Osteoporose Induzida por Corticóides
INTRODUÇÃO
A osteoporose é uma doença óssea sistémica que se
caracteriza por alterações da quantidade e da qualidade
do osso, as quais condicionam diminuição da resistência
e aumento da fragilidade ósseas, predispondo a maior
risco de fractura (1-3).
Os corticoesteróides (CT) são fármacos amplamente
utilizados, pelas suas conhecidas propriedades antiinflamatórias e imunossupressoras, no tratamento de
diversas patologias, tais como as doenças reumatológicas,
auto-imunes, respiratórias e no processo de
transplantação de órgãos. No entanto a administração de
CT produz alterações no processo fisiológico de
remodelação óssea, conduzindo a uma diminuição da
massa mineral óssea e consequente aumento da
incidência de fracturas (4-6).
A osteoporose induzida por corticóides (OPIC) constitui
a causa mais frequente de osteoporose secundária,
correspondendo a cerca de 25% de todas as causas de
osteoporose. Metade dos doentes que realizam
corticoterapia, por mais de seis meses, têm osteoporose
e cerca de 1/3 desenvolve fracturas, se o tratamento se
prolongar por 1 ano (7). As fracturas osteoporóticas
vertebrais e dos ossos longos são causa de morbilidade
e associam-se a diminuição da esperança média de vida
em idades avançadas (1). Alguns autores constataram
uma incorrecta aplicação das recomendações
internacionais para a prevenção da OPIC (8-14).
FISIOPATOLOGIA
Os mecanismos pelos quais os CT conduzem a uma
diminuição da massa mineral óssea são multifactoriais
(Tabela 1) (15). Os CT provocam um desequilíbrio no
metabolismo de remodelação óssea normal, aumentado
a reabsorção e diminuindo a formação (16-18).
Uma das consequências clássicas do tratamento com
CT é a redução do número e da função dos osteoblastos
(16,18,19), influenciando, directamente, os processos de
síntese, replicação e apoptose celular (20). Além disso,
inibem a produção pelo osso de factores de crescimento,
como o insulin-like growth factor 1 (IGF-I) e o transforming growth factor β (TGF-β) que têm actividade anabólica
sobre o tecido ósseo (7,15,21).
Os CT reduzem a produção de hormonas sexuais
(estrógenios e andrógenios), actuando, directamente, a
nível das gónadas ou, indirectamente, inibindo a produção
de gonadotrofinas (hormona folículo estimulante - FSH e
hormona luteinizante - LH) (19). Os CT inibem, também,
a secreção da hormona adenocorticotrófica (ACTH) pela
hipófise, conduzindo à atrofia das glândulas supra-renais
e à diminuição da produção de estrona,
dehidroepiandrosterona e androstenediona, hormonas
anabólicas com importante papel na OPIC (7,15,16,17,18).
A nível metabólico, os CT são, ainda, responsáveis
pela diminuição da absorção intestinal e da reabsorção
tubular renal de cálcio. Os mecanismos pelos quais
produzem uma diminuição da absorção intestinal de
cálcio são motivo de alguma discussão. No entanto,
parecem associados a uma diminuição do transporte
intestinal deste ião e a uma resistência à vitamina D, uma
vez que a administração desta vitamina não repõe a
normalidade metabólica iónica (16,22).
O aumento da excreção renal de cálcio, associado à
menor absorção intestinal deste ião, produz uma
diminuição do cálcio sérico. A diminuição deste ião é o
principal estímulo para a secreção de paratormona (PTH)
pelas glândulas paratiróides, conduzindo a um estado de
hiperparatiroidismo secundário (16,17). Estudos “in vitro”
têm demonstrado que os CT aumentam a expressão dos
receptores de PTH em osteoblastos (23) e potenciam a
sensibilidade destas células a essa hormona; desta forma
os osteoblastos actuam como mediadoras principais no
aumento de reabsorção óssea induzida pela PTH (24).
O sistema constituído pelo receptor activador do
factor nuclear - kappaB (RANK), RANK ligando (RANKL)
e osteoprotegerina (OPG) parece desempenhar um papel
fundamental na fisiopatologia da osteoporose (1). O
RANK ligando (RANKL) é uma proteína transmembranar
produzida pelos osteoblastos que, ao ligar-se ao receptor
RANK existente nos percursores dos osteoclastos,
transmite um sinal que induz a sua diferenciação em
osteoclastos, potenciando assim a reabsorção óssea. A
osteoprotegerina (OPG) é um receptor solúvel, secretado
pelas células pré-osteoblásticas (21), que ao ligar-se ao
RANKL, impede a ligação deste ao RANK, inibindo por
isso a osteoclastogénese (1).
Os CT produzem uma supressão da síntese de OPG
e um aumento de RANKL, estimulando a osteoclastogénese (7).
Finalmente, os CT exercem importantes efeitos
secundários sobre o músculo, produzindo debilidade e
fadiga muscular. Estes efeitos diminuem as forças de
carga músculo-esquelética responsáveis pela
estimulação da remodelação óssea fisiológica (16,19).
DOSE DE RISCO
As doses de CT diárias e cumulativas, e o tempo de
duração do tratamento são factores muito importantes na
patogénese da osteoporose (7,25,26,27).
A perda de massa mineral óssea ocorre, mais
intensamente, a nível do osso trabecular (6,15,17),
quantificada em cerca de 10 a 20% nos primeiros 3
meses de tratamento, seguida de uma perda mais lenta
de cerca de 2% por ano. A nível do colo do fémur o ritmo
de perda de massa mineral óssea ocorre mais lentamente,
estimando-se em cerca de 2-3% no primeiro ano (7).
Actualmente, não está completamente esclarecido se
existe uma dose mínima de CT que seja, simultaneamente
eficaz e segura para o tecido ósseo (7,25).
Alguns autores determinaram uma dose de 5mg de
prednisolona por dia (ou equivalente) como limite inferior
de dose deletéria para a homeostasia metabólica normal
da remodelação óssea (7). No entanto, num estudo
retrospectivo, Van Staa et al documentaram um aumento
do risco relativo de fractura vertebral para doses inferiores
a 2,5 mg por dia de prednisona (4) e do risco relativo de
fractura do colo do fémur para doses superiores a 2,5 mg
por dia.
Os CT orais aumentam o risco relativo de fractura do
colo do fémur de forma independente dos habituais
factores de risco (idade, peso, densidade mineral óssea,
doença de base). Alguns estudos documentam maior
risco de fractura em populações que realizam
corticoterapia, mesmo para valores de densidade mineral óssea (DMO) idênticos ou mais elevados (7,25).
Continua por esclarecer se outras vias de
administração de CT, como a via inalatória, apresentam
os mesmos efeitos e motivam semelhante preocupação
no sentido da prevenção da OPIC. No entanto, parece
seguro que as aplicações tópicas de CT não causam
alterações significativas da DMO (7,16,25).
IMPORTÂNCIA E INTERPRETAÇÃO DA DENSITOMETRIA ÓSSEA
A Densitometria Óssea por absorciometria radiológica
de dupla energia (DEXA) é, actualmente, o método mais
importante de avaliação diagnóstica e terapêutica na
osteoporose (1,3,7,28).
A DEXA determina habitualmente o valor da DMO a
nível da coluna lombar, que é representativa do osso
trabecular, e a nível do colo do fémur, representativo do
osso cortical. Estes são os locais de eleição para avaliação
da DMO, uma vez que representam as alterações
quantitativas da DMO nos dois tipos de osso e constituem
duas das localizações de maior prevalência de fracturas
associadas a osteoporose. O valor da DMO é expresso
em g/cm2.
O valor da DMO do indivíduo é comparado com o valor
médio de DMO de uma população saudável de adultos
jovens, da mesma raça e sexo no pico de massa óssea
e, desta relação, obtém-se o score T que se expressa em
desvios padrão (DP).
Quanto menor a massa mineral óssea maior o risco de
fractura; o risco duplica aproximadamente, por cada
unidade de score T que diminui (2).
Em 1994, um grupo de estudo da Organização Mundial
de Saúde (OMS) recomendou uma classificação
densitométrica de osteoporose baseada no valor do
score T (Tabela 2) (1,3,6,7,21,28,29).
Esta definição encontra-se validada, apenas para a
população de mulheres pós-menopausa, caucasianas,
pelo que a sua aplicação em homens, outros grupos
étnicos ou crianças deve ser motivo de grandes reservas
(28).
Outro score, designado por Z, obtém-se através da
comparação do valor da DMO do indivíduo com a média
de um grupo saudável da mesma idade, sexo e etnia.
Valores de score Z abaixo de -2,0 DP estão muitas
vezes relacionados com causas secundárias de perdas
de DMO (3,30). O score Z deve ser utilizado na avaliação
das crianças e adolescentes que ainda não atingiram o
pico de massa óssea (1). Este score pode, ainda, ajudar
a caracterizar melhor determinados grupos de risco com
idades superiores a 70 anos de idade (28). As variações
deste score estão também associadas a um risco relativo
de fractura óssea. Um valor de score Z de -1,0 significa
uma probabilidade 2 vezes maior de fractura, durante a
vida, e se for de -2,5 significa uma probabilidade 4 vezes
superior (2,28).
ABORDAGEM DOS DOENTES QUE RECEBEM
CORTICOTERAPIA CRÓNICA
Os doentes que recebem, ou vão receber, tratamento
com CT, por mais de 3 meses, devem ser avaliados,
através de uma história clínica adequada quanto aos
principais factores de risco de osteoporose, devem,
também, sempre que se justifique, realizar exames
bioquímicos para avaliar o metabolismo ósseo e excluir
outras causas de osteoporose secundárias (1,7,31). A
tabela 3 resume os principais exames bioquímicos com
interesse neste tipo de patologia (1,3,7,31).
Alguns autores recomendam a realização de uma
densitometria óssea no início do tratamento com CT
crónico (7,32), considerando que o resultado da avaliação
da densidade mineral óssea nestes doentes pode justificar
a introdução de bifosfonatos na prevenção e tratamento
da OPIC (7).
Os doentes tratados com CT mostram maior tendência
para sofrer fracturas múltiplas que outros doentes com
osteoporose involutiva ou pós-menopáusica, tendo em
conta valores semelhantes de DMO, ou mesmo valores
de DMO superiores (7,25,32).
Neste sentido, alguns grupos defendem um valor de
limiar mais elevado de score T como indicativo de início
de tratamento farmacológico com bifosfonatos (Tabela 4)
(7,25,26,32).
O papel da DEXA na monitorização terapêutica ainda
não foi, claramente estabelecido (25). Em alguns doentes
pode ser conveniente repetir a avaliação da massa
mineral óssea por DEXA anualmente, ou bianualmente,
para avaliar quer os efeitos deletérios dos CT, quer a
eficácia dos tratamentos aplicados na prevenção da
OPIC (7,26,32). Segundo alguns autores, a realização de
densitometrias ósseas seriadas pode constituir um reforço
à adesão terapêutica quando os resultados atingem as
expectativas (1,7).
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE
INDUZIDA POR CORTICÓIDES
A prevenção e o tratamento da OPIC envolvem
medidas gerais e farmacológicas.
É fundamental corrigir os factores de risco modificáveis
de osteoporose (evitar o tabagismo e o consumo excessivo
de álcool), adquirir hábitos dietéticos saudáveis que
assegurem uma ingestão adequada de cálcio e vitamina
D e realizar exercício físico regular e programado
(7,25,26,31).
Os CT devem ser utilizados com ponderação, na
menor dose eficaz, pelo menor período de tempo
necessário e, sempre que possível, em preparações
tópicas (25,31).
Os doentes medicados com CT prolongada (mais de
3 meses) devem iniciar terapêutica com cálcio e vitamina
D no sentido de prevenir o aparecimento de OPIC
(7,25,26,31).
Os bifosfonatos são fármacos adequados na
prevenção e tratamento da OPIC e poderão ser iniciados
quando os valores de cut-off da DEXA forem inferiores
aos aconselhados pelos grupos referidos anteriormente
(Tabela 4) (7); o seu efeito aumenta comprovadamente a
massa mineral óssea na coluna e no fémur e diminui a
incidência de fracturas ósseas (7, 25).
Segundo alguns autores a calcitonina pode ser uma
alternativa terapêutica aos bifosfonatos nos doentes com
perda de massa mineral óssea que realizam CT crónica,
especialmente nos casos em que os últimos se encontram
contra-indicados ou mal tolerados (3,7). No entanto, os
estudos realizados sobre os efeitos da calcitonina na
prevenção da OPIC foram inconsistentes e não revelaram
redução do risco de fracturas ósseas (25,32).
Não existem muitos estudos sobre a utilidade da
terapia hormonal de substituição em doentes medicados
com CT crónica e não foi comprovada a redução da
incidência de fracturas ósseas nestes doentes (3,7,25).
Contudo, tem sido recomendada a sua utilização no
contexto do hipogonadismo no sexo masculino e da pósmenopausa no sexo feminino (3,7,31,32).
Os moduladores selectivos dos receptores dos
estrogénios não foram suficientemente estudados nos
doentes que realizam CT crónica (7,25,32).
O flúor aumenta a massa mineral óssea a nível da
coluna nos doentes medicados com CT crónica, mas não
o faz a nível do colo do fémur, nem reduz a incidência de
fracturas, pelo que não se recomenda a sua utilização na
prevenção ou tratamento da OPIC (7).
Finalmente, o fragmento 1-34 da PTH humana
aumenta a densidade mineral óssea na coluna lombar e
no colo do fémur, mas ainda não foi confirmada a redução
da incidência de fracturas nos doentes medicados com
CT crónica.
CONCLUSÃO
A OPIC corresponde a cerca de 25% de todas as
causas de osteoporose. Metade dos doentes que realizam
corticoterapia, por mais de seis meses, têm osteoporose
e cerca de 1/3 desenvolve fracturas se o tratamento se
prolongar por 1 ano (7). Alguns autores constataram uma
aplicação incorrecta das recomendações da prevenção
da OPIC (8-14).
A DEXA é, actualmente, o método gold standard na
avaliação diagnóstica e terapêutica da osteoporose
(1,3,7,28,30).
A aplicação da definição densitométrica de 1994 da
OMS a populações diferentes do grupo de mulheres pósmenopáusicas é motivo de discussão e reserva (28).
Os CT orais aumentam o risco relativo de fractura do
colo do fémur de forma independente dos habituais
factores de risco e os doentes tratados com CT mostram
maior tendência para sofrer fracturas múltiplas que outros
doentes com osteoporose involutiva ou pós-menopausa
(7,25).
Neste doentes é fundamental corrigir os factores de
risco modificáveis de osteoporose, adquirir hábitos
dietéticos saudáveis, realizar exercício físico regular e
receber tratamento farmacológico com suplementos de
cálcio e vitamina D no sentido de prevenir o aparecimento
de OPIC (7,25,26).
Nos doentes que realizam corticoterapia crónica,
alguns grupos (25,26) defendem um valor de limiar mais
elevado de score T como indicativo de início de tratamento
com bifosfonatos (score T<-1,0 e score T<-1,5). Nestes
doentes poderá ser importante a valorização do score Z,
possibilitando a identificação de eventuais perdedores
rápidos de DMO.