator no efeito promotor da adiposidade.
Também Harris et al.68, em 2009, verificaram que crianças com idades
compreendidas entre os 7 e os 11 anos, quando expostas a publicidade alimentar,
consumiam mais 45% de um produto tipo snack, comparativamente com as que não
tinham sido expostas à publicidade. Neste estudo, a publicidade alimentar
aumentou o consumo de um produto que não estava presente nos anúncios
transmitidos e este efeito não estava relacionado com fome reportada ou outros
fatores de influência conscientes. Se se extrapolasse os resultados, a ingestão
de snacks durante o visionamento de televisão comercial por apenas 30 minutos
por dia poderia levar à ingestão de 94 kcal adicionais e ao ganho de peso de
cerca de 4.5 kg por ano, caso não existisse compensação através da diminuição
do consumo de outros alimentos ou através do aumento de atividade física.
Algumas características das crianças podem também determinar diferente
suscetibilidade ao marketing de produtos alimentares, designadamente a idade,
que está positivamente associada ao reconhecimento dos logótipos dos
alimentos62, e o estado nutricional62,64,65,69. O aumento da ingestão
energética após a exposição a anúncios, principalmente de snacks de elevada
densidade energética, parece ser maior nas crianças obesas65. Além disso, as
crianças com excesso de peso têm uma maior tendência para reconhecer logótipos
de marcas de fast-food62, e marcas de outros alimentos63. Halford et al.67, em
2004, demonstraram que crianças com excesso de peso reconheciam
significativamente mais anúncios alimentares do que não alimentares,
comparativamente com crianças normoponderais, e que o número de anúncios
alimentares reconhecidos se correlacionava positivamente com a quantidade de
alimentos ingeridos e com o peso corporal, após a exposição a esses anúncios.
Por outro lado, observaram que as crianças com excesso ponderal mostravam uma
maior preferência por alimentos de marca do que as crianças normoponderais e
que, após a exposição a anúncios alimentares, as crianças com peso normal
expressavam um padrão de preferência alimentar normalmente característico das
crianças com excesso de peso64. Estes dados sugerem que, pelo menos
temporariamente, a exposição a anúncios alimentares pode produzir uma resposta
tendencialmente "obesogénica" de preferência alimentar nas crianças com um peso
normal. Por sua vez, Forman et al.69, em 2009, verificaram que crianças com
excesso de peso consumiam significativamente mais energia por refeição do que
crianças normoponderais nas refeições em que estavam presentes alimentos de
marca, o que sugere que as crianças com excesso ponderal têm uma maior
suscetibilidade ao marketing de alimentos.
Se o marketing de alimentos e bebidas influencia as crianças relativamente a
escolhas, consumos e preferências alimentares26,36,53, e sendo os produtos mais
publicitados ricos em gordura, açúcar e sal17,34,35, é possível que exista uma
associação entre o marketing destes produtos e a obesidade infantil, como
sugerem alguns estudos. Segundo Zimmerman et al.70, num estudo prospetivo em
crianças até aos 6 anos, o visionamento em 1997 de televisão comercial -
programas nos quais as crianças estão expostas a anúncios - estava positiva e
significativamente associado ao z-score do IMC em 2002 em modelos ajustados
para diversas variáveis de confundimento, ao contrário do que acontecia com a
televisão não comercial, que não apresentava publicidade. Num outro estudo de
2009 realizado através de um modelo de simulação matemática71, os autores
estimaram que se houvesse uma redução da exposição à publicidade televisiva das
crianças Americanas para zero, haveria uma diminuição da média do IMC de
0,38 kg/m2, o que baixaria a prevalência da obesidade de 17,8% para 15,2% nos
rapazes e de 15,9% para 13,5% nas raparigas, sendo os valores de prevalência
baseados no NHANES 2003-04. Adicionalmente, Haby et al.72 num estudo
Australiano de 2006 cujo objetivo era avaliar o valor relativo de treze
potenciais intervenções na prevenção da obesidade infantil, verificaram que
aquela que teria o maior impacto populacional seria a redução da publicidade
televisiva de alimentos e bebidas com elevado teor de gordura e/ou açúcar
destinada a crianças dos 5 aos 14 anos. Apesar de um impacto reduzido a nível
individual, esta medida tem um impacto elevado a nível populacional, por
atingir um grande número de crianças, conduzindo à diminuição de 0,17 kg/m2 no
IMC.
Conclusões
O marketing de produtos alimentares dirigido a crianças é extensamente
utilizado pela indústria, que investe substancialmente neste grupo etário, pois
as crianças têm uma grande influência sobre as compras dos pais. A indústria
publicitária tem também o objetivo de criar lealdade à marca desde idades
precoces, para que o consumo se mantenha ao longo da vida. No entanto, os
alimentos e bebidas mais frequentemente publicitadas contrastam
significativamente da alimentação recomendada pelos Nutricionistas, sendo
maioritariamente de elevada densidade energética e pobres em micronutrientes.
Este facto levanta sérias preocupações Éticas e de Saúde Pública, pois as
crianças representam um alvo bastante vulnerável pela sua incapacidade de
perceção das intenções persuasivas da publicidade. Existe já alguma evidência
que a publicidade de alimentação e bebidas pode ser, entre outros, um fator
determinante da obesidade infantil pela sua influência negativa nos hábitos
alimentares das crianças. A publicidade alimentar parece realmente influenciar
o consumo, as escolhas e as preferências alimentares das crianças, bem como os
pedidos dos alimentos aos pais. Esta influência atua não só ao nível da marca,
mas também ao nível da categoria dos produtos publicitados, levando, em geral,
ao aumento da ingestão alimentar, especialmente de alimentos ricos em gordura,
açúcar e sal.
Atualmente a publicidade está em todo o lado, surgindo frequentemente novas
técnicas de marketing cada vez mais difíceis de controlar. É importante não
esquecer que a publicidade não existe só na televisão, que constitui apenas uma
fração do marketing, mas também na Internet, nos SMSs, nos outdoors e nos
pontos de venda, como os super e hipermercados. Com a crescente prevalência da
obesidade infantil, é necessário tomar medidas para controlar o marketing
alimentar. Como tal, é necessário agir de uma forma intersectorial tanto a
nível nacional como internacional, tendo o setor privado um papel fundamental e
a responsabilidade de contribuir para um ambiente mais saudável. A
regulamentação do marketing alimentar, o aumento do marketing de alimentos
considerados saudáveis como os hortofrutícolas, bem como o aumento da literacia
sobre a comunicação comercial no currículo escolar, poderão ser estratégias
eficazes na luta contra a publicidade de alimentos considerados menos
saudáveis.