Avaliação do benefício a longo prazo da imunoterapia específica na
rinoconjuntivite polínica
INTRODUÇÃO
Em Portugal, a prevalência de sensibilização a pólenes é um factor importante
para os indivíduos com rinite e/ou rinoconjuntivite de etiologia alérgica.
Estudos de prevalência de sensibilidade usando testes cutâneos por picada
revelaram valores que variam de 10% a 70%, dependendo do local onde foram
efectuados e da população abrangida1.
A maioria dos doentes com hipersensibilidade a pólenes sofre de rinite, muitas
vezes associada a conjuntivite.
Em Portugal, as queixas de rinoconjuntivite são mais prevalentes na Primavera,
principalmente de Abril a final de Junho. Contudo, alguns doentes mais
sensíveis podem ter sintomas mesmo quando a concentração de pólenes é baixa
(>20 e <50 grãos por metro cúbico), porquanto a maioria dos doentes com
rinoconjuntivite sazonal são sensíveis a pólenes, cuja concentração aumenta
durante a Primavera.
Apesar de a predisposição genética ser essencial para o desenvolvimento da
patologia alérgica, o meio ambiente é importante no desencadeamento do tipo de
hipersensibilidade.
Embora a prevenção primária através da evicção do contacto com os pólenes seja
importante, nem sempre pode ser efectuada ou dificilmente é conseguida. Neste
caso, a actuação do imunoalergologista incidirá principalmente a nível da
prevenção secundária da doença.
Para controlo dos sintomas na rinoconjuntivite alérgica, são usados anti -
histamínicos na forma tópica ou oral, associados a medicação anti -
inflamatória, habitualmente os corticosteróides, que podem ser usados por via
tópica para aplicação nasal ou por via oral, sendo preferencial a via tópica.
Esta associação tem -se revelado eficaz no controlo da inflamação nasal, com
melhoria da sintomatologia; o controlo da inflamação pode ser verificado
através de estudo de biomarcadores na mucosa nasal, quer por lavagens quer por
biopsia2,3.
Nalguns casos é adicionada medicação adrenérgica, como a pseudoefedrina por via
oral ou adrenérgicos em aplicação tópica. Estes deverão estar reservados para
alívio de sintomas, nomeadamente da obstrução nasal na fase aguda, por curtos
períodos de tempo (3 a 5 dias), devido à sua elevada taquifilaxia.
Uma outra abordagem terapêutica, que de alguma forma pode influenciar a
evolução da doença alérgica, é proporcionada pela imunoterapia específica (IT),
muito bem documentada em centenas de trabalhos científicos em todo o mundo,
incluindo meta-análises, havendo provas concretas da sua eficácia quando
comparada com placebo, em ensaios em dupla ocultação, quer na rinite e na
rinoconjuntivite quer na asma4-11.
Em trabalho publicado anteriormente12 foi efectuadaa avaliação da eficácia e
segurança na administração de IT com pólenes de gramíneas versusplacebo,
durante um período de longa duração, num grupo de doentes com rinoconjuntivite
sazonal de grau persistente a moderado segundo a classificação do Allergic
Rhinitis and Impact on Asthma(ARIA)13.
Após a IT administrada durante cinco anos propusemo-nos avaliar a eventual
manutenção dos benefícios alcançados dois anos após a suspensão do tratamento;
assim, verificámos o comportamento dos doentes no que diz respeito à
sintomatologia e na necessidade do uso de medicação de alívio durante o período
polínico. Após o término da IT em 2008, fizemos o acompanhamento dos doentes
verificando a sua sintomatologia e o uso de medicação em 2009 e 2010.
METODOLOGIA
Foram avaliados durante sete anos 16 doentes com rinoconjuntivite alérgica
sazonal, os quais efectuaram IT por via subcutânea com pólenes de gramíneas,
comparativamente com um grupo de 13 doentes também com rinoconjuntivite
alérgica sazonal, que não fez IT. A metodologia foi descrita em publicação
anterior12. Foram mantidas, semanalmente, informações regulares sobre contagens
de pólenes e condições climáticas aos doentes de ambos os grupos. A
interligação diária através de correio electrónico ou contacto telefónico foi
disponibilizada.
A captação de pólenes foi efectuada por captador volumétrico tipo Hirst
(Burkard Manufacturing Co. Ltd®, Reino Unido) com capacidade para colheita de
pólenes por um período de 7 dias e ligado à Rede Portuguesa de Aerobiologia14.
Para avaliação das condições meteorológicas utilizou-se a estação meteorológica
Weather Monitor II (Davis Instruments®, Estados Unidos da América), a qual
estava diária e directamente ligada informaticamente a um servidor, fornecendo
ao longo do período em estudo a direcção e a velocidade do vento, a
pluviosidade, a temperatura exterior e interior, a humidade de exterior e
interior e ainda a pressão atmosférica. Esta estação tem a possibilidade de
efectuar previsão das condições climatéricas por um período de cerca de 72
horas.
Para avaliação dos sintomas dos doentes foi utilizada uma grelha de registo de
sintomas. Esta grelha de sintomas, com 6 parâmetros, esternutos, rinorreia,
prurido nasal, prurido ocular, lacrimejo e obstrução nasal, era preenchida
diariamente por cada um dos doentes. Para caracterização da gravidade de
sintomas foram utilizadas quatro possibilidades de resposta. Assim, os doentes
foram instruídos para registarem 0 para ausência de sintomas, 1 para existência
de sintomas ligeiros, 2 para sintomas de média gravidade e 3 para sintomas mais
graves, que de alguma forma pudessem influenciar a sua vida normal. O total
semanal de sintomas por doente, avaliados pela grelha, poderia atingir o valor
máximo de 126 pontos, ou seja, a soma teórica de6 parâmetros x 3 níveis de
gravidade durante 7 dias.
Após o devido consentimento informado, todos os doentes utilizaram um suporte
de informação para registo diário de sintomas, onde também era registado o tipo
e a dosagem de todos os medicamentos tomados entre 1 de Março e 31 de Julho,
relacionados com a patologia alérgica nos anos em estudo, ou seja, de 2004 a
2010 (Figura 1). O suporte de informação era enviado mensalmente através de
correio electrónico ou por fax.
Figura 1.Grelha de sintomas para rinoconjuntivite
O uso de medicação para alívio dos sintomas foi registado diariamente pelos
doentes. Foi considerado neste estudo o uso de anti -histamínicos orais,
corticosteróides tópicos e outra medicação. Em outra medicação incluíram-se
anti-histamínicos tópicos, descongestionantes orais, descongestionantes locais
ou antagonistas dos leucotrienos.
Foi avaliada a sintomatologia, o tipo de medicação utilizada e o número de
embalagens de medicamentos consumidas. Na fase inicial, a média de idade no
grupo de IT era de 27,8 anos (±10,5 anos), sendo homogéneo quanto ao género.
No grupo de controlo a média de idade era de 24,6 anos (±11,8 anos), também com
homogeneidade no género.
Não havia diferença significativa quer na gravidade da doença, quer na média de
idade ou género entre os grupos. Para uma melhor adesão dos doentes ao estudo,
foi decidido fornecer de forma personalizada e detalhada, com periodicidade
semanal, a previsão das condições climatéricas, sendo a contagem e
identificação polínica efectuada através da Rede Portuguesa de Aerobiologia.
Para análise estatística dos dados, utilizou-se a seguinte metodologia: para a
análise da variância das variáveis, quer para a análise da sintomatologia quer
para o uso devários tipos de medicação, usou-se o teste ANOVA e o teste tde
Student. Foram considerados como significativos valores com p<0,05. Nas
correlações entre os sintomas por grupo, usou-se o método de Spearman. Foi
usado o softwareSPSS versão 12 (SPSS Inc. Illinois, EUA).
RESULTADOS
A contagem de pólenes de gramíneas, assim como da totalidade de pólenes no ar
atmosférico, sofreu alterações durante o período de sete anos em que decorreu o
estudo.
Foram significativamente diferentes, apesar do polinómetro estar colocado no
mesmo local, a técnica deidentificação ser a mesma e efectuada sempre pelo
mesmo indivíduo. As diferenças nas concentrações totais de pólenes de gramíneas
durante 6 anos, de Março a Julho (Figura 2) podem ter sido influenciadas pelas
diferentes condições climáticas verificadas nos anos em estudo, nomeadamente na
pluviosidade.
Figura 2.Número total de pólenes de gramíneas no período polínico de 2003 a
2008
No entanto, quer a direcção do vento quer a velocidade média do vento, nos
meses comparativamente aos anos em estudo, não foi significativamente diferente
(p>0,05). Mantiveram-se quase sempre níveis elevados de pólenes de gramíneas,
particularmente durante o mês de Maio, no período estudado.
Quanto ao somatório de sintomas (Figura 3), nos dois anos após suspensão de IT,
considerando a média anual, nos doentes que efectuaram IT, foi
significativamente menor quando comparado com o grupo de controlo (p<0,01). A
avaliação foi efectuada comparando a média de sintomas entre a fase inicial de
selecção de doentes para o estudo, ou seja, antes da administração de qualquer
terapêutica, e o período compreendido entre 1 de Março e 31 de Julho de cada
ano, durante os 7 anos. Os doentes do grupo IT ficaram na maioria dos casos com
sintomas ligeiros de rinoconjuntivite enquanto os do grupo de controlo
mantiveram muitos dos sintomas iniciais, apesar das actuações de prevenção
recomendadas e seguidas, ou seja, mantiveram-se com rinoconjuntivite
persistente de grau moderado a grave.
Figura 3.Sintomatologia média anual após suspensão de IT
Mesmo dois anos após a suspensão da IT, houve uma redução de 59% na
sintomatologia dos doentes no grupo IT (Quadro 1), quando comparada com o grupo
de controlo (p<0,01). Verificou-se no final do estudo uma melhoria relacionada
com a sintomatologia ocular que correspondeu a uma redução de 63%, e uma
redução de 55% na sintomatologia nasal, que é estatisticamente significativa
(p<0,01).
Quadro 1.Número de dias de sintom
Também foi verificada uma redução de 42% na necessidade de uso de medicamentos
de alívio para tratamento dos sintomas, quer no número de dias de tomas de
anti-histamínicos, quer no número de dias de uso de corticosteróides de
aplicação nasal (Figura 4). Esta diferença foi mais evidente e significativa
(p<0,05) no que concerne ao uso de anti-histamínicos, quando comparada com os
corticosteróides tópicos (Quadro 2).
Figura 4.Uso de medicação de alívio no grupo IT versus controlo
Quadro 2.Número de dias de medicação
Refira-se que a necessidade de observação clínica, por agravamento ou
insuficiente controlo de sintomas com a medicação, foi significativamente mais
elevada no grupo de controlo (p<0,01).
DISCUSSÃO
Nos doentes com rinoconjuntivite polínica a sintomatologia está relacionado com
a duração e intensidade dos períodos polínicos, os picos de polinização e a
carga alergénica total durante esses períodos15-17. Existem variações anuais
nas quantidades de pólenes no ar numa mesma região, influenciadas por
modificações na temperatura do ar, pela velocidade e direcção do vento e pelos
níveis de pluviosidade regional que alteram a polinização em várias espécies de
plantas.
Neste estudo também verificámos que a concentração de pólenes no ar, para além
da variabilidade anual, se prolongou para os meses de Junho e Julho, situação
diferente da que ocorria em décadas anteriores18-21.
Este estudo, com a duração de 7 anos, foi suficientemente prolongado para
avaliar, não só a eficácia da IT com pólenes de gramíneas, mas também os
efeitos clínicos em doentes com rinoconjuntivite moderada a grave, após a
suspensão do tratamento, apesar da variabilidade da quantidade de pólenes no ar
atmosférico. O estudo demonstrou que, 2 anos após a suspensão da IT, houve uma
redução global em cerca de 50%, quer na sintomatologia quer na necessidade de
uso de medicamentos de alívio. Refira -se que estes doentes tinham diagnóstico
de rinoconjuntivite moderada a grave, sendo raros os doentes com rinite
alérgica sazonal grave, que não têm alterações da sua qualidade de vida, e sem
necessidade de uso de anti-histamínicos ou de outra medicação para alívio para
controlo dos seus sintomas. É importante referir que segundo os critérios do
ARIA são considerados como tendo rinite alérgica persistente os doentes que
apresentem sintomas mais de 4 dias por semana e mais de 4 semanasseguidas.
Em trabalhos anteriores12,16comprovou-se que a IT por via subcutânea com
extracto de pólenes de gramí neas na fase pré-estacional era eficaz, de fácil
adesão ao tratamento, e vantajosa quando comparada com a administração ao longo
do ano. Os efeitos da IT subcutânea na modificação da sintomatologia e no uso
de medicação de alívio foram demonstrados em vários estudos22-25. No entanto,na
maioria dos trabalhos não foi efectuado tratamentodurante cinco anos, nem
avaliação dois anos após a suspensão da IT.
Neste estudo de IT por via subcutânea verificou-se uma eficácia na redução de
sintomas (59%) e no uso de medicação de alívio (42%); sendo estes valores
superiores à eficácia de IT por via sublingual em comprimidos com pólenes26, em
que a redução de sintomas e de medicação foi cerca de 30%.
A utilização de escala diária de sintomas tem-se revelado um instrumento muito
útil na avaliação da qualidade de vida dos doentes com rinoconjuntivite e tem
sido recomendada em guidelinesda Agência Europeia de Medicamentos (EMA)27,28. O
uso de seis parâmetros com escala de gravidade de sintomas é essencial para
avaliação da gravidade da sintomatologia média diária num estudo de longa
duração; a escala utilizada permite a comparação entre dois tipos diferentes de
tratamentos, numa mesma doença e em igual período. Embora algumas médias
diárias na avaliação de sintomas possam ser influenciadas pelas médias diárias
das concentrações polínicas, a correlação com gravidade dos sintomas e o uso de
medicação de alívio confere-nos a possibilidade de uma avaliação mais correcta
e adequada à eventual variabilidade da doença. Também o nível diferente de
exposição a pólenes pode influenciar, quer a sintomatologia quer o uso de
medicação de alívio.
O uso de novas tecnologias, como a Internet, na pesquisade informação sobre
pólenes, e a disponibilidade de utilização de correio electrónico para o envio
semanal dos dados de contagem de pólenes de gramíneas, foi uma mais-valia na
transmissão de informação aos doentes. O esclarecimento de dúvidas e o apoio
nas instruções da medicação contribuiu para uma melhor relação médico-doente,
permitindo, de alguma forma, uma boa aderência ao tratamento e o envio das
folhas mensais de sintomas ao longo do período em que decorreu o estudo,
condição necessária e essencial para uma mais correcta avaliação.
CONCLUSÃO
A administração pré-sazonal durante cinco anos de IT por via subcutânea com
pólenes de gramíneas, já evidenciada em estudos anteriores, revelou-se útil e
eficaz nos dois anos subsequentes após suspensão do tratamento.
Uma redução dos sintomas em cerca de 60% e uma redução superior a 40% no uso de
medicação de alívio pode considerar-se muito significativa neste tipo de
patologia. A redução dos sintomas traduziu-se numa melhoria da qualidade de
vida dos doentes e na diminuição do uso de medicamentos.
Salienta-se que o registo diário de sintomas revelou-se essencial para uma
melhor interligação funcional entre médico e doente com patologia alérgica;
esta patologia, que clinicamente poderá considerar-se como crónica, necessita
de auto-avaliação e de uma boa adesão ao tratamento, para além de uma avaliação
clínica periódica.
Nos doentes que efectuaram IT houve um evidente grau de satisfação, em termos
de qualidade de vida, durante e após o período de tratamento.
Finalmente, o conhecimento de informação atempada, sobre a concentração
polínica e as alterações climatéricas, em doentes portadores de
rinoconjuntivite alérgica sazonal permitiu -lhes atitudes preventivas
minimizando os efeitos do contacto com os alergénios aos quais são sensíveis.