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EuPTCVHe0870-90252011000200012

EuPTCVHe0870-90252011000200012

variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Comparação dos utentes do antigo Hospital do Desterro com os utentes do Hospital de S. José no acesso à consulta de Medicina Interna - Parte I: objectivos, população, métodos e resultados sobre potencial de acesso

Introdução O presente estudo surge num contexto político nacional marcado pela implementação de políticas de reestruturação dos serviços de saúde e foca a transferência de serviços do Hospital do Desterro que integrava o Centro Hospitalar de Lisboa da Zona Central (CHLC) desde Janeiro de 2004, pelas restantes unidades que compõem o CHLC, nomeadamente, o Hospital de S. José, o Hospital de Stº. António dos Capuchos, o Hospital de Santa Marta e o Hospital de D. Estefânia.

Os utentes que eram servidos pelo Hospital do Desterro (HD) assistiram a alterações na sua fonte habitual de cuidados, surgindo-lhes como alternativa a utilização de outros hospitais com novas normas administrativas, onde se concentram maiores aglomerados de pessoas e onde o ambiente é menos familiar.

Note-se que embora geograficamente estas unidades de saúde se situem relativamente próximas do Hospital do Desterro (o Hospital de São José, por exemplo, fica a pouco mais de cinco minutos a ), os utentes que mudam de hospital não deixam de ser levados a descobrir um novo trajecto, com novas barreiras arquitectónicas, eventualmente a ter de utilizar um diferente meio de transporte (o que poderá significar maiores custos se for necessário um táxi, por exemplo), ou a depender da companhia de outrem na deslocação às consultas.

Estas dificuldades poderão ser tão potenciadas quanto maior for o envelhecimento da população enquanto factor natural de vulnerabilidade1.

Tendo em conta este cenário, marcado pela contestação da população em que a resistência à mudança da habitual fonte de cuidados é manifestada pelo Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos (a título de exemplo citam-se os esforços desenvolvidos em parceria com a União dos Sindicatos de Lisboa como abaixo-assinados, manifestações e concentrações frente ao Ministério da Saúde2- 4), o presente estudo propõe verificar se o encerramento do Hospital do Desterro teve algum impacto no acesso a serviços de saúde, por parte da população por ele anteriormente servida, mais especificamente, no acesso ao serviço de Consulta Externa de MI, transferida do Hospital do Desterro para o Hospital de São José. Para tal, este artigo é dividido em duas partes distintas em que cada uma se ocupa de cada um dos objectivos específicos que adiante serão indicados.

A complexidade do conceito "Acesso a Cuidados de Saúde" O conceito de acesso a cuidados de saúde tem sido marcado pela falta de uma definição clara acerca do seu significado5-13.

Por outro lado, mesmo mediante a pluralidade de definições atribuídas ao conceito de acesso (seja a capacidade  de produzir serviços e de responder às necessidades de saúde de uma determinada população14, seja o grau de ajustamento entre as necessidades de saúde da população e a capacidade do sistema em responder a essas necessidades6, seja a utilização de serviços de saúde em tempo adequado de modo a conseguir o melhor resultado possível8, seja o grau de facilidade ou dificuldade com que as pessoas obtêm serviços de saúde15 ou a oportunidade de utilização apropriada de serviços de saúde por parte de utentes que, empoderados, são capazes de tomar decisões que orientam a procura de cuidados de saúde16), este está sempre intimamente associado às noções de necessidade e equidade, que por seu turno, também são marcadas pela sua natureza subjectiva potenciadora de ambiguidade.

No tocante ao termo necessidade, Aday e Andersen5 tinham alertado que mesmo fazendo a distinção entre necessidade percebida pelo indivíduo e necessidade diagnosticada, existe sempre a forte possibilidade das percepções individuais e as avaliações profissionais serem variáveis de pessoa para pessoa. Na verdade, tal como Oliver e Mossialos17 referem, tem-se assistido a um forte desacordo sobre o que constitui necessidade de cuidados de saúde, daí que compreender, definir, medir e comparar necessidades individuais em saúde se revele difícil e uma tarefa altamente complexa.

A carência de uma definição precisa e uma noção objectiva acerca do significado de equidade torna-se igualmente premente. Sabe-se que a equidade (tida por Donabedian15 como um dos componentes da qualidade em cuidados de saúde e definida como a conformidade com o princípio que determina o que é justo na distribuição de cuidados de saúde de acordo com as necessidades de cada um e seu usufruto entre os membros de uma população), para além de carecer de um quadro de referência bem desenvolvido e baseado no consenso dos diferentes autores, (limitando por isso, o desenho de estratégias orientadas para a equidade em cuidados de saúde18), devido às crescentes preocupações éticas e económicas é um princípio que todos os decisores políticos almejam no estado de saúde e na obtenção de cuidados de saúde tornando-se uma questão prioritária para organizações internacionais como a OMS, a OPAS ou a OCDE19. A associação com os direitos humanos faz da equidade em saúde um conceito ético baseado no princípio de justiça social mas que, segundo Braveman e Gruskin20, não tem sido passível de medição directa.

Na verdade, esta condição advém do facto de nem todas as diferenças em saúde reflectirem necessariamente iniquidade em saúde implicando esta característica que a avaliação da equidade em saúde exija comparar indicadores de saúde mas também os seus determinantes entre grupos sociais mais ou menos privilegiados20.

Para pôr em prática esta tarefa convém não esquecer que os problemas de saúde variam entre os diferentes grupos, que a necessidade de cuidados de saúde para problemas similares também é variável e que cada grupo tem as suas próprias prioridades e valores10. Isto é conducente à noção de equidade vertical (tratamento desigual para necessidades desiguais10,16 ou diferentes necessidades deverão ter diferentes e apropriadas oportunidades de aceder a cuidados de saúde17,16) conhecida por ser mais difícil de medir que a equidade horizontal (acesso justo para grupos com necessidades equivalentes10 ou iguais oportunidades de acesso a cuidados de saúde17).

Em 1998, Gold9 faz lembrar que, a par da grande preocupação por esta temática, coexiste também um forte desacordo no que toca a formas de medir acesso e de determinar se é ou não equitativamente distribuído pela população.

Para além da ambiguidade potenciada pela indefinição de necessidade e pela difícil avaliação da equidade em saúde, outro dos factores que contribui para que medir e avaliar o acesso a cuidados de saúde se revele um complexo desafio, é a sua ligação intrínseca a um contexto mutante.

Tal como Gold9 sublinha, a reconfiguração do sistema marcada pelo crescimento de novas formas de gestão e filosofias baseadas na eficácia e custo- efectividade implicam necessariamente uma adaptação dos tradicionais métodos de medição e avaliação de acesso a cuidados de saúde.

Por estes motivos e tal como diz Gulliford et al10, reconhecer que acesso é um conceito multidimensional ajuda a explicar os conflitos gerados em torno da sua definição bem como as tensões que surgem na tentativa de o promover através da implementação de diferentes medidas.

A construção do quadro de referência O quadro de referência para este estudo (fig.) surge a partir da conjugação de publicações de diversos autores sobre a conceptualização e mensuração de acesso a serviços de saúde e representa uma tentativa de adaptação à especificidade do problema em estudo, nomeadamente, o acesso de dois grupos populacionais específicos ao serviço de consulta externa do Hospital de S. José.

Figura -Quadro de referência adaptado ao estudo do acesso à consulta externa de MI do H. S. José.

A reconstrução e a introdução de variáveis neste quadro de referência visa considerar de uma forma um pouco mais efectiva a relação dinâmica entre os diversos factores intervenientes e a consequente complexidade que caracteriza o conceito de acesso.

Estratégias em saúde Dado que o princípio de acesso se revela de uma importância singular, todas as estratégias a nível dos determinantes de saúde o devem ter em conta uma vez que são o ponto de partida para a sua efectividade.

Note-se que neste estudo é preferido o termo estratégias em saúde em detrimento do termo políticas em saúde devido à natureza particular da situação em estudo.

Segundo Ferrinho21, enquanto as políticas de saúde definem um modelo de sociedade gerador de determinado modelo de sistema de saúde, as estratégias em saúde, de natureza mais restrita, referem-se apenas a um modelo de sistema de saúde. Enquanto as políticas de saúde são mobilizantes e orientadas para a concretização de valores em saúde (como a justiça social, a universalidade, a equidade, o respeito pela pessoa humana, a solicitude, a solidariedade, a sustentabilidade, a continuidade, a autonomia do cidadão e a humanização de cuidados) as estratégias em saúde são promotoras de acção tendo em conta os valores e finalidades previstos pelas políticas e orientam-se para a concretização de metas, sempre que possível, smart, ou seja, específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e calendarizadas. Posto isto, no presente estudo tem-se como quadro estratégico de referência a reorganização da rede hospitalar e o consequente encerramento do Hospital do Desterro o que obrigou a uma integração e reorganização de serviços a nível do Centro Hospitalar de Lisboa Central.

Características da população em risco Aday e Andersen5 dividem as características da população em risco em três categorias: Predisposição, Capacidade e Necessidade. Nas duas primeiras categorias os autores diferenciam as variáveis em "vulneráveis" e "não vulneráveis" consoante as políticas de saúde possam ou não, ter sobre elas alguma influência. No entanto, no quadro de referência adaptado, o termo "vulnerável" aparece associado à possibilidade que as experiências e utilizações anteriores dos serviços de saúde têm de influenciar as variáveis em questão.

É adoptada a denominação "população em risco" proposta no quadro de referência para o estudo do acesso a serviços de saúde construído pelos autores supracitados, referindo-se neste contexto aos utentes cujo acesso à consulta de MI do HSJ pretende estudar-se, ou seja, aos utentes do grupo I (HD) e grupo II (HSJ). Note-se que, tal como será expresso nos critérios de inclusão das unidades amostrais, todos os elementos de ambos os grupos transpuseram um processo organizacional de admissão uma vez que todos eles realizaram pelo menos uma consulta de MI nos três meses que antecederam a integração de serviços após o encerramento do HD. É nesta perspectiva que é atribuída importância acrescida às características individuais enquanto fortes determinantes do maior ou menor "risco" de faltar a uma consulta de MI marcada no HSJ.

Características do ambiente externo Nesta dimensão inclui-se: zona de residência (rural/urbano), distância até ao local da consulta, tempo de viagem, custos de uma consulta (associados ao transporte e refeições, caso se aplique).

Características da consulta externa de Medicina Nesta dimensão são considerados aspectos como o volume e distribuição de recursos, nomeadamente, recursos humanos, infra-estruturas e equipamentos intervenientes na prestação de cuidados de saúde.

Paralelamente aos recursos, surge a organização que, segundo Aday e Andersen5  não é mais do que como os profissionais e serviços existentes se coordenam e controlam no processo de oferta de cuidados de saúde5.

A organização do sistema de prestação de cuidados engloba questões relacionadas com a entrada e seguimento do indivíduo5, nomeadamente, o tempo dispendido na sala de espera, tempo dispendido na consulta ou o horário de funcionamento.

Utilização da consulta externa de Medicina Interna A evolução do modelo que serve de base ao quadro de referência aqui apresentado, pretende explicar a utilização como produto não exclusivo dos determinantes individuais, mas sim como fruto dos factores individuais em estreita relação com os factores inerentes ao sistema de saúde e do contexto social, sem esquecer a experiência passada de utilização dos serviços22.

Para a operacionalização da dimensão utilização, serão então considerados o número de consultas realizadas desde a transferência de serviços, o número de consultas marcadas às quais o utente não compareceu e suas razões e o tempo de intervalo entre as consultas.

Satisfação após utilização da consulta externa de Medicina Interna Associada à satisfação do utente está a qualidade percebida23,24,25 definida como o "julgamento do utente sobre os serviços prestados pelo hospital"25, p.

19 ou como a impressão geral do utente acerca da relativa superioridade/ inferioridade do serviço prestado26. No presente estudo, a qualidade percebida será dividida em várias categorias, nomeadamente no que diz respeito ao atendimento pelo administrativo, à percepção sobre o tempo dispendido na sala de espera (apontada como importante barreira ao acesso por Chung, Wong e Yeung27, indicador de qualidade por McCarthy, McGee e O'Boyle28 e determinante de satisfação por Bower et al29  e Anderson, Camacho e Balkrishnan30), à percepção sobre a duração da consulta (mais especificamente sobre alterações no tempo de duração após o encerramento do HD), à percepção sobre o tempo de espera após a consulta (mencionada no trabalho de Caetano25), à percepção acerca do atendimento pelo médico (cuja importância é frisada por vários autores como Koszegi31 ou Emany32) e à qualidade global percebida (cujos efeitos na probabilidade de comparecer às consultas são frisados por McIvor, Ek e Carson33).

O cumprimento das expectativas anteriormente referenciadas, (definidas por O'Loughlin e Coenders34 como o resultado de um prévio consumo de serviços relacionado com o nível de qualidade que os utentes esperam receber) é outro dos determinantes da satisfação do utente com o serviço obtido, tal como defendem estudos de Kravitz35 ou Caetano25.

Como consequente do nível de satisfação sentido pelo utente surge o conceito de lealdade que Caetano25 defende ser um dos indicadores de maior importância, concebendo-a como reveladora de "intenções de comportamento que são denunciadoras de um envolvimento afectivo/cognitivo com o hospital"25, p. 19.

Roberge et al36 acrescentam ainda que a lealdade está relacionada com o comportamento do utente que, por sua vez, é influenciado por vários factores facilitadores incluindo o compromisso de duas partes: confiança do utente no profissional de saúde e a qualidade da relação interpessoal estabelecida. No contexto do presente estudo pretende avaliar-se tanto a intenção do utente em voltar a escolher o HSJ para realizar a sua consulta de MI assim como a de o recomendar a familiares, amigos ou colegas.

Na construção do presente quadro de referência foi adoptada a sugestão de Andersen et al37 segundo a qual são identificadas duas categorias de acesso: Potencial, composto por factores que limitam ou ampliam a capacidade de utilização (factores capacitantes), características individuais predisponentes, necessidades em saúde e factores contextuais. Em suma, inclui variáveis que influem na probabilidade de usufruto efectivo dos serviços de saúde; Realizado, condicionado pelo Potencial de Acesso e reflectido em indicadores objectivos (utilização dos serviços) e indicadores subjectivos (qualidade percebida, cumprimento das expectativas, satisfação consequente, probabilidade de recomendação e lealdade).

Dada a complexidade do conceito de acesso e tal como é ilustrado no quadro de referência do estudo, as variáveis que compõem a dimensão Potencial de Acesso são numerosas e a operacionalização de todas elas seria incomportável devido às limitações de tempo e à grande extensão do questionário que seria implicada.

Assim, de acordo com a importância atribuída na literatura e a exequibilidade da sua operacionalização foram seleccionadas as variáveis Estado de Saúde Percebido, Expectativas antes da última consulta, Idade, Género, Estado Civil, Agregado Familiar, Escolaridade, Situação Profissional, Área de Residência, Distância do domicílio ao HSJ, Tempo de viagem e Percepção sobre a Facilidade em chegar ao HSJ, sobre as quais foram apurados os dados através da construção e aplicação de questões directas às unidades amostrais ou pela gentil disponibilização do Serviço de Gestão de Doentes do CHLC.

Ressalva-se que são seleccionadas e comparadas variáveis que apenas dizem respeito às características da população em risco e às características do ambiente externo partindo-se do pressuposto que ambos os grupos usufruem, após a integração de serviços, dos cuidados de uma mesma Consulta Externa com as mesmas características para ambos, ou seja, tanto o grupo I (HD) como o grupo II (HSJ) são utentes da Consulta Externa de MI do HSJ, supostamente sujeitos às mesmas normas organizacionais e às mesmas questões relacionadas com o volume e distribuição de recursos humanos, infra-estruturas e equipamentos intervenientes na prestação de cuidados de saúde.

Por outro lado, atribui-se grande importância às características individuais e do ambiente externo para o estudo do acesso à consulta de MI do HSJ uma vez que os elementos da população que pretende estudar-se encontram-se numa posição onde as barreiras ao acesso relacionadas com o processo de admissão foram transpostas, ou seja, todas as unidades amostrais realizaram pelo menos uma consulta de MI e o facto de comparecerem à próxima consulta marcada poderá depender em grande medida de variáveis como as supracitadas.

Objectivos do estudo Objectivo 1 Verificar se existem diferenças a nível do acesso à consulta externa de MI do Hospital de S. José entre os utilizadores dos últimos três meses (Outubro, Novembro e Dezembro de 2006) do serviço de consulta externa de MI do Hospital do Desterro (Grupo I) e os utilizadores da consulta externa de MI do Hospital de S. José, no período acima descrito (Grupo II).

Objectivo específico 1.1 Verificar se existem diferenças nos componentes Potencial de Acesso (características a nível da população e a nível do ambiente externo) à consulta externa de MI do Hospital de S. José, entre o Grupo I e o Grupo II.

Objectivo específico 1.2 Verificar se existem diferenças nos componentes de Acesso Realizado (utilização em 2008, qualidade percebida, cumprimento das expectativas, satisfação, recomendação e lealdade) à consulta externa de MI do Hospital de S. José, entre o Grupo I e o Grupo II.

Nesta primeira parte relatamos o material e métodos e os resultados referentes ao objectivo 1.1. e na segunda parte abordaremos os resultados referentes ao objectivo 1.2.

População e métodos Desenho do estudo O delineamento do presente estudo é do tipo epidemiológico, transversal, analítico, comparando duas populações distintas.

População As populações em estudo serão referidas como grupo I (HD) e grupo II (HSJ). No grupo I (HD), consideram-se os utentes que foram utilizadores da consulta externa de MI Hospital do Desterro (nos três meses que antecederam a transferência do serviço, ou seja Outubro, Novembro e Dezembro de 2006). No grupo II (HSJ), são contemplados os sujeitos que, no período acima descrito, foram utentes da consulta externa de MI do Hospital de S. José.

Amostra Os critérios de inclusão das unidades amostrais são: Ter realizado uma consulta de MI no período de Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 no Hospital do Desterro ou no Hospital de São José, respectivamente; Ter morada e número de telefone disponíveis para que possam ser contactados; Ter recebido a carta prévia que convida e explica os contornos do estudo, enviada por correio registado e com aviso de recepção.

No cálculo do tamanho da amostra, para minimizar o erro do tipo I é estabelecido um nível de significância (a) de 0,05 (ou seja 5%), estabelecido um valor de b de 0,20 representando nas pesquisas biomédicas uma probabilidade pequena (dois em dez) de cometer um erro do tipo II, estabelecido para a dimensão do efeito o valor de 0,15 e obtido o valor de 4 para o número de graus de liberdade.

Estipulados os parâmetros e aplicado o método de Nisen e Schwertman38, chega-se ao valor de n = 255,25 para cada um dos grupos a comparar.

O método de amostragem é aleatório proporcionalmente estratificado para os dois grupos em estudo, de acordo com o género e idade da população previamente analisados e de dimensão igual a 256 elementos para cada um dos grupos. Note-se que na análise exploratória preliminar não se detectaram diferenças entre os dois grupos relativamente ao género (40% Homens e 60% Mulheres para ambos) mas no que toca à idade é sugerida uma população mais envelhecida para o grupo I (HD) com uma diferença de cerca de 8% de elementos nas classes etárias (25-45) anos e (65-99) anos, ou seja, a primeira com mais 8% de elementos do grupo II (HSJ) e a segunda com mais 8% de elementos do grupo I (HD).

Técnica de recolha de dados Como alicerce da construção dos dois questionários a aplicar por via telefónica a cada um dos grupos, serviu o Instrumento de medida de satisfação dos utentes nos Hospitais EPE - Consultas Externas, aplicado em 2005  pelo Sistema de Avaliação da Qualidade Percebida e Satisfação do Utente nos Hospitais EPE, gentilmente cedido pela Administração Central do Sistema de Saúde.

Como forma de minimizar o risco de obter uma baixa taxa de resposta, o instrumento de colheita de dados, devidamente pré-testado, foi precedido por uma carta dirigida ao domicílio de cada unidade amostral na qual é solicitada e reforçada a importância da colaboração do utente, explicado o objectivo do estudo e garantido o anonimato das respostas.

Após a obtenção dos dados (morada completa e número de telefone, data de nascimento, género e nome completo) referentes à população em estudo solicitados ao serviço de gestão de doentes do CHLC, decorreu a aplicação por via telefónica dos instrumentos de colheita de dados entre 26 de Fevereiro e 24 de Maio de 2009.

No final da colheita de dados foi possível calcular uma taxa de resposta de 93,9%.

Análise estatística Realizada a análise dos dados comparando os dois grupos através dos testes de homogeneidade e independência do qui-quadrado e ANOVA one-way.

Procedimentos éticos Foi pedida e obtida autorização formal e por escrito do Conselho de Administração do CHLC e da sua Comissão de Ética para a realização do estudo bem como para a disponibilização da base de dados com contactos dos utentes em estudo.

A identificação de quem realiza o estudo, o tema, os seus objectivos, o carácter voluntário da participação no estudo e a garantia de anonimato e dos dados cedidos pelos respondentes constava na carta previamente enviada por correio registado e com aviso de recepção para o domicílio das unidades amostrais, no entanto, a mesma informação foi reforçada aquando da chamada telefónica que visava a colheita de dados.

Resultados sobre potencial de acesso à consulta externa de MI do Hospital de São José Neste ponto serão salientadas as diferenças entre os grupos em estudo nomeadamente no que diz respeito: ao estado civil, sendo o grupo I (HD) marcado por conter maior proporção de viúvos que o grupo II (HSJ); à situação profissional, com maior proporção de pessoas activas no grupo II (HSJ); ao número de crianças residentes na mesma casa do respondente, superior no grupo I (HD); à escolaridade, detendo o grupo II (HSJ) níveis académicos superiores aos do grupo I (HD); às expectativas antes da última consulta, mais baixas no grupo I (HD); à percepção sobre acessibilidade física ao HSJ, percebida como mais difícil para o grupo I (HD) do que para grupo II (HSJ) e à distância e tempo de viagem do domicílio ao HSJ, menores para o grupo I (HD).

Estado civil Ambos os grupos em estudo assumem o estado "Casado" como categoria modal, com 53,8% no grupo I (HD) e 64,1% no grupo II (HSJ), ao que se segue a categoria "Viúvo" com 25% e 15,1% para o grupo I (HD) e grupo II (HSJ), respectivamente.

Diferença estatisticamente significativa com p  =  0,027 (tabela 1).

Tabela 1 - Comparação entre o grupo I (HD) e grupo II (HSJ) relativa ao estado civil

Agregado familiar A análise dos dados sugere que a categoria mais frequentemente seleccionada pelos inquiridos em ambos os grupos em estudo é "Acompanhado por uma única pessoa maior de idade", com 47,0% no grupo I (HD) e 47, 8% no grupo II (HSJ) (p = 0,133).

O número de menores de idade que partilha a mesma habitação com as unidades amostrais estudadas varia entre 0 e 3 para o grupo I (HD) e 0 e 4 para o grupo II (HSJ). Note-se que em ambos os grupos a situação mais frequente é não existirem menores de idade no agregado familiar (em ambos se verifica Mediana = 0 e Moda = 0) (tabela 2).

Tabela 2 - Comparação de medidas de tendência central e de dispersão relativas ao número de elementos menores de idade que partilham a mesma residência com a unidade amostral

No caso particular do grupo I (HD), observa-se uma Média de 0,47 menores de idade, valor em torno do qual todos os outros se encontram dispersos gerando um Desvio Padrão de 0,77 elementos menores de idade. Comparativamente a estes dados, surgem os do grupo II (HSJ) para os quais é observada uma Média de 0,26  com Desvio Padrão (0,72  elementos) semelhante ao grupo I (HD) (p < 0,001).

Escolaridade Analisando o comportamento da variável escolaridade pode observar-se que ambos os grupos exibem o primeiro ciclo como grau mais frequente com 45,3% para o grupo I (HD) e 30,6% para o grupo II (HSJ).

Por sua vez, a evolução dos sinais dos valores de resíduo sugere que, embora a proporção de elementos que não detêm qualquer grau académico seja semelhante nos dois grupos em estudo, os elementos pertencentes ao grupo II (HSJ) localizam-se em maior proporção nos níveis superiores de escolaridade: ciclo Preparatório ( ano); antigo ano/9º ano; antigo ano/12ºano e curso superior (p  =  0,027) (tabela 3).

Tabela 3 - Comparação entre o grupo I (HD) e grupo II (HSJ) relativa à escolaridade

Situação profissional Em relação a esta variável, a análise dos dados indica que a categoria reformado é a mais frequente para ambos os grupos em estudo com 69,5% para o grupo I (HD) e 46,5% para o grupo II (HSJ) (tabela 4).

Tabela 4 - Comparação entre o grupo I (HD) e grupo II (HSJ) relativa à situação profissional

A partir da análise dos resíduos que surgem em cada uma das categorias, observa-se que a que mais influi na não homogeneidade da proporção dos elementos dos dois hospitais nas diferentes situações profissionais são "empregado" (com maior número de elementos do grupo II (HSJ), ultrapassando aquele que seria de esperar) e "reformado" (com maior número de elementos do grupo I (HD), também excedendo a frequência esperada) (p < 0,001).

Área de residência A análise dos dados sugere não existirem grandes diferenças entre os grupos. A maior parte dos elementos de ambos é residente dentro dos limites da Grande Área Metropolitana de Lisboa, com 95,8% para o grupo I (HD) e 93,9% para o grupo II (HSJ) (p = 0,352).

Distância do domicílio ao HSJ e tempo de viagem Após a análise da distância do domicílio ao HSJ e do tempo dispendido na respectiva viagem observa-se que, enquanto um indivíduo pertencente ao grupo I (HD) tem de percorrer em média 11,00 Km, demorando uma média de 15,35 min, um indivíduo pertencente ao grupo II (HSJ) percorre em média 20,90 Km, demorando uma média de 22,18 min (p = 0,009) (tabela 5).

Tabela 5 - Comparação entre o grupo I (HD) e grupo II (HSJ) relativa à distância e tempo de viagem do domicílio ao HSJ

No que diz respeito ao tempo de viagem, as diferenças na dispersão voltam a verificar-se: no caso do grupo I (HD) a dispersão volta a ser menor com Desvio Padrão de 14,47 min contrapondo-se o grupo II (HSJ) com Desvio Padrão de 28,69 min (p = 0,005) (tabela 5).

Estado de saúde percebido No que se refere à percepção sobre o próprio estado de saúde, a análise dos dados sugere que a categoria mais frequentemente seleccionada pelos inquiridos em ambos os grupos em estudo é "Razoável", com 39,4% no grupo I (HD) e 40, 8% no grupo II (HSJ) (p = 0,127).

Expectativas antes da última consulta No tocante às expectativas que o respondente assume ter tido antes da última consulta realizada no HSJ (por exemplo em relação à ausência de erros, à satisfação de todas as necessidades do utente ou à prestação de um serviço de qualidade) pode ser observado o nível 3 como o mais frequente no caso do grupo I (HD) com 48,7% dos inquiridos e o 4 como nível modal no grupo II (HSJ) com 46,9% do total de elementos (tabela 6) (escala em que o nível 1 representa expectativas muito baixas, no extremo oposto, o nível 5, expectativas muito altas.)

Tabela 6 - Comparação entre o grupo I (HD) e grupo II (HSJ) relativa às expectativas antes da última consulta no HSJ

Observa-se a partir da tabela 6 que o nível 2 e o nível 4 são os principais responsáveis pela não homogeneidade da proporção de elementos dos dois hospitais nos diferentes níveis. De facto, o nível 2 apresenta uma proporção de elementos do grupo I (HD) maior do que a frequência esperada. Esta discrepância mantém-se, ainda que um pouco menos acentuada no nível 3, invertendo-se por completo quando são analisados os dados referentes aos níveis 4 e 5 para os quais a frequência observada de elementos do grupo I (HD) é menor do que a frequência esperada. A análise dos dados parece, assim, indicar que o grupo II (HSJ) tem um nível mais elevado de expectativas prévias à consulta quando comparados com o grupo I (HD) (p < 0,001).

Percepção sobre acessibilidade Analisando a percepção dos respondentes acerca da maior ou menor facilidade em chegar ao HSJ (mais uma vez utilizando a escala de 5 pontos em que 1 significa uma acessibilidade "muito " e 5 uma acessibilidade "muito boa"), observa-se que o nível modal no caso do grupo I (HD) é o 2, com 33,8% dos elementos e no caso do grupo II (HSJ) são os níveis 3 e 4 os mais frequentes com 35,3% e 34,8% dos elementos, respectivamente (tabela 7).

A análise das discrepâncias entre frequência observada e frequência esperada leva a crer que os níveis 2 e 4 são os mais influentes na não homogeneidade de proporções, o primeiro contendo mais elementos do grupo I (HD) que o esperado e o segundo incluindo um número destes elementos inferior ao previsível. A par do exposto, parece verificar-se uma tendência para os níveis inferiores (1 e 2) serem seleccionados pelos elementos do grupo I (HD), enquanto os níveis superiores são tendencialmente seleccionados pelos elementos do grupo II (HSJ) (p < 0,001) (tabela 7).

Discussão e conclusões A inexistência de diferenças ao nível do estado de saúde percebido entre os grupos em estudo ajuda a rejeitar o possível efeito desta variável nas diferenças encontradas em variáveis de Acesso Realizado (como as que se relacionam com a utilização de serviços) encontradas em estudos de Hoz e Leon39 e de Finkelstein40.

A análise dos dados parece indicar que o grupo II (HSJ) tem um nível mais elevado de expectativas prévias à consulta quando comparados com o grupo I (HD). Neste contexto é importante relembrar que, embora a população do grupo I (HD) seja mais envelhecida, não existem diferenças significativas no que diz respeito ao estado de saúde percebido daí que possa descartar-se o efeito encontrado em estudos de Remor41 desta última variável nas diferenças encontradas nas expectativas prévias à consulta.

Apura-se ainda que o grupo I (HD) contém significativamente mais viúvos do que o grupo II (HSJ). Convém não esquecer que associada a esta diferença poderá estar a idade mais avançada identificada no grupo I (HD). Por outro lado, apesar de ser categoria modal para ambos os grupos, o estado civil casado apresenta mais elementos do que aqueles que seriam de esperar no grupo II (HSJ) o que, tal como Scheppers et al.42 refere, poderá funcionar como um facilitador no acesso à consulta de MI do HSJ.

A análise dos dados leva também a que se considere que grupo I (HD) e grupo II (HSJ) têm situações familiares semelhantes. Perante a inexistência de diferenças significativas a este nível poderão pôr-se de parte os efeitos da situação familiar nas diferenças encontradas na utilização dos serviços da consulta de MI e consequentemente no seu Acesso Realizado detectados nos estudos de Aguilar et al.43.

Por outro lado, a análise dos dados permite dizer que os utentes do grupo I (HD) vivem com mais menores de idade que os utentes do grupo II (HSJ) o que não deixa de  ser interessante visto o primeiro grupo ser mais envelhecido do que o segundo. Cabe relembrar aqui que, de acordo com Fitzpatrick44, ser cuidador de outrem pode constituir uma barreira ao acesso a cuidados de saúde pelo que esta variável deve ser tomada em consideração quando realizada a comparação do acesso potencial à consulta de MI do grupo I (HD) com o grupo II (HSJ).

Embora a proporção de elementos que não detêm qualquer grau académico seja semelhante nos dois grupos em estudo, os elementos pertencentes ao grupo II (HSJ) localizam-se em maior proporção nos níveis superiores de escolaridade: ciclo Preparatório ( ano), antigo ano/9ºano, antigo ano/12ºano e curso superior. Perante esta análise cabe relembrar que o nível de escolaridade está relacionado com o maior conhecimento da disponibilidade de serviços de saúde, assim como dos benefícios associados à sua utilização, tal como Aguilar et al.43 defende, e que por isso é um determinante bem estabelecido da procura de cuidados de saúde tal como é referido por Ensor e Cooper45.

Mais uma vez se considera que a diferença encontrada poderá ter sofrido influência das discrepâncias da idade entre os dois grupos.

Tendo em conta que o grupo I (HD) supera o grupo II (HSJ) também no tocante ao número de desempregados, parece haver uma maior proporção de pessoas activas no grupo do HSJ. Tal facto, mais uma vez, não é de estranhar uma vez que a população do grupo I (HD) é mais envelhecida.

De acordo com o previamente estabelecido, considera-se que a grande maioria da população reside em área urbana, descartando-se por isso os efeitos detectados por Rosenbach e Dayhoff46 no que diz respeito à influência da zona de residência no acesso a serviços de saúde.

Tendo em conta o que é defendido por Oliveira, Travassos e Carvalho47, perante a análise da variável distância e da sua repercussão em tempo de viagem do domicílio ao HSJ pode dizer-se que os elementos do grupo I (HD) se encontram até privilegiados em relação aos utentes do grupo II (HSJ).

Analisando a percepção dos respondentes acerca da maior ou menor facilidade em chegar ao HSJ, parece verificar-se que os elementos do grupo I (HD) percepcionam a acessibilidade física ao HSJ como mais difícil que os elementos do grupo II (HSJ). Tal facto não deixa de ser interessante uma vez que, tal como se observou anteriormente, o grupo I (HD) encontra-se a residir a uma distância ao HSJ inferior ao grupo II (HSJ), sendo obrigado a despender menos tempo na viagem. Ressalva-se no entanto que, quando se fala do grupo I (HD), é referida uma população envelhecida com as limitações na mobilidade que lhe são próprias, daí que a percepção sobre a acessibilidade possa diferir entre os grupos. No contexto desta variável parece oportuno relembrar que, de acordo com o que é defendido por Shavers et al.48 a percepção de um elevado nível de dificuldades em aceder aos cuidados de saúde está associada a uma menor probabilidade de receber cuidados de saúde e a uma maior demora no início do processo de procura de cuidados quando é percepcionada a sua necessidade, bem como a uma menor probabilidade de usufruir da sua continuidade após dar entrada no serviço de saúde.

Em conclusão pode dizer-se que existem importantes diferenças a nível do potencial de acesso entre o grupo I (HD) e o grupo II (HSJ) nomeadamente no que diz respeito à idade, às expectativas antes da última consulta, ao estado civil, ao número de crianças residentes na mesma casa do respondente, à escolaridade, à percepção sobre acessibilidade física ao HSJ, à distância e tempo de viagem do domicílio ao HSJ e à situação profissional. Cabe ressaltar que estas diferenças poderão vir a repercutir-se em diferenças de acesso realizado à consulta externa de MI do HSJ.


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