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EuPTCVHe0871-34132010000100004

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Causas Genéticas de Acidente Vascular Cerebral Isquémico

Introdução Os avanços na compreensão da doença cerebrovascular têm mostrado que importantes factores de risco para o Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquémico estão sob influência de factores genéticos (1-4).

A prevalência de doença cerebrovascular não-ateros-clerótica é mais elevada em doentes mais jovens e o conceito de AVC jovem tem em conta esta circunstância epidemiológica. Daqui resulta que o rastreio de factores monogénicos de AVC é sobretudo reservado a doentes com AVC em idade jovem.

Assim, embora se saiba que a doença cerebrovascular não aterosclerótica é menos frequente, é fundamental a compreensão de que determinadas doenças de carácter hereditário explicam o fenómeno de vasculopatia associada aos eventos vasculares (5). O padrão de hereditariedade associado à doença cerebrovascular não é linear e assume alguma complexidade em patologias poligénicas ou de heterogeneidade genética.

Neste trabalho de revisão pretende-se abordar as doenças monogénicas, em que é possível identificar a mutação responsável pela doença em causa responsável pela doença vascular cerebral. Além dos aspectos genéticos, salientam-se os aspectos fundamentais ao diagnóstico precoce deste tipo de patologias.

Cadasil (cerebral autosomal dominant arteriopathy with subcortical infarcts and leukoencephalopathy) CADASIL, o acrónimo em inglês para Arteriopatia Cerebral Autossómica Dominante com Enfartes Subcorticais e Leucoencefalopatia (Cerebral Autosomal Dominant Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy), é uma causa hereditária de AVC isquémico associado a lesões da substância branca. Trata-se de uma vasculopatia autossómica dominante, reconhecida mais de uma década, mas provavelmente subdiagnosticada (7). Várias famílias em todo o mundo foram identificadas como portadoras da mutação responsável por esta patologia.

Clinicamente o início de eventos vasculares (AIT/AVC) começa por volta dos 45 anos em doentes sem factores de risco relevantes para doença cerebrovascular; em 85% dos casos é a primeira manifestação clínica e 2/3 dos casos traduzem-se por síndromes lacunares clássicos (8). A deterioração cognitiva pode surgir logo de início, relacionando-se directamente com o número e localização das lesões vasculares, nomeadamente enfartes lacunares da substância branca (9).

Trata-se de uma demência subcortical, habitualmente dominada pela sintomatologia frontal e alterações da memória. Em 10% dos casos o processo demencial pode ser a única tradução clínica da doença. A enxaqueca com aura surge frequentemente nestes doentes (30-40%), por volta dos 30 anos; habitualmente trata-se de uma aura sensitiva ou visual e nos casos mais graves pode manifestar-se com sinais e sintomas semelhantes a uma enxaqueca basilar ou hemiplégica. As alterações do comportamento podem ser a clínica dominante em alguns doentes, nomeadamente com quadros depressivos graves ou semelhantes à doença bipolar. Menos frequentemente (6-10%), as crises epilépticas podem surgir, focais ou generalizadas, com relação também com o número e localização das lesões vasculares (8-11).

A Ressonância Magnética Cerebral é essencial ao diagnóstico de CADASIL, mostrando sempre alterações nos doentes sintomáticos; lesões com hipossinal em T1 e hipersinal em T2, punctiformes ou nodulares na substância branca e/ou núcleos da base. Tipicamente estas lesões são periventriculares na região frontal e temporal (pólos temporais) e ainda a contornar a cápsula externa.

Habitualmente não existem lesões a nível cortical ou do cerebelo e raramente surgem lesões no tronco cerebral, mas se presentes localizam-se na protuberância (12).

O processo patológico primário do CADASIL, ao estudo histológico, traduz uma angiopatia não ateromatosa, não amiloidótica, que se caracteriza pela presença na camada média de células de músculo liso degeneradas. O estudo histológico de arteríolas leptomeníngeas ou cerebrais mostra o espessamento concêntrico da parede arterial através do desenvolvimento de células anormais de músculo liso; é este espessamento responsável pelo processo de isquemia e consequentemente de desmielinização. Estas alterações vasculares observadas no cérebro também podem ser detectadas noutros locais, nomeadamente nos pequenos vasos cutâneos, pelo que a biópsia de pele pode ser bastante útil ao demonstrar as alterações tipicamente descritas do endotélio arterial (11, 12). As alterações vasculares típicas são identificáveis em microscopia electrónica ou por imuno- histoquímica, na camada média da parede arterial / arteriolar, em relação com as células musculares lisas.

A alteração genética associada ao CADASIL caracteriza-se por mutações no gene notch3 (cromossoma 19q12) que levam à deposição da proteína notch3 no citoplasma das células endoteliais. Em 90% dos casos estas mutações estão localizadas entre os exões 2 e 6, mas recentemente têm sido relatadas mutações localizadas a outros exões. Em Portugal os exões mais frequentes são: 4, 11, 18, 19, dados concluídos após análise epidemiológica retrospectiva na população portuguesa, em casos que foram referidos com diagnóstico clínico de CADASIL (13).

Assim, quando a clínica é muito sugestiva e o estudo genético é negativo para os exões mais frequentes (e não encontrado nos polimorfismos descritos), é conveniente procurar estudar-se outros exões e complementar o estudo com biópsia de pele. Em alguns centros de investigação é possível fazer-se o estudo imunohistoquímico, para pesquisa de notch3 na biópsia de pele, estudo promissor, que apresenta uma sensibilidade de 99% e uma especificidade de 100% no diagnóstico da doença (12).

O CARASIL, acrónimo em inglês para Arteriopatia Cerebral Autossómica Recessiva com Enfartes Subcorticais e Leucoencefalopatia (cerebral autosomal recessive arteriopathy with subcortical infarcts and leucoencephalopathyé), é igualmente uma causa hereditária de AVC isquémico associado a lesões da substância branca descrita inicialmente na literatura Japonesa, mas ainda pouco compreendida.

Recentemente foi identificada uma mutação no gene HTRA1 (gene 1 protease da serina HtrA), que codifica uma protease da serina modeladora dos membros da família do TGF-b (transforming growth factor-beta). Nas famílias descritas com esta patologia além da doença vascular cerebral, existe caracteristicamente doença de osso (espondilose) e alopecia (14).

Doença de fabry A doença de Fabry é uma doença rara, ligada ao cromossoma X, que se caracteriza por uma alteração no metabolismo dos glicoesfingolipídeos (GL) por actividade deficiente da enzima lisossómica alfa-galactosidase. Surge uma acumulação de GL-3 nos lisossomas do endotélio vascular com isquemia dos tecidos, constituindo o mecanismo base da doença, com complicações multi-sistémicas progressivas. Sendo uma doença ligada ao cromossoma X, os homens hemizigóticos habitualmente apresentam uma maior expressão clínica da doença, enquanto as mulheres portadoras são assintomáticas ou apresentam sinais e sintomas mais frustres (15).

As manifestações mais precoces da doença traduzem-se pelas alterações cutâneas - os chamados angioqueratomas -, pelas acroparestesias (dor das extremidades) que podem surgir por crises episódicas de dor, pelos episódios aparentemente inexplicáveis de febre, hipohidrose, e pelas opacidades da córnea e do cristalino. Mais tarde, na terceira ou quarta década de vida, surgem as complicações mais graves por disfunção renal, cardíaca e do sistema nervoso central (16).

As complicações neurológicas não são traduzidas por doença vascular cerebral, podendo também surgir a nível do sistema nervoso periférico, com neuropatia periférica e no sistema nervoso autónomo, com hipohidrose e hipotensão ortostática. A idade média de aparecimento das complicações vasculares cerebrais é os 32 anos. Em 56% dos casos a apresentação clínica traduz isquemia do território vertebrobasilar, em 20% dos casos atingindo a circulação anterior. O estudo de imagem por ressonância magnética mostra lesões hiperintensas de doença de pequenos vasos e a angiografia mostra vasos intracerebrais doliectásicos, mais frequentemente da basilar e artérias vertebrais (17). Foi muito recentemente publicado estudo de reastreio nacional da mutação do GLA numa população de doentes adultos jovens com AVC, tendo sido encontrado um valor de 2,4% (18).

Têm sido propostos vários mecanismos para tentar explicar a Doença Vascular Cerebral associada à Doença de Fabry, nomeadamente: 1) doliectasia das artérias cerebrais (deformidade dos vasos pela deposição dos GL no endotélio), gerando turbulência, estase e trombose, podendo explicar o fenómeno de isquemia; 2) oclusão progressiva das pequenas artérias, por espessamento da parede com compromisso luminal; 3) embolismo cardiogénico, em consequência da patologia cardíaca muitas vezes associada à doença (ex. doença valvular, cardiomiopatia hipertrófica) (17).

Assim, 75% dos homens hemizigóticos, após o primeiro episódio de AVC isquémico, vão apresentar eventos vasculares recorrentes (3/4 do território vertebrobasilar), e nas situações mais graves a morte pode surgir 8 anos após o primeiro evento.

Com o tratamento actualmente aprovado para a Doença de Fabry (alfa- galactosidase A humana recombinante), o diagnóstico desta patologia torna-se prioritário no estudo do AVC do adulto jovem com quadro sugestivo. Este diagnóstico é feito pela demonstração do défice de alfa-galactosidase no plasma, leucócitos ou em cultura de fibroblastos. Caracteristicamente a actividade enzimática é inferior a 1% nos homens; no entanto cada vez mais são detectadas variantes com maior percentagem de actividade enzimática. Nas mulheres portadoras esta actividade pode assumir um nível baixo (50%) a normal, pelo que deve ser efectuado o estudo genético para confirmação do diagnóstico.

O estudo de genética molecular identifica a mutação do gene da alfa- galactosidase localizado no CrXq22.1 (19). A terapêutica com suplementação de alfa-galactosidase A é comprovadamente eficaz na melhoria da função renal e nos sintomas de neuropatia periférica, existindo até ao momento poucos estudos sobre a eficácia na prevenção de eventos vasculares.

Coagulopatias / Estados Protrombóticos Coagulopatias As alterações hematológicas protrombóticas estão mais vezes associadas a trombose venosa do que a trombose arterial. As coagulopatias hereditárias habitualmente traduzem-se por deficiência de inibidores da coagulação, anormalidades na fibrinólise, aumento dos níveis dos factores da coagulação, síndromes com anticorpos antifosfolipídicos, alteração nos eritrócitos ou nas plaquetas (20). O estado protrombótico hereditário mais frequente é a resistência à proteína C activada por mutação do factor V de Leiden (21). Na heterozigotia para o factor V de Leiden uma única mutação no gene do factor V leva a que o factor Va se torne resistente à inactivação pela proteína C activada. Os défices nos inibidores da coagulação, nomeadamente o défice de proteína C e de proteína S, são as coagulopatias também comuns associadas ao fenómeno de trombose. Em doentes com história de AVC isquémico, a resistência à proteína C activada (5,2%), o défice de antitrombina III (4,5%), a mutação no gene da protrombina (3,7%) são as coagulopatias autossómicas dominantes mais frequentes (20, 21).

Homocisteinemia A hiperhomocisteinemia é uma alteração metabólica que gera um estado protrombótico por aumento dos níveis séricos de homocisteína (22). O risco de eventos vasculares cerebrais isquémicos aumenta significativamente nos indivíduos com homoscisteinúria (23,24).

A homocisteinemia moderada que não cursa com homocistinúria pode ocorrer como resultado da redução dos níveis de ácido fólico, da vitamina B12 ou da vitamina B6. A mutação (cromossoma 1p36.3) da enzima 5,10-metilenotetrahidrofolato- reductase (5,10-MTHFR) é a alteração genética que resulta mais frequentemente em hiperhomocisteinemia. A homocisteinemia grave (níveis séricos de homocisteína > 100 µmol/L) com homocistinúria, surge na deficiência da cistationina ß-sintetase, por uma mutação genética no locus 21q22.3. e nos indivíduos homozigóticos para o défice da MTHFR.

Na deficiência da cistationina ß-sintetase o doente apresenta além das alterações vasculares, alterações oculares e músculo-esqueléticas. As manifestações oculares e esqueléticas são sugestivas de síndrome de Marfan, tal como a subluxação do cristalino e o aspecto musculoesquelético do tipo marfanoide. A nível cutâneo estes doentes apresentam tipicamente hipopigmentação, sendo que na maioria dos pacientes a íris é de cor azul. Em todos os casos suspeitos de Síndrome de Marfan, a homocistinúria deve ser excluída através da análise de aminoácidos na urina e sangue.

Anemia das Células Falciformes A anemia das células falciformes pode cursar com doença vascular cerebral venosa ou arterial, por alteração da deformidade do eritrócito secundária a uma mutação na cadeia alfa da hemoglobina (Hemoglobina S) (25). A hemoglobina S é menos solúvel, tem tendência a polimerizar-se, levando pela consequente deformidade do eritrócito à oclusão de pequenos vasa-vasorum. Esta provoca isquemia da parede de grandes vasos, gerando proliferação da íntima e oclusão gradual destes. As estenoses intracranianas secundárias a este mecanismo deverão ser detectadas precocemente, que as transfusões sanguíneas são o tratamento preventivo que pode reduzir até 92% o risco de AVC (26). O Doppler Transcraniano é o exame de eleição na vigilância destes doentes; velocidades de fluxo elevadas nas artérias intracranianas (ex. velocidade média da artéria cerebral média > 200 cm/s) traduzem uma probabilidade de risco de AVC de 40% em 3 anos (27).

Síndrome de Sneddon A síndrome de Sneddon não tem até ao momento qualquer locus genético identificado e numa relativa minoria de casos existe história familiar e padrão sugestivo de hereditariedade autossómica dominante. Clinicamente caracteriza-se por livedo reticular, descoloração violácea da pele do tronco e extremidades (tipicamente poupando a face) e eventos cerebrovasculares. Estes eventos, mais frequentes em mulheres, surgem em média 10 anos mais cedo do que quando associados a factores de risco clássicos, embora 60-80% destes doentes também apresentem HTA e 36% tenham patologia cardíaca valvular. Os eventos traduzem-se inicialmente por acidentes isquémicos transitórios múltiplos e recorrentes em áreas córtico-subcorticais da circulação anterior e posterior (28).

O mecanismo fisiopatológico desta síndrome não está totalmente esclarecido, parecendo tratar-se de um estado de hipercoagulabilidade, que 1/3 dos doentes apresenta anticorpos antifosfolipídicos (anticardiolipina, beta2- glicoproteína e anticoagulante lúpico); no entanto, autores que justificam as alterações cutâneas e os eventos vasculares através de uma vasculopatia primária (arteriopatia de pequenos vasos) (29).

A angiografia é o exame de imagem que se preconiza após o estudo inicial, que permite a exclusão de outras vasculopatias. Pode ser normal, mas quando surge com alterações mostra múltiplas oclusões de ramos distais principais, com um padrão de Moya-Moya associado. A biópsia de pele também é útil ao diagnóstico, podendo ser normal ou inespecífica, mas habitualmente mostrando alterações que traduzem uma endarterite obliterante, ou seja, uma obstrução não inflamatória de artérias musculares pela proliferação endotelial da íntima (30).

Melas (mitocondrial miopathy, encephalopathy, lactic acidosis, stroke-like episodes) MELAS é uma síndrome multissistémica, geneticamente determinada, secundária a mutações do ADN mitocondrial (ADNmt). A encefalopatia caracteriza-se por episódios de crises epilépticas, enxaqueca com aura recorrente e processo demencial; a miopatia é visualizada pela histologia de músculo com a presença das ragged-red fibers; os eventos vasculares surgem em idade jovem, geralmente após factores precipitantes (ex. febre, infecções). Esta síndrome apresenta alguma variabilidade fenotípica devido ao fenómeno de heteroplasmia, isto é, a proporção de ADN mutante varia de tecido para tecido, existindo um aumento das mutações espontâneas com o envelhecimento (30,31).

O ADNmt é de transmissão materna e codifica mais de 80 proteínas da cadeia respiratória. O mau funcionamento desta cadeia leva uma diminuição da produção de ATP, preferencialmente atingindo áreas de grande gasto energético como o músculo e o cérebro. A mutação descrita em 80% dos casos de MELAS é a A3243G; esta análise de ADN pode ser feita na biópsia de músculo, numa amostra de sangue e até mesmo em epitélio da cavidade oral. Na biópsia de músculo, além das alterações histológicas do músculo (ragged-red fibers), alterações no estudo da cadeia respiratória, nomeadamente na actividade da citocromo C oxídase. O doseamento do lactato sérico em repouso e após o exercício também é útil ao diagnóstico (33,34).

Os doentes com episódios Stroke-likeapresentam sempre na RM cerebral hipodensidades focais, com predomínio nos lobos occipitais e parietais.

Frequentemente apresentam atrofia cerebral e cerebelosa global, e calcificações assimétricas dos núcleos da base, sempre com envolvimento do globo pálido, mas sem tradução clínica (35).

Doenças do tecido conjuntivo Apesar de contribuírem de forma pouco significativa para o AVC isquémico, as doenças do tecido conectivo são de particular gravidade pelo envolvimento generalizado vascular, traduzido pelas formações aneurismáticas e as dissecções arteriais.

Síndrome de Marfan A síndrome de Marfan cursa com as seguintes alterações fenotípicas major: alterações esqueléticas, dilatação da aorta ascendente, ectasia da dura lombossagrada e alterações oculares (subluxação do cristalino). As complicações neurológicas são secundárias a: dissecção da aorta ascendente, carótidas e artérias vertebrais; disfunção valvular que leva a eventos vasculares cardioembólicos; ruptura de aneurismas intracerebrais; enfartes medulares.

Estão identificadas as mutações responsáveis por esta síndrome autossómica dominante no gene que codifica a fibrilina-1, localizado ao cromossoma 15q21.1.

(34,35).

Síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV A síndrome de Ehlers-Danlos (SD) apresenta como características fenotípicas major a hiperextensibilidade articular e a hiperelasticidade da pele. O SD tipo IV cursa com uma deficiente produção de colagéneo tipo III, codificado no gene COL3A1, localizado ao cromossoma 2. Apresenta complicações cerebrovasculares frequentes, nomeadamente dissecções arteriais, aneurismas intracerebrais e fístulas carótido-cavernosas. É frequente o aneurisma da artéria carótida interna pelo desenvolvimento de uma fístula carótido-cavernosa, que pode surgir de forma espontânea ou após traumatismo minor. O diagnóstico desta síndrome pode ser confirmado não pelo estudo de genética molecular, mas também pelo estudo bioquímico em cultura de fibroblastos da derme (identificação do defeito de síntese do colagéneo tipo III) (36,37).

Neurofibromatose tipo 1 A Neurofibromatose tipo 1 (NF1), também conhecida como doença de Von Recklingausen, é uma das doenças mais frequentes do tecido conectivo, autossómica dominante, caracterizando-se pelos neurofibromas da pele e pelas manchas cor de café com leite. O gene da NF1 está identificado no cromossoma 17, sabendo-se que 50% dos casos descritos surgem com mutações espontâneas, com história familiar negativa. As complicações cerebrovasculares traduzem-se pelo AVC isquémico, hemorragias intracerebrais espontâneas e hemorragia subaracnoideia. A manifestação clínica clássica é o hematoma laterocervical secundário a ruptura de aneurisma da artéria vertebral. As lesões oclusivas, ao contrário das oclusões ateroscleróticas, não ocorrem nos locais de maior turbulência do fluxo sanguíneo. O local mais frequente de aparecimento dos aneurismas é o polígono de Willis, podendo surgir ainda mais distalmente, nomeadamente na artéria coroideia posterior. No estudo imagiológico podem surgir vários padrões angiográficos: artérias hipoplásicas sem estenose, como consequência da hiperplasia da íntima num trajecto longo; aneurismas fusiformes bilaterais do sifão carotídeo; fístulas nas artérias vertebrais; padrão Moya- Moya (38,39).

Doença de Moya-Moya A Doença de Moya-Moya caracteriza-se por alterações vasculares típicas. Trata- se de uma arteriopatia intracraniana de grandes vasos, com obliteração progressiva dos principais ramos da artéria carótida interna, ou mesmo oclusão terminal desta artéria, substituídos por pequenos colaterais (neovasos) na base do cérebro.

Histologicamente, esta doença apresenta um processo não vasculítico nem aterosclerótico de espessamento da parede arterial (músculo liso e endotélio), atribuído a um aumento do factor de crescimento dos fibroblastos.

Podem distinguir-se duas entidades: a Síndrome de Moya-Moya e a Doença de Moya- Moya. A síndrome de Moya-Moya surge associada a outras patologias, não sendo uma doença arterial primária. Pode surgir, por exemplo, como um conjunto de neovasos na base do cérebro secundário a um processo de oclusão aterosclerótica dos grandes vasos intracranianos, sendo na maior parte das vezes unilateral. A doença de Moya-Moya, com uma base genética heterogénea, é muito frequente no Japão. Nas crianças manifesta-se por cefaleias tipo enxaqueca, crises epilépticas e eventos vasculares (AVC/AIT) após hiperventilação/exercício físico. No adulto jovem cursa inicialmente com AVC/AIT de repetição, resultando em Demência Multienfartes; a hemorragia subaracnoideia e as hemorragias intracranianas de repetição também são frequentes (predomínio no tálamo e núcleos da base). Na doença de Moya-Moya as alterações vasculares são tipicamente bilaterais. A RM cerebral com angioRM apresenta uma sensibilidade de 92% e uma especificidade de 100% na detecção dos colaterais de Moya-Moya. O Doppler transcraniano é bastante útil na monitorização da progressão da doença, com vigilância da patência dos vasos intracranianos e estudo funcional da reserva vascular. A evolução da perfusão cerebral pode ainda ser monitorizada por SPECT. O EEG com prova de hiperpneia cursa com alterações típicas - actividade delta por redução focal da perfusão sanguínea induzida pela hiperventilação - também úteis ao diagnóstico da doença de Moya-Moya (35,41,42).

Conclusão A frequência e a morbilidade associadas ao AVC levaram a que a comunidade científica procurasse cada vez mais factores não tradicionais predisponentes para a lesão vascular. Neste contexto sabe-se que os factores genéticos parecem modificar a resposta individual aos factores de risco clássicos para o processo de lesão endotelial e aterosclerose. Por outro lado, têm sido identificadas patologias nas quais o AVC integra o fenótipo habitual, e em que é possível identificar o gene e o padrão de hereditariedade responsável pela doença. Este grupo de patologias assume uma relevância primordial na investigação do AVC em doente sem factores de risco para aterosclerose, nomeadamente no AVC do adulto jovem. Assim, com esta revisão, as autoras pretendem alertar os clínicos para a importância de se avançar na investigação genética em doentes cujo restante estudo etiológico foi negativo, particularmente neste grupo etário. Para além da importância prognóstica, o diagnóstico destas doenças genéticas tem muitas vezes, como se referiu, implicações diagnósticas secundárias, preventivas e terapêuticas específicas.


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