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EuPTCVHe0872-07542011000300015

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Hipotermia induzida na encefalopatia hipóxico-isquémica Hipotermia induzida na encefalopatia hipóxico-isquémica

André Mendes da Graça1,2, Isabel Sampaio1, Carlos Moniz1,2 1S. Neonatologia, Dep. Pediatria, HS Maria, CHLN, EPE.

2Clínica Universitária de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa CORRESPONDÊNCIA

INTRODUÇÃO Conceitos e epidemiologia A encefalopatia neonatal consiste num síndroma caracte­rizado por disfunção neurológica com início no primeiro dia de vida, que se manifesta por dificuldade em iniciar e manter a res­piração, diminuição do tónus e reflexos, depressão do estado de cons ciência e convulsões(1). O termo encefalopatia hipoxico­-isquémica (EHI) diz respeito aos casos de encefalopatia ne­onatal em que exista evidência clara de um evento hipoxico­-isquémico recente na etiologia do quadro clínico(2), devendo ser evitada a utilização generalizada do termo asfixia perinatal na descrição da situação clínica destes doentes.

A incidência estimada da encefalopatia neonatal varia entre um a oito por 1000 nascimentos e é uma causa importante de morbilidade e mortalidade(3,4). Apesar da melhoria dos cuidados de saúde perinatais nos países desenvolvidos, a sua incidência mantém-se elevada (um a dois casos por 1000 nascimentos)(2). Não existindo números publicados que permitam avaliar a nos­sa realidade, mas sendo a incidência de EHI inversamente pro­porcional à qualidade dos cuidados perinatais, podemos estimar que a incidência em Portugal seja comparável aos melhores resultados publicados na literatura, pelo que nascerão anualmente pelo menos 100 RN em Portugal com esta situação clínica.

Fisiopatologia A fisiopatologia da lesão celular na EHI inclui um padrão bifásico de morte celular(3), sabendo-se que o período mais rele­vante para o estabelecimento da lesão neuronal ocorre após a recuperação da hipoxia(4). Numa primeira fase ocorre morte celu­lar por falência energética secundária a uma depleção de adeno­sina trifosfato (ATP) provocada pela hipoxia (o que origina lesão membranar, acumulação intracelular de cálcio, sódio e água, edema citotóxico e morte celular necrótica). Com a reanimação ocorre a reperfusão e a reoxigenação dos tecidos comprometi­dos, iniciando-se uma série complexa de processos bioquímicos interligados entre si e que levam a uma morte celular secundá­ria.

Estes processos incluem a formação de radicais livres e a acumulação de neurotransmissores excitatórios como o gluta­mato e citoquinas pro- inflamatórias, e condicionam disfunção micro-circulatória cerebral, lesão celular directa e estimulação da apoptose(4). O processo de lesão celular secundária prolonga-se por várias horas após a agressão inicial, constituindo uma janela de oportunidade para a intervenção terapêutica(3,5).

Sobre os mecanismos enunciados foram testadas nas últi­mas décadas várias terapêuticas farmacológicas de forma a ten­tar evitar o estabelecimento da lesão secundária (alopurinol(6), sulfato de magnésio(7), bloqueadores dos canais de cálcio(8), anti-convulsivantes(9) e eritropoietina(10)). No entanto, e apesar de algumas se terem revelado promissoras numa fase inicial, nenhuma mostrou benefícios consistentes.

Por outro lado, a hipotermia induzida, que foi objecto de múltiplos ensaios clínicos aleatorizados na última década(11-15), viu demonstrada a sua eficácia e segurança, estabelecendo-se como uma técnica segura e eficaz na redução do risco de morte ou sequelas na EHI moderada a grave em recém-nascidos (RN) de termo sujeitos a asfixia perinatal aguda, o que foi confirmado por meta- análises(16 -17). A hipotermia actua através de diversos mecanismos, tais como a diminuição do metabolismo cerebral, a redução do edema cerebral citotóxico, a redução da pressão intracraniana e a inibição da apoptose(4,18-21).

Evidência científica A evidência científica em que se baseia a recomendação para a utilização da hipotermia induzida passou por 3 fases dis­tintas: os estudos no modelo animal, os estudos de segurança em pequenos grupos(22-24)e os grandes estudos aleatorizados de eficácia com seguimento até aos 18 meses de idade. A grande maioria dos estudos utilizou uma redução da temperatura cor­poral em três a quatro graus Celsius iniciada nas primeiras seis horas de vida e mantida por um período até 72 horas. Apesar de algumas diferenças metodológicas, os estudos são muito seme­lhantes entre si nos critérios de inclusão e exclusão de doentes e nos aspectos técnicos do tratamento, sendo incluídos RN com evidência clínica de asfixia (necessidade de reanimação prolon­gada, índice de Apgar baixo) ou acidose metabólica grave na primeira hora de vida (pH inferior a sete ou défice de bases supe­rior a 16 mmol/l), e que apresentassem clínica de encefalopatia moderada a grave ou convulsões(11-13). Em três dos estudos a existência de encefalopatia tinha de ser confirmada através de uma monitorização de electroencefalograma de amplitude inte­grada (aEEG) por um período de 30 minutos antes de iniciar o tratamento. Os métodos de obtenção da hipotermia consistiram no arrefecimento corporal total com recurso a um colchão de ar­refecimento ou na hipotermia cerebral selectiva com recurso a um capacete de arrefecimento. O objectivo primário analisado foi o mesmo nos três estudos com seguimento a médio prazo: redução da morte ou sequelas graves do neurodesenvolvimento aos 18 meses.

A confiança nos resultados obtidos assenta na elevada qualidade metodológica, na adesão quase universal ao segui­mento aos 18 meses (superior a 95%) e na grande consistên­cia dos resultados(14-17), todos apontando para uma redução da morte ou sequelas, embora apenas um destes tenha atingido significância estatística para o objectivo primário. A semelhança metodológica permitiu a elaboração de uma meta-análise, que inclui 767 recém-nascidos seguidos até aos 18 meses em três estudos aleatorizados, e que demonstrou uma redução na ocor­rência de morte ou sequelas graves do desenvolvimento psico­-motor com um número necessário tratar de nove(17). Entre os sobreviventes observou-se uma redução de sequelas graves e de paralisia cerebral e um aumento da sobrevivência sem seque­las aos 18 meses superior a 50%(17). Na análise da mortalidade e efeitos secundários do tratamento, foram incluídos mais três estudos perfazendo um total de 1320 recém-nascidos. Não fo­ram observados efeitos secundários clinicamente significativos na aplicação desta técnica a RN de termo(14-17). Como esperado, está descrita uma diminuição da frequência cardíaca sem reper­cussão hemodinâmica (tipicamente uma diminuição de dez batimentos por minuto por cada grau de redução da temperatura), trombocitopenia ligeira, alterações da coagulação e hipocaliémia ligeiras. No entanto, nenhum dos estudos foi desenhado para detectar complicações pouco frequentes e, embora a hipotermia esteja a ser utilizada fora do contexto de estudos mais de dois anos sem evidência de complicações significativas nos registos existentes (25), ainda é necessário acumular mais experiên­cia sobretudo na sua aplicação a RN com patologia associada como a hipertensão pulmonar e a isquémia miocárdica.

Assim, perante a evidência de segurança e eficácia e na ausência de outras intervenções terapêuticas disponíveis, esta técnica tem sido crescentemente utilizada no contexto clínico(25-30)e foi considerada recentemente uma abordagem recomendável(29) no tratamento de recém-nascidos com ence­falopatia hipoxico-isquémica moderada a grave, devendo ser oferecida a todos os recém- nascidos com esta entidade que preencham critérios de inclusão semelhantes aos utilizados nos grandes estudos.

HIPOTERMIA NO CONTEXTO CLÍNICO E EXPERIÊNCIA DA UCIN-HSM Critérios para iniciar tratamento Os critérios adoptados na UCIN-HSM são muito semelhan­tes aos critérios utilizados no Reino Unido(13,37), que nos pare­ceram adequados e completos.

Assim, devem ser tratados com hipotermia induzida os recém-nascidos com 36 ou mais sema­nas de idade gestacional, com menos de 6 horas de vida no momento da referenciação e que apresentem pelo menos um critério de cada uma das seguintes categorias: a) Critérios sugestivos de asfixia Índice de Apgar igual ou inferior a 5 aos 10 minutos de vida Necessidade continuada de reanimação aos 10 minutos de vida pH < 7.0 no sangue do cordão ou na primeira hora de vida ' Défice de bases 16 mM no sangue do cordão ou na primeira hora de vida b) Encefalopatia ou convulsões c) Electroencefalograma de amplitude integrada (aEEG) com alteração da actividade de base e/ou convulsões

Sendo a hipotermia neste momento o único tratamento disponível e tendo em conta a sua segurança, é compreensível que se considere a sua utilização em casos particulares que não preencham os critérios publicados. Tem sido sobretudo discu­tida a utilização em RN com 35 semanas(30,31), em RN que se apresentam depois das seis horas de vida(32,33)e em RN com malformações congénitas ou patologia cirúrgica, assim como em casos de enfarte cerebral perinatal e paragem cardio-respiratória pós-natal(34 -36).

A aplicação desta técnica fora dos protocolos publicados é aceitável, mas requer a obtenção de consentimento informado e o esclarecimento dos pais acerca da ausência de evidência científica da segurança e eficácia da terapêutica naquele contexto.

Na nossa experiência todos os casos apresentaram os cri­térios de inclusão predefinidos, à excepção de um RN que foi tratado após uma paragem cardiorrespiratória pós-natal precoce de difícil recuperação, à qual se seguiu um quadro de encefalopatia. Em todos os recém-nascidos tratados houve evidência de acidose metabólica na gasimetria efectuada na primeira hora de vida, com pH entre 6.50-7.20 (mediana de 6.96) e défice de bases entre 4.6 a 27.7 mEq/l (mediana de 18 mEq/l). O índice de Apgar foi muito variável, apresentando medianas de 2, 4 e 5 aos 1, 5 e 10 minutos, respectivamente.

Na admissão catorze RN (48%) apresentavam encefalopatia grave (coma, hipotonia, sem movimentos espontâneos, refle­xos primitivos ou respiração autónoma). Destes RN, treze (93%) apresentaram padrões de aEEG gravemente alterados (supressão ou surto-supressão) e num caso (7%) o traçado de base estava moderadamente alterado.

Nove RN (31%) apresentavam clínica de encefalopatia moderada (letargia, hipotonia, movimentos espontâneos raros, reflexos primitivos diminuídos e convulsões frequentes). Todos tinham alterações no aEEG (dois com traçado de base normal com convulsões eléctricas, dois com alterações moderadas, quatro com surto-supressão, um com traçado de supressão).

Seis RN (21%) apresentavam na admissão clínica de en­cefalopatia ligeira (irritabilidade, tónus normal ou hipertonia, reflexos primitivos presentes e convulsões pouco frequentes). Utilizando unicamente critérios clínicos estes bebés não teriam sido tratados, mas todos apresentavam alterações no aEEG que aconselhavam a sua inclusão no tratamento (metade com padrão de surto supressão e a outra metade com evidência de convulsões).

Cuidados imediatos ao recém-nascido no hospital de origem e transporte Dado que a hipotermia deve ser realizada em centros de referência, é natural que a maioria destes RN venha a nas­cer fora destes centros. Assim, é crucial que todos os pediatras que prestam assistência a recém-nascidos numa sala de partos conheçam as indicações para este tratamento. As manobras de reanimação devem ser executadas de acordo com os protocolos locais, embora se defenda a suspensão das medidas de aqueci­mento aos dez minutos de vida quando se considera a indicação para este tratamento. Após a admissão na unidade de Neonatologia do hospital onde nasce o RN a situação clínica deverá ser discutida com o centro de tratamento. Confirmada a indica­ção para o tratamento devem ser desligadas todas as fontes de aquecimento activo, iniciada a monitorização da temperatura (monitorização contínua se possível ou então intermitente cada quinze minutos), devendo-se manter a temperatura corporal entre 34 e 35ºC (hipotermia passiva). Este nível de hipotermia corresponde na maioria dos casos à temperatura que um RN com EHI atinge se não for aquecido, sendo algumas vezes ne­cessário recorrer à utilização de uma ou mais mantas para evi­tar hipotermia excessiva. O inverso tende a ocorrer com menos frequência, estando indicado colocar sacos com água fria perto do RN, mas sem contacto directo e sempre com monitorização contínua ou muito frequente da temperatura central. A aplicação das medidas referidas de monitorização da temperatura e de hi­potermia passiva devem manter-se durante o transporte até ao centro de tratamento.

Na nossa casuística apenas dois casos nasceram no nosso hospital, sendo todos os outros transferidos de diversos hospitais de todo o território continental (Região Norte ' 10, Lisboa e Vale do Tejo ' 18, Algarve ' 1). Todos iniciaram hipotermia passiva no hospital de origem e durante o transporte, sendo a temperatura central mediana na admissão de 34ºC. Todos iniciaram hipoter­mia activa antes das 12 horas de vida (média 5,9) e apenas num caso houve necessidade de transporte por via aérea.

Evolução neurológica e avaliação do prognóstico A determinação do prognóstico neurológico de um RN com EHI faz-se com uma análise conjunta de vários parâmetros com valor prognóstico bem estabelecido nesta situação. As maiorias desses factores são determináveis à cabeceira do doente, e vão desde avaliações neurológicas padronizadas, cuja fiabilidade está limitada pela utilização de sedação (como os métodos descritos por Thompson, Dubowitz e Prechtl),(38 -42) até à ecografia cerebral com Doppler(43), passando pela monitorização contínua da função cerebral com o aEEG, cuja normalização nas primeiras horas apresenta uma correlação prognóstica bastante favorável(44 -47).

A ressonância magnética (RM) constitui o exame de refe­rência na definição do prognóstico na EHI, existindo padrões de lesão bem definidos, com elevada sensibilidade e especificidade na determinação do prognóstico(48,49), permitindo igualmente o diagnóstico diferencial com outras causas de encefalopatia neo­natal. A RM com a finalidade de determinar o prognóstico neuro­lógico está recomendada na segunda semana de vida, altura em que o RN habitualmente está mais estável e momento utilizado na maioria dos estudos de prognóstico. A RM nesta idade permi­te igualmente datar adequadamente as lesões (50), o que pode ser útil em casos de litígio judicial. A realização da RM convencional nos primeiros dois dias de vida torna difícil a sua interpretação, mas a utilização de sequências especiais (como a difusão e a espectroscopia) pode ser útil, nomeadamente em casos em que se pondere a instituição de cuidados paliativos(51,52). Embora o processo de transporte de um RN muito instável à unidade de RM seja muito complexa, está disponível no mercado material compatível com a realização de RM em recém-nascidos gravemente doentes.

Na nossa experiência, dos 22 RN com encefalopatia mode­rada a grave à entrada, todos menos um apresentavam aEEG com alterações graves ou moderadas. Por outro lado, 3 dos 6 RN com encefalopatia classificada como ligeira apresentavam aEEG com um padrão grave de surto -supressão, o que demons­tra bem a fragilidade da classificação clínica e a objectividade do aEEG como ferramenta de inclusão no protocolo. Por outro lado, não foram tratados outros 6 RN com quadros de encefalopatia ligeira que se apresentaram com aEEG normal.

Em termos de evolução neurológica e prognóstico, dos RN com aEEG severamente alterado à entrada, aqueles que não normalizaram o seu padrão de aEEG (65%) ou faleceram (31%) ou apresentaram RM com alterações geralmente indicadoras de mau prognóstico, à excepção de um caso. Dos RN que normali­zaram o aEEG até às 48 horas, 43% apresentaram RM normais e outros 29% apresentaram RM com padrão de moderada gra­vidade, pelo que apenas 28% têm uma forte probabilidade de sequelas major.

Os RN com padrões de aEEG moderados à entrada foram apenas 4 e a evolução do aEEG nestes casos foi determinante para os achados de RM, sendo que os que normalizaram o pa­drão foram os que vieram a ter RM normais.

Os RN sem alterações na actividade de base do aEEG, in­cluídos no protocolo devido à presença de convulsões, mantive­ram a normalidade do aEEG e tiveram uma RM normal em 75% dos casos e alterações moderadas em 25%.

A existência de convulsões clínicas ou no aEEG tem muito menos importância prognóstica do que a actividade de base. No entanto, na nossa série as convulsões ocorreram em 59% dos casos, sobretudo no primeiro dia de vida, por vezes antes do início da monitorização com aEEG. Ao longo dos dias de tra­tamento as convulsões diminuíram de frequência, ressurgindo durante o reaquecimento em apenas 3 casos. A maioria dos RN com convulsões (65%) necessitou de dois anti-convulsivantes para o controlo, habitualmente fenobarbital (primeira linha) e midazolan (segunda linha). Raramente foram utilizados outros anti-convulsivantes como o clonazepan ou a fenitoína, para os quais existe menos experiência no contexto de programas de hipotermia induzida.

Aspectos sistémicos do tratamento com hipotermia induzida Os RN com EHI moderada a grave caracterizam-se por um quadro neurológico com envolvimento de múltiplos órgãos e sistemas, requerendo cuidados intensivos. As alterações fisioló­gicas provocadas pela redução da temperatura corporal tornam ainda mais complexa a monitorização e tratamento destes doen­tes. Para além disso, e devido à patologia de base, torna-se particularmente importante preservar a perfusão cerebral e entrega de oxigénio e nutrientes aos tecidos, sendo fundamental para esse fim manter uma pressão arterial normal, a normoglicemia, boa oxigenação e a normocapnia(37).

A grande maioria dos RN (86%) estiveram com ventilação invasiva durante os 3 dias de tratamento, sobretudo devido à sedação, que foi utilizada em todos os casos com morfina em perfusão contínua entre 10 e 20 mcg/kg/h. No nosso hospital não temos disponível a monitorização dos níveis de morfina re­comendada por alguns autores(53), mas utilizamos sempre a dose mínima necessária para evitar os sinais de desconforto do RN.

A hipotensão foi registada sobretudo no primeiro dia de tra­tamento (62%), diminuindo de prevalência ao longo do tratamen­to. Do ponto de vista da necessidade de suporte inotrópico, 72% dos RN necessitaram combinações e doses variáveis de dopa­mina e dobutamina. A bradicardia sinusal é um efeito esperado da hipotermia e ocorreu em todos os casos.

A insuficiência renal, definida por oligúria e creatinina sérica superior a 1,5 mg/dl depois do primeiro dia de vida, ocorreu em 31% dos casos. Houve necessidade de tratamento com resinas permutadoras de potássio em dois RN e de instituir diálise peri­toneal num RN.

Em todos os RN foi iniciada antibioticoterapia no primeiro dia de vida, pela dificuldade em excluir sépsis nestes RN gra­vemente doentes. Os valores de proteína C reactiva foram su­periores a 2 mg/dl em 38% dos casos e houve isolamento de agente na hemocultura em apenas 7%.

Em relação a outras comorbilidades ocorridas no nosso grupo de doentes, destaca -se a ocorrência de pneumotórax num caso, hipertensão pulmonar com necessidade de terapêutica com óxido nítrico inalado em dois casos, abcesso sub-frénico num RN e perfuração intestinal espontânea num RN após o período de hipotermia.

O reaquecimento até aos 37ºC de temperatura rectal demo­rou entre 12 a 40 horas (mediana 24 horas). As complicações des­critas neste período ocorreram em quatro RN (convulsões em três, hipotensão em dois, convulsões e hipotensão apenas em um).

CONCLUSÕES A EHI mantém-se uma causa importante de morte e se­quelas no desenvolvimento psicomotor apesar da melhoria dos cuidados perinatais. A hipotermia induzida demonstrou ser uma terapêutica segura e eficaz no tratamento da EHI, sendo conside­rada recentemente terapêutica de eleição que deve ser oferecida a todos os RN com EHI moderada a grave. Esta recomendação é baseada na evidência obtida em estudos aleatorizados de ele­vada qualidade, que mostraram de forma consistente a redução da mortalidade e sequelas graves e um aumento considerável da sobrevivência sem sequelas nos RN tratados com hipotermia, para além de um perfil de segurança tranquilizador.

Apesar das vantagens da hipotermia referidas, ainda restam 40% de morte ou incapacidade grave nos RN com encefalopatia moderada a grave tratados com hipotermia, justificando que se invista na investigação de outras terapêuticas neuroprotectoras complementares à hipotermia.

A técnica deve ser executada em hospitais de apoio perina­tal diferenciado, que disponham de capacidade de monitorização neurológica intensiva, designadamente pela capacidade de monitorização contínua do aEEG. Por outro lado, a possibilidade de comorbilidades neurológicas ou diagnósticos alternativos tornam essencial a existência de uma equipa pluridisciplinar que permita optimizar o diagnóstico e tratamento de comorbilidades e complicações, assim como o estabelecimento de um prognóstico adequado precocemente.

A nossa casuística referente aos primeiros 18 meses do nos­so programa corresponde a um número considerável de doentes tratados, tendo em conta que o recomendado internacionalmente é um mínimo de 10 doentes tratados por ano para que uma unida­de tenha a experiência suficiente na aplicação desta terapêutica. Apesar da proveniência variada dos doentes referenciados, todos os RN chegaram ao centro de tratamento dentro do intervalo te­rapêutico recomendado. Verificámos um predomínio dos casos de encefalopatia grave, sobretudo nos primeiros meses do programa. Com a divulgação crescente da técnica junto aos centros refe­renciadores, verificou-se, sobretudo no último semestre analisado, um aumento dos casos referenciados com encefalopatia modera­da, a par do aumento de referenciações.

Para a análise dos nossos dados, ainda não temos dispo­nível o resultado do seguimento clínico a médio ou longo prazo, mas é lícito utilizar a previsão do prognóstico com base nos re­sultados da RM na segunda semana de vida, dada a elevada sensibilidade e especificidade demonstradas em estudos alar­gados.

Em relação aos dados publicados na meta-análise dos estudos de hipotermia induzida, a nossa população apresenta maior incidência da combinação de mortalidade e sequelas neu­rológicas, maior taxa de sequelas neurológicas e menor mortali­dade, o que pode ser explicado pela maior proporção de casos muito graves na nossa casuística.

Sendo a hipotermia neste momento o único tratamento dis­ponível e tendo em conta a sua segurança, é compreensível que se considere a sua utilização em casos particulares que não pre­encham inteiramente os critérios publicados, como foi o caso do recém-nascido admitido após paragem cardio-respiratória pós­-natal. A aplicação desta técnica fora dos protocolos publicados é aceitável, mas requer a obtenção de consentimento informado e o esclarecimento dos pais acerca da ausência de evidência da eficácia da terapêutica naquele contexto.

Da análise dos nossos resultados fica claro a vantagem da multidisciplinaridade da equipa de trabalho na abordagem destes recém-nascidos com doença grave e envolvimento de múltiplos sistemas. Foi necessário o apoio da Nefrologia pedi­átrica em vários casos com instituição de diálise peritoneal em um recém- nascido, apoio de Cardiologia Pediátrica, Neuropedia­tria e Neurorradiologia em todos os doentes, Neurocirurgia num caso e Cirurgia Pediátrica num caso.

Salientamos a importância de um seguimento a longo prazo por uma equipa multidisciplinar, envolvendo sempre, além do Neonatologista, especialistas em Neuropediatria e Pediatria do Desenvolvimento, além de outras especialidades em alguns casos com sequelas orgânicas não neurológicas, como é o caso da Nefrologia.

A organização regional dos programas de hipotermia é for­temente recomendável, sendo que a decisão em estabelecer o primeiro centro a disponibilizar a técnica na nossa unidade se prendeu com a necessidade urgente em oferecer a técnica aos recém-nascidos portugueses, a posição geográfica central no país do nosso hospital e a existência de heliporto (o que per­mite receber em tempo útil RN nascidos em qualquer ponto do território português), e com a certeza de que o nosso serviço dispunha de todas as condições obrigatórias e facultativas para o estabelecimento deste programa, designadamente o contacto privilegiado com um dos centros com mais experiência a nível mundial, fizeram com que o nosso serviço não tivesse dúvidas de que dispunha de condições para implementar o primeiro pro­grama de hipotermia em Portugal.


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