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EuPTCVHe0871-97212012000400003

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Omalizumab no tratamento da asma brônquica alérgica: Experiência num Serviço de Imunoalergologia

INTRODUÇÃO Aproximadamente 5% dos doentes com asma têm asma grave, que frequentemente não está controlada, apesar da terapêutica optimizada com corticosteróides inalados (CI) e beta 2 agonistas de longa acção (LABA)1,2. Estes doentes têm um risco aumentado de exacerbações graves e de morte3,4 e têm poucas opções terapêuticas disponíveis.

Os corticosteróides orais (CO) são eficazes em alguns doentes, mas estão associados a efeitos adversos significativos5.

De acordo com as guidelinesdo Global Initiative for Asthma(GINA) 20112, o omalizumab está indicado para doentes com asma alérgica grave a partir dos 6 anos de idade, no último degrau de terapêutica, como alternativa aos CO, como terapêutica adicional em doentes tratados com alta dose de CI e LABA.

O omalizumab é um anticorpo monoclonal IgG humanizado que se liga ao domínio Cε3 da IgE livre, impedindo a sua ligação aos receptores específicos de alta e baixa afinidade (FcεRI e FcεRII) presentes nas membranas celulares de vários tipos de células (mastócitos, basófilos, eosinófilos, linfócitos B), reduzindo a libertação de mediadores inflamatórios, como leucotrienos, citocinas e histamina6-11. Paralelamente, reduz a expressão do número de receptores à superfície dos basófilos9 e previne o aumento dos níveis de FcεRI induzidos pela IgE nos mastócitos cutâneos12,13e nas células da mucosa das vias aéreas (provavelmente mastócitos)14. Administra -se por via subcutânea, com intervalos de duas a quatro semanas, sendo a dose individualizada em função da IgE total sérica e do peso do doente15.

A eficácia do omalizumab tem sido demonstrada em vários estudos através da redução da gravidade e frequência das exacerbações, dos scoresde sintomas, do uso de corticoterapia (inalada e/ou oral) e de medicação de alívio, verificando-se ainda uma melhoria da função respiratória16-19e da qualidade de vida dos doentes20,21.

Actualmente, recomenda-se que a primeira avaliação da resposta à terapêutica seja feita após 16 semanas de tratamento, tendo em conta que uma avaliação mais precoce poderá não identificar alguns respondedores mais tardios. A avaliação é essencialmente clínica, baseando-se no nível de controlo da asma. De acordo com a avaliação médica, os doentes que alcançam uma melhoria significativa ou um controlo total da asma têm indicação para manter a terapêutica22.

O omalizumab tem um bom perfil de tolerância, estando descritos efeitos adversos, na sua maioria ligeiros e em frequência semelhante à dos grupos placebo16,17.

Neste trabalho, os autores avaliam a resposta clínica ao omalizumab como terapêutica adicional em doentes com asma brônquica alérgica grave não controlada, num Serviço de Imunoalergologia. Trata -se de um estudo observacional retrospectivo com doentes da vida real,sem grupo-controlo, mas que permite avaliar a eficácia do omalizumab em doentes da prática clínica.

MÉTODOS Procedeu-se a uma análise retrospectiva dos processos clínicos de todos os doentes com asma brônquica tratados pelo menos 16 semanas com omalizumab, desde Abril de 2008 até Dezembro de 2011, no Serviço de Imunoalergologia.

Foram incluídos os doentes seguidos em consulta mensalmente ou de 2 em 2 meses, com asma brônquica alérgica grave não controlada, apesar de cumprirem a terapêutica recomendada no degrau IV do GINA 2011 (dose alta de CI, LABA e medicação de alívio de acordo com a necessidade), que iniciaram omalizumab como terapêutica adicional.

Para se avaliar a resposta clínica ao omalizumab, analisaram -se os seguintes parâmetros antes, 16 semanas e 6 meses após o início da terapêutica: frequência e gravidade das exacerbações, frequência de medicação de alívio, terapêutica diária de base, dose diária de CO, controlo da asma através do questionário Asthma Control TestACT) e valor do volume expiratório máximo no primeiro segundo (FEV1) previsto. Foram também analisados os efeitos adversos do omalizumab.

Uma exacerbação foi definida como um agravamento dos sintomas de asma, com necessidade de medicação de alívio. Denominou-se ligeira a moderada quando houve necessidade de aumentar os broncodilatadores inalados (de curta ou longa acção) e grave quando houve necessidade de tratamento com CO, recorrência ao serviço de urgência ou internamento.

Para avaliação do controlo da asma optou-se por utilizar o ACT. O ACT é composto por cinco questões que abordam os seguintes cinco domínios: limitação das actividades diárias, dispneia, sintomas nocturnos, necessidade de medicação para alívio rápido dos sintomas e nível de controlo da asma. Os doentes reportam as suas experiências durante as últimas 4 semanas, sendo atribuída uma pontuação de 1 (limitação máxima) a 5 (sem limitação) para cada questão, podendo a pontuação total variar de 5 a 25. Considera -se que a asma está controlada quando a pontuação é 20.

De acordo com o protocolo do serviço, os doentes foram observados pelo médico presente no Hospital de Dia (não necessariamente o mesmo) quinzenal ou mensalmente, no dia da administração de omalizumab, sendo registada no diário clínico dos doentes toda a informação (frequência e gravidade das exacerbações e quantificação da medicação de base e de alívio). Realizaram espirometria e ACT antes do início do tratamento, às 16 semanas, aos 6, 9 e 12 meses. Para uniformização de valores, foram consideradas as informações antes, às 16 semanas e aos 6 meses de tratamento.

Nas primeiras quatro administrações, os doentes ficaram sob vigilância clínica durante dois horas e efectuaram o tratamento com veia canalizada. Dispensou-se este procedimento a partir da 5.ª administração e reduziu-se o tempo de vigilância para uma hora até à 8.ª administração e para trinta minutos a partir da 9.ª administração.

Todos os doentes tinham o consentimento informado assinado e a autorização para o tratamento pela comissão de farmácia do hospital.

RESULTADOS As características clínicas e demográficas da população estudada estão descritas no Quadro 1. Foram incluídos 23 doentes, 17 do sexo feminino e 6 do sexo masculino, com média de idades de 42 anos (mínimo 8 e máximo 72). Vinte e dois doentes tinham rinite associada, 4 eczema atópico, 2 alergia alimentar (um a peixes, marisco e frutos secos; outro a leite, ovo e frutos frescos; ambos com anafilaxia). Todos os doentes tinham sensibilização a ácaros, evidenciada por IgE específicas séricas e testes cutâneos por picada (TCP) positivos, FEV1 <80% do valor normal previsto, sintomas diários ou despertares nocturnos frequentes e pelo menos uma exacerbação de asma com necessidade de CO nas 16 semanas anteriores ao início do omalizumab. Antes do início do tratamento, adicionalmente aos CI e aos LABA, uma proporção de doentes fazia medicação diária com antagonista dos receptores dos leucotrienos (montelucaste) (96%), teofilina ou aminofilina (43%), ou CO (30%). Em 10 dos 23 doentes (43%) tinha sido iniciada imunoterapia específica a ácaros no passado, tendo-se suspendido em todos eles por agravamento clínico da asma.

Quadro 1.Características clínicas e demográficas da população

O valor médio/mediana de IgE total sérica antes do início do tratamento com omalizumab foi de 918/458 kU/L. A dose de omalizumab, calculada através de tabelas com base no valor de IgE total sérica e no peso do doente, foi em média de 509 mg/mês (variando de 150-750 mg/mês). Em 6 doentes (26%), a administração de omalizumab foi de 2/2 semanas e em 17 (74%) de 4/4 semanas.

Durante o período do estudo, o tempo médio de tratamento com omalizumab foi de 19 meses, variando de 6 a 45 meses.

A evolução dos doentes após 16 semanas de terapêutica com omalizumab está sumarizada no Quadro 2.

Quadro 2.Evolução dos doentes após 16 semanas de terapêutica com omalizumab

Com o início da terapêutica com omalizumab, todos os doentes suspenderam a corticoterapia oral (de base ou SOS). A suspensão dos CO foi possível após um período inferior a dois meses em todos os doentes.

No que diz respeito à terapêutica de base, às 16 semanas de tratamento verificou -se uma redução em todos eles. Relativamente aos CI, comparando com a dosagem antes do início do omalizumab, houve uma diminuição da dose média de 1057 μg/dia para 669 μg/dia de budesonido ou equivalente, ou seja, em média os doentes passaram a fazer 63% da dose de CI que faziam antes de iniciar o omalizumab. Dezanove dos 23 doentes (83%) reduziram a dose diária de CI, sendo que os restantes 4 mantiveram a mesma dose que faziam antes do início da terapêutica com omalizumab. Nestes doentes, além da suspensão dos CO, verificou-se a suspensão de montelucaste e/ou teofilina em todos eles.

Verificou-se a suspensão de montelucaste em 3 dos 22 doentes que o tomavam diariamente. Dos 10 doentes medicados diariamente com teofilina ou aminofilina, 3 suspenderam e outros 3 reduziram a dose destes fármacos.

Com base nos registos clínicos efectuados a cada administração, constatou -se que todos os doentes reportaram uma diminuição da medicação de alívio rápido 16 semanas após o início da terapêutica com omalizumab. A frequência das exacerbações também diminuiu em frequência e em gravidade em todos os doentes, não se verificando exacerbações graves (com necessidade de CO, recorrência ao serviço de urgência ou internamento) em nenhum doente.

Todos os doentes referiram uma melhoria do controlo da asma, com valores médios do ACT antes e 16 semanas após o início de omalizumab de 15 e 22, respectivamente.

O valor médio do FEV1 antes do início do omalizumab foi de 63% do previsto (variando de 34% a 78%); após 16 semanas de tratamento, o valor médio do FEV1 foi de 73% do previsto (variando de 41% a 108%). Em 18 dos 23 doentes (78%) verificou-se um aumento do FEV1, evidenciado por um aumento do FEV1 previsto superior a 10% relativamente ao valor inicial. Os restantes 5 doentes mantiveram valores de FEV1 sobreponíveis aos iniciais, não se verificando agravamento em nenhum doente.

Aos 6 meses de tratamento, a melhoria clínica dos doentes manteve -se. Estes doentes não voltaram a ter exacerbações graves, necessidade de CO, mantiveram a terapêutica diária e de alívio que tinham às 16 semanas e mantiveram valores de ACT e de FEV1 sobreponíveis aos que tinham após 16 semanas de tratamento.

Os doentes com tempo de tratamento superior a 6 meses (21 dos 23) mantiveram evolução clínica favorável. De acordo com os registos clínicos, verificou-se ainda uma melhoria clínica das comorbilidades de etiologia alérgica associadas.

Os 2 doentes com alergia alimentar passaram a tolerar alimentos até então responsáveis por reacções anafilácticas; após ter sido demonstrada diminuição da reactividade cutânea por TCP para os alimentos em causa, foram realizadas provas de provocação oral, que foram negativas.

Todos os doentes com rinite (22) reportaram melhoria da sintomatologia nasal e redução do uso de corticóides nasais e/ou anti -histamínicos orais. Os 4 doentes com eczema atópico referiram melhoria das lesões cutâneas e diminuição da necessidade de corticóides tópicos, verificando-se diminuição do valor do Scoring Atopic Dermatitis(SCORAD), realizado de 3 em 3 meses nestes doentes.

No que diz respeito ao perfil de segurança do fármaco na nossa população apenas se registaram efeitos adversos ligeiros em três doentes: cefaleias ligeiras (1), mialgias (1) e eritema pruriginoso do tronco (1), todos apenas na primeira administração e com resolução em menos de 24 horas. Quatro doentes tiveram reacções adversas locais ligeiras, que se manifestaram por eritema não pruriginoso e/ou dor no local da administração do fármaco. Ocorreram ocasionalmente, não se repetindo em todas as administrações e tiveram resolução espontânea em menos de 24 horas.

Apesar de evolução favorável, 2 doentes suspenderam o omalizumab devido à impossibilidade de manter tratamento por mudança de residência para outro país; um após 10 meses e outro após 5 meses de terapêutica. Ambos, àsemelhança dos restantes, tinham suspendido os CO, diminuído a terapêutica de base e a necessidade de medicação de alívio, diminuído a frequência e a gravidade das  exacerbações, reportando um melhor controlo da asma.

DISCUSSÃO De acordo com estudos publicados, a asma grave está associada a um maior risco de hospitalização por asma23,24, sendo os doentes com asma grave responsáveispela maioria dos internamentos25. O controlo inadequado da asma grave leva ao aumento do risco de internamento e de morte por asma3,4. Sabe -se que qualquer doente com asma pode ter uma exacerbação grave, mas os doentescom asma grave têm um risco aumentado de exacerbações que podem ser fatais26,27.

O omalizumab está indicado nos doentes com asma grave de etiologia alérgica (IgE específicas séricas ou TCP positivos para alergénios perenes), com FEV1 inferior a 80% do valor normal previsto, sintomas diários ou despertares nocturnos frequentes e exacerbações com necessidade de CO22. De acordo com o GINA 2011, está recomendado a partir dos 6 anos de idade, no último degrau de terapêutica, como alternativa aos CO, como terapêutica adicional em doentes tratados com alta dose de CI eLABA.

A dose a administrar é calculada em função do valor de IgE total e peso do doente, tendo sido sugerida a possibilidade de a reduzir progressivamente em doentes que atingem um nível de controlo da asma adequado, mas a redução da dose não está, para , recomendada. A duração do tratamento é indeterminada.

Após a suspensão do tratamento, as concentrações de IgE livre e de omalizumab retornam aos valores basais e os sintomas de asma reaparecem28.

Em relação ao custo-benefício nos doentes tratados com omalizumab, as informações são contraditórias. Existem estudos que concluem que, genericamente, o omalizumab não tem uma boa relação custo-benefício29. No entanto, outros têm demonstrado que o omalizumab é compensador quando utilizado no tratamento de doentes devidamente seleccionados, na medida em que vai permitir uma melhor qualidade de vida, um melhor controlo da asma, a redução da terapêutica diária e de alívio, de visitas médicas não programadas e de internamentos e a diminuição do absentismo escolar e laboral30,31.

Na nossa avaliação, após 16 semanas de tratamento, todos os doentes reportaram um melhor controlo da asma, redução da medicação de base e da necessidade de medicação de alívio, diminuição da frequência e gravidade das exacerbações, não se tendo verificado exacerbações graves em nenhum doente (necessidade de CO, visita médica não programada ou internamento).

Nos doentes com asma grave incluídos neste estudo, o omalizumab como terapêutica adicional, ao permitir um melhor controlo da asma, com diminuição da frequência e da gravidade das exacerbações, contribuiu de forma importante para a diminuição do risco de hospitalização e de morte por asma.

De uma forma geral, o omalizumab foi bem tolerado pelos doentes, com efeitos adversos mínimos e coerentes com o que tem sido descrito na literatura16,17.

Verificaram-se apenas reacções ligeiras, sem necessidade de medicação, com resolução em menos de 24 horas. Desta forma, a terapêutica com omalizumab possibilitou uma melhoria clínica sem efeitos adversos relevantes que poderiam, neste degrau de terapêutica, ser responsáveis por uma adesão ao tratamento.

De salientar que todos os doentes avaliados às 16 semanas de tratamento tiveram uma evolução favorável, permitindo a manutenção da terapêutica. Este facto deve-se, não à eficácia clínica do omalizumab, mas também à adequada selecção dos doentes, que cumpriram os critérios exigidos.

Assim sendo, os doentes mantiveram a administração quinzenal ou mensal de omalizumab. De acordo com os registos clínicos nos processos dos doentes, dos valores de FEV1 e do ACT, todos mantiveram a melhoria clínica evidenciada às 16 semanas de tratamento nos meses subsequentes, sugerindo a eficácia do omalizumab enquanto está a ser administrado. No período ao qual se reporta o estudo, nenhum dos doentes suspendeu o tratamento por indicação médica. Serão necessários mais ensaios para se poder determinar uma duração óptima de tratamento com omalizumab, com a qual o seu efeito se mantenha a longo prazo após a sua suspensão.

Tal como esperado, outras patologias alérgicas coexistentes nos doentes também evoluíram favoravelmente. Em particular e como salientado, nos dois doentes com alergia alimentar, verificou-se, para além da evolução clínica favorável da asma, uma melhoria do quadro de alergia alimentar. Os doentes passaram a tolerar alimentos até então responsáveis por reacções anafilácticas, contribuindo também para a melhoria da qualidade de vida, na medida em que passaram a poder ter uma dieta sem as restrições alimentares obrigatórias até então. Os bons resultados do efeito do omalizumab na história da alergia alimentar têm sido documentados em vários estudos32,33, sugerindo uma possível indicação futura em casos seleccionados de alergia alimentar. No entanto, serão necessários mais estudos, controlados e em dupla ocultação, para que o omalizumab possa ser eventualmente recomendado para o tratamento da alergia alimentar.

Os resultados obtidos neste trabalho reflectem os de estudos controlados e em dupla ocultação34, o que, tratando -se de um estudo real life, com uma população de doentes com perfis diferentes, como sucede na prática clínica diária, demonstra a eficácia clínica do omalizumab.

Neste estudo não podemos avaliar, contudo, o efeito placebo (uma vez que não grupo controlo) que pode também ter contribuído para os resultados favoráveis obtidos.

Em conclusão, de acordo com este estudo real lifee como previamente descrito na literatura, o omalizumab parece ser uma opção terapêutica segura e eficaz, quando utilizado como terapêutica adicional em doentes com asma alérgica grave, não controlada apesar da medicação comalta dose de CI e LABA. A selecção adequada dos doentes é de extrema importância, na medida em que o omalizumab tem um custo elevado e está reservado apenas para o último degrau de terapêutica (de acordo com GINA 2011).

Além da melhoria clínica, permite a suspensão da corticoterapia sistémica num curto período de tempo, com todos os benefícios para o doente.


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