O lugar da investigação participada de base comunitária na promoção da saúde
mental
Nota introdutória
A saúde é um dos mais importantes elementos de sucesso para o desenvolvimento
de uma comunidade. A promoção da saúde, vista como o processo de capacitar as
pessoas para aumentar e melhorar o controlo sobre a sua saúde1, é uma tarefa
árdua que exige o envolvimento de toda a comunidade. É com as pessoas, nos seus
contextos de vida, que devemos investir no processo de construir saúde2.
As políticas de saúde mental e sua dimensão económica ' o capital mental ' são
uma parte importante da política social e da sociedade de bem-estar. O capital
mental é uma condição prévia para qualquer política de inovação e de
desenvolvimento da produtividade de uma comunidade.
A promoção de saúde mental é, por isso, uma responsabilidade de toda a
sociedade: no comércio e na indústria, no planeamento local, na educação, na
cultura, na segurança nacional e em tantos outros aspetos da sociedade,
promovendo a participação efetiva de todos os cidadãos. A responsabilidade
final na organização de serviços e outras atividades no campo da saúde mental
pertence ao governo do país, da região, ou da comunidade local. Reconhecendo o
conceito e os determinantes de saúde mental, cada país, região e comunidade
local devem ter uma política de saúde mental abrangente em que os objetivos, as
estratégias, as ações necessárias e os intervenientes responsáveis são
indicados. Um programa de promoção da saúde mental deve ajudar cada pessoa a
sentir-se bem consigo próprio e com os outros, e a desenvolver um sentido de
responsabilidade em função do seu próprio bem-estar e do bem-estar dos outros.
Cada membro de uma comunidade fica desta forma melhor preparado para pensar por
si próprio, tomar conscientemente e realisticamente as suas decisões,
adaptando-se às contrariedades da vida, integrando-se e interagindo
socialmente.
A prevalência anual de 22,9% para o total do sofrimento mental e a prevalência
ao longo da vida que atinge os 42,7%3 é preocupante se refletirmos no difícil
momento que atravessamos de dificuldades económicas e financeiras.
Por outro lado, o constante crescimento da população em espaço urbano e o
reconhecimento da importância da saúde mental na organização e funcionamento
das nossas sociedades, tem levado variadas organizações governamentais e não-
governamentais, especialmente nas duas últimas décadas, a lançarem vários
desafios no contexto da promoção da saúde4,5.
Baseado nos trabalhos de Green e Kreuter6,7 e de Minkler e Wallerstein8,
trabalhou-se num estudo de caso, numa comunidade urbana da área metropolitana
de Lisboa, para compreender o sentido e a força da relação entre variáveis que
caraterizam a organização estrutural do espaço urbano, de um lado, e os níveis
de saúde mental da comunidade urbana por outro, fundamentando o desenho
participado de um Plano Local de Promoção da Saúde Mental (PLPSM), recorrendo a
uma metodologia de Investigação Participada de Base Comunitária (IPBC).
Foram tomadas em consideração as competências em promoção da saúde
desenvolvidas por Dempsey et al.9, baseadas nos conceitos e nos princípios
fundamentais da promoção da saúde lançados na Carta de Otava e nas sucessivas
cartas e declarações da Organização Mundial de Saúde (OMS)10,11,12,13,14,15
sobre a promoção da saúde. A saúde é conceptualizada como um recurso para a
vida quotidiana, enfatizando recursos sociais, pessoais e capacidades físicas.
A promoção da saúde é vista não apenas como uma responsabilidade do setor
saúde, mas também como a garantia do desenvolvimento de estilos de vida
saudáveis e de condições de vida dignas, que promovam o bem-estar sendo um
processo social e político abrangente que não abarca apenas a ação dirigida a
fortalecer as capacidades e as competências dos indivíduos, mas também a ação
dirigida à mudança das condições sociais, ambientais e económicas. As
atividades de promoção da saúde incluem os programas, as políticas e outras
intervenções organizadas que sejam capacitadoras dos indivíduos e das
comunidades, numa estratégia participativa, holística, intersetorial,
equitativa e sustentável. No contexto da promoção da saúde mental em espaço
urbano propõe-se um olhar particular à reflexão efetuada por Barry e Jenkins16.
Estas competências devem ser colocadas ao serviço das comunidades (pessoas,
organizações governamentais e não-governamentais) no desenvolvimento de
políticas de saúde mental, baseadas em indicadores estruturais de cada
realidade e do contexto do espaço urbano onde se pretenda intervir.
Investigação participada de base comunitária: uma construção partilhada
A metodologia selecionada centrou-se nos princípios da IPBC17,18. Com recurso a
uma metodologia de estudo de caso, analisaram-se dezenas de documentos de
referência local e registos em arquivo e procedeu-se a uma observação direta e
a uma observação participante da comunidade em estudo.
Recorrendo a uma amostragem em bola de neve, estratificada por área de
residência, foram selecionados 697 habitantes de uma cidade da área
metropolitana de Lisboa. Estes habitantes foram entrevistados por 42
entrevistadores previamente formados, assim como foram enviados questionários
on-line dirigidos aos professores (196) e aos Técnicos Superiores de Serviço
Social (12) em exercício na cidade em estudo, para a caraterização
sociodemográfica e para avaliação de indicadores de saúde, de indicadores
relacionados com a saúde e de indicadores estruturais de saúde mental.
Com este desenho foi estruturada uma investigação que tem como entidade final a
sua entidade inicial ' a comunidade ' num ciclo contínuo e virtuoso. O acesso
do investigador/promotor de saúde à comunidade fez-se através do Núcleo
Executivo da Comissão Social de Freguesia (NECSFA) onde se identificaram apoios
locais transversais à comunidade, com os seus líderes e representantes e onde
se estabeleceram as parcerias necessárias à prossecução do estudo.
A seleção dos instrumentos, subsidiada numa pesquisa bibliográfica realizada
por uma equipa de investigadores europeus que definiu 31 indicadores
estruturais de saúde mental19, foi igualmente discutida e aferida com o NECSFA.
Num processo de reflexão contínua e de constantes efeitos de influência entre
os diferentes passos delineados para a intervenção, procedeu-se ao cumprimento
dos primeiros 3 passos da IPBC: 1) avaliação social, 2) avaliação
epidemiológica e 3) avaliação educativa e ecológica. Numa segunda frente,
procedeu-se a uma identificação de grupos de referência (clusters) para a
recolha de dados. Se para os clusters Professores e Técnicos Superiores de
Serviço Social (TSSS) a recolha de informação relativa aos indicadores
estruturais de saúde mental foi facilmente cumprida pelo lançamento de 2
questionários on-line, para chegar à população o processo tornou-se mais
complexo. Procedeu-se a uma seleção de voluntários, partindo da Comissão Social
de Freguesia (CSFA) e organizou-se e implementou-se formação e documentos
orientadores para a recolha de dados por entrevista (Figura_1).
Foi da junção destas componentes, associadas a uma observação in loco
(presencialmente durante 3 dias e recorrendo às novas tecnologias, em
particular o ©Google Earth), que se delineou uma intervenção que foi discutida
em CSFA através de uma metodologia de focus group. Da discussão e análise
retirada desta reflexão, em que se recorreu a uma metodologia thinking aloud,
foi construído o Plano Local de Promoção da Saúde Mental (PLPSM), pertença da
comunidade, que participou em todos os momentos no processo de IPBC.
O modelo PRECEDER/PROCEDER e a investigação participada de base comunitária
A IPBC é uma metodologia de investigação interdisciplinar que envolve
investigadores do mundo académico e elementos de uma comunidade específica num
trabalho de parceria20 no desenvolvimento, implementação e divulgação de uma
investigação que seja relevante para essa mesma comunidade21 (Figura_2).
Assim enquadrado, o estudo fez recurso a medidas estatísticas descritivas e
inferenciais, sem prejuízo de um importante contexto exploratório e da
participação comunitária no seu desenvolvimento. A proposta pretendeu aproximar
o estudo, que se pretende científica e academicamente relevante, da realidade
de uma comunidade, com as suas características sociais e culturais específicas
e as suas necessidades, conferindo-lhe também uma relevância política.
Introduz-se, assim, uma componente de investigação de translação22, importante
para o sucesso das intervenções baseadas na evidência científica.
O modelo PRECEDER/PROCEDER é um modelo de planeamento que apoia o
desenvolvimento participado de programas de promoção da saúde. O seu princípio
fundamental é o de que a mudança de comportamentos em saúde mais duradoura e
com um melhor custo-efetividade é de natureza voluntária, envolvendo ativamente
os indivíduos e as comunidades no processo de mudança. No modelo que se baseia
no conceito de capacitação lançado pela Carta de Otava, é imprescindível que
haja participação do(s) indivíduo(s) (capacitação individual) e da comunidade
(capacitação comunitária) no processo. Este princípio é refletido num
planeamento sistemático, participado e sistémico, em que a compreensão,
motivação, competências e recursos (individuais e comunitários)23 habilitam
para uma participação efetiva nos assuntos da comunidade, numa perspetiva de
melhoria da sua qualidade de vida.
Existe evidência de que a mudança de comportamento é mais provável e duradoura
(efetiva e sustentada) quando as pessoas têm uma participação ativa nas
decisões sobre o assunto. Em complemento, as pessoas fazem escolhas saudáveis
mais facilmente quanto existem políticas e ambientes que facilitam esse
comportamento. Aqui reside a importância do envolvimento, desde o minuto
inicial do planeamento, à implementação do plano, monitorização e avaliação do
impacto em saúde das intervenções delineadas, das autoridades locais e
governamentais (autarquias, administrações regionais, agrupamentos de centros
de saúde (ACES), agrupamentos de escolas, forças de segurança) e também de
estruturas não-governamentais (associações locais e regionais, Instituições
Particulares de Solidariedade Social), bem como um envolvimento efetivo dos
elementos da comunidade local.
A Figura_3 representa o enquadramento do estudo no modelo PRECEDER/PROCEDER. O
estudo aqui exposto apenas abrange as 4 primeiras fases do processo: 1)
avaliação social, 2) avaliação epidemiológica, 3) avaliação educativa e
ecológica e 4) delineamento da intervenção ' (com contorno a cheio); propondo a
intervenção necessária às restantes 3 fases: 5) implementação, 6) avaliação do
processo, 7) impacto e avaliação dos resultados ' com contorno a tracejado.
Procedimentos participados: a comunidade no centro da intervenção
A metodologia utilizada exigiu um trabalho de construção e partilha permanente
com uma larga variedade de estruturas locais, governamentais e não-
governamentais. O estudo foi planeado entre julho de 2006 e dezembro de 2007
com o objetivo de avançar para um trabalho de campo em 2008. Reconhecendo que
em qualquer IPBC há que contar com um período de negociação longo e cheio de
avanços e recuos, quando, em 2009, as condições para o desenvolvimento do
trabalho estavam construídas, as eleições autárquicas que decorreram nesse ano
(2009) obrigaram a um período de espera. Foi manifestado interesse pelo
projeto, mas o momento político não era o adequado considerando a possibilidade
de mudança nas estruturas de gestão autárquica.
No final de 2009, ultrapassados os contratempos, reiniciaram-se os contactos.
Um pedido de ajuda de uma autarquia local (freguesia urbana da área geográfica
onde se tinham iniciado os contactos) para o desenvolvimento de um PLPSM veio
dar forma ao arranque efetivo do estudo. O desenho inicialmente proposto foi
discutido e negociado, tendo sido revisto e adaptado.
Estava identificada a porta de entrada e construídas as condições essenciais
para o avanço do processo. O início da fase deste planeamento participado
iniciou-se pela avaliação social, em que se identificaram os determinantes
sociais que influenciam a saúde mental e as prioridades dos indivíduos e da
população urbana em estudo (o desemprego, os estilos de vida, o sentimento de
segurança, a urbanização, a coesão social, a qualidade de vida, entre outros).
A Rede Social desempenhou uma importante função. Baseado neste pressuposto, o
centro da intervenção foi o NECSFA. Este diagnóstico local implicou, para
cumprimento dos seus objetivos no âmbito de um planeamento em promoção da saúde
mental, a aplicação de várias premissas descritas na Tabela_1.
No respeito por estas premissas, o diagnóstico social foi baseado: 1) na
participação dos profissionais envolvidos e da comunidade; 2) na manutenção do
foco na finalidade; 3) na preocupação com as interligações; 4) na identificação
de temas relacionados com a teoria e com a investigação; 5) na promoção da
confiança; 6) na focalização nos indicadores sociais, económicos e educativos.
Seleção e operacionalização das variáveis: um processo participado
Ainda numa fase de diagnóstico interessou, igualmente, proceder a uma avaliação
epidemiológica, em que se determinaram os problemas de saúde e seus
determinantes (a morbilidade, os fatores de risco e os fatores protetores).
Esta visão inicial do diagnóstico social e epidemiológico foi reforçada com uma
avaliação dos ambientes e dos contextos e a sua relação com os comportamentos,
que procurou identificar as práticas de saúde relacionadas com os problemas de
saúde ' aquilo a que Lawrence Green denomina de indicadores vitais (as ações
preventivas, a utilização e o acesso aos serviços de saúde, o autocuidado, os
estilos de vida, os aspetos económicos e familiares, as condições de habitação,
o mercado de trabalho, o espaço urbano e o ambiente escolar e laboral). Este
diagnóstico comportamental apontou a três frentes: o individual (alimentação,
atividade física, amamentação, consumo de medicamentos, participação social,
vida profissional); o organizacional (formas de interação entre os
profissionais e setores que influenciam a saúde dos outros no seio do ambiente
circundante com especial relevo para a estrutura física, o ambiente escolar e o
trabalho social desenvolvido na comunidade em estudo); e o político (ações que
podem influenciar o ambiente físico, social ou político: planeamento urbano,
incluindo espaços verdes, criação de ambientes seguros e agradáveis e promoção
da saúde nos locais de trabalho e em meio escolar).
Desta forma, o estudo incorporou variáveis relativas à caracterização do espaço
urbano, recorrendo ao trabalho desenvolvido por Ozamiz et al. ' o Questionário
de Indicadores Estruturais de Saúde Mental (MMHE-31). Alguns dos dados
relativos aos indicadores considerados no MMHE-31 foram recolhidos através dos
2 questionários aplicados através de um preenchimento on-line e dirigidos aos
clusters Professores e Técnicos Superiores de Serviço Social. Os restantes
dados foram recolhidos utilizando materiais do Instituto Nacional de
Estatística (INE), da Câmara Municipal e dos Agrupamentos de Centros de Saúde
(ACES) locais e das estruturas escolares em funcionamento na cidade em estudo.
Para a recolha de dados à população através de entrevista foi desenhada a
seguinte estrutura:
Uma tabela relativa a variáveis de natureza sociodemográfica que inclui a
zona urbana onde vive e o índice socioeconómico24;
Uma tabela afeta ao suporte social, utilizando para o efeito a Oslo Social
Support Scale25 - OSS 3, traduzida e validada para a população portuguesa no
âmbito deste estudo;
Um conjunto relativo a medidas de saúde mental incluindo o Inventário de
Saúde Mental de 5 itens - MHI 526, o Questionário de Sentido de Coerência27, a
energia e vitalidade (SF 36)28 e o consumo de álcool (AUDIT-5)29;
Um conjunto relativo a comportamentos incluindo hábitos alimentares,
atividade física, consumo de álcool, problemas de saúde (doenças crónicas),
consumo de medicamentos e participação social (recorrendo a questões utilizadas
no Inquérito Nacional de Saúde 2005/200630);
Um conjunto dirigido a pais há menos de 10 anos (MMHE-31);
Um conjunto dirigido à população ativa (MMHE-31);
Um conjunto dirigido à população sénior ' maior de 65 anos (MMHE-31).
Neste processo de trabalho participado com a comunidade, a seleção dos
indicadores e a operacionalização das variáveis a considerar para o estudo
foram discutidas e construídas com o NECSFA. A necessidade de instrumentos
simples e de reduzida dimensão foi um importante aspeto discutido com a
comunidade envolvida na IPBC. Procurava-se um instrumento de colheita de dados
suficientemente abrangente para responder às necessidades do estudo, enquadrado
numa dimensão dos indicadores estruturais de saúde mental31, mas que,
simultaneamente, não pusesse em causa o trabalho de campo dos entrevistadores
pela sua exagerada dimensão. Neste sentido, alguns instrumentos inicialmente
propostos, decorrentes da pesquisa bibliográfica efetuada, foram retirados ou
substituídos em consequência do debate efetuado com o NECSFA e a CSFA (por
exemplo a substituição do instrumento usado na avaliação do suporte social).
Outros foram incluídos a pedido das estruturas locais parceiras da IPBC (caso
das questões relativas aos alimentos ingeridos no dia anterior à entrevista, às
doenças crónicas e ao consumo de álcool).
A construção do plano local de promoção de saúde mental
Analisar e interpretar os dados numa IPBC é um trabalho de colaboração onde
académicos e comunidade se envolvem na construção de uma metodologia de
coaprendizagem32 que permita a discussão e interpretação dos dados e dos
resultados identificados, assim como a identificação das prioridades e das
estratégias de intervenção.
A IPBC não difere de outras formas de investigação, utilizando uma vasta
variedade de abordagens quantitativas e qualitativas como já observado. A
diferença reside na atitude dos investigadores que determinam como, por quem e
para quem a investigação é conceptualizada e conduzida, e a correspondente
distribuição de poder aos seus diversos intervenientes em cada fase do processo
de investigação33.
A 7 de janeiro de 2010 iniciou-se o trajeto que agora reproduzimos na
construção do PLPSM. Um trabalho preparatório que se prolongou por um ano até
serem criadas as condições para a recolha de dados e a resposta ao desiderato
proposto e por mais outro ano para se atingir uma situação de avaliação
política.
Foi utilizado o instrumento designado por protocolo para a investigação baseada
na comunidade34 para fundamentar e refletir o desenrolar do processo. Segundo
os seus autores, este protocolo é um ponto de partida para um diálogo mais
alargado acerca da natureza da investigação académica. Na essência procura-se
perceber a relevância da investigação académica para as necessidades
específicas de saúde de uma determinada comunidade. Por outras palavras, o
protocolo procura apoiar a adequação das metodologias de investigação às
necessidades de uma determinada população com a sua história, os seus recursos
e as suas características específicas, envolvendo-a nos diferentes passos do
processo. De uma forma muito simples, o protocolo está desenvolvido como uma
série de questões à volta das quais investigadores e comunidade devem centrar o
seu diálogo. Cada uma destas questões tem pelo menos duas abordagens possíveis
e distintas: a abordagem do ponto de vista do investigador e a abordagem do
ponto de vista da comunidade. No caso de desenvolvimento deste PLPSM, a
satisfação das questões do protocolo para a investigação baseada na comunidade
foi efetuada pelo investigador/promotor de saúde em colaboração contínua e
síncrona com as estruturas de gestão da junta de freguesia local e com o
NECSFA.
O desenho do PLPSM propriamente dito pode ser descrito com recurso a 19
momentos decorridos entre janeiro de 2010 e março de 2012 (Tabela_2).
Num primeiro momento, identificada a porta de entrada na comunidade, foi
analisada a metodologia a desenvolver e os instrumentos mais adequados aos
propósitos do estudo. Em 5 reuniões de trabalho, decorridas entre maio e
outubro de 2010 (6 meses) trabalharam-se os objetivos da investigação, os
métodos a utilizar, as populações e amostras (incluído as técnicas de
amostragem a utilizar), as variáveis mais ajustadas e a sua respetiva
operacionalização.
Num segundo momento investiu-se fundamentalmente sobre a recolha de dados.
Entre outubro de 2010 e fevereiro de 2011 (4 meses), operacionalizou-se a
recolha de dados com recursos a uma avaliação e adequação crítica do
instrumento, construído no primeiro momento, a formação dos entrevistadores,
com recursos à participação ativa de estruturas governamentais e não-
governamentais da comunidade em estudo e a recolha de dados propriamente dita
pelos entrevistadores formados com recursos a um formulário administrado por
entrevista. De um período inicial previsto de 4 semanas para o trabalho de
campo, houve necessidade de se proceder a um alargamento para 6 semanas,
fundamentalmente pelo cariz do trabalho voluntário dos 42 entrevistadores
envolvidos no processo. Em paralelo, recolheram-se os dados relativos aos
clusters Professores e TSSS, com recurso aos 2 questionários disponibilizados
on-line.
Seguiu-se um terceiro momento, entre março e novembro de 2011 (9 meses), em que
o trabalho se centrou fundamentalmente no investigador/promotor de saúde, para
a análise e interpretação dos dados. Neste processo foram analisados os dados
recolhidos através dos 3 instrumentos construídos na IPBC, mas também os dados
recolhidos com recursos a variadas fontes, com particular destaque para a
informação disponibilizada nos relatórios do INE, nos arquivos da junta de
freguesia e câmara municipal locais e em documentos com fonte no Ministério da
Educação. Para não afastar a análise e interpretação dos resultados da
comunidade, realizou-se uma apresentação dos dados preliminares durante o
período atrás citado no plenário da CSFA, onde as dezenas de indivíduos
presentes questionaram, criticaram e propuseram outras interpretações em
relação aos resultados apresentados.
Analisados milhares de dados e centenas de documentos, num trabalho de
permanente contato com o NECSFA (recorrendo frequentemente a meios de
comunicação à distância, com particular relevância para o correio eletrónico)
entrávamos no quarto momento, o desenho do PLPSM. Em duas reuniões, decorridas
em janeiro e fevereiro de 2012, definiram-se os eixos de intervenção
considerados prioritários, os objetivos e as ações a desenvolver e os ganhos
esperados com cada iniciativa. A avaliação política aconteceu em 27 de março de
2012 com a apresentação e aprovação por unanimidade pelo plenário da CSFA, após
um trabalho partilhado de 2 meses com o NECSFA.
Não foi possível aprofundar o envolvimento do ACES local, importante recurso
para a intervenção em promoção da saúde na comunidade. Em contrapartida, outras
estruturas não-governamentais da comunidade solicitaram um maior envolvimento
no processo do que aquele que tinha sido previamente previsto na
operacionalização metodológica desenhada com o NECSFA. Exemplificando,
destacamos a Universidade Sénior, que para além de um envolvimento
profundamente pró-ativo no desenvolvimento do PLPSM solicitou algumas
intervenções paralelas, onde destacamos a abordagem do processo nas quartas-
feiras culturais promovidas pela organização.
Foi também este intenso envolvimento da comunidade que permitiu a elaboração do
logótipo e a definição da denominação do PLPSM.
Desenvolvimento do plano local de promoção da saúde mental: o produto
O PLPSM tem por objetivo reforçar os fatores de proteção da saúde mental e dar
respostas locais, que a promovam, previnam e proporcionem recursos para gestão
de doença mental quando existente. O PLPSM reconhece a importância da promoção
da saúde mental para os indivíduos e para a comunidade no seu todo e incluiu no
seu desenvolvimento:
Revisão da literatura, envolvendo também a experiência adquirida em projetos
de âmbito europeu de promoção da saúde mental ("Monitoring positive
mental health" e "Monitoring Mental Health Environments");
Análise das políticas europeias35, nacionais (Plano Nacional de Saúde Mental
2007-2016) e locais (em particular no trabalho desenvolvido no âmbito do
movimento Cidades Saudáveis pela câmara municipal), com um mapeamento das
atuais estratégias políticas (policies) que promovem a saúde mental;
Identificação da informação relacionada com a saúde mental a nível local;
Envolvimento das diferentes estruturas comunitárias governamentais e não-
governamentais da freguesia;
Realização de atividades de formação a elementos da comunidade;
Elaboração de um documento final para apreciação pelo NECSFA.
O feedback do NECSFA, da junta de freguesia e dos parceiros envolvidos no
desenvolvimento deste PLPSM foi integrado no processo de construção e é
esperado que o desenvolvimento e a implementação sejam baseados na continuidade
desta colaboração. Interessa ainda que o próximo passo no desenvolvimento do
PLPSM envolva também os membros da comunidade com problemas de saúde mental,
seus cuidadores e um maior número de prestadores de serviço locais.
Pressupostos e valores do plano local de promoção da saúde mental
A saúde mental é vivida de diferente forma, pelos diferentes grupos de uma
população, em diferentes fases da vida (num continuum ao longo do ciclo vital).
Os membros da comunidade movem-se entre boa saúde mental e má saúde mental,
também em consequência de fatores relacionados com a saúde, que ultrapassam
largamente aquilo que comummente se considera saúde (numa visão muito
limitadora centrada nos serviços de saúde). Reconhecendo este continuum e os
fatores que causam impacto na saúde mental, o PLPSM fundamenta-se nos seguintes
pressupostos:
Pressuposto 1: definição de saúde mental
A saúde mental traduz a vida social, emocional e o bem-estar espiritual na sua
relação com a saúde em geral e com os estilos de vida adotados no quotidiano
por cada indivíduo. A saúde mental proporciona aos indivíduos a vitalidade
necessária para uma vida ativa, atingir metas e interagir uns com os outros num
contexto de cidadania responsável e participada.
Pressuposto 2: transversalidade da saúde mental
Ao estabelecer um quadro estratégico em promoção da saúde mental para a
comunidade o documento "Building up good mental health" fornece uma
base útil para a compreensão da transversalidade da intervenção em promoção da
saúde mental. Este documento orientador identifica a inclusão social, o combate
à discriminação e à violência e o acesso a recursos económicos como os
determinantes sociais e económicos da saúde mental e base para a intervenção.
Pressuposto 3: um plano centrado na comunidade
Decorre dos 2 primeiros pressupostos que o papel das estruturas locais na
promoção da saúde mental deve incidir no desenvolvimento da capacidade de
indivíduos, comunidades e organizações (capacity building) para: 1) participar
na mudança de ambientes sociais, económicos e físicos (urbanos) para melhorar a
saúde e o bem-estar; 2) apoiar o fortalecimento das competências e das aptidões
dos indivíduos para alcançar e manter uma boa saúde mental.
Pressuposto 4: priorização de intervenções
É prioritário o desenvolvimento do acesso a serviços universais para todos os
membros da comunidade (combate às desigualdades em saúde), facilitando
parcerias com agências locais que forneçam reabilitação e serviços clínicos e
de advocacia para apoiar uma boa saúde mental. Investe-se também na
universalização dos serviços de saúde mental e bem-estar de apoio à comunidade,
melhorando as condições sociais, os ambientes físicos e económicos que afetam a
saúde mental das populações e dos indivíduos. Esta abordagem é coerente com o
atual Plano Nacional de Saúde Mental (2007-2016)36. Uma compreensão da saúde
mental da população permite identificar as necessidades de saúde mental para a
toda a comunidade e as diferentes experiências dos seus membros.
Pressuposto 5: saúde como bem de mérito
Como resultado, o foco do PLPSM será na prevenção e intervenção precoce de
forma a aumentar os fatores de proteção que mantem uma boa saúde mental na
comunidade e restaurar a boa saúde mental nos estágios iniciais de surgimento
de doença mental. Para fazer isso, o NECSFA irá utilizar a sua capacidade de
intervir nos contextos sociais, estruturais, económicos e ambientais que afetam
a saúde mental promovendo a universalidade das intervenções, garantindo que os
programas e as atividades previstas são acessíveis a toda a comunidade e que
fortalecem a capacidade da população de diferentes faixas etárias para
desfrutar de uma boa saúde mental e de bem-estar.
O quadro estabelecido para o PLPSM será aplicável a partir de 2012 e os planos
de ação anuais serão desenvolvidos em colaboração com as agências locais e
elementos da comunidade, incluindo indivíduos e famílias confrontados com
problemas de saúde mental.
Ponto de partida: diagnóstico resumo
O ponto de partida para o desenho do PLPSM centrou-se no Modelo PRECEDER/
PROCEDER, nomeadamente nas suas 3 primeiras fases: 1) avaliação social, 2)
avaliação epidemiológica e 3) avaliação educativa e ecológica. Com os
resultados destas 3 avaliações foram elaboradas 2 tabelas com os valores
observados em 2011 em cada um dos indicadores previamente selecionados, tendo
sido refletidas as metas consideradas como resultado esperado do PLPSM. A
Tabela_3 refere-se aos indicadores estruturais de saúde mental e a Tabela_4 aos
indicadores relacionados com a saúde mental e ao Índice de Massa Corporal
(IMC).
Nas tabelas em apreço pode ainda ser identificada a fonte da informação.
Percebe-se, deste modo, a necessidade de recurso a fontes de informação muito
variadas o que vai ao encontro de um trabalho de construção e partilha com uma
larga variedade de estruturas locais, governamentais e não-governamentais,
procurando evidenciar resultados que sejam sentidos como significativos pela
comunidade, diversificando as fontes de informação.
Na Tabela_4 interessa realçar a inclusão do AUDIT e do IMC. Estes 2
indicadores, não previstos numa fase inicial da IPBC, acabaram por ser
incluídos pela manifestação da comunidade em conhecer a situação da população
em relação a estes 2 indicadores específicos. Enquanto o IMC foi proposto pelo
NECSFA, considerando os níveis de obesidade que têm sido identificados em
Portugal, em particular na população jovem37, a inclusão do AUDIT foi
especificamente solicitada pelos bombeiros voluntários locais, como necessidade
diagnóstica na execução do seu trabalho de voluntariado.
Eixos do plano local de promoção da saúde mental
Cumpridas as 3 primeiras fases do modelo PRECEDER/PROCEDER foi promovido o
delineamento da intervenção (4.ª fase). Este trabalho foi realizado numa íntima
parceria com o NECSFA e a junta de freguesia e considerou 5 passos
fundamentais:
Análise dos dados da avaliação social, da avaliação epidemiológica e da
avaliação educativa e ecológica;
Identificação dos resultados esperados mais significativos para a comunidade;
Identificação dos eixos prioritários de intervenção do PLPSM;
Definição dos objetivos a atingir;
Delineamento das ações, integrando as individualidades e estruturas
comunitárias a envolver e os recursos necessários.
Neste processo de construção do PLPSM foram envolvidas as seguintes entidades:
Junta de freguesia;
Câmara municipal;
Cooperativa Nacional de Apoio ao Deficiente;
Instituto da Segurança Social pelo Centro de Assistência Paroquial de Amora;
Centro de saúde;
Representante de educação.
O trabalho deste grupo de entidades e personalidades definiu 6 eixos
prioritários para uma intervenção com um espetro temporal de 2012-2015:
Eixo 1) Uma escola com saúde mental;
Eixo 2) Uma comunidade ativa e segura;
Eixo 3) Uma comunidade solidária e inclusiva;
Eixo 4) Uma comunidade atenta;
Eixo 5) Uma organização económico-laboral promotora de saúde mental;
Eixo 6) Uma senioridade mentalmente saudável.
Optou-se por uma definição de ações exequíveis que facilmente se pudessem
ancorar ao trabalho já desenvolvido na comunidade e que proporcionassem
melhores resultados com um mínimo investimento, para além daquele que já vem
sendo efetuado pelas estruturas governamentais e não-governamentais da cidade e
do seu município, nomeadamente as atividades no âmbito das Cidades Saudáveis.
O desenvolvimento destes eixos seguiu as estratégias definidas pela OMS38 para
o desenvolvimento de políticas, planos e programas em promoção da saúde mental.
Cada eixo, anteriormente definido considerando os resultados da IPBC, foi
organizado por:
Objetivos, considerando em cada objetivo as ações centrais a desenvolver;
Outputs e os outcomes para cada objetivo identificado;
Tarefas-chave para cada objetivo identificado;
Responsáveis por cada tarefa;
Relação com outras estratégias locais;
Recursos necessários;
Limite temporal para a execução de cada tarefa.
O PLPSM subentende ainda a necessidade de uma avaliação intercalar anual, com
vista à identificação de desvios e à reorientação das ações.
Conclusão: uma perspetiva de saúde pública
Com a realização do presente estudo foi possível desenvolver um plano local de
promoção da saúde mental com recurso a uma investigação participada de base
comunitária, campo fundamental para a intervenção em saúde pública. Assumiu-se
que a investigação em saúde mental é multidisciplinar e que exige uma vasta
compreensão dos diferentes determinantes sociais, psicológicos e físicos que
regulam a vida cognitiva, afetiva e comportamental de cada indivíduo e do seu
espaço numa comunidade. A construção da saúde mental é pensada no contexto das
mudanças sociais, políticas, económicas, científicas e tecnológicas que
desafiam constantemente as comunidades, assumindo a urbanização como a mudança
demográfica mais importante das últimas décadas com um impacto decisivo sobre a
saúde pública.
Os resultados obtidos reforçam a necessidade do desenvolvimento de competências
e estruturas que apoiem o desenho de plano locais de promoção da saúde mental
envolvendo ativamente estruturas comunitárias e população no processo. Vários
esforços têm sido feitos com o objetivo de promover de forma efetiva uma saúde
mental comunitária, nomeadamente ao nível do Ministério da Saúde (Plano
Nacional de Saúde Mental 2007-2016).Com a experiência deste PLPSM, tornou-se
evidente a importância da participação comunitária como um elemento central de
sucesso e de potenciais ganhos em saúde.
As conclusões alertam ainda para que a atuação em saúde pública deve contar com
a intervenção das autarquias e unidades de saúde locais no desenvolvimento de
planos locais de promoção da saúde mental recorrendo:
Às competências existentes e a desenvolver em promoção da saúde e de recursos
de suporte a nível das estruturas autárquicas e das organizações não-
governamentais de base local;
À avaliação dos ganhos em saúde da promoção da saúde mental com recurso a
estratégias de participação comunitária, refletidos numa melhoria do nível de
saúde mental da(s) comunidade(s), promovendo o desenvolvimento da avaliação do
impacto em saúde do crescimento e organização dos espaços urbanos;
As estratégias de gestão relacional no dia a dia das atividades municipais,
promovendo respostas participativas da comunidade aos problemas. Para o efeito
será necessário ousar atribuir o poder às comunidades locais, primeiras
conhecedoras das suas necessidades e dos recursos possíveis no seu espaço de
intervenção e cumprir o proposto na Constituição da República Portuguesa no que
à descentralização diz respeito;
À inclusão, nos indicadores de saúde comunitários, de indicadores estruturais
de saúde mental que fundamentem a promoção de um paradigma salutogénico nas
estruturas de cuidados de saúde primários do Serviço Nacional de Saúde;
À aposta na investigação participada de base comunitária para identificação
de respostas para as necessidades de saúde das comunidades, integrando o modelo
na formação de profissionais envolvidos em promoção da saúde mental (saúde,
serviço social, educação, entre outros).
A IPBC permite, com custos relativamente reduzidos, e recorrendo a estruturas
governamentais e não-governamentais já existentes, a organização de respostas a
problemas locais, com o envolvimento da comunidade local e ganhos em saúde
sentidos como necessários pela própria comunidade. Considerando as profundas
alterações em curso na organização social e económica das nossas comunidades,
torna-se emergente uma ação política que possibilite o desenvolvimento de
intervenções participadas em promoção da saúde, pugnando por mais saúde, para o
maior número de pessoas, pelo mais baixo custo, descentralizando as
intervenções, até agora assumidas pelo Ministério da Saúde, para os serviços
locais de saúde, as autarquias, associações e comunidades, capacitando os
cidadãos e as comunidades lusas.