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EuPTCVHe0872-81782007000200001

EuPTCVHe0872-81782007000200001

variedadeEu
ano2007
fonteScielo

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EVOLUÇÃO DA PRÁTICA DA COLONOSCOPIA NUM HOSPITAL DISTRITAL

Nos últimos anos, à semelhança de outros países ocidentais, tem-se assistido a um aumento na incidência do cancro colorrectal (CCR) em Portugal, sendo actualmente esta patologia a primeira causa de mortalidade por cancro no país (1). Este facto levou a Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED) a lançar, em 1998, uma campanha de rastreio do CCR, visando sensibilizar as autoridades oficiais, os utentes e os profissionais de saúde para as vantagens do rastreio (2).

No Serviço de Gastrenterologia do Hospital de S.

Bernardo (Setúbal), a adesão a esta campanha, assim como as modificações estabelecidas no funcionamento da Unidade de Endoscopia, como a introdução de uma escala semanal de colonoscopia com sedação por anestesista, a adopção de um método diferente de preparação intestinal e a mudança de instalações da própria Unidade, levaram a alterações da prática da colonoscopia. Estas alterações justificam-se numa época em que se torna necessário racionalizar os meios existentes, de forma a poder dar resposta a pedidos acrescidos de exames diagnósticos e terapêuticos, de vigilância póspolipectomia e pós-ressecção intestinal por CCR e de rastreio do CCR.

O objectivo deste trabalho foi o de avaliar o impacto das modificações introduzidas e da campanha de rastreio do CCR na evolução da prática da colonoscopia na Unidade de Endoscopia do Serviço de Gastrenterologia do Hospital São Bernardo.

MATERIAL E MÉTODOS

Tipo de Estudo Procedemos a um estudo retrospectivo, analisando todos os relatórios dos exames efectuados na Unidade de Endoscopia (UE) do Serviço de Gastrenterologia do Hospital São Bernardo, Setúbal nos anos de 1997 e 2003. Sempre que necessário, a recolha de dados foi completada pela revisão dos respectivos processos.

Escolhemos estes 2 anos, 1997 e 2003, por dois motivos: Em 1998 foi lançada pela SPED uma campanha de rastreio do CCR; Em 2003 foram inauguradas as novas instalações da UE.

As modificações na organização da UE incluiram a mudança de instalações em 2003, com maior número de salas de exames, sala de desinfecção devidamente ventilada, recobram, a modificação dos horários dos exames, com a abertura de maior número de vagas para colonoscopia; a organização de uma escala semanal de colonoscopia com sedação por anestesista, a partir de 1998, cuja duração foi prolongada em 2003; a adopção de uma preparação diferente para limpeza do cólon para colonoscopia (3). Em 1997 e em 2003 foram utilizados videoendoscópios, tendo o parque endoscópico sido actualizado no início de 2003. Em 1997 os exames foram efectuados por 6 gastrenterologistas e 1 interno do internato complementar e em 2003 por 7 gastrenterologistas e 1 interno do internato complementar.

Recolha da Informação

Relativamente a cada doente foram recolhidos os seguintes dados: sexo; idade; proveniência do doente; doente internado ou externo; sedação (qual, por quem); indicação para o exame; nível anatómico atingido (no caso de não se ter atingido o cego, o motivo era registado); qualidade da preparação (boa: sem fezes e/ou quantidade mínima de água; razoável: fezes ou água em quantidade que não impeça a visualização da mucosa e/ou polipectomia; : fezes e água em quantidade que impeça a visualização da mucosa e/ou polipectomia); diagnósticos; terapêutica efectuada.

A completação da colonoscopia foi considerada nos casos em que foi atingido o cego (definido como a visualização da válvula ileo-cecal), o íleon ou, no caso de doentes previamente submetidos a cirurgia de ressecção do cólon, a anastomose. Foram excluídos da análise de completação da colonoscopia os exames que não tiveram intenção de serem totais, nomeadamente os que se realizaram para polipectomia, em doentes previamente submetidos a colonoscopia total. A adequação da indicação para colonoscopia foi também avaliada de acordo com as normas da American Society for Gastrointestinal Endoscopy (ASGE - ver anexo) (4)

Análise Estatística

A análise estatística foi efectuada com o programa SPSS versão 13 para Windows (SPSS Inc, EUA). Os resultados foram expressos em média desvio-padrão ou em número de doentes e (percentagem). As comparações foram efectuadas pelo teste do qui-quadrado para as variáveis qualitativas e do t de Student para as quantitativas. O grau de significância estatística foi estabelecido para p<0,05.

RESULTADOS Em 1997 e em 2003 foram efectuadas, respectivamente, 917 e 1207 colonoscopias. Em todos os doentes foi obtido, por escrito, o consentimento informado.

Características dos Doentes A distribuição por sexos e idades foi semelhante nos dois períodos, com 54% e 55% de doentes do sexo masculino e uma média de idades de 62 ±14 e 63 ±14 anos, em 1997 e em 2003, respectivamente. A maior parte dos doentes provinha do serviço de Gastrenterologia, tendo a percentagem aumentado entre 1997 e 2003; o Serviço de Cirurgia foi o segundo em frequência na referen- ciação de doentes para colonoscopia nos 2 anos analisados. Relativamente a 1997, em 2003 fizeram-se menos exames urgentes e a doentes internados (Quadro 1).

Preparação, Sedação, Completação No que diz respeito à preparação intestinal, em 1997 utilizava-se a ingestão de 4 L de polietileno glicol associada a clisteres de limpeza; em 2003 a preparação foi obtida com uma combinação de 4 cp de Dulcolax® a preceder a ingestão de 2 L de polietileno glicol, seguindo-se clisteres de limpeza. A qualidade da preparação intestinal foi significativamente melhor em 2003 do que em 1997 (Quadro 2). Da mesma maneira, a frequência da utilização de sedação por anestesista com propofol endovenoso foi muito superior em 2003 (Quadro 2).

Em 1997 e em 2003 registaram-se, respectivamente, 69% e 68% de colonoscopias completas (diferença não significativa). Os motivos mais frequentes para colonoscopia incompleta foram a preparação intestinal, a intolerância do doente/dificuldade técnica e a existência de neoplasia obstrutiva. De notar que a preparação intestinal era a principal causa de colonoscopia incompleta em 1997, enquanto que em 2003 a principal causa era a intolerância do doente/dificuldade técnica (dados não apresentados). O sexo não constituiu motivo para colonoscopia incompleta em qualquer dos anos, mas a idade mostrou ser um factor importante. Assim, tanto em 1997 como em 2003, os doentes com exame incompleto eram significativamente mais idosos do que aqueles que tiveram um exame completo (65 ±14 vs. 60 ±14 anos em 1997 e 66 ±14 vs. 61±14 anos em 2003, ambas as diferenças p<0,001); a diferença acentua-se com a idade, particularmente acima dos 80 anos. A sedação também influenciou significativamente a completação da colonoscopia em 2003 (86% dos doentes sedados tiveram uma colonoscopia completa, versus 60% dos não sedados, p<0,001), não se podendo tirar ilações relativamente a 1997, dado o pequeno número de doentes sedados nesse ano.

Indicações Em 2003, 89% dos exames foram feitos apenas com 1 indicação, versus 79% em 1997. Nos dois anos estudados, as 3 principais indicações foram, por ordem decrescente, as hematoquézias, a realização de polipectomia e a dor abdominal. Em contrapartida, em 1997 o rastreio do CCR vem em 16º lugar nas indicações, (15 exames ou 1,3% do total), enquanto que em 2003 ocupa o lugar (119 exames ou 8,8% do total).

A análise das indicações de acordo com os critérios da ASGE, acima indicados, também mostra diferenças significativas entre ambos os anos, com maior número de exames com indicação correcta em 2003 (70%) do que em 1997 (64%, p<0,001).

Resultados dos Exames No que diz respeito ao resultado das colonoscopias, o número de exames normais foi igual em 1997 e 2003.

Das lesões encontradas, o diagnóstico mais frequente foram os pólipos, seguidos dos divertículos, dos cancros, das DII e finalmente das angiodisplasias (Quadro 2).

Dentro dos exames com patologia, os pólipos apareceram com uma maior frequência em 2003 do que em 1997. Em 2003 houve uma maior frequência de pólipos sésseis, assim como uma maior frequência de remoção, um número maior de pólipos hiperplásicos e menos adenomas com displasia de baixo grau. Em contrapartida, não foram encontradas diferenças significativas no que diz respeito à localização ou à dimensão dos pólipos removidos entre os dois anos (Quadro 3).

Foram diagnosticados menos cancros em 2003 (83) do que em 1997 (94), diferença que foi estatisticamente significativa. A localização dos cancros foi semelhante em ambos os anos, com 56% no recto e sigmoideia, 6% no descendente, 8% no transverso e 30% no cólon direito.

Quanto aos exames de rastreio, os resultados dos 2 anos em estudo são difíceis de comparar devido ao pequeno número de exames com esta indicação em 1997 (Quadro 4). De notar que em 2003 foi detectado um cancro do cego num exame de rastreio. No que diz respeito aos 80 pólipos visualizados em 37 exames de rastreio, 8 tinham um tamanho igual ou superior a 10 mm e 52 foram polipectomizados. Destes, 4 eram inflamatórios, 28 eram hiperplásicos, 21 eram adenomas com displasia de baixo grau e nenhum tinha displasia de alto grau ou adenocarcinoma. De realçar que, se na totalidade das colonoscopias realizadas em 2003, 15% dos pólipos visualizados se localizavam no cólon direito, essa percentagem foi significativamente maior (38%) nos exames efectuados por rastreio.

DISCUSSÃO O CCR tornou-se um importante problema de saúde pública nas últimas décadas, devido ao aumento progressivo da sua incidência nos países ocidentais (5-8) e à elevada mortalidade associada a este cancro (6,9). Em Portugal o panorama é idêntico e os dados existentes revelam que a incidência de CCR é grande no nosso país (1), aproximando-se das zonas da Europa de maior incidência (8). A SPED, perante esta grave situação, iniciou em 1998 uma campanha de rastreio visando sensibilizar a população, os profissionais de saúde, em particular os médicos de família e os gastrenterologistas, bem como os responsáveis pela saúde em Portugal, a vários níveis (2).

Entre 1997 e 2003 foram efectuadas modificações na organização da Unidade de Endoscopia do Hospital São Bernardo, atrás descritas. O presente estudo visou analisar o impacto da campanha de rastreio do CCR e das modificações introduzidas na organização e funcionamento da UE na prática da colonoscopia num Hospital Distrital (Hospital de S. Bernardo - Setúbal), com uma área de atracção que abrange uma população de cerca de 270.000 habitantes.

Verificámos que mais doentes foram provenientes do Serviço de Gastrenterologia em 2003 do que em 1997, mais doentes fizeram colonoscopia em regime de ambulatório em 2003 e menos exames foram realizados com carácter urgente neste ano. Estes aspectos reflectem uma melhor organização da Unidade de Endoscopia, com maior número de vagas para colonoscopia, alargamento do horário de exames e melhor selecção de indicações para exames urgentes. A melhor organização também se traduziu num maior número de exames com indicação correcta segundo os critérios da ASGE (4) em 2003.

O maior número de colonoscopias com preparação boa/razoável em 2003 reflecte a mudança da preparação do cólon instituída na nossa Unidade. Contudo, a preparação do cólon ainda é responsável por 26% dos exames incompletos, pelo que que insistir na procura de uma melhor preparação para colonoscopia e de uma maior adesão dos doentes às instruções que lhes são fornecidas.

A utilização da sedação endovenosa, com propofol, por anestesista foi significativamente diferente nos 2 anos analisados. Contudo, ainda estamos longe de poder oferecer sedação a todos os doentes, por falta de anestesistas, o que não acontece noutros países europeus como a França, a Inglaterra ou a Itália, onde a sedação é empregue em 60 a 96% dos casos (11-13). O problema da utilização da sedação em colonoscopia persiste, o que levou a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) a formular recomendações para sedação e analgesia por não-anestesistas (14).

A completação da colonoscopia foi semelhante nos dois anos, apesar da melhor preparação do cólon e da maior utilização da sedação em 2003. Esta taxa de completação é semelhante à obtida num estudo multicêntrico inglês recentemente publicado (12), sendo no entanto inferior à taxa de 85% recomendada pelo Sistema Nacional de Saúde Inglês (15). É necessário algum cuidado na interpretação dos dados das diferentes séries, que alguns autores avaliam a taxa de completação retirando previamente da análise os doentes em que esta não foi possí-vel por preparação. Se o tivéssemos feito, as séries de 1997 e 2003 mostrariam taxas de completação de cerca de 80%. Assim, os nossos resultados reflectem a realidade clínica, uma vez que são analisados todos os procedimentos com intenção de realizar uma colonoscopia total.

No que diz respeito às indicações para as colonoscopias, a realização de rastreio do CCR aumentou consideravelmente entre os dois períodos de observação. Estes resultados confirmam o impacto da campanha de rastreio do CCR na prática da colonoscopia de um Hospital Distrital em Portugal, à semelhança do verificado na Austrália (16) e nos EUA, país onde a campanha foi facilitada pela cobertura da Medicare dos custos dos exames de rastreio (17).

Quanto aos resultados dos exames, em 2003 foram detectados pólipos numa percentagem mais elevada do que em 1997, reflectindo provavelmente a melhor preparação intestinal e o elevado número de exames de rastreio. Na realidade é este o resultado que se pretende alcançar ao fazer rastreio - a detecção e remoção de pólipos de risco. As características dos pólipos foram semelhantes nos 2 anos, tendo sido a taxa de polipectomia mais elevada em 2003 (75%), devendo-se a maioria dos casos de não-polipectomia à preparação, aspecto que deve ser melhorado. O menor número de CCR detectados em 2003 deve-se provavelmente à maior percentagem de exames de rastreio.

Em 2003, 40% dos exames com a indicação de rastreio apresentavam patologia, sendo que neste grupo 77% tinham pólipos. O elevado número de pólipos neste grupo de doentes deve-se provavelmente à inclusão de doentes com história familiar de CCR, o que leva a uma maior detecção de lesões de risco. Do total dos 80 pólipos visualizados, 52 foram removidos e destes, 21 eram adenomas com displasia de baixo grau. O facto de, neste grupo, 38% dos pólipos visualizados se situarem no cólon direito e se ter diagnosticado um cancro do cego, justifica, na nossa opinião, a utilização crescente da colonoscopia total como método de rastreio, em particular, nos doentes de risco aumentado, tal como é preconizado pelo American College of Gastroenterology (18). A exequibilidade deste procedimento está actualmente em discussão (19-21).

Concluímos que tanto a campanha de rastreio do CCR, liderada pela SPED, como as modificações efectuadas na Unidade de Endoscopia do Serviço de Gastrenterologia do Hospital São Bernardo tiveram um impacto significativo na prática da colonoscopia. Consideramos que se devem concentrar esforços para quantificar a população a rastrear e o número de exames a realizar, criar as condições necessárias para o rastreio, sensibilizar a população e continuar a implementar as medidas que permitam o acesso fácil ao rastreio.


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