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EuPTCVHe0871-97212014000300004

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Sensibilização ao Tetranychus urticae no Norte de Portugal

INTRODUÇÃO O Tetranychus urticae, também conhecido como aranhico‑amarelo, redspider miteou tw‑spottedspider mite(Figura_1), é um ácaro fitófago macroscópico, da subclasse Acarie ordem Trombidoformes, que se encontra nas folhas de numerosas plantas (Quadro_1).

Por ser resistente à maioria dos pesticidas químicos, constitui uma importante praga agrícola em culturas como a vinha, pomares de macieira, culturas hortícolas de ar livre e de estufa e plantas ornamentais1.

Tem sido demonstrada uma elevada sensibilização a este ácaro quer em exposição ocupacional2 como não ocupacional3, tendo sido associado a alergia clinicamente significativa, com sintomas de rinite, asma, dermatite de contacto e urticária3‑5.

Foram identificados alergénios específicos de espécie, bem como alergénios com reactividade cruzada com ácaros do doméstico6,7.

Em Portugal, predominantemente no Norte do país, a viticultura, fruticultura, horticultura e floricultura são actividades económicas importantes. No entanto, a sensibilização ao Tetranychusurticaenão foi previamente avaliada.

O objectivo deste trabalho foi determinar a frequência da sensibilização ao Tetranychusurticaenuma população não seleccionada seguida em consulta de Imunoalergologia e avaliar as sensibilizações concomitantes, particularmente com outros ácaros.

MÉTODOS Desenho do estudo e participantes Foram incluídos doentes consecutivos, com idade igual ou superior a 6 anos, seguidos em consulta de Imunoalergologia no Centro Hospitalar São João e com indicação para a realização de testes cutâneos por picada com aeroalergénios.

Para além do painel de alergénios habitualmente testado, foi realizado teste cutâneo por picada com extracto de Tetranychusurticae. Foram registados os dados relativamente à idade, sexo e positividade dos testes cutâneos.

Foram ainda obtidos retrospectivamente, a partir dos dados dos registos clínicos, a profissão actual, concelho de residência e manifestações clínicas.

A região de residência foi arbitrariamente classificada em urbana (os residentes no concelho de Porto e concelhos limítrofes ' Gaia, Gondomar, Valongo, Maia e Matosinhos) e rural, os restantes. Os sintomas clínicos foram diferenciados em respiratórios e/ou cutâneos.

O estudo teve início a 21 de Janeiro de 2010 e completou‑se a 11 de Março de 2010, após utilização de uma amostra completa de extracto de Tetranychusurticae, incluindo um total de 196 doentes.

Testes cutâneos por picada Os testes cutâneos por picada foram realizados com uma solução comercial de Tetranychusurticae(Leti©) 2mg/mL, um painel de aeroalergénios incluindo ácaros do doméstico (Dermatophagoidespteronyssinuse Dermatophagoidesfarinae), ácaros de armazenamento (Lepidoglyphusdestructor, Tyrophagusputrescentiaee Acarussiro), epitélio de gato e de cão, pólenes (Platanusacerifola, Betulaverrucosa, Oleaeuropea, mistura de gramíneas, Parietariajudaica, Plantago lanceolatae Artemisiavulgaris) e fungos (Alternaria, Cladosporium, Aspergilluse Penicillium), bem como histamina 10mg/mL como controlo positivo e solução salina como controlo negativo.

O procedimento foi realizado por uma enfermeira com experiência em testes cutâneos por picada. Os extractos foram aplicados na face anterior do antebraço e picados com uma lanceta para testes cutâneos com alergénios (Heinz Herenz Medizinalbedarf GmbH©), de acordo com as recomendações internacionais8.

Os doentes foram considerados sensibilizados para um alergénio caso uma pápula com diâmetro médio igual ou superior a 3mm fosse observada após 15 minutos.

Foram considerados atópicos os doentes com pelo menos uma sensibilização para os alergénios testados.

Análise estatística As variáveis categóricas foram descritas usando frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas com distribuição normal foram descritas através da média e desvio‑padrão (DP). A comparação entre variáveis categóricas foi realizada através do teste de Qui‑quadrado (OR) com intervalos de confiança (IC) a 95%. Foi considerado significativo um p<0,05. Análise estatística realizada com SPSS® versão 18.0 para Mac (IBM SPSS, Chicago, Estados Unidos da América).

RESULTADOS Os 196 doentes testados para Tetranychusurticaetinham idades compreendidas entre os 7 e os 89 anos, 52 (26,5%) crianças com idade inferior a 18 anos, idade média de 30,8 (17,0) anos, 120 (61,2%) do sexo feminino.

A sensibilização aos diferentes alergénios é mostrada no Quadro_2. Da população atópica, 75 (46,0%) estavam sensibilizados ao Tetranychusurticae. Os dados demográficos e sintomas clínicos são apresentados no Quadro_3.

Dos doentes com registos disponíveis relativamente à profissão (78,6%), 4 (2,6%) eram agricultores; apenas 1 destes estava sensibilizado ao Tetranychusurticae, referindo episódios recorrentes de urticária aguda, não relacionados com a exposição.

Relativamente à clínica, 184 (93,9%) dos doentes tinham registos disponíveis: 151 (82,1%) apresentavam clínica respiratória (rinite, rinoconjuntivite e/ou asma), enquanto 23 (12,5%) referiam sintomas cutâneos (urticária/angioedema e/ ou eczema), sendo que os restantes doentes foram observados em consulta por suspeita de alergia alimentar ou a fármacos. Não foram observadas diferenças significativas entre os doentes sensibilizados ou não ao Tetranychusurticaequanto à clínica (Quadro3).

Dos doentes sensibilizados ao Tetranychusurticae, 60 (80%) estavam sensibilizados para outros ácaros (OR=2,3[1,2‑4,5]) (Quadro_4), 46 (61,3%) a pólenes (OR=1,7[0,9‑3,0]), 29 (38,7%) a epitélio de animais (OR=2,1[1,1‑3,9]) e 14 (18,7%) a fungos (OR=1,4[0,6‑3,0]).

Oito (4,1%) doentes eram monossensibilizados ao Tetranychusurticae: 7 (87,5%) do sexo feminino, 5 (71,4%) residentes em concelhos categorizados como urbanos, 5 (71,4%) com clínica respiratória e 2 (28,6%) em observação por urticária, nenhum destes com exposição ocupacional conhecida.

DISCUSSÃO Na população estudada, 38% (46% dos atópicos) estavam sensibilizados ao Tetranychusurticae, sendo este o quinto alergénio com maior frequência de sensibilização, após os ácaros do doméstico e de armazenamento, e mais prevalente que a sensibilização a pólen de gramíneas.

Uma das limitações deste estudo foi a inclusão de uma população seguida em consulta de Imunoalergologia de um hospital terciário. Este factor explica a elevada prevalência de atopia e limita a sua generalização. No entanto, a frequência de sensibilização a outros alergénios foi similar à reportada pelo estudo GA2LEN em Portugal9, realizado em Coimbra, onde 68,8% estavam sensibilizados ao Dermatophagoidespteronyssinus, 68,0% ao Dermatophagoidesfarinaee 34,4% a gramíneas, permitindo a comparação destes resultados com outros centros de referência nacional.

A frequência de sensibilização ao Tetranychusurticaeobservada foi superior à reportada por um estudo em Espanha numa população consecutiva do serviço de Imunoalergologia, sem exposição ocupacional ao Tetranychusurticae(15,6%)3, e outro na Coreia do Sul, em doentes com alergia respiratória (19,8%)10 e população adulta em geral (9,0 a 11,9%)11.

Em estudos referentes a doentes com risco de exposição ocupacional, a sensibilização ao Tetranychusurticaefoi observada em 15% dos trabalhadores atópicos de agricultura em campo aberto5, 17% dos cultivadores de maçãs12, 22% dos viticultores13, 25% dos trabalhadores em estufa, em Espanha2, 55% dos trabalhadores em estufa com atopia, em Itália5 e 66% dos produtores de cravos em estufa com sintomas de alergia14.

No presente estudo não foi avaliada a exposição ocupacional e ambiental ao Tetranychusurticaenos doentes testados, nem especificamente questionada a relação dos sintomas respiratórios ou cutâneos apresentados com possíveis fontes de exposição. No entanto, de acordo com o Censos 2011 da população portuguesa, em 2,9% da população residente no Norte do país a agricultura é a actividade económica principal15, sendo as regiões do Douro, do Vale do Sousa e de Entre Douro e Minho conhecidas pela sua produção vitícola, factores que poderão aumentar a exposição ocupacional e ambiental ao Tetranychusurticaee a prevalência de sensibilização a este ácaro. Por outro lado, embora menos de 40% da população estudada residisse em regiões categorizadas como rurais, não se pode excluir a exposição recreativa, em culturas domésticas, ou a deslocação frequente para áreas rurais, o que poderá explicar a inexistência de diferença na sensibilização ao Tetranychusurticaeentre regiões rurais e urbanas.

Embora a avaliação da reactividade cruzada não seja um objectivo do estudo, foi possível observar o perfil de co‑sensibilização do Tetranychusurticaecom outros alergénios e a força dessa associação. Apesar de ter sido observada uma associação significativa entre o Tetranychusurticaee outros ácaros (OR de 1,9 a 2,6 consoante a espécie), esta associação foi mais fraca do que a observada entre outros ácaros com maior semelhança filogenética, sendo a maior associação observada entre o Acarussiroe o Tyrophagusputrescentiae(OR = 113).

Em 2011 foi sequenciado o genoma completo do Tetranychusurticae1, demonstrando a existência de genes que expressam peptidases de cisteína e carboxipeptidases de serina1, que poderão exibir algum grau de reactividade cruzada com proteases de outros ácaros.

Kim etalestudaram a reactividade cruzada entre diferentes espécies de ácaros, através de inibição por ELISA, demonstrando que a ligação à IgE específica para o Tetranychusurticaeé inibida em 70% pelo Tyrophagusputrescentiaee 60% pelo Dermatophagoidespteronyssinus7, enquanto Delgado etalnão conseguiram demonstrar inibição RAST com o Dermatophagoidespteronyssinus, mesmo para uma concentração de 10mg/mL14. Estes resultados sugerem que o Tetranychusurticaecontém alergénios específicos de espécie, bem como alergénios partilhados com os ácaros do doméstico e de armazenamento. Esta hipótese é reforçada pelos nossos resultados, onde 20% dos doentes sensibilizados ao Tetranychusurticaenão estavam sensibilizados a outros ácaros e 4% eram monossensibilizados.

Em conclusão, foi observada uma elevada prevalência de sensibilização ao Tetranychusurticae, que não parece ser explicada apenas por fenómenos de reactividade cruzada.

Futuros estudos devem ser desenvolvidos no sentido de validar os testes cutâneos com este extracto e aferir da relevância clínica da sensibilização ao Tetranychusurticae.


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