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EuPTCVHe0870-90252014000100003

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Evolução da prevenção e combate à obesidade de crianças e jovens em Portugal ao nível do planeamento estratégico

Introdução A obesidade é um grave problema de saúde nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1997, como epidemia de escala global e um dos maiores desafios da saúde pública do início do século XXI1. Desde então que se assiste à mobilização crescente de recursos e esforços de responsáveis políticos, autoridades e profissionais de saúde e educação, sociedade civil e comunidade científica, para conhecê-lo e enfrentá-lo melhor.

Em Portugal, estudos de diversos especialistas e os resultados do 4.º Inquérito Nacional de Saúde (2005/2006)2 confirmam o crescimento da obesidade entre adultos3, enquanto outros indicadores apontam para uma das mais elevadas taxas de prevalência entre crianças e jovens ao nível da Europa4.

É largamente aceite que a obesidade é originada pelo desequilíbrio energético resultante de um aporte muito superior às necessidades orgânicas, num período de tempo prolongado5. Este balanço energético positivo tem múltiplas causas que interagem e se potenciam: os fatores internos, como genética ou fisiologia, e os externos, ligados à inter-relação do indivíduo com a sociedade.

Os fatores externos são considerados determinantes no aumento da incidência e prevalência da obesidade6. Entre estes, destacam-se as mudanças dos estilos de vida, tais como alterações do padrão alimentar - maior consumo de hidratos de carbono e lípidos, redução do consumo de cálcio ou menor qualidade dos nutrientes - e aumento do sedentarismo5.

Além de doença crónica, a obesidade constitui fator de risco para outras patologias, tais como hipertensão, diabetes tipo 2, litíase vesicular, doenças cardiovasculares, certos tipos de cancro e problemas psicossociais, aumentando também o risco de dislipidemia, insulinorresistência, problemas respiratórios, osteoarticulares, hormonais, entre outros, contribuindo em larga escala para a diminuição da qualidade de vida de adultos, crianças e jovens7. Estes factos originam elevados custos diretos e indiretos com a saúde e consideráveis perdas económicas8,9.

Para crianças e jovens em particular, a obesidade não representa um risco acrescido no desenvolvimento cada vez mais precoce de doenças não transmissíveis, como se afigura precursora de obesidade na idade adulta, calculando-se que cerca de 60% das crianças que apresentam excesso de peso antes da puberdade poderão apresentar excesso de peso numa idade adulta jovem7.

A origem multifatorial da obesidade sugere que a prevenção se deve centrar nas escolhas e comportamentos individuais e também nos fatores sociais e ambientais que os influenciam, incidindo em vários níveis, do individual ao global, pela conjugação de estratégias provenientes de organizações internacionais com iniciativas locais ou comunitárias e nacionais10.

Defendida por vários especialistas e organizações, a prevenção centrada nas crianças e jovens justifica-se pela maior facilidade de intervenção junto destas faixas etárias, tanto em ambiente familiar como na escola e serviços de saúde, de modo a influenciar a sua alimentação e padrões de atividade e, por consequência, o seu desenvolvimento. Por outro lado, verifica-se uma maior dificuldade dos adultos em perder peso5.

Em 2002, a International Obesity Task Force alertava para o facto da obesidade se estar a tornar numa ameaça direta às crianças da Europa6. No ano seguinte, a FAO/OMS enfatizava a prevenção prioritária junto de crianças e jovens, apontando um conjunto de estratégias nesse sentido11.

Em 2006 teve lugar a conferência da OMS-Europa sobre a luta contra a obesidade, da qual resultou um compromisso político e uma proposta estratégica para prevenção, combate e tratamento da obesidade, com especial destaque para as crianças, vertidos na Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade12. A génese e conteúdo deste documento, que Portugal subscreveu, tornam-no num quadro de referência para os sistemas de saúde, orientador da política e intervenção sobre o problema.

Em Portugal, a Lei de Bases da Saúde13 determina que é ao Governo que compete formular a política de saúde (Base VI, Art.º 1.º), cabendo ao Ministério da Saúde, em coordenação com os ministérios que tutelam áreas conexas, propor a sua definição, promover e vigiar a respetiva implementação e execução (Base VI, Art.º 2.º).

A política de saúde, enquanto conjunto de valores, finalidades e preferências, num domínio de maior abrangência e de menor especificidade14, é clarificada no Programa de Governo15, sendo desdobradas, através do planeamento em saúde, em estratégias de saúde, as linhas de "atuação seletiva para alcançar, atingir as metas e os objetivos"16.

Com a elaboração da Estratégia de Saúde Para o Virar do Século (1998-2002)16, que denominaremos como Estratégia, o planeamento em saúde em Portugal assumiu um caráter de planeamento estratégico17, que se pode definir como o processo através do qual se estabelecem prioridades acordadas e uma orientação para o sector, dando-lhe uma direção e continuidade, e que tem em conta os limites definidos pelos recursos existentes e os contextos político, social, cultural, institucional, financeiro, económico e internacional em que ocorre18. Estes contextos estão interligados, influenciando-se mutuamente e reagindo às alterações que neles possam ocorrer.

Pelas implicações para indivíduos e comunidade, a elevada incidência e prevalência da obesidade em Portugal constitui um foco de interesse para quem estuda a evolução dos sistemas de saúde e as respostas que as autoridades têm vindo a preconizar. Assim, este artigo tem por objetivo fazer uma retrospetiva das políticas e principais estratégias de prevenção e combate à pré-obesidade e obesidade infantil e dos jovens implementadas ao abrigo da Estratégia e do Plano Nacional de Saúde 2004-201019,20, procurando compreender em que medida é que estas influenciam as opções inscritas na versão preliminar do PNS 2012- 2016.

Material e métodos A investigação assentou numa metodologia qualitativa, com a realização de um estudo de caso, procurando a compreensão de um fenómeno atual no seu contexto real21.

Focando-nos num fenómeno particular - a resposta preconizada pelas autoridades de saúde portuguesas à problemática da obesidade infantil e dos jovens - procurámos, pela descrição da sua evolução num determinado período de tempo, a sua compreensão global, recorrendo a pesquisa documental de fontes escritas oficiais, complementada com consulta a um conjunto de 10 informadores-chave.

O contributo destes informadores foi o de facilitar documentação, esclarecer dúvidas sobre os documentos estratégicos e sugerir outros informadores a contactar. A sua seleção foi orientada por técnicas de amostragem não probabilística: partindo de um grupo inicial de especialistas e responsáveis envolvidos no processo de planeamento, constituído de forma criteriosa e de conveniência, o conjunto de informadores foi expandido por bola de neve22.

A constituição do Corpus Documental para análise partiu da leitura geral dos documentos estratégicos e da consulta de sites e microsites oficiais - Governo, ACS, DGS, PNS 2011-2016 e Plataforma Contra a Obesidade - abarcando textos mencionados nestas fontes e sugestões dos informadores. A seleção final atendeu a critérios de exaustividade, homogeneidade e pertinência, sendo composta por meia centena de documentos, posteriormente analisados quanto à estrutura, semântica e conteúdos, de modo a obter uma visão ampla e sistematizada de cada um23.

Para análise semântica, foi construída uma grelha de análise com 3 categorias, definidas no processo de pré-análise, correspondentes ao problema e a 2 das suas principais causas - obesidade, alimentação e atividade física -, sendo- lhes agregado um conjunto de subcategorias com elas relacionadas.

A grelha de análise de estrutura, aplicada aos documentos mais relevantes e adaptada às suas características, incidiu na organização e conteúdos, em particular na identificação e caracterização da obesidade e obesidade infantil, propostas de estratégias, recomendações ou ações para lhe responder.

A aplicação destas grelhas teve ainda uma função exploratória, permitindo eliminar alguns textos inicialmente considerados.

Além de documentos em suporte papel e digital, o material utilizado na investigação compreendeu software para edição de texto e pesquisa e edição em ficheiros PDF (MSWord 2003 e Adobe Acrobat 7.0 Professional).

Resultados Saúde um Compromisso: A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998-2002) A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998-2002) é um dos resultados visíveis do conjunto de reformas que marcaram o ciclo político iniciado nas eleições legislativas de 1995. Estabelecendo como missão do sistema de saúde a obtenção de ganhos em saúde, a Estratégia propõe uma nova política para o sector e visa ser "um quadro de referência nacional a partir do qual é necessário estabelecer prioridades regionais e locais, de acordo com cada situação específica"16. Focada nos principais problemas de saúde da população, apresenta objetivos gerais, metas a 5 anos, horizontes qualitativos a 10 anos e orientações de ação para lhes responder.

Pese a sua abordagem inovadora, a Estratégia não recolheu consenso político necessário à sua prossecução24, tendo sido abandonada pouco tempo depois da apresentação pública do documento final. No entanto, continuou a servir como guia de atuação das autoridades regionais e serviços de saúde25.

Quando a Estratégia foi elaborada, a mudança nos padrões nutricionais e de atividade física da população era preocupação das autoridades de saúde26. No entanto, a obesidade não está quantificada nem considerada nos problemas prioritários da população: da análise à semântica e conteúdos do documento, conclui-se que existe apenas uma menção ao problema, relativa aos obesos enquanto grupo de risco da diabetes mellitus.

Considerando a perspetiva intersectorial da Estratégia, uma análise às suas 27 áreas de intervenção prioritária permite identificar, em 11 delas, horizontes, metas, objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e prevenir o problema junto de crianças e jovens, pois visam algumas causas da obesidade, como alimentação e atividade física, propondo melhoria na vigilância de saúde, reforço de conhecimentos dos indivíduos ou capacitação de professores, profissionais de saúde e respetivas equipas.

No relatório Ganhos de Saúde em Portugal, que reflete sobre alguns dos domínios abordados na Estratégia, o excesso de peso é apontado como um problema dos adolescentes que, a par das morbilidades associadas, carece de indicadores atualizados para avaliação, recomendando-se o reforço "da agenda para a saúde dos portugueses" no que respeita a dieta e atividade física25.

Plano Nacional de Saúde 2004-2010 Apresentado como alavanca com "orientações estratégicas destinadas a sustentar - política, técnica e financeiramente - o Sistema Nacional de Saúde"19, o PNS 2004-2010 assume continuidade com a Estratégia, sendo balizado pelo conhecimento existente sobre a situação da saúde, evidência e orientações de organizações como a União Europeia, OMS ou OCDE27.

Construído através de uma metodologia consultiva e de debate público, o Plano foi implementado, monitorizado e submetido a avaliação, tendo todo este processo servido de base ao ciclo de planeamento que se iniciou em 200928.

O estado de saúde da população é descrito a partir dos indicadores disponíveis, utilizados, juntamente com os resultados da consulta pública e dos debates preparatórios, para estabelecer prioridades de intervenção.

A obesidade é considerada um "enorme problema de saúde pública"20, sendo apresentados indicadores de prevalência nas fases do ciclo de vida correspondentes à idade adulta, bem como metas de redução dos mesmos até 2010.

Prevê-se ainda monitorização dos hábitos de atividade física/sedentarismo.

As alterações do padrão nutricional e a diminuição dos índices de atividade física são identificadas como fatores de risco de patologia crónica e é proposta uma intervenção transversal preventiva, centrada na promoção da saúde, curativa e de gestão da doença, abrangendo vários sectores (saúde, social, alimentar, educação e cultural), através de um programa nacional específico.

Estas temáticas são ainda apontadas como importantes no quadro da cooperação técnica no domínio da saúde com vários organismos internacionais, recomendando- se o seu reforço.

Não existem, no entanto, referências a obesidade infantil e dos jovens, nem quantificação do problema. Constata-se aumento do sedentarismo e desequilíbrios nutricionais nos jovens, admitindo-se limitação dos indicadores disponíveis para a avaliação da morbilidade associada a obesidade, bulimia, anorexia.

A resposta aos principais problemas de saúde identificados no Plano passou pela elaboração de programas nacionais (ou revisão dos existentes), tendo sido concretizados 22 dos 40 previstos29. Entre estes, analisámos o Programa Nacional de Luta Contra a Obesidade (PNLCO), os de Saúde dos Jovens e Saúde Escolar, e, entre os restantes, os 7 onde se identificaram referências à problemática: Plano Nacional de Ação Ambiente e Saúde e Programas Nacionais de Promoção da Saúde Oral; Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas; Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares; Prevenção e Controlo da Diabetes; Contra as Doenças Reumáticas; Intervenção Integrada sobre Determinantes da Saúde Relacionados com os Estilos de Vida.

Os objetivos específicos do PNLCO apontam para a redução da proporção de indivíduos com excesso de peso em todos os grupos etários. Embora se reconheça a elevada prevalência entre crianças e jovens, com disparidades regionais, étnicas e de condição social na sua distribuição, estes não figuram entre grupos de risco identificados. As 23 Estratégias inscritas no documento servem a prevenção e combate à obesidade entre crianças e jovens, sendo 3 delas particularmente dirigidas a estes grupos30.

O PNLCO foi extinto em 2008, com integração das competências de prevenção secundária/terciária na Plataforma Contra a Obesidade e enquadramento do tratamento cirúrgico numa comissão criada para o efeito.

A Plataforma surge para concretizar os objetivos da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade e é apresentada como "medida estratégica, assumida politicamente a nível nacional, que visa criar sinergias intersectoriais, a nível governamental e da sociedade civil"31. Assume explicitamente a prevenção e combate à obesidade como prioridade política e, através dos objetivos e estratégias propostos, valoriza uma intervenção direcionada aos mais jovens.

Nos restantes 7 programas, obesidade, comportamentos alimentares ou sedentarismo são apontados como fatores de risco, não se identificando uma relação entre os propósitos de cada um destes documentos com a necessidade de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens. Apenas o programa de combate às doenças cardiovasculares contempla intervenções preventivas junto destes grupos, nomeadamente alteração de hábitos alimentares e combate ao sedentarismo32.

Todos estes programas apresentam medidas que, não sendo dirigidas ao problema ou a estes grupos, podem contribuir para este desígnio, tais como alteração da oferta alimentar, intervenções no meio, melhoria na vigilância de saúde e resposta dos serviços, capacitação de indivíduos, profissionais de saúde ou professores ou promoção de melhor conhecimento epidemiológico.

Plano Nacional de Saúde 2012-2016 Dando seguimento à orientação governamental para elaboração de um novo Plano "orientado no sentido de uma priorização clara das intervenções, com base na evidência acerca do que gera mais ganhos em saúde"33, o Alto Comissariado da Saúde deu início à construção do PNS 2011-201634, mais tarde designado como PNS 2012-2016 em virtude de atrasos ocorridos na sua elaboração.

Em junho de 2011, um ano após a data prevista, foi anunciada a discussão pública deste Plano35, estando disponíveis para consulta vários capítulos do primeiro volume, Estratégias para a Saúde, e apenas um capítulo do segundo volume, Operacionalização do Plano Nacional de Saúde. Quando esta investigação foi realizada, a versão definitiva ainda não era conhecida, pelo que nos centrámos na versão preliminar e no seu processo preparatório.

No novo Plano, a obesidade é considerada risco de saúde pública e fator de risco para um conjunto de patologias em adultos e crianças. Constata-se aumento da prevalência entre adultos, com assimetrias na distribuição regional36, não existindo dados de prevalência para menores de 18 anos.

O problema não figura entre as prioridades de intervenção nacional. No entanto, poderá vir a ser considerado como tal nos Planos Regionais de Saúde, previstos no PNS e que deverão estabelecer um quadro regional de prioridades37.

Embora a obesidade seja valorizada nas diversas fases do ciclo de vida dos indivíduos, na fase Crescer com Segurança (período entre os 29 dias e 9 anos de idade) se explicita a necessidade de uma intervenção direcionada ao problema. Nas restantes fases são definidas áreas de intervenção que, não visando diretamente o problema, interferem com as suas causas.

Para monitorizar a evolução da prevalência do excesso de peso, propõe-se a manutenção do quadro de indicadores do PNS 2004/2010, alargando-o às crianças de 6 e 13 anos. Não foi divulgada previsão das metas a alcançar em 2016.

O quadro de ações e recomendações para operacionalização do Plano não foi disponibilizado. No entanto, face à valorização do problema ao longo do documento, com referências à Plataforma Contra a Obesidade - embora a Carta Europeia não figure no quadro legal, normativo, regulamentar e estratégico apresentado -, aos programas de Saúde Escolar, aos projetos de Cidades Saudáveis e Escolas Promotoras de Saúde, como exemplo de intervenção a desenvolver, e perante a orientação e evidência formuladas para os Eixos Estratégicos e Objetivos para o Sistema de Saúde do documento, abrem-se perspetivas para um quadro de ações que responda direta ou indiretamente ao problema.

Esta perspetiva é reforçada por um conjunto de reflexões e propostas feitas durante o processo de planeamento, no âmbito das Análises Especializadas e dos Contributos enviados por entidades, organizações, especialistas e cidadãos, que, a serem acolhidas, poderão vir a ter impacto positivo sobre o problema e suas causas.

Entre estas propostas, destacamos a adoção de boas práticas implementadas noutros países, atribuição de responsabilidade e meios para uma intervenção dirigida ao problema e suas causas ao nível dos cuidados primários, reforço das estratégias locais de saúde e de iniciativas que promovam saúde em todas as políticas, cidadania em saúde ou equidade no acesso e a promoção da saúde e atividade física em meio urbano pela alteração dos instrumentos de ordenamento do território.

Discussão Esta investigação permitiu-nos uma perspetiva sequencial do processo de planeamento estratégico em Portugal e da sua evolução num contexto de mudança e influenciado por vários fatores18, bem como uma visão contextualizada das principais estratégias de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens pensadas a este nível de planeamento. A discussão far-se-á em torno destes aspetos, focando ainda algumas dificuldades e aspetos críticos identificados durante o estudo.

Apesar das diferenças de conceção, a concretização das orientações político- ideológicas que enquadram a política de saúde que está por detrás dos 3 documentos estratégicos traduz-se numa perspetiva comum de obtenção de ganhos em saúde, espelhando a evolução e maturação da sociedade portuguesa e do próprio SNS.

Os 3 documentos propõem uma visão e direção para o sistema de saúde38, identificando-se uma linha de continuidade indiciadora de consistência associada ao planeamento39. Partem do conhecimento existente sobre a saúde da população para consensualizar prioridades, procuram ter em conta as características, necessidades e recursos do sistema de saúde e são alinhados com a evidência, orientações e boas práticas internacionais. Estas características, bem como a integração de múltiplos atores no planeamento, refletem uma preocupação de ancorar estes processos na realidade e contextos em que decorram18,38.

Embora sem estatuto de prioridade em nenhum dos 3 documentos estratégicos, a obesidade foi sendo gradualmente reconhecida como problema de saúde em Portugal. A atenção crescente dada ao problema nos documentos e a preocupação cada vez mais explícita com a necessidade de respostas espelham este ganho de importância.

Contemporânea da classificação da obesidade enquanto epidemia global, a Estratégia não referencia o problema. No entanto, existem no documento metas, objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e prevenir a obesidade junto de crianças e jovens, bem como de adultos, pois visam uma intervenção sobre algumas das suas causas.

No PNS 2004-2010, a obesidade é considerada como problema de saúde pública, não estando incluída nas 5 áreas prioritárias de intervenção propostas, sendo valorizada mais como fator risco e até como determinante da saúde, do que enquanto doença em si40.

à data da elaboração deste plano, existiam orientações internacionais para uma intervenção de prevenção e combate ao excesso de peso centrada nas idades infantojuvenis. No entanto, e embora estivesse descrito um aumento da prevalência na população portuguesa adulta, poucos eram os dados de prevalência em crianças e jovens3, facto que pode explicar uma menor atenção dada à questão e a inexistência de um quadro de indicadores para acompanhar a evolução nestes grupos etários. Ainda assim, é possível identificar intervenções visando uma ação positiva sobre algumas das causas do problema em 10 dos 22 programas nacionais então elaborados.

O PNS 2012-2016 surge num contexto de uma prioridade política de prevenção e combate ao problema, assumida em 2007 com a criação da Plataforma Contra a Obesidade, existindo um conhecimento mais alargado sobre a prevalência na população portuguesa, fruto do desenvolvimento da investigação.

Embora a obesidade não seja apontada como problema prioritário na versão preliminar do Plano, verifica-se um alinhamento com os princípios da Carta Europeia, nomeadamente uma maior preocupação com o aumento da prevalência, em particular nas idades infantojuvenis, referências à necessidade de uma intervenção direcionada e a adoção de indicadores para avaliar e monitorizar a evolução do problema entre os mais jovens. Quando realizámos a investigação, esta intervenção direcionada ainda não estava definida, existindo um acervo de propostas para a sua concretização.

Os principais resultados deste estudo, bem como a discussão que deles é feita neste artigo, validam a pertinência da abordagem à problemática escolhida e da metodologia utilizada, permitindo-nos alcançar o objetivo proposto na investigação.

A aplicação de metodologias qualitativas no campo da ciência tem sido alvo de reflexão de vários autores, pois a inexistência de mensuração quantitativa dos fenómenos dificulta a avaliação dos resultados quanto à sua validade, ou seja, à correspondência com a realidade, e à sua fiabilidade, que será tanto maior quanto maior for a possibilidade de serem idênticos se houver uma repetição do estudo21.

Tratando-se de uma investigação baseada na análise documental, confrontámo-nos permanentemente com a necessidade de fazer prevalecer o rigor da técnica e a objetividade aos juízos, valores e ideias pré-concebidas de quem investiga.

Esta dificuldade constitui-se como um desafio que consideramos bem-sucedido, estando a validade e a fiabilidade do estudo asseguradas pela clarificação dos procedimentos de seleção do Corpus documental e do processo de análise realizado.

Durante o trabalho de análise foi possível identificar um conjunto assinalável de intervenções na área da prevenção e combate à obesidade, promovidas por organizações da sociedade civil, especialistas, escolas, universidades, serviços de saúde ou entidades locais e regionais, num claro sinal de que, apesar do problema não ter estatuto de prioridade, existem respostas organizadas e experiências de trabalho concretas sobre as quais valerá a pena refletir. Estas realidades não têm expressão significativa nos resultados apresentados, uma vez que a investigação se centrou nas respostas ao nível do planeamento estratégico em saúde, e constituem-se como uma hipótese de trabalho científico futuro.

É ainda de referir que a análise do PNS 2012-2016 ficou limitada pelo facto de, à data de termo da investigação (novembro de 2011), a versão posta à discussão pública estar incompleta. Ainda assim, tendo a versão final do PNS sido publicada após submissão deste artigo, mas antes da sua revisão final, foi possível uma breve abordagem ao documento, confirmando-se a generalidade dos resultados aqui enunciados.

Conclusão A análise à abordagem da obesidade feita na Estratégia, PNS 2004-2010 e na versão preliminar do PNS 2012-2016, permite concluir que, embora sem ganhar estatuto de prioridade, o problema tem vindo a ganhar importância entre as preocupações das autoridades de saúde em Portugal, expressas ao nível do planeamento estratégico. O mesmo se conclui sobre a importância dada ao aumento da prevalência entre crianças e jovens e à necessidade de intervenção específica junto destas faixas etárias, verificando-se, no entanto, que este percurso tem sido mais lento.

Pode ainda concluir-se que a inexistência de uma preocupação formal com a obesidade infantil e dos jovens, no sentido da sua priorização enquanto problema, não limitou as respostas ao mesmo, pois existiam conhecimento e recursos para impulsioná-las.

No entanto, a subscrição da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade pelo governo português determinou o assumir de uma prioridade política, verificando- se que a existência de um referencial de liderança e ação41 deu uma nova dimensão ao problema, sendo possível estabelecer correspondência entre os seus princípios e as orientações estratégicas do PNS 2012-2016.


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