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EuPTCVHe0871-97212012000300005

EuPTCVHe0871-97212012000300005

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Polissensibilização a pólenes analisada e reinterpretada à luz do método ImmunoCAP ISAC®

INTRODUÇÃO Para o tratamento da doença alérgica respiratória dispomos de diversas armas terapêuticas, farmacológicas e não farmacológicas. Destas, apenas a imunoterapia específi ca (IE) é dirigida ao agente causal e potencialmente curativa1. O efeito terapêutico pode ser duradouro e prevenir a progressão de formas ligeiras para formas mais graves de doença alérgica2,3.

Até à data, a selecção dos doentes com indicação para iniciarem tratamento com IE e a definição da sua composição em alergénios é feita com base nos resultados dos exames complementares de diagnóstico que detectam a presença de IgE específica para a fonte alergénica em causa: testes cutâneos por picada (TC) e determinação de IgE específica sérica (IgEe) por métodos laboratoriais.

De acordo com as recomendações internacionais1,4, os doentes com sensibilização a múltiplos alergénios não serão os candidatos ideais para iniciarem IE.

Ao contrário dos métodos de diagnóstico clássicos, que detectam a presença de IgE para um extracto contendo inúmeras proteínas, as técnicas de diagnóstico molecular ' Component Resolved Diagnosis(CRD) ' identificam a presença de IgEe para proteínas individuais, permitindo uma melhor caracterização do perfil de sensibilização de cada doente5-8. Estas proteínas podem ser específicas/ exclusivas de determinadas fontes alergénicas ' componente alergénico específico de espécie ' ou podem existir em múltiplas fontes alergénicas ' panalergénio / componente alergénico marcador de reactividade cruzada (RC).

Deste modo, perante doentes com TC ou IgEe positivos para múltiplas fontes alergénicas, as técnicas baseadas em CRD podem permitir descriminar entre sensibilização primária a determinada fonte alergénica e RC por sensibilização a panalergénios7-9.

Nos doentes sensibilizados a vários pólenes, a distinção entre a sensibilização primária e a RC assume particular importância quando se pondera iniciar IE.

Para além dos dados da história clínica (e tendo em consideração a localização geográfica do doente, uma vez que esta influencía o tipo de exposição alergénica)10, a identificação dos componentes moleculares aos quais o doente está sensibilizado poderá ser determinante na decisão terapêutica ' a identificação de IgEe para marcador alergénico específico de espécie permite optimizar a selecção de doentes com indicação para iniciarem IE5,7,11e identificar de forma mais precisa os alergénios relevantes.

O ImmunoCAP ISAC® (ISAC) é uma técnica de microarrayque, à data de realização deste estudo, permitia a detecção de IgEe para 103 alergénios moleculares de diversas fontes alergénicas, incluindo 26 alergénios de 14 pólenes. O leque de alergénios presentes no teste inclui proteínas específicas de espécie e os principais panalergénios identificados, tendo deste modo o potencial para distinguir sensibilizações primárias de sensibilizações por provável reactividade cruzada12.

OBJECTIVO Analisar os resultados obtidos com o método ISAC em doentes com doença alérgica respiratória e com testes cutâneos por picada sugestivos de polissensibilização a pólenes.

MÉTODOS Foram seleccionados para este estudo 34 doentes seguidos na consulta de Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia ' Centro Hospitalar de Lisboa Central.

Os critérios de selecção dos doentes incluíram: diagnóstico clínico de doença alérgica respiratória ' rinite alérgica e/ou asma brônquica; TC com positividade para dois ou mais dos extractos de pólenes testados.

Os TC foram realizados com extractos comerciais estandardizados; para além de extractos de ácaros, fungos e faneras, a bateria incluía os seguintes pólenes: oliveira (Olea europaea), parietária (Parietaria judaica), bétula (Betula verrucosa), plátano (Platanus acerifolia), mistura de gramíneas (Holcus lanatus, Dactylis glomerata, Lolium perenne, Phleum pratense, Poa pratensis, Festuca pratensis), artemísia (Artemisia vulgaris), plantago (Plantago lanceolata), quenopódio (Chenopodium album), salsola (Salsola kali). Os TC foram efectuados na face anterior do antebraço, de acordo com a metodologia recomendada3, utilizando lancetas metálicas com 1 mm de penetração ' uma lanceta por picada; controlo positivo (histamina 10 mg/ml) e controlo negativo (solução de glicerol). A leitura dos resultados foi efectuada aos 15 minutos, considerando como cut -offde positividade a existência de um diâmetro médio de pápula 3mm em relação ao controlo negativo.

Em todos os doentes procedeu-se à identificação de anticorpos IgEe para componentes alergénicos moleculares nos respectivos soros, através da metodologia ISAC. Os resultados foram expressos em ISAC Standardized Units (ISU); o cut -offde positividade considerado foi de 0,3 ISU.

Foram analisados apenas os resultados obtidos para os pólenes testados por ambos os métodos de diagnóstico, TC e ISAC: salsola (Salsola kali), artemísia (Artemisia vulgaris), oliveira (Olea europaea), mistura de gramíneas, plátano (Platanus acerifolia), parietária (Parietaria judaica) e bétula (Betula verrucosa). Os alergénios moleculares presentes no ISAC para estes pólenes estão discriminados no Quadro 1.

Quadro 1.Alergénios moleculares dos pólenes estudados incluídos no ISAC

RESULTADOS A mediana de idade dos 34 doentes incluídos foi de 18 anos (mínimo ' 4; máximo ' 50), com um discreto predomínio do sexo masculino (56%). Todos os doentes tinham rinite alérgica, sendo que 20 (59%) tinham também diagnóstico de asma brônquica.

Tendo em conta a totalidade de pólenes testados, a mediana do número de TC positivos por doente foi 4 (mínimo ' 2; máximo ' 9). No Quadro 2, apresentamos o número de doentes com resultados positivos em cada um dos métodos ' no ISAC, aceitámos como positivos os pólenes em que era detectável IgE para pelo menos um dos componentes moleculares presentes no teste. Nos TC, o maior número de resultados positivos foi obtido com a mistura de gramíneas (n=33; 97%), sendo a bétula o pólen com menos resultados positivos (n=10; 29%). No ISAC, à semelhança do que se verificou nos TC, as gramíneas são o pólen para o qual existe maior número de positividades (n=32, 94,1%). No entanto, a bétula surge logo em segundo lugar, passando o plátano a ser o pólen com menor número de resultados positivos (n=6, 17,6%).

Quadro_2.

Número de doentes com positividade nos TC e ISAC, para cada pólen (n=34)

Para todos os pólenes, à excepção da bétula, obtivemos maior número de resultados positivos por TC do que por ISAC (Quadro_2). Esta diferença é especialmente evidente no caso da Salsola kali, com o dobro de resultados positivos por TC, e do plátano em que por TC três vezes mais resultados positivos do que por ISAC. No caso da bétula, verifica-se a situação oposta, com o ISAC a apresentar o dobro das positividades dos TC.

Ao avaliar a concordância de resultados (positivos ou negativos) entre os dois métodos verificamos que ela é elevada para as gramíneas (91%) mas bastante menor para os restantes pólenes, variando entre 79% (parietária) e 47% (plátano), como se pode ver na Figura 1.

Figura 1.Concordância e discordância de resultados em TC e ISAC, para cada pólen

Na Figura 2 fazemos uma análise mais detalhada dos resultados discordantes para cada pólen. A salsola é o único em que a totalidade dos discordantes se deve à ocorrência de TC positivos com ISAC negativo. Para os restantes, verificam -se casos com positividade nos TC e outros no ISAC, com predomínio para os primeiros.

Figura 2.Resultados discordantes entre os dois métodos, para cada pólen

Exceptua-se a bétula, em que a quase totalidade dos resultados discordantes (12 em 13) se deve a positividade pelo método in vitro.

Relativamente aos alergénios moleculares, os resultados obtidos para o pólen de gramíneas, para o qual obtivemos a melhor concordância com os TC, estão representados no Quadro 3. Em apenas 3 casos houve discordância entre os métodos. Dos dois doentes com TC positivos e ISAC negativo para gramíneas, um apresentava ISAC positivo apenas para Par j 2 (parietária ' TC também positivos); o outro tinha ISAC positivo para múltiplos alergénios, entre os quais, Bet v 1 (bétula), Ole e 1 (oliveira) e Pla a 2 (plátano), com TC positivos também para bétula. O único doente com TC negativos para gramíneas e ISAC positivo, apresentava apenas uma fraca reactividade a Phl p 4. Na grande maioria dos doentes, os resultados foram concordantes entre os dois métodos e os alergénios condicionando maior número de sensibilizações foram Phl p 1, Phl p 4, Phl p 5 e Cyn d 1, positivos em mais de 50% dos doentes.

Quadro_3.

Resultados positivos no ISAC para os alergénios moleculares das gramíneas e da bétula

No que respeita à bétula, na maioria dos doentes com resultados discordantes verificou-se a presença de positividade exclusivamente por ISAC, com TC negativo, pelo que tentámos perceber quais os alergénios moleculares com maior número de resultados positivos.

Conforme representado no Quadro_3, dos 12 doentes com TC negativos e ISAC positivo para este pólen, nenhum tem IgE específica positiva para o alergénio molecular específico deste pólen ' Bet v 1 (PR -10), verificando -se apenas sensibilização aos componentes de reactividade cruzada ' Bet v 2, Bet v 4 (profilina e polcalcina, respectivamente).

Quanto aos restantes pólenes, cuja discordância de resultados se deve na maioria dos doentes à presença de resultado positivo no TC com resultado negativo no ISAC, foi avaliada a positividade para panalergénios representados no ISAC (Quadro 4), nomeadamente, profilinas (Phl p 12, Bet v 2, Ole e 2 e Mer a 1) e polcalcinas (Phl p 7 e Bet v 4).

Quadro_4.Percentagem de doentes sensibilizados a panalergénios: resultados discordantes e concordantes entre os dois métodos

No Quadro_4 é feita a comparação da percentagem de sensibilização a panalergénios entre os doentes com resultados discordantes (TC positivos com ISAC negativo) e os doentes com resultados positivos em ambos os métodos. Desta forma verifica-se que, em geral, a sensibilização a panalergénios é mais frequente nos doentes com resultados positivos apenas por TC. Exceptua -se a oliveira, em que a percentagem de sensibilização a panalergénios no grupo com positividade apenas por TC é de apenas 60%, sendo inferior à do grupo com resultados concordantes (75%).

Para os restantes pólenes, a sensibilização a panalergénios nos doentes com positividade apenas nos TC é claramente superior, situando-se entre 77,8 e 86,7%, enquanto que no grupo com resultados concordantes varia entre 33,3 e 54,5%. Esta diferença é particularmente evidente para o plátano ' nenhum dos poucos casos concordantes tem sensibilização a panalergénios e a grande maioria dos doentes apresenta resultado positivo apenas nos TC, com elevada percentagem de sensibilização a panalergénios no ISAC. Na totalidade dos casos discordantes, a prevalência de sensibilização aos panalergénios é 79%, contrastando com a que se verifica nos casos concordantes, de 49%.

DISCUSSÃO Até à data, o diagnóstico etiológico da doença alérgica baseava-se na detecção de reactividade cutânea ou de IgE específica sérica para extractos proteicos.

Esta abordagem permite identificar as fontes alergénicas prováveis mas sabemos hoje que muitas das sensibilizações detectadas correspondem a fenómenos de reactividade cruzada e poderão ter, ou não, relevância clínica7,8. Este facto é particularmente importante no caso dos doentes com alergia a pólenes, em que a identificação correcta do padrão de sensibilização condiciona de forma determinante a abordagem terapêutica, no que diz respeito à imunoterapia especifica5,7,11,13.

Actualmente, a obtenção de proteínas alergénicas altamente purificadas, ou a sua produção por técnicas de engenharia molecular, permite um diagnóstico mais preciso, dirigido à identificação das moléculas alergénicas implicadas e não apenas da fonte alergénica. O método ISAC, para detecção de IgE específica sérica, baseia-se numa técnica de microarraydisponibilizando um elevado número de alergénios moleculares de diversas fontes alergénicas12.

Deste modo, permite uma abordagem diagnóstica muito mais detalhada, cuja interpretação apresenta, potencialmente, maior complexidade, mas que pode permitir um diagnóstico muito mais preciso.

Pretendemos avaliar a utilidade deste método numa amostra de doentes com asma e/ou rinite alérgica, aparentemente polissensibilizados a pólenes.

Na amostra de doentes estudada, as gramíneas são, como esperado na nossa população, o sensibilizante mais frequente. Estas, constituem aeroalergénios importantes em toda a Europa14, sendo também os aeroalergénios polínicos mais relevantes em algumas regiões de Portugal10,15-18.

No nosso estudo, são também o pólen para o qual se verifica melhor concordância de resultados entre os testes cutâneos e o ISAC. Este facto dever-se-á, não ao número considerável de alergénios de gramíneas representados no teste ISAC, mas também ao facto de o pólen de gramíneas ser claramente uma fonte de sensibilização primária na grande maioria dos doentes estudados, como se pode verificar pela elevada percentagem de doentes sensibilizados a alergénios do grupo 1 e a outros alergénios específicos desta família taxonómica (tais como Phl p 4 e Phl p 5) 7,8,19.

Para os restantes pólenes uma percentagem relativamente importante de discordância entre os dois métodos, com tendência, na maioria, para um predomínio de positividades nos TC em doentes com ISAC negativo para o pólen em causa. Este fenómeno pode dever-se a uma de duas possibilidades: 1) ausência no ISAC de alergénios relevantes para alguns pólenes, motivando a ocorrência de falsos negativos; 2) sensibilização a panalergénios, motivando o aparecimento de falsos positivos nos testes cutâneos.

No caso da bétula, as discordâncias verificam-se em sentido oposto, ocorrendo um predomínio de positividades por ISAC em doentes com testes cutâneos negativos.

É de salientar que a população estudada é originária maioritariamente da região de Lisboa e sul de Portugal, zonas onde a bétula é uma árvore com pouca expressão e com baixas contagens polínicas20. Analisando em mais detalhe as aparentes sensibilizações a este pólen, verificamos que, dos 21 doentes com ISAC positivo para alergénios de bétula apenas 3 apresentam sensibilização a Bet v 1, o marcador específico de sensibilização ao pólen desta árvore, sendo que os restantes apresentam reactividade apenas aos panalergénios profilina (Bet v 2) e polcalcina (Bet v 4) 8,9. Estes são alergénios responsáveis por reactividade cruzada entre diversos pólenes e podem condicionar a existência de positividade para extractos de bétula, mesmo sem exposição prévia a este pólen21. Relativamente aos únicos 3 doentes sensibilizados a Bet v 1, constatamos que revelaram também positividade para Aln g 1 e Cor a 1.0101 (dados não apresentados) ' alergénios homólogos da Bet v 1, presentes respectivamente nos pólenes de amieiro e aveleira, árvores bastante mais comuns no nosso território (especialmente o amieiro) e mais prováveis fontes de sensibilização primária nestes três casos9,21,22.

Como se disse atrás, a maioria dos resultados discordantes para os outros pólenes estudados deveu-se à ocorrência de positividade exclusivamente nos TC.

Em geral detecta-se existência de sensibilização a profilinas e polcalcinas, sugerindo que a positividade nos TC se deva, também aqui, não a uma sensibilização primária aos respectivos pólenes mas a fenómenos de reactividade cruzada por sensibilização a panalergénios.

A oliveira e o plátano são os dois pólenes com maior percentagem de resultados discordantes (cerca de metade).

No entanto, enquanto o plátano obedece ao padrão geral, com resultados que sugerem a existência de TC falsamente positivos por sensibilização a panalergénios, o caso da oliveira merece análise mais cuidada. Aqui, embora os discordantes com TC positivos ocorram tambémem número superior, verifica-se também um número considerável de doentes com positividade apenas por ISAC.

Adicionalmente, ao contrário do que observamos para os restantes pólenes, no grupo de doentes com apenas TC positivos, a percentagem de sensibilização a panalergénios é inferior, relativamente ao que ocorre nos doentes com resultados concordantes entre TC e ISAC. Admitimos que este fenómeno possa dever-se à ocorrência de falsos negativos para a oliveira no teste ISAC, eventualmente motivados ou por uma sensibilidade insuficiente do alergénio específico representado (Ole e 1), ou por ausência de outros alergénios relevantes no microarray.

Efectivamente, têm vindo a ser identificados diversos alergénios do pólen de oliveira, entre os quais Ole e 6, Ole e 7, Ole e 9, Ole e 10, Ole e 11, que nalgumas populações estudadas se comportam como alergénios major e permitem identificar um pequeno número de doentes que, embora verdadeiramente sensibilizados a oliveira, não apresentam reactividade a Ole e 113,22. Em contrapartida, a elevada percentagem de sensibilização a panalergénios nos doentes com resultados concordantes positivos para oliveira poderá dever-se ao facto de poder ser o próprio pólen de oliveira, ou de outras oleáceas, como o freixo, a fonte de sensibilização a esses panalergénios, concretamente através da Ole e 2 (profilina) e Ole e 3 (polcalcina).

As oleáceas são muito abundantes em Lisboa e na região sul do país, condicionando elevadas contagens polínicas20.

O seu pólen tem elevado potencial alergénico, sendo de esperar que constitua um sensibilizante primário num elevado número dos nossos doentes.

Em conclusão, na amostra estudada, de doentes aparentemente polissensibilizados a pólenes, as gramíneas foram o sensibilizante mais frequente, com uma boa concordância entre os dois métodos, mas para os restantes pólenes identificámos um número considerável de doentes em que o ISAC foi negativo apesar de TC positivos paraos respectivos pólenes. Numa percentagem elevada destes, este fenómeno surgiu associado à sensibilização a panalergénios, sugerindo que esta pode ser responsável por resultados falsamente positivos nos TC, causando um padrão de polissensibilização aparente. Deste modo, o ISAC poderá dar um contributo útil para a discriminação entre polissensibilização e reactividade cruzada em alguns doentes, permitindo reformular a estratégia terapêutica. O enriquecimento deste teste em alergénios específicos de alguns pólenes, como a oliveira, poderá contribuir para melhorar a sua acuidade diagnóstica.


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