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EuPTCVHe0872-07542011000300026

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Acne Acne

Manuela Selores1 1S. Dermatologia, CH Porto

A acne é o diagnóstico dermatológico líder e o principal motivo de consulta do adolescente. Oito em cada dez adolescentes sofre de acne mas um em doze recorre ao dermatologista.

A incidência da acne na adolescência varia entre 30 a 66%, situando-se os picos máximos nas raparigas entre 14 ' 17 anos, e entre 16 ' 19 anos nos rapazes(1).

Num estudo de prevalência da acne realizado no norte de Portugal constatou-se acne em 42,1% de jovens antes dos 15 anos em 55,8% dos 15 aos 29 anos, 9,2% dos 30-40 anos e em 2,1% em pessoas com mais de 40 anos(2).

A acne é uma doença inflamatória crónica do folículo pilo-sebáceo que resulta da inter-acção de quatro factores(3): 1. Hiperplasia sebácea com correspondente hiper-seborreia sob influência hormonal. Os androgéneos (testosterona, DHEA-S, androstenediona) são reduzidos, a nível dos re­ceptores da glândula sebácia, pela 5α-reductase tipo I, em dihidrotestosterona (DHT) que é a substância responsável pelas alterações sebáceas, nas áreas ditas seborreicas, so­bretudo na face e tronco.

2. Anomalias na diferenciação e adesão queratinocitária a nível do folículo piloso que condiciona obliteração do folículo e formação de comedões; 3. Colonização bacteriana dos folículos por microorganismos Propionibacterium acnes e Staphylococcus albus,os quais são responsáveis por alteração dos lipídios do sebo, em es­pecial pela formação de ácidos gordos livres os quais têm propriedades pró-inflamatórias.

4. Reacção inflamatória / imunitária, levando à libertação de vários mediadores inflamatórios (com rotura da parede da glândula sebácea), reacção responsável pelas lesões infla­matórias.

Os dois primeiros factores são os principais responsáveis pela formação das lesões retencionais ' comedões, que constituem a lesão elementar da acne, pois é neles que se produzem os fenómenos que conduzem à formação das lesões inflamatórias.

A face é a área anatómica mais atingida (fronte e maciço centro facial) com progressão para o tronco sobretudo na metade superior do dorso e região pré- esternal, isto é nas áreas com maior densidade em folículos sebáceos.

Clinicamente caracteriza-se por comedões fechados (pequenos quistos sub- cutâneos ou pontos brancos); comedões abertos designados genericamente por pontos negros; pápulas; pústulas e nas formas mais graves por abcessos, quistos e cicatrizes. As diferentes lesões podem aparecer individualmente ou em conjunto em graus de severidade e de intensidade variáveis.

Embora não seja habitualmente uma doença grave pode ser muito incómoda e desfigurante, conduzindo à perda de auto-estima e rejeição social. A evolução é por surtos de melhoria e agravamento, regredindo em regra na segunda década de vida.

É importante que o dermatologista tenha tempo e paciência, para ouvir o adolescente e para desmistificar os mitos da acne, tão amplamente difundidos na sociedade actual. Estes conceitos erróneos transmitem-se de pais para filhos, circulam entre amigos e colegas e são divulgados através de publicações não científicas(1).

Relativamente à dieta a comunidade dermatológica não valoriza a relação entre acne e alguns tipos de alimento como por exemplo o chocolate, os fritos e a fast-food. Não existem estudos científicos credíveis sobre este assunto, que permitam refutar ou afirmar com segurança o efeito da dieta na etiologia ou agravamento da acne. Contudo o aumento da prevalência da acne nas sociedades ocidentais industrializadas comparativa­mente à das sociedades menos desenvolvidas indicia que o tipo de dieta pode ser um factor ambiental a considerar (4).

Foi demonstrado que a ingestão de alimentos com carga glicémica elevada (ricos em cereais refinados e açúcar) levam à hiperinsulinemia, a qual, por sua vez desencadeia uma cascata de fenómenos endócrinos que podem estar implicados na pato­génese da acne(5-6). Recentemente constatou-se uma associação positiva entre o consumo total de leite e derivados durante a adolescência e o desenvolvimento de acne em mulheres jovens(7).

O estilo de vida do adolescente (discotecas, poucas horas de sono, falta de actividade ao ar livre) é muitas vezes invocado pelos pais como causa da acne e utilizado para justificar a penalização destes comportamentos(8).

O agravamento com o período menstrual pode ser explicado, por dois dias antes do início do mesmo, ocorrer a diminuição do diâmetro de abertura do folículo pilo-sebáceo condicionando a redução do fluxo do sebo para a superfície(9).

A relação causal entre stress emocional e acne é invocada desde à longa data.

Estudos científicos mostraram uma cor­relação fortemente positiva, entre o agravamento da acne e a existência de níveis elevados de stress durante o período dos exames escolares(10). Por outro lado, demonstrou-se que os se­bócitos humanos expressam receptores funcionais para vários neuromediadores (11).

Ainda persiste a ideia que a acne está associada a higiene deficiente. As lavagens frequentes e vigorosas podem ser traumatizantes levando ao agravamento da acne(12).

O recurso à maquilhagem e as técnicas de camuflagem, desde que os produtos utilizados sejam não comedogénicos não estão contra-indicados(13 -14).

Apesar de alguns doentes referirem melhoria transitória das lesões da acne (principalmente no dorso) após a exposição solar, não existe evidência científica convincente do benefício da radiação ultra-violeta(15). Esta aparente melhoria pode ser atribuída ao efeito placebo ou à camuflagem pelo bronzeamento(16).

De igual modo é importante transmitir a noção que a resolução da acne demora tempo e que deve ser tratada o mais precocemente possível para minorar as cicatrizes.

Embora o diagnóstico imediato seja fácil a abordagem terapêutica adequada a cada situação é difícil.

A terapêutica deverá incidir nos factores patogénicos primários e o tratamento será tanto mais eficaz quantos mais factores atingir(1).

Dada a multiplicidade dos factores envolvidos o tratamento não pode ser estereotipado. O primeiro passo na abordagem do doente com acne é fazer compreender a doença e os seus mecanismos. Na primeira consulta é fundamental explicar quais as causas da acne, quais as atitudes a ter no quotidiano e quais as interacções.

Existem actualmente numerosos medicamentos tópicos e sistémicos no tratamento da acne(1).

TRATAMENTO TÓPICO(17-21) Os tratamentos tópicos estão indicados nas formas leves a moderadas da acne ou como adjuvantes das terapêuticas sistémicas. Os mais frequentemente prescritos incluem: os retinóides tópicos, antimicrobianos (antibióticos tópicos e o peróxido de benzoílo). Os produtos contendo ácido azelaico, glicólico ou salicílico têm eficácia limitada, mas podem ser utilizados nas fases de ma­nutenção como adjuvantes dos anti-acneicos de primeira linha.

Retinóides 'o seu principal mecanismo de acção consiste na normalização da descamação alterada do epitélio infundibular com consequente inibição da comedogénese.

Verifi ca-se que os retinóides tópicos têm propriedades anti­-inflamatórias, embora no início da terapêutica e em peles mais sensíveis esta acção possa ser camuflada pelo seu potencial irritativo. Tretinoína em creme (0,025% e 0,05%) e em solução (0,1%), isotretinoína (ácido 13-cisretinóico) em gel (0,05%) e Adapaleno em creme e em gel (0,1%). Os retinóides tópicos são produtos de primeira linha na acne leve a moderada. Diminuem o número de microcomedões maduros e lesões inflamatórias, au­mentam a penetração de outros medicamentos e pelo potencial irritativo recomenda-se a sua aplicação preferencial à noite, de início em dias alternados estando contra-indicados em grávidas e lactentes.

Antibióticos(22 -24)(eritromicina 2 a 4%, clindamicina 0,1%) ' actuam na colonização bacteriana e na inflamação / resposta imunitária. Evidenciam ainda propriedades anti-inflamatórias diversas. A principal indicação dos antibióticos tópicos é a acne inflamatória ligeira em que apesar de um lento início de acção são em geral bem tolerados. No entanto são responsáveis pelo aparecimento de resistência bacteriana. Para obstar esta dificuldade a sua utilização não deve ultrapassar 6 a 8 semanas após resposta ou ineficácia terapêutica.

Peróxido de benzoílo(25 -26)(creme, gel, solução ou gel limpeza ' 5 a 10%)' tem uma actividade bactericida, anti-inflamatória e comedolítica discreta. Não induz resistência bacteriana. É aconselhável a sua utilização com antibióticos tópicos. Os seus efeitos secundários vão desde irritação, sensação de queimadura, descoloração da roupa e cabelo.

Os tópicos devem ser aplicados à noite, de maneira pro­gressiva cerca de 30 minutos após lavar a face para minimizar o risco de irritação local, frequente com retinóides tópicos que é muitas vezes a causa de abandono do tratamento pelo adoles­cente.

TRATAMENTO SISTÉMICO Os antibióticos sistémicos(27 -29) são utilizados nas formas moderadas a graves da acne inflamatória e como os tópicos re­duzem as concentrações do propionibacterium acnes,a bactéria relacionada com acne.

As ciclinas (tetraciclina, doxiciclina e minociclina) são os antibióticos de primeira linha pela sua vantagem em termos de eficácia, segurança e resistência bacteriana. Estão contudo contra-indicados antes dos 10, 12 anos pela interferência com o desenvolvimento esquelético (podem provocar hipoplasia do esmalte e descoloração dentária). Do mesmo modo que os an­tibióticos tópicos são responsáveis pela resistência bacteriana pelo que é importante minimizar a sua prescrição seleccionan­do rigorosamente a sua indicação. A prescrição oral deverá ser limitada no tempo, em regra 3 a 4 meses, e nunca associar um antibiótico tópico concomitantemente.

Os macrólidos (eritromicina e azitromicina) são antibióticos bem tolerados e estão indicados antes dos 12 anos de idade, grávidas ou quando contra- indicação para as ciclinas.

Isotretinoína(30 -37)' é a única terapêutica que actua nos quatro factores fisiopatológicos da acne. É utilizado na dose 0,5 a 0,7 mg/dia em tomas repartidas pós prandiais de forma a obter uma dose total cumulativa de 100 a 120mg/kg. O principal efeito adverso da isotretinoína resulta do seu elevado potencial terato­génico durante o tratamento e nas seis semanas após a sua con­clusão pelo que na adolescente ou mulher adulta recomenda-se uma contracepção eficaz devendo ser dada informação por escrito à doente e / ou seu representante legal.

Continua controverso o efeito da isotretinoína sobre o humor, a tendência para a depressão e ideias suicidas, sendo adequado alertar os familiares e nos casos mais problemáticos recorrer a apoio psiquiátrico. Os doentes que manifestem alte­rações psiquiátricas, redução da visão nocturna e cefaleias in­tensas devem suspender o tratamento. Não se deve associar antibióticos do grupo das tetraciclinas pela possível potenciação do efeito hipertensor intracraniano. Os efeitos secundários muco-cutâneos (queilite, secura ocular com intolerância a lentes de contacto, secura cutânea, fragilidade das mucosas e aumento de sensibilidade ao sol) são frequentes mas de fácil controlo. Poderá ocorrer hiperlipidémia pelo que é aconselhável a deter­minação dos triglicerídeos, colesterol total e das HDL séricos em jejum, bem como estudo da função hepática, hemograma com plaquetas antes do início e às 4 a 6 semanas de terapêutica.

A terapêutica hormonal(7 -8;38) ' tem por objectivo reduzir a actividade androgénica a nível da glândula sebácea e do infundíbulo folicular. Está indicada em jovens sexualmente activas com acne inflamatório, ou quando associação a hirsutismo ou a irregularidades menstruais.

O tratamento cirúrgico(39-42)- a considerar a correcção de cicatrizes, frequentemente a preocupação major dos doentes. As técnicas a utilizar que incluem cirurgia, fillers, dermobrasão, laserterapia e peelings dependem do tipo e características das cicatrizes. É importante equacionar as expectativas dos doentes tendo em conta a técnica mais adequada a cada situação clínica.

Concluindo o dermatologista tem que estar atento aos transtornos emocionais que esta afecção provoca na auto-estima do jovem, numa fase da vida em que se atribui especial valor à imagem. Constata-se que não correlação entre a gravidade da doença avaliada pelo médico e a sentida efectivamente pelo doente.

Não se tratam doenças mas doentes pelo que a aborda­gem terapêutica de doentes com acne não se esgota no tratamento da acne activa, que poder compreender o significado da doença para o doente e oferecer ou orientar a correcção das sequelas da acne(1).


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