Efeito conjunto da exposição à poluição do ar e aos ácaros do pó sobre as vias
aéreas
INTRODUÇÃO
A asma é uma doença respiratória inflamatória crónica, caracterizada
clinicamente por episódios recorrentes de tosse, sibilância e dispneia. Desde
há várias décadas que tem sido estudada a hipótese de que factores ambientais,
nomeadamente os relacionados com a qualidade do ar, possam contribuir para o
seu agravamento. A grande maioria dos casos de asma, particularmente na
criança, é descrita como asma alérgica1. Nestas situações constata-se a
existência de uma sensibilização a aeroalergénios, que pode estar associada a
um agravamento da doença1. Os ácaros do pó constituem a principal
sensibilização a aeroalergénios nos países ocidentais, sendo os ambientes
interiores os seus principais reservatórios2.
A relação entre a exposição alergénica e o agravamento da asma foi assimilada
nas últimas décadas não só pela comunidade médica mas também pela população em
geral, constituindo uma justificação comprovada para o agravamento de sintomas
respiratórios2,3. No entanto, para além dos aeroalergénios, outros factores
ambientais estão associados ao agravamento das doenças respiratórias. De facto,
diversos estudos4 têm demonstrado que a poluição atmosférica pode induzir um
agravamento da asma. O ar respirado contém uma variedade de poluentes
atmosféricos provenientes quer de fontes naturais5 quer de origem
antropogénica6, designadamente de actividades industriais, domésticas ou da
emissão de veículos. Estes poluentes, tradicionalmente considerados como um
problema de foro ambiental, têm sido cada vez mais encarados como um problema
de saúde pública responsável pelo aumento da mortalidade e morbilidade
humanas7.
Também a qualidade do ar interior, em termos de poluentes, tem sido associada a
queixas respiratórias, não só em estudos de foro ocupacional mas também em
trabalhos que efectuaram avaliações do ar em habitações8.
Os ambientes interiores sofreram grandes alterações nas últimas décadas. Se é
verdade que foi introduzido um vasto número de novos materiais, como
mobiliários, tintas, vernizes e produtos de limpeza, observou-se por outro lado
uma tendência crescente para uma menor ventilação dos espaços interiores, com o
intuito de conservar a energia dos edifícios. Estas alterações da ventilação
foram fruto não só de alterações das características de construção, mas também
de hábitos dos seus ocupantes.
Apesar do conhecimento científico existente sobre os efeitos nefastos da
poluição atmosférica9, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde4,
verifica-se que até à data não ocorreu uma adequada transposição destas
preocupações para a população geral, nomeadamente no que toca a qualidade do ar
interior.
Foi concluído pelo nosso grupo10,11 que a exposição individual a poluentes do
ar influencia as vias aéreas de crianças com história de sibilância. O presente
trabalho
pretendeu avaliar se o efeito da exposição individual a poluentes atmosféricos
em termos de função respiratória persistia quando se tem em consideração o grau
de infestação de ácaros do pó doméstico.
MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia utilizada foi desenvolvida no âmbito do Projecto Saud'Ar ' A
saúde e o ar que respiramos. Tratou-se de um estudo prospectivo, de painel, que
decorreu na cidade de Viseu, um município de características não industriais
com aproximadamente 50 000 habitantes, localizado no centro norte de Portugal.
Viseu foi selecionada no âmbito do estudo pelas suas características de
desenvolvimento emergente e por ter uma população jovem, comparativamente a
outras cidades portuguesas.
Protocolo da avaliação médica
A metodologia detalhada deste projecto encontra-se descrita10,11. Após a
aprovação pela Comissão de Ética do Hospital de São Teotónio, foi iniciado o
estudo que envolveu a aplicação inicial do questionário do estudo ISAAC '
International Study of Asthma and Allergies in Childhood. O questionário foi
distribuído durante o mês de Dezembro de 2005 a todos os alunos de quatro
escolas do 1.º ciclo da cidade de Viseu, com o intuito de identificar crianças
que apresentassem história de sibilância nos 12 meses anteriores, tendo sido
preenchido pelos pais das crianças.
As escolas incluídas foram previamente seleccionadas de acordo com a sua
capacidade e localização, tendo sido escolhidas as duas maiores escolas do
centro da cidade (escolas urbanas) e as duas maiores localizadas fora do anel
rodoviário de Viseu (escolas suburbanas).
Após a assinatura do consentimento informado, foi proposto aos pais das
crianças identificadas com história de sibilância que participassem no estudo,
composto por quatro visitas, de acordo com o seguinte calendário: Janeiro de
2006 (visita 1), Junho de 2006 (visita 2), Janeiro de 2007 (visita 3) e Junho
de 2007 (visita 4). Todas as crianças participantes foram avaliadas durante a
mesma semana do mês no Serviço de Pneumologia do Hospital de São Teotónio. Como
critérios de exclusão foram consideradas a existência de doenças
neuromusculares, psiquiátricas ou de outra doença pulmonar que não asma.
Em todas as visitas, após uma avaliação clínica, as crianças efectuaram no
mesmo dia uma espirometria com prova de broncodilatação.
Avaliou-se a sensibilização a aeroalergénios, na primeira e na última visita,
através de testes cutâneos por picada.
Efectuaram -se testes cutâneos (Leti®, Madrid, Espanha), com os seguintes
extractos: controlo positivo (histamina 10mg/ml), controlo negativo (solução
fenolada), Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, epitélio
de cão, epitélio de gato, barata germânica, alternária, pólenes de gramíneas
(mistura), oliveira, parietária, cipreste, bétula e carvalho. A introdução de
extractos na pele foi efectuada mediante a utilização de lancetas descartáveis
(Stallerpoint®, Stallergènes, Paris, França).Foi considerado resultado positivo
uma pápula com eritema com diâmetro médio superior a 3mm.
Ainda sob orientação da equipa médica, foi proposto aos pais que fosse avaliado
o índice de infestação de ácaros nos colchões das crianças.
Espirometria com prova de broncodilatação
Este exame foi efectuado de acordo com as recomendações da AmericanThoracic
Societye da European Respiratory Society12. O espirómetro utilizado foi um
Vitalograph®Compact(Buckingham, Reino Unido). Efectuou-se uma espirometria
antes e 15 minutos após a administração de broncodilatador (200μg de
salbutamol). Os resultados foram expressos em percentagem do valor previsto, de
acordo com as equações de referência de Polgar13 . Para a análise final foram
consideradas como variáveis o FEV1 (volume expiratório forçado no 1.º segundo),
relação FEV1/FVC (capacidade vital forçada), FEF25 -75%(débitos expiratórios
entre 25 e 75% da capacidade vital forçada) e o Δ FEV1 (variação do FEV1 após
administração do broncodilatador).
Avaliação da infestação de ácaros
A medição da exposição alergénica fez-se a partir de amostras do pó recolhidas
segundo critérios de aspiração padronizados (numa área de 1m2 durante dois
minutos)14, escolhendo-se amostras provenientes dos colchões das crianças
participantes por serem considerados os reservatórios alergénicos de maior
representativi dade15. Posteriormente, foi efectuado o doseamento
semiquantitativo da guanina através do método Acarex-Test® (Allergopharma,
Reinbek, Alemanha) sendo os resultados colorimétricos traduzidos em 4 classes:
sem infestação, infestação leve, infestação média e infestação forte. O Acarex-
Test® correlaciona'se com a medição através de anticorpos monoclonais16
. Valores de 2μg de Der p 1 por grama de pó (factor de risco para
sensibilização) corresponderão à classe 1 do teste da guanina; valores de 10μg
de Der p 1 por grama de pó (factor de risco para exacerbação de asma) corres
ponderão à classe 3 do teste da guanina17. As colheitas de pó foram efectuadas
por um técnico ambiental nas visitas 1, 3 e 4. Na visita 2, não foram
efectuadas avaliações.
Protocolo de avaliação dos poluentes no ar ambiente
As medições foram efectuadas pelo Departamento de Planeamento e Ordenamento do
Território da Universidade de Aveiro. Duma forma sumária este trabalho envolveu
avaliação da qualidade do ar, modelação da qualidade do ar e o cálculo da
exposição individual, através de metodologia já reportada10,11. Para o cálculo
da exposição individual a poluentes do ar, foi tida em conta a avaliação do
perfil da actividade diária de cada criança (perfil de actividade-tempo), o que
permitiu a identificação dos diversos microambientes frequentados pela criança
e o tempo passado em cada um deles durante uma semana escolar (de segunda a
sexta-feira). A avaliação da qualidade do ar em cada microambiente identificado
(exterior ou interior) foi realizada utilizando uma abordagem que envolveu
medições de campo e modelagem da qualidade do ar, para caracterizar as áreas
onde as medições não foram passíveis de ser realizadas. Os microambientes
avaliados foram a casa da criança e a respectiva escola.
Os poluentes para os quais se calculou a exposição individual foram: PM10, O3,
NO2 e BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno, xilenos) e formaldeído. O BTEX e o
formaldeído fazem parte do grupo dos compostos orgânicos voláteis (COVs).
Análise estatística
Inicialmente foi efectuada uma análise exploratória das variáveis de interesse.
As variáveis resposta consideradas foram as variáveis espirométricas: (FEV1,
relação FEV1/FVC, FEF25 -75%e ΔFEV1).
Para a avaliação das medidas repetidas foram utilizados modelos de regressão
que consideram a estrutura de dependência existente entre as medidas obtidas ao
longo do tempo (modelos para dados longitudinais). Os parâmetros destes modelos
foram estimados através das equações de estimação generalizadas (generalized
estimating equations' GEE) com uma matriz de correlação de trabalho uniforme
(exchangeable).
Efectuou-se primeiramente uma análise univariada para identificar as variáveis
que, por si só, se encontravam associadas a cada uma das variáveis resposta.
Para além dos poluentes e do grau de infestação de ácaros, as diferentes
variáveis independentes avaliadas foram: idade, sexo, altura, peso, tabagismo
paterno, escolaridade dos pais, sensibilização a aeroalergénios, número da
visita, temperatura média, humidade média relativa no dia da visita médica,
existência de irmãos mais velhos, bolor ou humidade em casa, lareira e presença
de animais domésticos (cão ou gato). Na análise multivariável, para além do
efeito do poluente e do índice de infestação dos ácaros do pó, incluíram -se as
outras variáveis independentes que, na análise univariada, se associaram à
respectiva variável dependente (assumindo -se somente para este efeito um valor
p < 0,15). A idade, o sexo e a altura não foram contemplados na análise
multivariável relativa ao FEV1 e FEF25-75%, porque estas variáveis resposta já
entram em consideração com esses parâmetros. Como resultado, para além dos
poluentes e do grau de infestação de ácaros, os modelos finais incluíram ainda:
modelo com FEV1como variável resposta, ajustado para a visita, escolaridade dos
pais e presença de fungos / humidade em casa; modelo com FEV1/FVC como variável
resposta, ajustado para a visita, presença de fungos/humidade em casa, humidade
média relativa no dia da visita e presença de lareira em casa; modelo com FEF25
-75%como variável resposta, ajustado para a visita, existência de irmãos mais
velhos, presença de fungos/humidade em casa e presença de lareira em casa;
modelo com ΔFEV1% como variável resposta, ajustado para a visita, idade,
escolaridade dos pais, presença de fungos / humidade em casa e presença de
lareira em casa. É de referir que estes modelos tiveram em consideração somente
os dados relativos às visitas 1, 3 e 4, em virtude de não se ter avaliado o
grau de infestação dos ácaros na visita 2.
Os coeficientes de regressão e respectivos intervalos de confiança a 95% foram
calculados para um aumento da exposição de 10 μg/m3/semana de poluente do ar. O
nível de significância considerado foi de 0,05. No entanto, valores p
superiores a 0.05 e inferiores a 0,1 foram reportados. Para o tratamento dos
dados utilizou-se o programa Stata (StataCorp LP, Texas, EUA) para o Windows.
RESULTADOS
Dos 806 questionários do estudo ISAAC distribuídos aos alunos das escolas
participantes, foram devolvidos 645 (80%). Destes, 77 (11,7%) referiram queixas
de sibilância nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário. Após um
primeiro contacto telefónico, 54 pais das crianças com queixas de sibilância
demonstraram interesse em que os seus filhos participassem no estudo. Tratando-
se de um trabalho com medidas repetidas, na análise final só foram consideradas
as 51 crianças que participaram em todas as fases. A descrição da amostra no
início do estudo é apresentada no Quadro 1. A maioria das crianças era do sexo
masculino (55%), com uma idade média no início do estudo de 7,3 ± 1,1 anos.
Vinte e sete (53%) encontravam-se sensibilizadas a aeroalergénios. As
sensibilizações mais comuns encontradas nos testes cutâneos por picada foram
para os ácaros do pó doméstico (21 crianças) e para pólen de gramíneas (18
crianças). A maioria das crianças não apresentou alterações no exame funcional
respiratório ao longo do estudo (Quadro 2).
Quadro 1. Descrição da amostra
Quadro 2. Análise descritiva das variáveis resposta (parâmetros
espirométricos). Os resultados são expressos como mediana [percentil 25 '
percentil 75]
A análise descritiva do grau de infestação dos colchões das crianças, para cada
visita, consta do Quadro 3. No total foram efectuadas 131 medições. De referir
que um elevado número de colchões, em cada visita, apresentou um grau de
infestação moderado ou forte. A quantificação da exposição individual a
poluentes nas visitas 1, 3 e 4 é apresentada no Quadro 4. Com excepção dos
valores de PM10, a maioria dos valores de exposição foi baixa.
Quadro 3. Resultados da avaliação do grau de infestação de ácaros do pó
doméstico dos colchões das crianças. Para cada visita e para cada grau de
infestação é apresentado o número de colchões
Quadro 4. Quantificação da exposição total das crianças, para os diversos
poluentes do ar (μg/m3/semana). Os resultados são expressos como mediana
[mínimo ' máximo] para cada visita
Na análise univariada, como esperado, verificou-se que o nível crescente de
infestação de ácaros do pó se associou negativamente aos parâmetros
espirométricos, designadamente o FEV1/FVC (-1,35; IC 95%: -2,37 a -0,33; p =
0,009), FEF25 -75%(-2,14; IC 95%: -4,98 a -0,70; p = 0,023), e Δ FEV1 (1,19; IC
95%: 0,03 a 2,36; p = 0,044). Para o FEV1, o coeficiente de correlação foi
negativa, não tendo no entanto alcançado significado estatístico (-1,29; IC
95%: -2,28 a -0,69; p = 0,202).
Atendendo a estes resultados e outros anteriormente publicados10,11, onde se
constatou associação entre a deterioração da função respiratória e a exposição
individual a PM10, NO2, benzeno, tolueno e etilbenzeno, foram criados modelos
específicos para cada variável resposta, com o intuito de avaliar o efeito
conjunto da exposição aos poluentes e do grau de infestação de ácaros.
No Quadro 5 são apresentados os coeficientes de correlação resultantes da
análise multivariável, que incluiu o efeito dos poluentes e do grau de
infestação de ácaros do pó. Podemos verificar que o aumento médio individual de
exposição a PM10 nas semanas estudadas manteve uma tendência de associação com
a deterioração dos parâmetros funcionais respiratórios: uma diminuição do FEV1
(-1,83; IC 95%: -3,38 a -0,28), FEV1/FVC (-0,83; IC 95%: -1,72 a 0,06) e um
aumento de ΔFEV1 (1,07; IC 95%: 0,20 a 1,94). Foram também encontradas
associações entre um aumento da exposição ao NO2 e uma redução do FEV1( -7,39;
IC 95%: -12,96 a -1,82), FEV1/FVC ( -3,64; IC 95%: -6,82 a -0,46), FEF25 -75%
( -6,01; IC 95%: -10,94 a -1,09), e um aumento de ΔFEV1 (2,44; IC 95%: -0,39 a
5,28). Após o ajustamento, não foi encontrada nenhuma associação com o ozono.
Quadro_5.
Análise multivariada ' Associação entre a exposição a poluentes do ar e
variáveis espirométricas, com ajustamento para o grau de infestação de ácaros
do pó (coeficientes de regressão, IC 95%, valor p)
O benzeno, tolueno e etilbenzeno foram os COVs para os quais se encontraram
associações significativas (Quadro 5) entre o aumento da exposição a poluentes
e alterações das vias aéreas, estando os três relacionados com a deterioração
da função pulmonar. Para o benzeno encontramos uma diminuição significativa do
FEV1 (-5,23; IC 95%: -8,01 a -2,45), FEV1/FVC (-2,04; IC 95%: -3,62 a -0,47),
FEF25 -75% (-7,15; IC 95%: -11,20 a -3,09) e um aumento de ΔFEV1 (3,19; IC 95%:
1,25 a 5,13). O tolueno associou -se a uma diminuição do FEV1 (-0,90; IC 95%: -
1,87 a 0,07) e a um aumento de ΔFEV1 (0,74; IC 95%: 0,16 a 1,32). Para o
etilbenzeno observamos uma diminuição do FEV1 ( -1,90; IC 95%: -3,43 a -0,38),
FEF25 -75%(-2,69; IC 95%: -4,86 a -0,52) e um aumento de ΔFEV1(1,31; IC 95%:
0,21 a 3,77).
De salientar ainda que o efeito do grau de infestação de ácaros do pó
permaneceu significativo em todos os modelos para o FEV1/FVC e FEF25 -75%,tal
como assinalado no Quadro_5. Na Figura 1 encontra -se a representação gráfica
do efeito do grau de infestação de ácaros do pó sobre a relação FEV1/FVC. São
apresentados os coeficientes de regressão resultantes da análise univariada e
das análises multivariáveis, que incluíram o efeito dos diversos poluentes.
Figura 1.Coeficientes de regressão (CR) e respectivos intervalos de confiança a
95%, relativos ao efeito do grau de infestação de ácaros do pó sobre a relação
FEV1/FVC. São apresentados os CR ajustados para os diferentes poluentes (+
Poluente) e o CR relativo à análise univariada da variável de infestação de
ácaros(isolado). Os coeficientes interpretam-se como alterações percentuais na
relação FEV1/FVC, por aumento de classe de infestação. A linha tracejada
corresponde à ausência de associação. Um CR situado à esquerda dessa linha
indica existência de associação com diminuição da relação FEV1/FVC. Pelo
contrário, um resultado localizado à direita da linha tracejada indicaria
existência de associação com um aumento da relação FEV1/FVC.
DISCUSSÃO
No presente trabalho procurou-se avaliar os efeitos da poluição do ar sobre as
vias aéreas de crianças com sibilância, entrando em linha de conta com o grau
de infestação de ácaros do colchão da cama da criança. Para tal, seleccionou-se
uma população de crianças com história de sibilância através do questionário do
estudo ISAAC, assumindo que este grupo seria particularmente susceptível18 aos
efeitos da poluição do ar e dos ácaros do pó doméstico. Verificámos que um
elevado número de colchões dos participantes apresentava um grau de infestação
de ácaros moderado ou forte em cada uma das visitas. Constatámos ainda que a
exposição crescente aos ácaros do pó, tal como esperado19, se associou na
análise univariada, a uma diminuição dos débitos pulmonares, nomeadamente da
relação FEV1/FVC e do FEF25 -75%e a um aumento da resposta ao broncodilatador.
Esta associação reforça a importância dos ácaros do pó no agravamento da
obstrução brônquica e o seu papel na broncomotricidade das vias aéreas.
Sendo os ácaros do pó um factor ambiental importante para a exacerbação da
doença respiratória, será importante entrar em consideração com esta variável
quando avaliamos a importância dos poluentes atmosféricos. Foi isto que
procurámos fazer, tendo-se verificado que tanto a exposição a poluentes como a
exposição aos ácaros do pó persistiram significativos no modelo final que
incluiu estas variáveis. Os resultados sugerem que ambas as exposições são
importantes numa criança com história de sibilância.
A avaliação combinada dos efeitos dos poluentes do ar e de alergénios, apesar
de conhecida20-22, não tem sido considerada. Nielsen et al23, num trabalho de
revisão, concluiu que o potencial efeito adjuvante de exposições químicas e não
químicas (como os alergénios) do ar interior, terá pouco suporte científico.
A maioria dos estudos publicados sobre o impacto da poluição nas vias aéreas
tem-se centrado num número reduzido de poluentes, habitualmente medidos no ar
exterior. Em muitos destes trabalhos partiu-se do pressuposto de que a
concentração de um poluente num determinado local corresponde ao valor de
exposição desse mesmo poluente. Por outro lado, assumem que toda a população
próxima do ponto de medição tenha idênticos níveis de exposição. Acresce ainda
que, dado grande parte do tempo das nossas crianças ser passado em ambientes
interiores, as concentrações de poluentes medidas no ar exterior não
reflectirão a verdadeira exposição de poluentes. Isto será verdade nomeadamente
para os poluentes cujas fontes emissoras se encontrem em ambientes interiores.
Durante muitos anos foi dada especial atenção à qualidade do ar exterior, tendo
sido criada legislação para regulamentar os limites máximos de concentração de
poluentes clássicos, como PM10, ozono, NO2, SO2 e CO. O direccionar da atenção
para a qualidade do ar interior é fruto da constatação de que uma elevada
percentagem do nosso tempo é passado no interior dos edifícios. Os COVs são dos
poluentes do ar interior mais característicos. As concentrações de COVs no ar
interior podem ser 5 a 10 vezes superiores às encontradas no ar exterior8.
Poucos estudos portugueses avaliaram a poluição do ar interior. No estudo
Habit'Ar24 foram avaliados diversos poluentes em 557 casas do continente
português, observando-se que em 60% das casas a qualidade do ar interior era
deficitária. Não foram no entanto alcançadas associações significativas com os
parâmetros de saúde estudados, quando os poluentes foram avaliados duma forma
individualizada. Num outro trabalho português, em escolas da cidade do Porto25
, concluiu-se que valores aumentados de CO2 e de COVs no ar interior se
associavam a doença respiratória.
Referência ainda a um estudo ecológico, efectuado na cidade de Lisboa26, em que
foram encontradas associações entre os níveis de partículas medidos no ar
exterior e deslocações ao Serviço de Urgência do Hospital de Dona Estefânia,
por queixas respiratórias.
De uma forma geral, os estudos publicados, e para os COVs, poderemos mesmo
afirmar que a totalidade dos estudos abordaram a exposição à poluição do ar de
uma forma sectorizada em ar interior ou ar exterior. Esta é de facto uma
das mais-valias do presente estudo, dado que as associações alcançadas são
fruto duma estratégia de cálculo de exposição, que envolveu não só os ambientes
interiores mais importantes frequentados pela criança, mas também medições no
ar exterior associadas a técnicas de modelação da qualidade do ar.
Optámos por um estudo prospectivo, com medidas repetidas, com avaliações
médicas padronizadas, avaliações de exposição a diferentes poluentes e também
do grau de infestação de ácaros do pó doméstico. Verificou-se que a exposição
aos poluentes atmosféricos tem um efeito importante sobre as vias aéreas, mesmo
após o ajustamento para o grau de infestação de ácaros do pó. Este efeito foi
notório em diversos dos poluentes estudados, mas destaca-se pelo seu carácter
original o efeito dos COVs, que mesmo em baixas concentrações se associaram a
um agravamento das vias aéreas, num grupo de crianças susceptível.
Com excepção do fumo do tabaco, a poluição do ar interior não tem sido abordada
de uma forma sistemática.
É nos ambientes interiores que encontramos as maiores concentrações de ácaros
do pó15,21,27, os principais alergénios respiratórios. Os ácaros do pó
doméstico, nomeadamente o Derma tophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides
farinae e Lepidoglyphus destructor,são apoados como capazes de desencadear
queixas de asma nos doentes alérgicos2,28. Valores de 10 μg de Der p 1 por
grama de pó, que corres pondem à classe 3 do Acarex-Test®, corresponderão a uma
concentração de alergénio indutora de queixas29,30.
Apesar dos resultados do teste de quantificação de guanina não serem tão
precisos como os obtidos com os métodos de quantificação através de anticorpos
monoclonais, esta é uma forma de medição que se encontra validada16,31.
CONCLUSÃO
O presente trabalho vem reforçar o interesse dos poluentes do ar, nomeadamente
os associados a ambientes interiores, frequentemente esquecidos e que poderão
ser explicativos do agravamento duma criança com sibilância.
As crianças encontram-se frequentemente expostas a COVs em diversas actividades
escolares ou até nas suas casas, ao manipular colas, tintas, plasticina ou
vernizes.
A exposição a estes poluentes, à semelhança do que acontece com a exposição aos
ácaros do pó, parece influenciar os débitos das vias aéreas de crianças com
história de sibilância. O efeito dos poluentes sobre as vias aéreas persiste,
mesmo quando se entra em consideração com o grau de infestação de ácaros do pó
doméstico.