Doenças alérgicas e eosinófilos
EDITORIAL
Doenças alérgicas e eosinófilos
Antero G Palma-Carlos
Professor Catedrático Jubilado de Medicina Interna, Imunologia e
Imunoalergologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Emeritus
Fellow American Academy of Allergy, Asthma & Immunology, Honorary
Distinguished Fellow American College of Allergy, Asthma & Immunology;
Presidente Honorário da Seção/Board de Alergologia da UEMS (Union Européenne
des Médicins Spécialistes); Membro, Emérito da Academia Portuguesa de Medicina,
Membro Honorário da SPAIC, SPAP, Suiss, Romanian, German, Check Allergology
Societies, Secretário -geral do GAILL (Groupement des Allergologistes et
Immunologistes de Langues Latines).
Os eosinófilos foram classicamente considerados, pelo seu aumento no sangue e
secreções como marcadores de alergia ou de parasitoses. No entanto o seu papel
patogénico nas doenças alérgicas só nos últimos anos tem sido clarificado. Os
eosinófilos foram assim denominados por Paul Ehrlichquando verificou que
coravam especificamente pela eosina.
Verificou-se que os cristais de Charcot'Leidenpatognomónicos da expectoração
das asmas alérgicas provinham dos eosinófilos derivados das células
progenitoras da medula óssea, pela acção de IL -3, IL -5, GM -CSF e migrando do
sangue para os tecidos pela ação de seletinas na rolagem, integrinas e
quimiocinas na adesão e migração, acumulando-se, sobrevivendo e ativando pelo
efeito de IL -3, IL -5 e GM -CSF. Os eosinófilos maduros tem um núcleo bilobado
e grânulos contendo proteínas básicas, ECP (eosinophil cationic protein), MBP
(major basic protein), EDN (eosinophil-derived neurotoxin), EPO (eosinophil
peroxidase), citocinas e quimiocinas podendo formar leucotrienos e
prostaglandinas. Para a sua estimulação tem numerosos receptores de superfície,
como Igs (IgA, IgG, IgE ' FcεRI, FcεRII), complemento, citocinas, quimiocinas,
PAF (platelet -activating factor) e histamina e podem também produzir
interleucinas e quimiocinas leucotrienos e PAF. Estes produtos são tóxicos para
os epitélios, desgranulam os mastócitos, activam neutrófi los, induzem
broncoespasmo e lesam tecidos. Assim, os eosinófilos estão implicados nas
rinosinusites, conjuntivites, asma, urticária, eczemas, doença eosinofílica do
tubo digestivo e reações adversas a medicamentos.
Na rinite alérgica,os eosinófilos aumentam localmente e no sangue periférico e
o ECP basal está aumentado e acentua-se após provocação específica Na rinite
não alérgica com eosinofilia(NARES'non-allergicrhinitis with eosinophilic
syndrome) a eosinofilia local e periférica é o único marcador, presente também
na eosinofilia com polipose e sensibilidade à aspirina. A eosinofilia está
presente na rinosinusitecrónica(não na Ásia) podendo haver infeção fúngica
associada. Na asma,a eosinofilia periférica é frequente com uma correlação
negativa com VEMS (volume expiratório máximo no primeiro segundo) (VEMS/
eosinofilia-negativa) e positiva entre FeNO (fractionalexhaled nitricoxide) e
ECP. O ECP aumenta após provocação nasal. A inflamação é mantida a nível da
árvore brônquica pelo GM -CSF dos tecidos sendo a mepolizumab, anticorpo
monoclonal anti -IL -5, clinicamente ineficaz, não diminuindo a eosinofilia
local. Na patogenia da asma estão implicadas as proteínas básicas ' MBP, ECP,
EDN, EPO, o burst respiratório na destruição de tecidos, o FGF-2
(fibroblastgrowth factor), NGF (nervegrowth factor), TGF-β1 (transforming
growth factor -β1), IL -4, IL -11, IL -17 na remodelação e citocinas TH2, TNF-
α, LTC-4, LTD-4 e LTE-4 na imunoregulação.
Na urticáriaaumenta o número de eosinófilos nos tecidos e também o ECP no
sangue que é correlacionado com a clínica. A síndrome de Gleichconsiste em
angioedema episódico, eosinofilia e híper IgM com uma variante não episódica.
No grupo das doenças eosinofílicas do tubo digestivo, esofagite,
gastroenterite, proctiteo nível sanguíneo basal de eosinófilos é baixo,
sugerindo cooperação local com células T, possível acção antivírica, micro
armadilhas para bactérias, alergia alimentar ou respiratória. Para o
diagnóstico da esofagite eosinofílica há critérios diagnósticos como, disfunção
esofágica, eosinofilia limitada ao esófago com 15 ou mais eosinófilos por campo
em grande ampliação, remissão com dieta ou corticosteroides deglutidos e não
resposta aos inibidores da bomba de protões. A incidência da doença tem
aumentado sugerindo hipótese higienista de alteração da barreira epidérmica,
diminuição de infecção por Helicobacter pylori, aumento de gorduras na dieta,
diminuição da vitamina D, exposição cutânea aos alimentos ou alteração da sua
composição. Na clínica manifesta-se por dispepsia, dor torácica, impacto
alimentar, devendo-se excluir o refluxo gastro-esofágico.
Os aspectos endoscópicos são vários mas alguns comuns ao refluxo. O estudo
alergológico deve incluir alimentos e inalantes por testes em picada e de
contato sendo a pesquisa de IgE específica menos eficiente. As dietas,
elementar, de exclusão, são passos terapêuticos a que se devem adicionar
corticoides deglutidos em pMDI e tentar cromoglicato, montelucaste e
eventualmente anti IL-5 ou anti-IgE.
Nas reações a medicamentosos eosinófilos intervém nas urticárias, angioedema,
nefrite intersticial, infiltrações pulmonares, asma, polipose nasal, síndrome
de eosinofilia mialgia induzida pelo triptofano (suplemento alimentar) e na
síndrome de DRESS (DrugReaction (or Rash) with Eosinophilia and Systemic
Symptoms), caracterizada por reação sistémica medicamentosa que pode ser muito
grave.
A imunomodulação das reações alérgicas com eosinofilia faz-se com
corticosteroides que aumentam a apoptose dos eosinófilos, antagonistas dos
leucotrienos, anticorpos monoclonais anti-IL-5 com resultados divergentes ou
antagonistas do CCR-3 receptorpara a eotaxina e inibidor das integrinas, que
bloqueiam a migração, ou anti -histamínicos e anti PAF. Antagonistas do PARP -
1 (poly (ADP -ribose) polymerase-1), fator intra-celular envolvido na ativação
pró -inflamatória após exposição alergénica, estão em estudo. A imunoterapia
alergéniosestá bem estabelecida para a alergia respiratória, baixando o nível
de ECP nasal de base e após provocação específica. O padrão de ECP nasal antes
e depois de provocação pode sugerir o resultado eficaz das vacinas. Na alergia
alimentar tem sido utilizada inclusive para aeroalergénios no sentido de
diminuir a inflamação geral ou as sensibilidades cruzadas, todavia com alguns
casos de indução de esofagite eosinofílica após dessensibilização alimentar por
via oral ou parentérica para inalantes. A imunologia molecular levará com
certeza a melhor compreensão da patologia a eosinófilos, sua terapêutica e mais
precisa aplicação da imunoterapia e imunomoduladores.