Colonização por Streptococcus do Grupo B em Gestantes com Trabalho de Parto
Prematuro e/ou Ruptura Prematura das Membranas
Introdução
Os Streptococcusdo grupo B (SGBs) habitam os tratos gastrintestinal e
geniturinário feminino e, menos frequentemente, faringe e pele1. A taxa de
colonização de gestantes e recém-nascidos (RN) varia de 5% a 35%, dependendo da
região geográfica, das técnicas de cultivo microbiológico e dos sítios de
coleta: vagina,colouterino e/oureto2, podendo obter-se maiores valores com
coleta simultânea de três sítios: reto, intróito vaginal e parte superior da
vagina3.
Nos anos 70, quando o SGB tornou-se a mais importante causa de infecção
neonatal precoce nos Estados Unidos, diversos seguimentos sociais liderados
por: Centers for disease Control and Prevention (CDC), College of
obstretricians and gynecologists (ACOG) e American Academy of Pediatrics (PAA)
organizaram-se resultando na década de 90, recomendações de profilaxia
intraparto para prevenção da doença perinatal por SGB. Em 1996 o CDC, Estados
Unidos, publicou as primeiras diretrizes com abordagens clínicas e
laboratoriais: detecção por fatores de risco clínicos (filho anterior com
doença pelo SGB; bacteriúria por SGB na gestação atual, exceto se cesárea
eletiva na ausência de trabalho de parto prematuro (TPP) ou ruptura de
membranas (RM); parto prematuro (PP); ruptura prematura de membranas (RPM) = 18
horas e temperatura intra-parto =38°C);e rastreamento universal da colonização
materna, mediante culturas vaginais e anorretais, entre 35 e 37 semanas de
gestação4.
Em 2002 revisaram-se as diretrizes de 1996, recomendando o rastreamento baseado
em culturas para todas as gestantes entre 35 e 37 semanas, como forma de
identificar as mulheres que receberiam antibióticos profiláticos intraparto2,
por ter o rastreamento universal da colonização, superado a abordagem por
fatores de risco, na diminuição dos casos de sepse precoce por SGB5.
Apesar da redução da doença neonatal por SGB após as práticas de profilaxia
intraparto, a infecção por esse patógeno, ainda liderava as causas infecciosas
de morbimortalidade em RNs nos Estados Unidos6, motivando revisão das
diretrizes de 2002. Em 2010 publicou-se a revisão de 2002, ampliando e
modificando as recomendações anteriores principalmente: técnicas de
laboratório, atualização de algorítimos (TPP, RPM, RN de risco para doença por
SGB), mudanças nas doses de penicilina e no regime de profilaxia de casos de
alergia à penicilina7.
A otimização para detectar o SGB depende de: usar meios seletivos, como o de
Todd-Hewitt enriquecido, ao invés de semeadura direta em placas de ágar-sangue,
pois aumenta os índices de detecção e diminui o número de resultados falso-
negativos, e colher material do ânus e vagina2,8. A taxa de isolamento de SGB é
maior, quando associadas culturas vaginal e anal ou de mais sítios.
2,3,7,9,10,11, 12
Considerando que, não há norma em nosso País, para atender às recomendações do
CDC, e a falta de conhecimento da prevalência de SGB, em nosso meio, optamos
por estudar um grupo de pacientes de risco, TPP e RPM, e identificar nessa
população, a prevalência de colonização do SgB, analisando qual o melhor método
de detecção do SGB, comparando coletas com meio seletivo e não seletivo,
cultivo em ágar-sangue e ágar-CPS e entre culturas vaginais e anorretais.
Métodos
Estudo transversal sobre colonização materna por SGB, em pacientes com TPP e/ou
RPM, para avaliar coletas com meio seletivo e não seletivo, cultivo em ágar-
sangue e ágar-CPS e culturas vaginais e anorretais, na Maternidade Escola Assis
Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (MEAC-UFC), entre maio de 2008 e
julho de 2009. Estudaram-se 112 gestantes com TPP (12) e/ou RPM (100), com
idade gestacional (Ig) < 37 semanas no momento da coleta, calculadas a partir
do primeiro dia da última menstruação, ou de exame ultrassonográfico de 1º
trimestre, adotado o parâmetro mais confiável para cada paciente.
Considerou-se TP, duas ou mais contrações em dez minutos, há mais de uma hora,
e dilatação mínima de três centímetros. Após coleta do material para cultura, a
rotina do serviço era adotada, inclusive com tocólise e antibiótico profilaxia,
quando indicadas.
A RPM foi diagnosticada pelo exame especular e, após coleta de cultura para
SGB, seguiu-se a rotinado serviço, inclusive antibiótico profilaxia. Não
efetuamos tocólise para pacientes com RPM.
Protocolo de atendimento, com a rotina do método de coleta, identificação e
envio do material foi distribuído para os médicos envolvidos no projeto. As
mulheres com critérios de inclusão foram convidadas para o estudo. Após
concordância com o Termo de Consentimento livre e Esclarecido (TClE)
submeteram-se à coleta do material.
Em 71 pacientes, colheram-se dois swabs do terço proximal da vagina, afastando-
se os pequenos lábios. Depois, colheram-se dois swabs anorretais, resultando
284 culturas.
Dois swabs (um anorretal e um vaginal) foram inoculados em meio de transporte
(Stuart), outros dois swabs (um anorretal e um vaginal) foram inoculados em
meio seletivo enriquecido com colistina e ácido nalidixico (Todd-Hewitt-1ml),
identificados e enviados ao setor de microbiologia do Hospital Universitário
Walter Cantídeo da Universidade Federal do Ceará (HUWC-UFC), onde, após 48
horas em estufa, foram semeados em placas de ágar-sangue, mantidas a 35ºC, com
leitura após 48 horas. O Streptococcus agalactiaefoi identificado por CAMP
test, que se baseia na produção, pela maioria das cepas de SGB de hemolisina
difusível (fator CAMP), que com outra hemolisina produzida pelo Staphylococcus
aureus, causa lise completadas hemácias na placa de ágar-sangue, produzindo uma
zona de hemólise característica. Como contraprova ao CAMP, utilizou-se o Pyr,
outro teste de identificação de Streptococcus pyogenes.
Em outro grupo (41 gestantes), colheram-se um swab vaginal e um anorretal,
inoculados em meio seletivo de Todd-Hewitt (3 ml) com a mesma técnica anterior,
obtendo-se 82 culturas. O material dessa amostra é de pacientes da mesma
maternidade (MEAC-UFC) e foi encaminhado ao setor de microbiologia do
LabPasteur, empresa privada do grupo dASA (diagnósticos da América S.A.). Após
24 horas em estufa, os swabs foram semeados em placas de ágar-CPS (Coli,
Proteus, Streptococcus-meio cromogênico em que as colônias de SGB assumem
coloração especial), mantidas em estufa por 24 a 48 horas. As placas com
crescimento microbiológico característico, submeteram-se à sorologia para SGB,
procedimento de identificação semi-automatizada noVITEK.
Os dados foram duplamente digitados, a partir de uma ficha, e conferidos no
software estatístico Epi-Info 6.04 (CDC, USA/OMS).
Como variável dependente analisou-se a colonização materna, com detecção do SgB
em pelo menos uma das seis culturas:1.Anorretal em meio seletivo (Todd-Hewitt),
semeada em ágar-sangue, 2. Anorretal em meio seletivo (Todd-Hewitt), semeada em
ágar-CPS, 3.Anorretalemmeio de transporte (Stuart), semeada em ágar-sangue, 4.
Vaginal em meio seletivo (Todd-Hewitt), semeada em ágar-sangue, 5. Vaginal em
meio seletivo (Todd-Hewitt), semeada em ágar-CPS, 6. Vaginal em meio de
transporte (Stuart), semeada em ágar-sangue.
Como variáveis independentes, relacionadas com a colonização, analisaram-se
fatores sócio-demográficos (idade, estado civil, escolaridade, profissão),
obstétricos e clínicos (número de gestações, de abortos, de consultas de pré-
natal, diagnóstico de entrada e infecção urinária na gestação atual). A
infecção urinária foi aceita como presente se havia a notação no prontuário
médico, quando constava informação específica no cartão da gestante, ou na
ausência destes, a paciente referia a doença, relatando o tratamento efetuado,
sendo este, condizente com a patologia referida.
Analisaram-se média, desvio padrão, percentís, intervalo de confiança (IC=95%),
prevalência e razão de prevalência.Testes significantes se p < 0,05.
Pesquisa submetida à Comissão de Pesquisa do departamento de Tocoginecologia e
ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da MEAC/UFC, protocolo No01/08.
Resultados
A população de 112 gestantes, constitui-se de 60 adolescentes, 91 solteiras, 61
com baixa escolaridade e 58 profissionais do lar. A relação dos fatores sócio-
demográficos e colonização por SGB evidenciou associação significativa com
idade = 20 anos e profissão do lar (Tabela_1
). A maioria, 100 gestantes, apresentavam RPM e apenas 12, TPP. Observou-se 82
pacientes sem abortos prévios, 66 na segunda gestação, 90 com menos de quatro
consultas de pré-natal e 68 com infecção do trato urinário. Destes fatores,
somente a infecção do trato urinário mostrou associação significante com a
colonização materna por SGB (Tabela_2
).
Em 71 gestantes investigadas com meio seletivo (Todd-Hewitt) e de transporte
(Stuart), com cultivo em ágar-sangue, 03 estavam colonizadas: colonização
vaginal com meio seletivo, 02 mulheres (2,9%), e com meio de transporte nas 03
grávidas colonizadas (4,3%). Uma cultura retal positiva com meio seletivo
(1,5%) e com meio de transporte duas (2,9%) (Tabela_3
).
Nas 41 gestantes estudadas apenas em meio seletivo com cultivo em ágar-CPS, a
prevalência foi 17% (07gestantescolonizadas):07 culturas vaginais positivas
(17,0%) e 05 retais (12,1%) (Tabela_4
).
Das 112 gestantes, 10 estavam colonizadas, com 12 culturas vaginais e oito
anorretais positivas. O cultivo em ágar-CPS mostrou superioridade ao ágar-
sangue (Tabela_5
).
DISCUSSÃO
O estudo de 112 gestantes com ruptura prematura de membranas pré-termo (RPMPT)
e/ou TPP mostrou prevalência de 8,9%. Em 71 mulheres investigadas no
laboratório Universitário a prevalência foi 4,3%, e em 41 mulheres estudadas no
laboratório particular, 17%. A população alvo assemelha-se à estudada por
Nomura, que mostrou maior prevalência (27,6%)13. As discrepantes prevalências
entre os grupos condizem com a literatura: o isolamento do SGB depende dos
locais anatômicos de coleta de material, dos meios de cultura utilizados e da
técnica de coleta e processamento das culturas2,12,13, e ainda, da população
estudada15,16. As 112 gestantes são da mesma maternidade, a técnica de coleta
igual em todas, porém, as culturas de 71 mulheres foram semeadas em ágar-
sangue, com identificação do SGB pelo CAMP-test, e nas outras 41gestantes, o
cultivo realizou-se em ágar'CPS, com identificação semi-automatizada (VITEK),
que mostrou maior positividade, conforme dados da literatura: meios
cromogênicos têm maior sensibilidade12,17,18.
A prevalência de 4,3% condiz com resultados brasileiros na literatura, desde
1982 (4% a 27,6%)14,17, mas a de 17%, é compatível com os trabalhos publicados
no Brasil nos últimos anos, mesmo considerando-se as diferenças de método e de
populações analisadas: gestantes em TPP e RPMPT (27,6%)13, gestantes no 3º
trimestre (14,9%)20, gestantes no pré-natal, em TP ou cesárea eletiva(17,9%)21,
parturientes com Ig > 36 semanas(20,4%)22, e gestantes no pré-natal com mais de
35 semanas de Ig(15%)23. Em recente artigo em que avaliou-se a prevalência em
três hospitais libaneses, a taxa situou-se próxima à obtida nesta pesquisa
(17,7%)24. Numa população suíça, entre 1316 gestantes, independente de fatores
de risco (21%)25e em Portugal-hospital do Porto, gestantes entre 35 e 37
semanas de Ig (12,28%)26. As taxas de colonização vaginal superaram as retais,
diferindo dos achados de outros autores3,13, 15, que detectaram taxas mais
elevadas nas culturas retais que nas vaginais.
O meio seletivo de Todd-Hewitt, enriquecido com ácido nalidíxico e colistina,
não foi superior (vaginal = 2,9% -retal =1,5%), ao meio de transporte Stuart
(vaginal = 4,3% -retal = 2,9%), contrariando resultados anteriores que
mostraram superioridade de 98,7% do meio de Tood-Hewitt 2,13.
A colonização das gestantes estudadas mostrou associação com idade > 20 anos,
diferente do observado em população hospitalar libanesa 24. A variável
demográfica profissão do lar aumentou seis vezes a chance de colonização, em
relação ao trabalho fora do lar que, neste estudo, configurou-se fator de
proteção. Estado civil e escolaridade, mostraram forte relação mas não
associação significativa, com a positividade das culturas. As 10 pacientes
colonizadas eram solteiras ou união consensual e em nove destas, o nível de
escolaridade era baixo. Dos fatores obstétricos, ter duas ou mais gestações e
menos que quatro consultas no pré-natal, também relacionaram-se com o
isolamento da bactéria que ocorreu em oito das dez gestantes colonizadas.
Deduz-se, pelos achados, que a colonização é mais frequente em pacientes com
baixo nível sociocultural. Entretanto, como já referido, estes achados não
demonstraram associação significativa com a presença do SGB que configurem
risco.
A infecção urinária na gestação atual esteve significativamente relacionada com
a positividade das culturas. Sabemos que, dentre os fatores de risco que
indicam profilaxia está o fato de ter, na gestação atual, infecção urinária
causada pelo Streptococcus agalactiae. Neste estudo, por desconhecimento dos
germes envolvidos, nenhuma conduta terapêutica pode ser aconselhada. Novas
pesquisas são necessárias para confirmar a associação.
A prevalência do Streptococcus agalactiaefoi importante na população estudada,
relacionando-se à profissão do lar, idade materna = 20 anos e infecção
urinária. A colonização em ágar-CPS foi superior à obtida em ágar-sangue,
resultado semelhante ao de Poisson18. Apesar desses achados, a limitação do
tamanho amostral, implica na realização de novos estudos, utilizando amostra
com poder discriminatório capaz de confirmar nossos resultados.