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EuPTCVHe0871-34132011000500004

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Osteomielite Multifocal Crónica Recorrente: Uma Entidade a Reconhecer!

Introdução A Osteomielite Multifocal Crónica Recorrente (OMCR) é uma entidade clínica descrita a primeira vez por Giedion em 1972 e caracterizada por lesões ósseas não piogénicas, multifocais, que apresentam um curso ondulante de exacerbações e remissões1,2. A sua incidência é baixa, correspondendo a 2 a 5% de todas as osteomielites. Afecta mais o sexo feminino (5:1) e é mais frequente a sua apresentação entre os 4 e os 14 anos de idade.2 A sua etiologia não está totalmente esclarecida, todavia, alguns autores acreditam tratar-se de uma doença auto-inflamatória, dada a frequente associação à doença de Crohn, artropatias seronegativas, psoríase e vasculites.3,4,5Não está, no entanto, ainda excluída a possibilidade de uma causa infecciosa ser directa ou indirectamente responsável pelas alterações imunológicas inerentes.6A OMCR partilha ainda muitas características com a síndrome SAPHO (sinovite, acne, pustulose, hiperostose e osteíte) do adulto, pelo que muitos autores sugerem pertencer a um contínuo do mesmo espectro clínico.3Recentemente foi sugerida uma origem genética dada a maior incidência em gémeos monozigóticos e a associação fenotípica a mutações nos genes LPIN2 nos humanos e PSTPIP2 no rato.3,5 Geralmente os doentes referem dor e limitação da mobilidade, de evolução insidiosa e duração variável (dias a anos), apresentando ainda, por vezes, ao exame objectivo, sinais inflamatórios locais. Os sintomas gerais como febre, emagrecimento e astenia são pouco comuns, podendo contudo surgir manifestações em outros órgãos, nomeadamente pele, olho, pulmão e intestino.1Os estudos analíticos não mostram elevação dos marcadores de infecção/inflamação e os doseamentos de auto-anticorpos e de marcadores tumorais são negativos.7 As metáfises dos ossos longos são os locais mais frequentemente envolvidos embora possa também ocorrer atingimento da clavícula, coluna vertebral e pelve.2inicialmente, nos exames radiográficos, as lesões ósseas podem ser muito ténues ou inespecíficas, sendo necessária a ressonância magnética nuclear (RMN) para a sua melhor caracterização.1todavia, com a progressão da doença, podem tornar-se evidentes alterações líticas e escleróticas na radiografia convencional.8 Pode ainda ser necessário o recurso à cintigrafia óssea e à RMN de corpo inteiro para identificar outras lesões activas, não sintomáticas.1 A nível histológico, a OMCR cursa com alterações inflamatórias caracterizadas, na fase inicial, por infiltração granulocítica e, posteriormente, por substituição destas células por linfócitos, plasmócitos e monócitos, com progressiva formação de fibrose e hiperostose.9,10Os estudos microbiológicos do fragmento ósseo são obrigatoriamente negativos.7 A OMCR é um diagnóstico de exclusão e, como tal, é primordial a diferenciação com outras patologias mais comuns de apresentação semelhante: neoplasias, osteomielite bacteriana, artrite idiopática juvenil, fractura óssea, osteoporose, hipofosfatasia.11 No entanto, mesmo após exclusão de outras patologias, nem sempre é fácil a sua identificação, pelo que têm sido propostos diferentes critérios de diagnóstico (Tabela_1).2,7

Nestes doentes, está recomendada terapêutica anti-inflamatória, contínua ou intermitente.12 Os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) são os fármacos de primeira-linha (remissão em 85% dos doentes), seguindo-se a sulfasalazina e os corticoesteróides, e, nas formas graves e refractárias, terapêutica imunossupressora, bifosfonatos ou bioterapias.4,7,12 Os antimicrobianos são ineficazes e não estão indicados.4 O prognóstico da OMCR é geralmente bom; todavia, em cerca de 25% dos doentes os sintomas podem persistir além da puberdade e, dada a ocorrência desta doença durante a fase de maior crescimento, com as lesões a localizarem-se preferencialmente junto às fises, podem surgir complicações graves como fusão prematura das epífises e deformidades ósseas.1,13,14 É, desta forma, fundamental que seja mantida vigilância destes doentes até ao final do crescimento somático.

Caso clínico Apresenta-se o caso clínico de uma doente do sexo feminino, de 10 anos de idade, sem antecedentes patológicos de relevo, conduzida a um serviço de urgência Pediátrico por apresentar início súbito de dor lombar intensa com escoliose associada, com cinco dias de evolução, sem febre ou outras queixas.

Na anamnese foi negada a ocorrência de traumatismo, infecção prévia, vacinação, viagens recentes e ingestão de lacticínios não pasteurizados. Ao exame físico, era apenas evidente escoliose, dor à palpação das apófises espinhosas de L3 a L5, contractura dos músculos paravertebrais e limitação da flexão lombar. O hemograma, a proteína C reactiva e a velocidade de sedimentação apresentavam-se dentro dos parâmetros normais. As culturas bacterianas, a pesquisa de auto- anticorpos, as serologias de sífilis e brucelose e os marcadores tumorais foram negativos. Na radiografia da coluna lombar não foram identificadas alterações mas na RMN era evidente lesão no corpo de L5 (Figura_1,_imagem_A). A histologia da biópsia da lesão óssea mostrou alterações inflamatórias, com focos de tipo granulomatoso e microabcessos. Os estudos bacteria-nos e micobacterianos ósseos foram negativos e o mielograma e a fenotipagem normais. Progressivamente, e apenas com terapêutica sintomática (AINEs), verificou-se melhoria da sintomatologia. Cerca de 4 meses depois iniciou queixa de gonalgia à esquerda, que condicionava claudicação. Ao exame objectivo apresentava ainda posição antálgica escoliótica e dor à palpação da apófise espinhosa de L5 e sacro. Os exames analíticos e culturais foram, uma vez mais, negativos. A RMN da coluna lombossagrada revelou regressão da lesão do corpo de L5 mas aparecimento de edema na asa direita do sacro. A cintigrafia óssea (Figura_1,_imagem_B) mostrou focos de hiperfixação nas articulações coxofemoral esquerda e sacroilíaca direita. Atendendo à persistência da negatividade de processos patológicos infecciosos, neoplásicos e reumatológicos mais comuns, e ao atingimento multifocal inflamatório ósseo, com flutuação da sintomatologia e das lesões, foi sugerido o diagnóstico de Osteomielite Multifocal Crónica Recorrente e iniciado tratamento com indometacina, com melhoria franca dos sintomas e das lesões. Após 4 anos de seguimento a doente permanece assintomática.

Discussão A lombalgia, com ou sem escoliose, é relativamente frequente na adolescência, principalmente no sexo feminino, traduzindo maioritariamente alterações funcionais. No entanto, a sua instalação súbita, sobretudo quando de grande intensidade, obriga a uma avaliação minuciosa para exclusão de quadros menos benignos, nomeadamente tumorais, traumáticos, infecciosos e inflamatórios. De facto, devem ser sempre considerados os tumores primários (osteoma osteóide, ) ou secundários (metástases, invasão leucémica), os traumatismos compatíveis com fractura do complexo discovertebral, os processos infecciosos (osteomielite, discite) e as patologias inflamatórias (espondiloartropatias), o que justifica a diversidade dos estudos complementares (RMN, biópsia, mielograma, estudos microbiológicos, imunológicos ) efectuados na avaliação inicial da doente.

A OMCR, embora frequentemente associada a lesões dos ossos longos, pode atingir os corpos vertebrais e condicionar posição escoliótica, deformidades, colapso vertebral e compressão medular. Na nossa doente, apesar do envolvimento de duas das estruturas ósseas menos frequentemente atingidas na OMCR, coluna e pelve, verificou-se evolução adequada, com resolução da dor, das alterações posturais e imagiológicas.

A OMCR é considerada uma doença pouco frequente, porém, dado o seu carácter oscilante e o facto de se tratar de um diagnóstico de exclusão, é possível que a sua verdadeira incidência esteja subestimada. tal como aconteceu no presente caso clínico, a abordagem inicial comportou a realização de múltiplos exames complementares, analíticos e imagiológicos, alguns deles invasivos, na tentativa de um esclarecimento das lesões ósseas inespecíficas. Perante a negatividade de todo o percurso diagnóstico e sobretudo na presença de três critérios major (lesões ósseas multifocais, biópsia óssea estéril com sinais de inflamação, lesões ósseas líticas nos exames radiológicas) e vários critérios minor de Jansson, foi considerada a hipótese de uma Osteomielite Multifocal Crónica Recorrente. A suspeita desta entidade evitou a repetição ulterior de exames complementares mais invasivos e a instituição mais assertiva da terapêutica, que se revelou eficaz na resolução do quadro clínico.


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