Recurrent delirium after surgery for congenital heart disease in an infant
COMENTÁRIOS
A doença grave na criança e a hospitalização em unidades de cuidados intensivos
(UCI's) é um acontecimento de stress para a criança, família e profissionais de
saúde. Este stress tem sido descrito na literatura e, para a criança, ele advém
sobretudo de três factores: o impacto físico e psicológico da doença em si, a
separação da família e a incapacidade para comunicar(1). Sabemos que a
separação da família é minimizada pelas actuais rotinas hospitalares, o que se
torna fundamental, já que este factor por si só é considerado como o mais
importante, potenciando o efeito dos outros factores de stress. A comunicação
pode ser afectada, quer na capacidade de a criança poder exprimir-se, quer na
capacidade de compreender as explicações sobre o que está a acontecer-lhe.
Entre as variadíssimas complicações médicas que as crianças internadas em UCI's
podem sofrer, o delírio tem sido encarado como esperado na doença crítica e
como tendo um papel negligenciável nos resultados. Este artigo descreve-nos o
caso clínico de uma criança pequena, sujeita a cirurgias cardíacas com
permanência em UCI, em que o reconhecimento do delírio e o seu tratamento,
afectou favoravelmente a sua recuperação.
O delírio é um síndrome clínico caracterizado por uma rápida alteração do nível
de consciência e cognição, inatenção, desorientação, perturbação da memória,
desorganização de pensamento, perturbações do ciclo sono-vigília, da capacidade
visuo-espacial e alterações psicomotoras(2). Por vezes ocorrem alucinações ou
ilusões perceptivas, mas não são necessárias para o diagnóstico de delírio em
crianças.
No delírio, existe uma disfunção difusa dos centros corticais superiores,
causada por variadas situações médicas e pós-cirúrgicas(3): infecção, indução
por fármacos, trauma, pós-transplante, perturbação auto-imune, pós-operatório,
neoplasias ou falência de órgãos.
O delírio em adultos é reconhecido como um preditor independente para o aumento
da mortalidade, aumento do tempo de internamento e prejuízo dos resultados
funcionais e cognitivos. O artigo cita o aumento de risco de quedas, extubações
não-planeadas, remoção acidental de cateteres arteriais ou cateteres venosos
centrais e tubos de toracostomia, em que o delírio não é correctamente
diagnosticado em muitas situações. Em crianças não tem sido tão estudado, e o
diagnóstico e tratamento nem sempre são feitos3.
Na DSM-IV-TR foram definidos quatro critérios diagnósticos: 1) início agudo
com flutuação dos sintomas; 2) um distúrbio da consciência com capacidade
reduzida para focar, desviar ou manter a atenção; 3) uma mudança na cognição
com défice da memória, desorientação, distúrbio da linguagem, distúrbios
perceptivos, ou alucinações; e 4) causado por consequências fisiológicas
directas de uma situação médica. Para além de critérios de diagnóstico, tem
sido salientada a necessidade da utilização de instrumentos de avaliação.
O Delirium Rating Scale (DRS) tem sido o instrumento mais utilizado,
posteriormente aperfeiçoado (DRS-R98)(4), demonstrando validade, consistência,
sensibilidade e especificidade. Foi utilizado na avaliação de uma criança do
sexo masculino, descrita no artigo. Nascido com o Síndrome do coração esquerdo
hipoplásico, sofreu uma intervenção correctiva aos 3 dias de vida.
Posteriormente, aos 7 meses e aos 2 anos de idade, realizou outros
procedimentos cirúrgicos cardíacos, com internamento em UCI. Em ambos os
internamentos foram administrados fentanil, morfina e lorazepan. Em poucos dias
de pós-operatório, e após a extubação, surgiram agitação psicomotora e insónia,
que não cediam à terapêutica habitual. A observação por psiquiatra e a
aplicação da DRS-R98, permitiu o reconhecimento de delírio; a administração de
olanzapina, promoveu um rápido desaparecimento dos sintomas.
Os autores salientam a importância de prevenir a ocorrência do delírio, nem
sempre possível devido à natureza das situações clínicas e fármacos utilizados.
No entanto, referem que a redução ou evitamento de fármacos que exacerbam o
delírio poderá ser útil, já que os narcóticos e as benzodiazepinas têm sido
implicados no seu aparecimento. Aliás, este tipo de fármacos terá um efeito
cumulativo de dose quando usadas em simultâneo, no aumento de incidência de
delírio. Pensa-se que este efeito poderá advir da acção das benzodiazepinas na
fragmentação do padrão de sono(5), efeito que não é imputado aos α-
3 adrenoceptores, que promoverão um sono mais natural.
O delírio é, desta forma, uma ocorrência possível durante a hospitalização em
UCI's, no grande grupo de crianças com doenças crónicas graves, e que, se
reconhecido, o seu correcto tratamento trará um alívio rápido e eficaz dos
sintomas, contribuindo para a uma experiência menos traumática na criança.