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EuPTCVHe0870-90252011000200011

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Associação entre o marketing de produtos alimentares de elevada densidade energética e a obesidade infantil

Introdução Atualmente o excesso de peso infantil é uma das principais preocupações a nível de Saúde Pública. Em Portugal, a prevalência de excesso de peso em crianças e adolescentes é considerada alarmante, existindo valores de cerca de 30% em algumas regiões continentais e do arquipélago da Madeira1-3. Estudos recentes1 confirmaram que em crianças entre os 6 e os 8 anos, 32% apresentava excesso de peso e 13,9% tinha obesidade. O excesso de peso afeta mais de 25% das crianças deste grupo etário em alguns países da Europa e nos EUA, sendo os países de origem Mediterrânica os que apresentam taxas mais elevadas4-8. A Organização Mundial de Saúde (OMS)9  considera a obesidade uma epidemia a nível mundial, estando a prevalência do excesso de peso infantil a aumentar rapidamente em determinados países10,11 nomeadamente em Portugal6,12.

A obesidade infantil está associada a diversas consequências negativas, tais como o aumento dos fatores de risco das doenças cardiovasculares, o aumento da resistência à insulina, a esteatose hepática, a apneia do sono e os problemas ortopédicos, hormonais e psicossociais. Ainda mais preocupantes são as consequências a longo termo, pois existe uma grande probabilidade de crianças obesas se tornarem adultos obesos13,14.

O aumento tão rápido das taxas de prevalência de obesidade que se tem vindo a observar indica que os fatores genéticos não são a única causa desta alteração4. Os fatores ambientais, designadamente alterações na dieta e no estilo de vida  decorrentes da industrialização, urbanização, desenvolvimento económico e globalização do mercado têm levado ao aumento da ingestão energética aliada à diminuição do dispêndio energético consequente de um estilo de vida sedentário15. No caso das crianças, é provável que o aumento das atividades sedentárias, o aumento do consumo de alimentos de elevada densidade energética ricos em gordura e açúcar e a popularidade dos estabelecimentos de fast-food tenham contribuído para este aumento4,15. O visionamento televisivo também tem sido apontado como um dos fatores preditivos do aumento de peso devido ao aumento da ingestão energética total relacionada com a elevada exposição à publicidade alimentar16. Consequentemente, a OMS15  considera o marketing dirigido a crianças de alimentos de elevada densidade energética e de estabelecimentos de fast-food como um dos elementos concorrentes para a obesidade infantil. Por este motivo, nos últimos anos, o marketing de géneros alimentícios tem sido alvo de intenso debate internacional, especialmente no que diz respeito às crianças17.

Metodologia Para a realização do presente artigo de revisão foi efetuada uma extensa pesquisa bibliográfica de Janeiro a Outubro de 2010, tendo sido utilizadas as bases de dados PubMed e B-on - Biblioteca do Conhecimento Online. Dos artigos encontrados através da pesquisa com as palavras-chave "crianças", "excesso de peso infantil", "obesidade infantil", "marketing", "publicidade" e "alimentos de elevada densidade energética", foram seleccionados 167 artigos, dos quais 72 foram utilizados pelo seu rigor científico.

Marketing e publicidade: definições Marketing é um processo social que tem como objetivo a criação, a comunicação, a entrega e a troca de ofertas que têm valor para clientes, empresas e para a sociedade em geral18,19. Trata-se de um processo utilizado pelas empresas em todo o mundo para persuadir o consumo dos seus produtos, que abrange o planeamento, a conceção, a atribuição do preço, a promoção e a distribuição de ideias, bens e serviços17.

A publicidade, por sua vez, é uma ferramenta utilizada pelo marketing20 para promover a venda de produtos, serviços e a divulgação de ideias. De acordo com o Código de Publicidade21 considera-se publicidade qualquer forma de comunicação desenvolvida por entidades de natureza pública e privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo direto ou indireto de a) promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços, e b) promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.

Para efeitos desta revisão, o conceito de marketing será menos abrangente, critério também utilizado por Hawkes, e será usado para referir apenas os processos que são visíveis para o consumidor, nomeadamente a publicidade (ex.

anúncios televisivos, de cinema e de rádio), e a promoção de produtos em geral.

Atualmente, o marketing apresenta diversas formas de ser implementado. As técnicas tradicionais aparecem em meios de comunicação como a televisão, o cinema, o rádio e os outdoors, e encorajam diretamente o consumidor a comprar o produto promovido. As técnicas não tradicionais são mais recentes (ex: patrocínio; product placement - uso de alguma mensagem, logótipo ou objeto que aparece numa imagem ou grafismo em troca de pagamento) e podem aparecer em novos meios de comunicação, como a Internet, os SMSs ou no ponto de venda17.

A compreensão da publicidade pelas crianças Uma das preocupações dos pais, das organizações de consumidores e dos profissionais de saúde é a "fragilidade" e a "credulidade" das crianças perante a publicidade. A compreensão da publicidade televisiva pelas crianças apresenta duas componentes: a sua capacidade para distinguir a programação dos anúncios, ou seja, até que ponto as crianças entendem a publicidade como uma categoria de mensagens que está separada e é diferente dos programas de televisão, e a sua capacidade para compreender a intenção de venda dos anúncios publicitados22,23.

Para se defenderem da publicidade e para poderem criticá-la, as crianças têm que desenvolver estas capacidades24,25. O reconhecimento da transição de um programa para um anúncio é um pré-requisito necessário para uma criança se defender da publicidade, podendo fazê-lo, por exemplo, mudando de canal.

Contudo, a compreensão da natureza essencial dos programas e dos anúncios é também essencial para que possam ser usadas outras defesas estratégicas cognitivas, como por exemplo, a argumentação contra a própria publicidade22.

A compreensão da publicidade televisiva pelas crianças parece depender de alguns fatores, sendo a idade um dos mais determinantes22,23. De uma forma geral, antes dos 4 ou 5 anos, as crianças vêm a publicidade apenas como informativa e não a distinguem facilmente da programação22-25. Entre os 4 e os 7 anos, ficam aptas para distinguir publicidade de programação e apenas aos 8 anos percebem a intenção de persuasão. após os 11 ou 12 anos podem construir um pensamento crítico acerca da publicidade e das intenções dos publicitários26,27. Ou seja, à medida que a idade avança, vai aumentando o ceticismo das crianças relativamente à informação fornecida pela publicidade, bem como relativamente à sua intenção persuasiva23.

Alguns autores24 acreditam que o desenvolvimento social é necessário para as crianças reconhecerem a intenção persuasiva da publicidade. Esta teoria, conhecida por teoria da mente, defende que as crianças primeiro têm de ser capazes de compreender que os pensamentos e intenções das outras pessoas são diferentes dos seus próprios pensamentos para conseguirem perceber as intenções da publicidade. Durante a idade pré-escolar, a perceção da persuasão é muito imatura, pois acredita-se que emerge aos 3  anos, continuando a desenvolver-se pelo menos até aos 6 anos.

Marketing de produtos alimentares dirigido a crianças Nos últimos anos, o marketing alimentar dirigido a crianças tem sido alvo e tema de aceso debate internacional devido à elevada frequência e intensidade de publicidade a alimentos menos saudáveis na televisão, em particular em horários e canais em que as crianças são alvos principais. Um dos objetivos do marketing dirigido a crianças é o fortalecimento de uma marca, para que estas reconheçam e distingam produtos e logótipos específicos28, bem como a fidelização, baseando-se na teoria de que, quanto menor a idade na qual é estabelecido o reconhecimento de uma marca, mais forte será a sua lealdade à medida que a criança cresce29,30. Alguns estudos apontam para o facto de a indústria alimentar, atenta a estas e outras questões, como a influência das crianças na decisão de compra dos seus pais31, gasta somas elevadas em publicidade dirigida a crianças, sendo estas e os jovens o destinatário primário das iniciativas de marketing de alimentos e bebidas20,26. Em Portugal, em 2005, cerca de 45% dos anúncios publicitados durante a programação infantil eram referentes a alimentação e bebidas32, sendo este valor muito semelhante ao dos EUA (49%) no que respeita à programação das manhãs de sábado33. Posteriormente, em 2009, no estudo Português "TV Sweeps" de Breda, Rito e Rodrigues, que ainda não está publicado, elaborado no contexto da European Network on Reducing Marketing Pressure on Children da qual Portugal faz parte, verificou-se que, em 16 horas de transmissão televisiva de um canal generalista, houve 59 anúncios de alimentos ricos em açúcar, gordura e/ou sal durante a semana, e 77 durante o de fim de semana.

Para além da elevada frequência dos anúncios a produtos alimentares dirigidos a crianças, os géneros alimentícios mais publicitados diferem significativamente dos recomendados no âmbito de uma alimentação saudável, sendo principalmente ricos em gordura, açúcar e sal17,34,35. Entre os produtos mais publicitados estão os cereais de pequeno-almoço açucarados, os refrigerantes, bolos e doces, snacks salgados e restaurantes de fast-food, constituindo assim o denominado "Big-Five"36.Pelo contrário, os alimentos saudáveis nomeadamente os frutos, legumes e hortaliças, são significativamente sub-representados31,36. Na Europa, incluindo Portugal32,37,38, os anúncios televisivos mais vistos pelas crianças são também de alimentos ricos em açúcar e/ou gordura, enquanto que os menos vistos são de vegetais e fruta fresca. Num estudo realizado pela DECO32, os bolos e as bolachas, os cereais açucarados e os aperitivos salgados eram os alimentos mais publicitados durante a programação infantil. Incluídos nos anúncios emitidos estavam também alimentos de fast-food, cremes de chocolate para barrar, chocolate em , gelados e guloseimas. Klepp e col.37 verificaram que, em Portugal, durante a programação geral, os anúncios de água mineral (75,9%), refrigerantes (75,8%), fast-food (69,4%), doces e chocolates (65,4%), pães e bolos (61,8%), sumos de fruta (60%) e batatas fritas e snackssalgados (60%) eram os mais reportados como tendo sido vistos pelas crianças no mês anterior, sendo os anúncios de fruta fresca e vegetais os menos observados (56,7% e 42%, respetivamente). Por sua vez, num estudo realizado na Direção Geral da Saúde conceptualizado por Breda J., verificou-se que 27,1% de todos os anúncios transmitidos em Portugal durante o período do estudo, das 7h às 23h30 durante o fim de semana eram referentes a géneros alimentícios. Destes, 48% eram dirigidos a um público infantil/adolescente, sendo que a subcategoria de alimentos predominante destinada a esta população era a dos produtos açucarados, ao contrário da subcategoria predominante destinada à população em geral, a dos laticínios. De todos os anúncios, cerca de 55% era referente a alimentos não incluídos na "Nova Roda dos Alimentos". No estudo "TV Sweeps" referido anteriormente, os anúncios de alimentos considerados menos saudáveis mais reportados durante a experiência foram os cremes para barrar de elevado teor em gordura, açúcar e/ou sal, bebidas açucaradas e refrigerantes, e restaurantes de fast-food.

A percentagem de anúncios dirigidos a crianças de alimentos considerados menos saudáveis varia de país para país (49% em Itália e perto de 100% na Dinamarca)31. Na Austrália, um dos países que mais estuda a publicidade alimentar, em 390 horas de televisão analisada, verificou-se que cerca de 55% dos anúncios promovia alimentos ricos em gordura e/ou açúcar. Por conseguinte, se uma criança Australiana visionasse, em média, 2,5 horas de televisão comercial por dia, estaria exposta diariamente a 11 anúncios deste tipo de alimentos39. Em geral, estes anúncios são mais publicitados durante a programação infantil do que na restante programação39-41, o que reforça a ideia de que as crianças e os jovens são o alvo preferencial da indústria publicitária e alimentar, pois, como referido anteriormente, os hábitos e as preferências alimentares adquiridas enquanto crianças tendem a manter-se ao longo da vida. Nos EUA, segundo um estudo de Powell et al.35, cerca de 98% dos anúncios alimentares vistos por crianças dos 2 aos 11 anos publicitavam alimentos ricos em gordura, açúcar e sódio e pobres em fibra, sendo que, em média, 46% do total de calorias dos produtos publicitados eram provenientes de açúcar de adição.

Técnicas utilizadas na publicidade televisiva Em geral, na publicidade alimentar dirigida a crianças são utilizadas técnicas que têm o objetivo de chamar a atenção das crianças, nomeadamente o uso de temas como a diversão, a música, a fantasia, o sabor, a felicidade e a energia, sendo a saúde e a nutrição temas menos utilizados36,42. Frequentemente, os alimentos são também associados a heróis e a desenhos animados31,32. Os anúncios de fast-food, por exemplo, têm tendência a focar-se na construção do reconhecimento da marca e nas associações positivas através do uso de personagens, logótipos e slogans, tendo como principal objetivo, mais do que criar vendas imediatas, criar consumidores a longo prazo29. Em Portugal, as estratégias de marketing mais utilizadas são: brindes, desenhos animados, mensagens que podem induzir em comportamentos errados e a imagem materna32.

Estas técnicas são frequentemente utilizadas, pois as crianças têm preferência por produtos que fazem alusão a personagens conhecidas e que apreciam os brindes gratuitos nos seus produtos alimentares preferidos, como verificou um estudo realizado pela Universidade do Minho43. O product placement e o patrocínio também são técnicas frequentemente utilizadas em Portugal, como se pôde verificar no estudo "TV Sweeps".

Outras formas de marketing alimentar A maior fonte de mensagens publicitárias sobre alimentação dirigidas a crianças é a televisão 17,26,36, o que se torna preocupante quando este meio de comunicação é o mais utilizado por este grupo etário. A Academia Americana de Pediatria44 desaconselha o visionamento televisivo a crianças com idades inferiores a 2 anos e àquelas com idades superiores recomenda uma restrição para apenas 1 a 2 horas por dia. Apesar destas recomendações, em Portugal, no âmbito de um estudo realizado em nove países Europeus com crianças de 11 anos, estas crianças observavam, em média, 2,7 horas de televisão e vídeos por dia37.

Num outro estudo verificou-se que a maior parte das crianças dos 7 aos 9 anos passavam entre 4 a 6 horas do seu dia a ver televisão45. Nos EUA, segundo o relatório da Nielson de 2009, as crianças Americanas estão a ver mais do que 3 horas de televisão por dia46.

Apesar de a televisão ser a maior fonte de comunicação de mensagens publicitárias para as crianças, existe alguma evidência que o marketing televisivo está a decair36. Por outro lado, o marketing não tradicional está a aumentar, sendo a Internet, as promoções no ponto de venda e os patrocínios as técnicas em crescimento47. As revistas de maior popularidade entre as crianças e os adolescentes são também um veículo cada vez mais usual, em que na Austrália, por exemplo, os gelados e os alimentos pré-confecionados congelados, as refeições de restaurantes de fast-food, as bebidas com elevado teor de açúcar e os snackssão os alimentos mais publicitados48.

Do mesmo modo, um número cada vez maior de Websites tem tentado atrair a atenção das crianças e dos adolescentes através de técnicas de marketing47,49,50. Nestes sites podem ser encontrados anúncios online, jogos interativos com conteúdos publicitários - advergames -, marketing direto via e- mail e páginas de marketing integrado11,49. No Reino Unido, por exemplo, uma percentagem significativa dos gastos totais de publicidade de alimentação e bebidas é utilizada na Internet, fazendo deste meio de comunicação o segundo mais importante a seguir à televisão31. Tanto os produtos mais publicitados como as técnicas utilizadas são semelhantes aos encontrados no marketing televisivo49. Para além da publicidade na Internet estar a aumentar, cerca de metade dos Websitesde marcas alimentares utiliza áreas específicas destinadas a crianças, em que um Website infantil está ligado ao principal, contendo em geral gráficos, movimento e animação, programas interativos e sons, apresentando frequentemente fotografias do alimento ou da bebida correspondente. Muitos utilizam também desenhos animados, celebridades e grande parte mostra crianças a consumir o produto anunciado51. Em certos países Europeus, as escolas podem representar também um importante canal de marketing.

As estratégias mais utilizadas incluem o patrocínio de eventos, a venda de alimentos e bebidas consideradas menos saudáveis em máquinas de disponibilização automática e a oferta de equipamento educativo ou desportivo com logótipos de marcas alimentares31.

O investimento em marketing por parte do setor alimentar é elevado e parece estar a aumentar. Em Portugal, segundo o ranking Media Monitor, da Markest, o setor alimentar constituiu em 2009 o segundo maior investimento com 10,7% dos gastos totais em publicidade52. No Reino Unido, em 2003, foram gastos 173 milhões de libras em publicidade de alimentação e bebidas, na Alemanha a publicidade alimentar representa 87% dos gastos totais da publicidade televisiva, na Holanda os mesmos gastos aumentaram cerca de 128% entre 1994 e 2003, e na Grécia o montante destinado ao marketing alimentar dirigido a crianças aumentou cerca de 38% entre 2002 e 2003, ou seja, de 1,3 para 1,8 milhões de euros31.

A relação entre o marketing e a obesidade infantil A promoção de alimentos é, em geral, seguida com gosto e atenção pelas crianças e parece influenciar a sua forma de comunicação e o seu comportamento de consumo36. Existe evidência de que o marketing de alimentos e bebidas influencia as crianças relativamente a escolhas, consumos e preferências alimentares, compras de alimentos e bebidas e pedidos destes produtos aos pais26,36,53. A preocupação com a influência da publicidade nas escolhas alimentares das crianças não é recente, existindo estudos experimentais realizados desde a década de 197054-56, sendo reconhecido que a publicidade pode influenciar as escolhas alimentares infantis.

O intervalo de idades em que as crianças são mais vulneráveis situa-se entre os 2 e os 11 anos, apesar de não excluir idades superiores26. Esta certeza torna- se particularmente importante pelo facto de os alimentos mais publicitados não se incluírem nos grupos de alimentos recomendados pelos especialistas a serem consumidos com maior frequência. Deste modo, em 2003, a publicidade alimentar foi considerada pela OMS um dos fatores responsáveis pelo aumento de peso e da obesidade infantil15. Lobstein e Dibb57, através de um estudo ecológico realizado em 2005, encontraram uma associação positiva e significativa entre a proporção de crianças com excesso de peso e o número de anúncios transmitidos, por hora, na televisão infantil, que encorajam o consumo de alimentos de elevada densidade energética e pobres em micronutrientes, sugerindo assim que a quantidade de anúncios destes alimentos está relacionada com a prevalência do excesso de peso entre as crianças.

A exposição ao marketing alimentar pode influenciar de diversas formas o comportamento alimentar das crianças. Robinson et al.28, em 2007, verificaram que crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 5 anos preferiam o sabor dos alimentos e das bebidas se pensassem que estes eram de uma das mais conhecidas marcas de fast-food, o que aponta no sentido de que a identidade da marca pode influenciar as perceções de sabor de crianças mais novas. Além disso, os anúncios televisivos de géneros alimentícios parecem ter um efeito imediato nas preferências alimentares das crianças, bastando uma a duas exposições a este tipo de anúncios com uma duração entre 10 e 30 segundos para influenciar as preferências a curto prazo de crianças entre os 2 e os 6 anos por alimentos específicos58. No entanto, esta influência poderá não ser de curto prazo, que Chamberlain et al.59, em 2006, verificaram que as crianças mais expostas à publicidade foram as que reportaram mais pedidos dos produtos publicitados nos 7 a 20 meses seguintes à exposição. A influência do marketing não funciona ao nível da marca publicitada, mas também ao nível de produtos pertencentes a categorias de elevada densidade energética, existindo um impacto da publicidade televisiva generalizado a outros produtos da mesma categoria na qual o alimento publicitado se insere60.

Em geral, as crianças apresentam um elevado reconhecimento dos logótipos das marcas dos alimentos apesar de não existir evidência que sugira uma relação positiva entre este elevado reconhecimento e uma alimentação menos saudável61.

Têm também tendência para reconhecer logótipos de fast-food62, e de refrigerantes63, como se verificou num estudo Português em 2008, numa frequência mais elevada do que logótipos de outros alimentos, o que sugere que as estratégias de marketing empregues pela indústria deste tipo de produtos possam ser mais eficazes para captar a atenção das crianças.

Alguns estudos têm sugerido consistentemente que a exposição a anúncios de produtos alimentares leva ao aumento da energia total ingerida pelas crianças64-68. Foi possível demonstrar que a exposição de crianças a anúncios televisivos aumentava a sua seleção do número total de alimentos, de alimentos ricos em gordura e do número total de alimentos de determinada marca64 e também estimulava a ingestão energética, aumentando as escolhas de alimentos menos saudáveis67. Estes estudos, apesar de serem realizados em condições laboratoriais, reforçam a ideia que, durante o visionamento televisivo, o comportamento sedentário não é o único fator no efeito promotor da adiposidade.

Também Harris et al.68, em 2009, verificaram que crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 11 anos, quando expostas a publicidade alimentar, consumiam mais 45% de um produto tipo snack, comparativamente com as que não tinham sido expostas à publicidade. Neste estudo, a publicidade alimentar aumentou o consumo de um produto que não estava presente nos anúncios transmitidos e este efeito não estava relacionado com fome reportada ou outros fatores de influência conscientes. Se se extrapolasse os resultados, a ingestão de snacks durante o visionamento de televisão comercial por apenas 30 minutos por dia poderia levar à ingestão de 94 kcal adicionais e ao ganho de peso de cerca de 4.5 kg por ano, caso não existisse compensação através da diminuição do consumo de outros alimentos ou através do aumento de atividade física.

Algumas características das crianças podem também determinar diferente suscetibilidade ao marketing de produtos alimentares, designadamente a idade, que está positivamente associada ao reconhecimento dos logótipos dos alimentos62, e o estado nutricional62,64,65,69. O aumento da ingestão energética após a exposição a anúncios, principalmente de snacks de elevada densidade energética, parece ser maior nas crianças obesas65. Além disso, as crianças com excesso de peso têm uma maior tendência para reconhecer logótipos de marcas de fast-food62, e marcas de outros alimentos63. Halford et al.67, em 2004, demonstraram que crianças com excesso de peso reconheciam significativamente mais anúncios alimentares do que não alimentares, comparativamente com crianças normoponderais, e que o número de anúncios alimentares reconhecidos se correlacionava positivamente com a quantidade de alimentos ingeridos e com o peso corporal, após a exposição a esses anúncios.

Por outro lado, observaram que as crianças com excesso ponderal mostravam uma maior preferência por alimentos de marca do que as crianças normoponderais e que, após a exposição a anúncios alimentares, as crianças com peso normal expressavam um padrão de preferência alimentar normalmente característico das crianças com excesso de peso64. Estes dados sugerem que, pelo menos temporariamente, a exposição a anúncios alimentares pode produzir uma resposta tendencialmente "obesogénica" de preferência alimentar nas crianças com um peso normal. Por sua vez, Forman et al.69, em 2009, verificaram que crianças com excesso de peso consumiam significativamente mais energia por refeição do que crianças normoponderais nas refeições em que estavam presentes alimentos de marca, o que sugere que as crianças com excesso ponderal têm uma maior suscetibilidade ao marketing de alimentos.

Se o marketing de alimentos e bebidas influencia as crianças relativamente a escolhas, consumos e preferências alimentares26,36,53, e sendo os produtos mais publicitados ricos em gordura, açúcar e sal17,34,35, é possível que exista uma associação entre o marketing destes produtos e a obesidade infantil, como sugerem alguns estudos. Segundo Zimmerman et al.70, num estudo prospetivo em crianças até aos 6 anos, o visionamento em 1997 de televisão comercial - programas nos quais as crianças estão expostas a anúncios - estava positiva e significativamente associado ao z-score do IMC em 2002 em modelos ajustados para diversas variáveis de confundimento, ao contrário do que acontecia com a televisão não comercial, que não apresentava publicidade. Num outro estudo de 2009 realizado através de um modelo de simulação matemática71, os autores estimaram que se houvesse uma redução da exposição à publicidade televisiva das crianças Americanas para zero, haveria uma diminuição da média do IMC de 0,38 kg/m2, o que baixaria a prevalência da obesidade de 17,8% para 15,2% nos rapazes e de 15,9% para 13,5% nas raparigas, sendo os valores de prevalência baseados no NHANES 2003-04. Adicionalmente, Haby et al.72 num estudo Australiano de 2006 cujo objetivo era avaliar o valor relativo de treze potenciais intervenções na prevenção da obesidade infantil, verificaram que aquela que teria o maior impacto populacional seria a redução da publicidade televisiva de alimentos e bebidas com elevado teor de gordura e/ou açúcar destinada a crianças dos 5 aos 14 anos. Apesar de um impacto reduzido a nível individual, esta medida tem um impacto elevado a nível populacional, por atingir um grande número de crianças, conduzindo à diminuição de 0,17 kg/m2 no IMC.

Conclusões O marketing de produtos alimentares dirigido a crianças é extensamente utilizado pela indústria, que investe substancialmente neste grupo etário, pois as crianças têm uma grande influência sobre as compras dos pais. A indústria publicitária tem também o objetivo de criar lealdade à marca desde idades precoces, para que o consumo se mantenha ao longo da vida. No entanto, os alimentos e bebidas mais frequentemente publicitadas contrastam significativamente da alimentação recomendada pelos Nutricionistas, sendo maioritariamente de elevada densidade energética e pobres em micronutrientes.

Este facto levanta sérias preocupações Éticas e de Saúde Pública, pois as crianças representam um alvo bastante vulnerável pela sua incapacidade de perceção das intenções persuasivas da publicidade. Existe alguma evidência que a publicidade de alimentação e bebidas pode ser, entre outros, um fator determinante da obesidade infantil pela sua influência negativa nos hábitos alimentares das crianças. A publicidade alimentar parece realmente influenciar o consumo, as escolhas e as preferências alimentares das crianças, bem como os pedidos dos alimentos aos pais. Esta influência atua não ao nível da marca, mas também ao nível da categoria dos produtos publicitados, levando, em geral, ao aumento da ingestão alimentar, especialmente de alimentos ricos em gordura, açúcar e sal.

Atualmente a publicidade está em todo o lado, surgindo frequentemente novas técnicas de marketing cada vez mais difíceis de controlar. É importante não esquecer que a publicidade não existe na televisão, que constitui apenas uma fração do marketing, mas também na Internet, nos SMSs, nos outdoors e nos pontos de venda, como os super e hipermercados. Com a crescente prevalência da obesidade infantil, é necessário tomar medidas para controlar o marketing alimentar. Como tal, é necessário agir de uma forma intersectorial tanto a nível nacional como internacional, tendo o setor privado um papel fundamental e a responsabilidade de contribuir para um ambiente mais saudável. A regulamentação do marketing alimentar, o aumento do marketing de alimentos considerados saudáveis como os hortofrutícolas, bem como o aumento da literacia sobre a comunicação comercial no currículo escolar, poderão ser estratégias eficazes na luta contra a publicidade de alimentos considerados menos saudáveis.


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