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EuPTCVHe0872-81782007000300005

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variedadeEu
ano2007
fonteScielo

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DIABETES MELLITUS APÓS TERAPÊUTICA COM PEG-INTERFERÃO-ALFA 2A 147

INTRODUÇÃO A Hepatite Viral C Crónica (HVCC) é uma doença potencialmente grave. Embora cerca de 70 a 80% dos casos tenham uma evolução indolente e um prognóstico relativamente favorável, 20 a 30% possuem um prognóstico mais reservado, com evolução para cirrose hepática e carcinoma hepatocelular (1).

As opções de tratamento dependem da existência de alterações das aminotransferases, do genótipo, da carga viral e do estádio de fibrose detectado por histologia hepática. Os doentes infectados com genótipos virais (2, 3) têm geralmente indicação terapêutica porque se associam a maior probabilidade de resposta. No caso dos genótipos 1 ou 4, com resposta menos favorável, é importante para a decisão terapêutica o estadiamento da doença obtido através da biopsia hepática. Torna-se especialmente importante considerar, neste último caso, a relação risco/benefício do tratamento, sobretudo em doentes com aminotransferases normais.

A combinação do peginterferão-alfa (IFN-α) com a ribavirina favoreceu substancialmente o resultado do tratamento da HVCC, sendo actualmente a eficácia global de 50 a 60% 1. No entanto, vários efeitos adversos têm sido descritos. Dos mais frequentemente associados ao interferão-alfa salientam-se o síndroma pseudo-gripal, as alterações hematológicas, neuropsiquiátri-cas e auto-imunes (2, 3), a reacção cutânea no local da injecção, a alopécia e o rash cutâneo, entre outros. Este artigo aborda um dos efeitos auto-imunes desencadeados pelo uso deste fármaco.

O IFN-α tem actividade antiviral, anti-proliferativa, anti-fibrótica e imunomoduladora, estando esta última implicada nas reacções auto-imunes despoletadas pelo seu uso. De entre estas, as mais frequentemente descritas relacionam-se com a disfunção tiroideia (3,4) mas têm também sido descritos casos de diabetes mellitus (DM) tipo (1,5-9), de doença celíaca e de hepatite auto-imune, em doentes sem patologia previamente conhecida.

Existe uma associação conhecida entre DM tipo 2 e HVCC (6,10,11). evidência de que a HVCC induz esteatose hepática e elevação do factor de necrose tumoral alfa, resultando num aumento da resistência à insulina e subsequente DM tipo 2 (11). A dismetabolia glicídica que se pode apresentar após tratamento com interferão-alfa, a DM tipo 1, é uma manifestação autoimune rara dirigida às células beta pancreáticas, com aparecimento de novo de anticorpos anti-pancreáticos ou aumento da sua titulação no caso destes serem préexistentes. A prevalência de, pelo menos, um anticorpo anti-pancreático é de cerca de 3% em doentes com HVCC sem terapêutica antiviral com interferão-alfa e 7% após o seu início (6).

Torna-se importante distinguir os dois fenómenos patológicos (DM tipo 1 e tipo 2) em doentes com HVCC em tratamento anti-viral, com vista à selecção de uma terapêutica dirigida, predominantemente com antidiabéticos orais ou insulina, respectivamente. A DM tipo 1 associada ao tratamento da HVCC é grave e irreversível na maioria dos casos 6.

CASO CLÍNICO Apresentamos o caso de um doente do sexo feminino, raça negra, natural de Angola, residente em Portugal desde os 8 anos, nascida em Abril de 1972, casada, administrativa de profissão. Tinha história pessoal e familiar de hipercolesterolémia, medicada com simvastatina (20 mg/dia). Sem história pessoal ou familiar de DM, hábitos toxicofílicos ou sexuais promíscuos, bem como transfusões de sangue e seus derivados.

Em Maio de 2005, encontrando-se assintomática e na sequência de exames laboratoriais de rotina, foi identificado um aumento das aminotransferases: AST 43 U/L (<37) e ALT 67 U/L (<37), sem alteração das restantes provas de função hepáticas ou da glicémia. A serologia para o vírus da Hepatite C (VHC) foi positiva (ELISA e RIBA). A carga viral confirmou infecção activa (carga viral 412000 UI/ml, log 5,6), genótipo 4a. A ecografia abdominal não mostrou alterações. Não realizou biopsia hepática por opção médica. Índice de massa corporal (IMC) 21 kg/m2. Iniciou tratamento combinado com peginterferão-alfa 2a (180 µg/semana) e ribavirina (1000 mg/dia).

À 20ª semana interrompeu o tratamento voluntariamente na sequência do aparecimento de síndrome depressivo grave e anorexia, com perda ponderal de 10kg. Um mês depois teve uma crise tónico-clónica generalizada, tendo sido admitida numa instituição hospitalar, onde se detectou hiperglicémia de 400mg/dl. Não se conhecem os valores de glicémia durante o tratamento. A tomografia computorizada crânio-encefálica (TC-CE) não revelou alterações. Teve alta clínica medicada com insulina Monotard®, fenitoína e lorazepam. Duas semanas depois recorreu ao serviço de urgência do nosso hospital por novo episódio convulsivo, altura em que iniciámos o seguimento da doente. Apresentava humor deprimido, labilidade emocional e índice de massa corporal de 17 kg/m2. Restante exame objectivo sem alterações, nomeadamente o exame neurológico, sem alterações.

Dos exames analíticos salientava-se: hiperglicémia 478 mg/dl, aminotransferases e restantes provas hepáticas com valores normais, carga viral para o VHC indetectável (<15 UI/ml) e doseamento de fenitoína em dose infra-terapêutica.

Para estudo dos episódios convulsivos foi realizado durante o internamento ressonância magnética crânioencefálica (RM-CE) e electroencefalograma (EEG), ambos sem alterações.

O estudo da dismetabolia glicídica revelou doseamento de péptido C inferior ao normal <0,50ng/ml (1,1-5,0) e positividade para os anticorpos anti-ilhéus de Langerhans (ICA), resultados estes compatíveis com uma DM tipo 1. Não se verificou positividade para os anticorpos anti-insulina. Não se registaram alterações da função tiroideia nem positividade para anticorpos anti-tiroideus.

Fez TC-abdominal que não revelou alterações morfológicas hepáticas ou pancreáticas. Apesar do cumprimento da dieta prescrita e de diversos esquemas de insulinoterapia durante o internamento, houve dificuldade no controlo metabólico, alternando episódios de hiperglicémia com outros de hipoglicémia.

Apesar dos níveis infra-terapêuticos de fenitoína, não se registaram mais crises convulsivas e optou-se por suspender o tratamento anti-epiléptico. Até à data não ocorreram mais episódios.

Do ponto de vista neuropsiquiátrico, foi iniciado tratamento com fluoxetina 20 mg/dia e diazepam 10 mg/dia, com melhoria dos sintomas.

Seis meses após a interrupção do tratamento para HVCC foi feita uma reavaliação analítica que revelou: carga viral 32300 UI/ml, log 4.51, evidenciando recidiva da HVCC. A doente mantém DM de difícil controlo e é actualmente seguida na Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal. Houve normalização do IMC.

DISCUSSÃO O caso que apresentamos ilustra a ocorrência de uma reacção adversa rara associada à terapêutica com IFN-α, DM tipo 1, numa doente jovem com HVCC, sem outros sem antecedentes patológicos relevantes, Realça-se a gravidade da perturbação metabólica, o seu difícil controlo e aparente irreversibilidade após suspensão do tratamento.

Conforme é sugerido na literatura, consideram-se factores de risco para o aparecimento de DM associado à HVCC ou ao seu tratamento: idade avançada, obesidade, fibrose hepática grave, história familiar de DM (11, 12), presença de anticorpos anti-ilhéus de Langerhans, antiinsulina, anti-descarboxilase do ácido glutâmico (GADA), anti-fosfatase tirosina-like (IA2) e fenotipo HLA que confira susceptibilidade para desenvolver esta doença (alelos DRB1 04/08, DQ A1 52 Arg+/Arg+ e DRB1 57 N-Asp/Asp) (6,8). Nesta doente não foi estudada a auto-imunidade pancreática ou o fenotipo HLA antes de iniciar o tratamento. Após o tratamento verificou-se positividade para os anticorpos anti-ilhéus de Langerhans. Não foi identificado nenhum dos restantes factores de risco para DM anteriormente descritos. A gravidade desta perturbação metabólica vem reforçar a sugestão de alguns investigadores que preconizam o estudo da auto-imunidade pancreática antes do início do tratamento, com o objectivo de definir a susceptibilidade individual para o aparecimento de complicações (6, 8), mas a considerar a sua relação custo/benefício. Não ainda recomendações internacionais neste sentido.

Durante o tratamento é sugerida a monitorização dos valores de glicémia (13) e a valorização de sintomas de DM tais como polifagia, poliúria, polidipsia, perda ponderal e fadiga.

A perda ponderal foi provavelmente causada pela DM não controlada e pela síndroma depressivo causado pelo tratamento anti-viral. A normalização do IMC após melhoria de ambos os quadros suporta a nossa hipótese.

As crises convulsivas poderão estar associadas ao tratamento com interferão-alfa, havendo casos descritos na literatura que sugerem tal relação (14,15), mesmo após suspensão da terapêutica (16). Também a hiperglicémia pode ter tido um papel desencadeante do quadro convulsivo.

Pretendemos com este caso clínico realçar a importância de uma anamnese cuidada e exaustiva previamente ao início do tratamento de doentes com HVCC, com vista a detectar factores que possam indiciar susceptibilidade para determinados efeitos adversos graves, assim como proceder-se ao controlo das glicemias durante e após a terapêutica com peginterferão-alfa.


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