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EuPTCVHe0872-07542012000300020

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Diagnóstico Diagnóstico

Fernando Pereira1 1S. Gastroenterologia Pediátrica, CH Porto

Se nos interrogamos sobre quando devemos pensar na Do­ença Inflamatória Intestinal (DII) a resposta genérica deverá ser, cada vez mais e cada vez mais cedo. De facto a sua frequência tem vindo a aumentar nas últimas décadas, em especial a Do­ença de Crohn e ocorre ou é diagnosticada em idades cada vez mais jovens. Como é regra na actividade médica a abordagem de um doente começa com uma história clínica bem conduzida e um exame físico cuidado que induzem ou orientam os exa­mes auxiliares de diagnóstico que permitirão confirmar ou não a nossa suspeita. Uma criança com dor abdominal persistente e recorrente, alterações do trânsito intestinal, especialmente diarreia, com ou sem sangue nas fezes, palidez, perda de peso ou anorexia e em que o exame objectivo evidencia, palidez das mucosas, aftose oral, dor ou tumefacção na fossa ilíaca direita e eritema nodoso e com fistula/s anais, a hipótese de ter uma DII é muito provável e deve ser investigada. Se esta criança tem ante­cedentes familiares de DII a probabilidade aumenta. É claro que nem sempre o quadro é tão completo e por vezes observamos uma criança que tem apenas ligeiras e pouco valorizadas dores abdominais e anemia ferropénica e que quando devidamente es­tudada se demonstra ter DII; em outros casos somos confronta­dos com criança que apresenta uma fístula anal frequentemente recidivante após correcção cirúrgica e em que a hipótese de DII deve ser sempre colocada; outros doentes apresentam-se com quadro de anorexia acentuada, por vezes com o diagnóstico de anorexia nervosa e de facto a sua doença responsável pelo quadro é de facto uma DII. É assim muito claro que a doença inflamatória intestinal e muito especialmente a D. Crohn, pode apresentar-se clinicamente de formas muito diferentes (fenóti­pos), rica ou pobre em sintomas, o que está em grande parte dependente da sua base genética, do grau de actividade da do­ença e da sua localização no tubo digestivo. Raras vezes, são as manifestações articulares que levam o doente à consulta de Pe­diatria ou Reumatologia e depois de excluída patologia articular primária somos conduzidos ao diagnóstico de DII.

Nos doentes com colite ulcerosa o quadro clínico inclui persistentemente au­mento do número de dejecções, quase sempre diarreicas, diur­nas e nocturnas e muito frequentemente associadas à presença de sangue e muco. É muito importante referir a necessidade de fazer um exame proctológico a todos os doentes em que a sus­peita de DII é colocada.

Perante a suspeita de DII deveremos começar por efectuar estudo analítico que deverá procurar sinais de actividade infla­matória (VSG, PCR, calprotectina fecal) anemia (hemograma), ferropenia, hipoproteinemia, alterações da função hepática e re­nal (estudo bioquímico) e ainda a presença de alterações imuno­lógicas (ANCA, ASCA e imunoglobulinas). Os resultados obtidos, se confirmam a existência de actividade inflamatória e sobretudo se se associa anemia, trombocitose, ferropenia e hipergamaglobulinemia, obrigam à observação endoscópica do tubo digestivo na sua totalidade. Devemos portanto submeter o doente à re­alização de endoscopia digestiva alta e baixa, sobre sedação profunda ou anestesia, com as quais iremos observar o esófago, estômago, duodeno, colon e íleum terminal e efectuar biópsias para estudo histológico da mucosa. Quando nenhum destes exa­mes revela alterações deveremos então proceder ao estudo do intestino delgado, que poderá ser efectuado por radiologia (ente­róclise ou RMN) ou recorrendo à cápsula endoscópica, uma vez que a doença pode estar limitada àquele segmento digestivo.

É altura de afirmarmos que o diagnóstico de DII dever ser sempre efectuado com base em dados clínicos, endoscópicos e/ou radiológicos e histológicos. desta forma será possível fazer um diagnóstico de Doença de Crohn ou Colite ulcerosa e da extensão e tipo de lesões do tubo digestivo, bem como da sua gravidade.

Por vezes quando existem apenas lesões do colon, mesmo com todos aqueles elementos presentes, não é possível fazer um diagnóstico definitivo e consideramos tratar-se de coli­te indeterminada que a evolução posterior acabará por permitir classificar definitivamente.

A Doença de Crohn tem como sinais endoscópicos o qua­dro inflamatório da parede do tubo digestivo, com úlceras afto­sas, lineares ou estreladas, em regra separadas por mucosa de aspecto sensivelmente normal, estenoses inflamatórias e poupando frequentemente o recto. O envolvimento esofágico apresenta-se com sinais inflamatórios e úlceras e ao nível gás­trico, gastropatia congestiva erosiva ou ulcerativa a que pode associar-se estenose pilórica. A Colite ulcerosa envolve apenas a mucosa e submucosa do colon de forma total ou parcialmen­te; nas crianças a tendência é para envolvimento mais extenso, constituído por congestão, edema ulceração, friabilidade, perda do padrão vascular, hemorragia fácil, alterações que envolvem de forma difusa o segmento atingido e não poupando o recto. Histologicamente a Doença de Crohn caracteriza-se infiltrado inflamatório crónico com actividade, ulceração, granulomas não caseificados, distorção das criptas e distribuição focal e a colite ulcerosa por infiltrado inflamatório do mesmo tipo mais superfi­cial, com abcessos crípticos, depleção das células de Goblet e distribuição contínua.

Diagnóstico diferencial com infecções bacterianas ou víri­cas (CMV), incluindo de forma muito particular a tuberculose e a colite por Clostridium difficile é obrigatório. Devemos proceder à pesquisa de toxina nas fezes, ao exame microbiológico das fezes e das biópsias intestinais.

Desta forma conseguimos fazer o diagnóstico de DII ou excluí-lo e estabelecer um padrão de gravidade que permitirá iniciar o tratamento mais adequado.

Tendo por objectivo tornar mais prática a nossa interven­ção, apresentamos seguidamente, alguns casos clínicos, exem­plificativos da forma diversa como a DII pode apresentar-se.

O primeiro caso refere-se a um rapaz de 12 anos com his­tória de dor abdominal recorrente, mais intensa na fossa ilíaca direita e sobretudo após as refeições e com duração de cerca de seis meses. Recorreu ao serviço de urgência por apresentar epi­sódio de dor aguda intensa na fossa ilíaca direita. A palpação ab­dominal revelava defesa na fossa ilíaca direita e leucocitose com neutrofilia, elevação acentuada da PCR e moderada da VSG. Foi efectuado o diagnóstico de apendicite aguda e o doente subme­tido a laparotomia. Durante a exploração da cavidade abdominal foi diagnosticada ileíte terminal extensa com áreas de estenose, colocando-se como hipótese de diagnóstico a D. Crohn. O estudo endoscópico e radiológico seguidamente efectuado e as biópsias do colon e ileum terminal, permitiram confirmar o diagnóstico de D Crohn atingindo o colon direito e o ileum terminal, em forma grave estenosante e penetrante.

O segundo dos nossos doentes era uma menina de 14 anos com dor abdominal recorrente periumbilical, pouco intensa e quase diária e com astenia progressiva com perda de pesosignificativa mas não quantificada. Referia igualmente período de amenorreia de três meses. O seu exame objectivo não re­velava alterações significativas. No estudo analítico efectuado salientava-se a presença de anemia hipocrómica e microcíti­ca com ferro e ferritina baixos, trombocitose e VSG 47mm/iªh. A pesquisa de sangue oculto nas fezes foi negativa. Efectuou endoscopia digestiva alta e colonoscopia que foram normais e seguidamente enteroscopia por videocápsula que permitiu ob­servar edema, congestão e ulceração no ileum sendo colocado o diagnóstico de D Crohn ileal, forma inflamatória ligeira a mo­derada.

O nosso terceiro doente era uma menina com 10 anos que nos procurou por ter seis semanas, seis a oito dejecções diá­rias, diurnas e nocturnas por vezes com pequenas quantidades de muco e sangue nas fezes associadas a mal estar abdominal difuso, astenia e anorexia. A palpação abdominal era globalmen­te desconfortável mas sem organomegalias ou tumefacções. O exame proctológico era normal. O estudo laboratorial mostrou anemia hipocrómica microcítica, PCR elevada, VSG 52/1ªh, hipoalbuminemia e hipergamaglobulinemia. O exame microbio­lógico das fezes era negativo. A endoscopia digestiva alta era normal e a colonoscopia com ileoscopia terminal e o trânsito do intestino delgado permitiram o diagnóstico de extensa D Crohn ileocólica com significativa estenose ileal terminal. As biópsias cólicas mostraram diversos granulomas.

Concluímos por D Cro­hn ileocólica com componente estenosante.

O doente seguinte, de 15 anos, queixava-se de diarreia com sangue e muco com cerca de oito dejecções nas 24 ho­ras. Não apresentava antecedentes patológicos relevantes e o seu exame objectivo evidenciava palidez da pele e mucosas e o toque rectal era indolor mas aparecia sangue na luva. O estudo laboratorial apresentava anemia, trombocitose, elevação dos pa­râmetros inflamatórios e hipoproteinemia. Tinha ANCA positivo e ASCA negativo e exame microbiológico e parasitológico de fezes negativos. A endoscopia digestiva alta era normal bem como o trânsito do intestino delgado. A colonoscopia esquerda mostrou quadro inflamatório intenso e difuso dos segmentos observados e envolvendo o recto, a histologia confirmou tratar-se de quadro de colite ulcerosa e o clister opaco posteriormente realizado (tu­bolização cólica) permitiu diagnosticar uma doença com envolvi­mento quase total do colon O nosso último doente era um rapaz de oito anos com abcesso perianal seguido do desenvolvimento de um trajecto fistuloso persistente. Dois meses depois aparecimento de novo orifício fistuloso a meio do trajecto entre o ânus e o escroto. Ob­servado por cirurgia foi submetido a tratamento conservador sem êxito. O seu irmão gémeo tinha também duas fistulas anais em evolução cerca de três meses. O seu exame objectivo não revelava qualquer alteração nomeadamente a palpação abdo­minal ou o toque rectal. O estudo analítico revelou hemograma normal, trombocitose, VSG 55mm 1ªh, TGP 2xN, ferro baixo, albumina diminuída, IgG elevada e ASCA positivo. O exame en­doscópico não evidenciou alterações esófago-gastro-duodenais e a presença de múltiplas ulcerações aftóides do colon esquerdo e ulcerações profundas do colon direito e transverso. O estudo radiológico do intestino delgado por enteróclise foi compatível com ileíte terminal ligeira.

A idade do doente, a localização das lesões, o seu tipo e a repercussão sobre o crescimento, na D. Crohn, bem como a extensão no cólon e severidade das lesões, na Colite Ulcerosa, permitem classificar a doença (Classificação de Montreal e Paris) e dessa forma permitir uma orientação terapêutica mais correcta desde o início. Os índices de actividade da D. Crohn (PCDAI) e da Colite Ulcerosa (PUCAI) determinados de forma seriada são úteis sobretudo na avaliação da resposta ao tratamento.

O diagnóstico da DII é como se pode ver um desafio, que todavia se consegue ultrapassar se tivermos presente a sua na­tureza cada vez mais frequente e ocorrendo em idades mais jo­vens como afirmamos inicialmente.


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