DOENÇA CELÍACA REVISITADA
INTRODUÇÃO
A primeira alusão à doença celíaca (DC) remonta ao ano
200 da era cristã, mas foi só em 1888 que Samuel Gee a
descreveu nos termos actuais. Em meados do século vinte,
Dicke et al. identificaram o glúten como agente causal (1).
Trata-se de uma doença auto-imune, desencadeada pela
ingestão de glúten, em indivíduos com predisposição
genética. É frequente, com uma prevalência média de 1-2%
na população em geral (2). Caracteriza-se por inflamação
crónica da mucosa e submucosa do intestino delgado e também se pode designar enteropatia sensível ao glúten (2,3).
Não obstante o envolvimento primário do tubo digestivo,
deve ser encarada como uma doença sistémica e integrada
no diagnóstico diferencial de múltiplas patologias do foro
gastrenterológico e de outros departamentos (2).
PATOGÉNESE
A fisiopatologia da DC é complexa, resultando da interacção entre factores ambientais, genéticos e imunológicos (2). Os principais eventos na patogénese da DC são
apresentados na Figura 1.
Factores Ambientais
O glúten é o factor indutor da doença. Trata-se de uma
proteína existente em diversos cereais, constituída por
prolaminas e gluteninas. As prolaminas tóxicas encontram-se no trigo (gliadina), cevada (hordeina) e centeio
(secalina) (2,4-6). Estes péptidos são resistentes à digestão
pelas enzimas gástricas e pancreáticas e alcançam a
lâmina própria do intestino delgado, possivelmente em
consequência de aumento da permeabilidade intestinal.
O glúten tem um elevado teor dos aminoácidos prolina
(15%) e glutamina (35%) (4). Sabe-se que as moléculas
DQ2 e DQ8 têm uma elevada afinidade para os péptidos com polaridade negativa. A glutamina pode ser
convertida em ácido glutâmico, numa reacção em que a
transglutaminase tecidular intervém como catalizador,
resultando em aumento da reactividade com as moléculas HLA.
Factores Genéticos
Cerca de 90-95% dos doentes expressam moléculas do
complexo major de histocompatibilidade (HLA) de
classe II DQ2. Os restantes apresentam, na sua maioria, o
haplotipo DQ8-DR4 (3,4). Contudo, a molécula DQ2 é comum
na população em geral, de forma que apenas uma pequena proporção virá a desenvolver DC. Pensa-se que este
fenómeno ocorre por desregulação da resposta imunitária, eventualmente relacionada com outros mecanismos genéticos subjacentes, citocinas ou agentes infecciosos, ainda não esclarecidos (5). Para além disso, estima-se
que os genes HLA contribuam somente para 40% do
componente hereditário da doença (4). Aguardam-se resultados de estudos com outros genes potencialmente can-
didatos, designadamente os genes reguladores dos linfócitos T (CD28, CTLA4 e ICOS) (3,4).
Factores Imunológicos
A DC caracteriza-se por uma resposta imunitária anormal aos péptidos derivados da gliadina e da glutenina (3).
Os linfócitos T CD4+ sensíveis reconhecem múltiplos
epítopos do glúten, mediante apresentação através das
moléculas DQ2 e DQ8. Os clones linfocitários activados
proliferam e produzem diversas citocinas pró-inflamatórias, responsáveis pela estimulação de células T
citotóxicas, promoção de infiltrado celular e produção de
metaloproteinases que lesam a matriz extra-celular (3,4).
A interleucina-15 produzida in situ é crucial para o
desenvolvimento de linfocitose intra-epitelial e destruição da mucosa (2). Algumas citocinas estão envolvidas no
processo de activação e diferenciação dos linfócitos B em
plasmócitos produtores de anticorpos IgA e IgG (3,4).
Os linfócitos intra-epiteliais existem, em condições
normais, na mucosa do intestino delgado, como parte
integrante da defesa imunitária, sendo na sua maioria
células T CD8+ com o receptor de superfície α/β.
Habitualmente, apenas uma fracção diminuta de linfócitos apresenta o receptor γ/δ, mas esta população
expande-se no contexto da hipersensibilidade ao
glúten (7). O seu papel na patogénese da DC ainda permanece um enigma (4).
Entretanto, os mecanismos fisiopatológicos desvendados não explicam a heterogeneidade clínica da doença,
mas admite-se que o modo de actuação das células
apresentadoras de antigénios, o nível de acidez gástrica (facilitadora da desamidação da glutamina), a
função pancreática e a qualidade da flora intestinal
possam influenciar a apresentação antigénica ao sistema imunitário (3).
EPIDEMIOLOGIA
Nos últimos anos, o espectro epidemiológico da DC
cresceu significativamente. O reconhecimento da ampla
variedade de manifestações clínicas e histológicas da
doença, o advento de marcadores serológicos altamente
sensíveis e específicos, e a identificação da susceptibilidade genética, permitiram delinear o modelo do “iceberg” celíaco, em que a ocorrência de sintomas típicos
representa apenas a porção visível (3,8).
A parte submersa do “iceberg” poderá revelar-se cada vez
maior. Efectivamente, alguns casos não são detectados,
uma vez que a serologia não tem sensibilidade e especificidade de 100%. Ademais, o diagnóstico dificilmente
se estabelecerá nas populações desnutridas dos países
subdesenvolvidos. Por último, a ingestão de quantidades
reduzidas de glúten obviará ao aparecimento de sintomatologia em alguns doentes (8).
O conceito de doença tipicamente europeia ocorrendo
sobretudo na infância modificou-se substancialmente. Na
verdade, actualmente considera-se que a DC é a intolerância alimentar mais frequente no mundo. A definição
das áreas de risco baseia-se na história das migrações dos
povos ancestrais e no facto de a doença resultar de factores genéticos e ambientais. Assim, a DC é comum na
Europa, América, norte de África, sudeste asiático e
Austrália, onde se associam a presença dos haplotipos
implicados e o elevado consumo de glúten. Na Europa, a
prevalência da doença varia entre 0,2% (Alemanha e
Croácia) e 1,2% (Hungria) (8). Em Portugal, estima-se que
este valor ascenda a 0,7%, com base num estudo levado a
cabo numa população adolescente, com determinação dos
anticorpos anti-transglutaminase (AAT) e anti-endomísio
(AAE) e biópsias duodenais nos casos positivos (9). A prevalência mais elevada (5,6%) foi descrita numa população do norte de África, os Saharawi (8). Foram publicados três casos de DC em descendentes de imigrantes
japoneses e chineses, nos quais a doença era, historicamente, considerada ausente (2,8).
Alguns autores admitem que a incidência é maior no sexo
feminino, numa relação de 2:1 (3,6), mas outros apontam
para uma frequência idêntica (1). Pode surgir em qualquer
idade e cerca de 20% dos casos ocorrem em doentes com
mais de 60 anos (2).
A influência deletéria do tabaco mantém-se objecto de
controvérsia (10,11).
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Na infância, a DC apresenta-se tipicamente entre os 6 e
os 24 meses de idade, após a introdução dos cereais na
dieta, com instalação gradual de diarreia, distensão
abdominal, anorexia, atraso de crescimento, atrofia muscular, hipotonia e irritabilidade. Os vómitos são muito
frequentes antes dos 9 meses de idade. Nalguns casos
pode ocorrer dor abdominal no contexto de obstipação (6,12).
Nas crianças mais velhas e adolescentes, a doença pode
ser pautada por atraso no desenvolvimento estato-ponderal e pubertário, raquitismo, diarreia, anemia recorrente ou desempenho escolar deficiente (6,12). Nos últimos
20 anos, a percepção dos clínicos relativamente à apresentação da DC do adulto alterou-se substancialmente.
Passou a reconhecer-se um vasto leque de manifestações
clínicas, muitas vezes pauci-sintomáticas, obrigando a
actuar com elevado índice de suspeição a fim de evitar
atraso no diagnóstico e desenvolvimento subsequente de
complicações (3). A gravidez, um processo infeccioso ou
uma intervenção cirúrgica poderão despoletar um quadro
de diarreia que alerte para o diagnóstico (1,6). Podem existir apenas sinais isolados de má-absorção (3). O atingimento do intestino delgado proximal resulta em deplecção de
ferro, ácido fólico, cálcio e vitaminas lipo-solúveis, ao
passo que o envolvimento ileal, nos casos de doença
extensa, condiciona défice de vitamina B12 (11).
Forma Típica
A tríade clássica, consistindo em esteatorreia, meteorismo abdominal e emagrecimento, já não é a principal
forma de revelação da DC (3). Na verdade, até 30% dos
doentes celíacos apresentam aumento do índice de massa
corporal no momento do diagnóstico (2).
Formas Atípicas
Formas Clínicas Frustes
A sintomatologia gastrintestinal é frequentemente ligeira
e inespecífica ou está ausente. Pode haver dor abdominal,
por vezes prolongada, cursando com meteorismo e alterações do trânsito intestinal (obstipação isolada ou
alternância com diarreia), mimetizando um quadro de
colopatia funcional. Estima-se que a prevalência de DC em
doentes com síndroma do intestino irritável seja de 4,6% (3).
Astenia e mal-estar geral são queixas relativamente frequentes
(12)
e podem ser referidos vómitos, náuseas e anorexia (6).
Formas Extra-intestinais
Anemia Ferropénica
A DC pode apresentar-se como uma anemia ferropénica
inexplicada, sendo responsável por até 5% destes casos.
Recomenda-se a realização sistemática de biópsias duodenais no decurso de uma endoscopia digestiva alta
efectuada neste âmbito (3).
Patologia Músculo-esquelética
A osteopénia é a complicação mais frequente da DC,
constituindo por vezes o modo de apresentação. Decorre
da má-absorção de vitamina D e cálcio, e diminuição do
seu aporte (em situações de intolerância à lactose).
Também podem estar implicados outros factores,
designadamente o sexo feminino, desnutrição e redução
da actividade física (2). Manifesta-se em geral com lombalgia arrastada, que apenas responde parcialmente à
dieta sem glúten. Pode evoluir para osteoporose, com
acréscimo do risco fracturário, embora os estudos existentes não sejam concordantes (2,3,5).
Deve ser sempre realizada uma densitometria óssea no
momento do diagnóstico, para avaliar a gravidade da
perda de massa óssea e instituir a terapêutica adequada.
Lepers et al. preconizam a repetição deste exame a cada
3 anos (3).
O envolvimento das articulações periféricas, mais raro, decorre com oligo-artralgias ou oligo-artrites seronegativas (3).
O défice de cálcio e magnésio pode resultar em parestesias, cãibras musculares ou mesmo tetania (12).
Doenças e Síndromas Associadas à DC
Patologia cutâneo-mucosa
A DC está presente em 70-100% dos doentes com dermatite herpetiforme. Trata-se de lesões vesiculares, pruriginosas, simétricas, ocorrendo especialmente nos
cotovelos, joelhos e couro cabeludo. As biópsias das
vesículas revelam descolamento sub-epidérmico e
micro-abcessos constituídos por neutrófilos e eosinófilos. Nas zonas de pele sã identificam-se depósitos de IgA,
localizados nas junções dermo-epidérmicas. A resposta à
dieta sem glúten é favorável e pode obviar à necessidade
de terapêutica farmacológica com dapsona (3,11,13).
Encontram-se descritas, em regra sob a forma de casos
clínicos isolados, múltiplas afecções cutâneas potencialmente associadas à DC, com uma resposta inconstante à
restrição de glúten, como sejam a estomatite aftosa recorrente, alopécia, psoríase, pioderma gangrenoso, urticária,
edema angioneurótico hereditário, eritema nodoso, vitiligo, líquen plano oral, porfiria, eritema migratório
necrolítico e doença de Behçet (3,10,11,13).
Patologia hepatobiliar e pancreática
A associação entre DC e cirrose biliar primária encontra-se
estabelecida, recomendando-se o despiste de uma doença
aquando do diagnóstico da outra (3,14,15).
Foi igualmente documentada a relação entre DC e colangite esclerosante primária (3,14,15). Abdullah et al. salientam
que, neste contexto, os AAE estão presentes em apenas
50% dos casos, o que poderá traduzir uma diminuição da
sensibilidade nestes doentes (16). Em alternativa, poderiam
ser empregues os AAT, mas ainda não existem dados
suficientes para concluir acerca da sua eficácia na doença
hepática crónica (16), embora alguns trabalhos tenham evidenciado uma reduzida especificidade (11).
Também foi relatada a concomitância de DC com
hepatite e colangite auto-imunes (3,14,15).
Nalguns casos raros de DC sobreveio tardiamente a apresentação clínica de hemocromatose hereditária (depois
de uma dieta restritiva prolongada) sugerindo que a intolerância ao glúten tenha prevenido as manifestações do
excesso de ferro, pela atrofia intestinal e consequente
má-absorção (17). Foi identificada uma elevada prevalência de mutações do gene HFE em doentes celíacos,
nenhum dos quais com hemocromatose clinicamente evidente, admitindo-se que este componente genético tenha
um carácter protector, limitando a deficiência de ferro
presente na DC (18). No entanto, os resultados não são concordantes (19) e impõem-se novos estudos para consubstanciar esta possibilidade (17).
Seis a nove por cento dos doentes com elevação inexplicada das aminotransferases apresentam DC, a maioria
dos quais responde favoravelmente, com normalização
enzimática, à restrição de glúten (3,15). Por outro lado, pode
haver incremento ligeiro a moderado da enzimologia
hepática em 15-55% dos doentes celíacos, com aumento
da ALT e/ou AST e mais raramente da fosfatase alcalina.
A resolução laboratorial ocorre na maior parte dos enfermos, aos 12 meses de tratamento (15).
Apesar de terem sido reportados alguns casos de esteatose
hepática em doentes com intolerância ao glúten, provavelmente não se tratará de uma verdadeira associação, uma
vez que ambas as patologias são frequentes (15).
Encontrou-se uma elevada prevalência de DC na doença
hepática crónica. Em doentes com insuficiência hepática
grave, a aguardar transplante, verificou-se melhoria substancial da doença de base após a instituição de dieta sem glúten.
Não obstante estarem descritos alguns casos, raros, de cirrose e carcinoma hepatocelular em enfermos celíacos, não
se sabe se a DC conduz a falência hepática severa (14,15).
A frequência com que a insuficiência pancreática exócrina ocorre nos doentes celíacos é desconhecida, mas está
presente e pode ser responsável pela assimilação deficiente dos nutrientes (19).
Endocrinopatias
Estima-se que a prevalência de diabetes mellitus tipo 1 na
DC seja de 5% e, inversamente, 3-8% dos diabéticos
insulinodependentes apresentam intolerância ao glúten (3,10).
Foi igualmente relatada a associação de DC com patologia auto-imune da tiróide e doença de Addison (3,10,13).
Os doentes celíacos de ambos os sexos apresentam maior
taxa de infertilidade. Existe também um risco acrescido
de amenorreia, abortos espontâneos e prematuridade em
casos de DC não tratada, que regride com a restrição de
glúten (1,3,10).
Défices imunitários
O défice selectivo de IgA ocorre em 1,7-2,6% dos enfermos celíacos, os quais não produzem anticorpos de classe
IgA mas têm geralmente elevada concentração de anticorpos IgG. Para despistar a doença, nestas situações, é
necessário solicitar a IgA sérica total e especificar o pedido de anticorpos de classe IgG (3,11).
Síndromas malformativas
Existe uma elevada prevalência de DC, estimada em
6,3%, na síndroma de Down. Também foi descrita a
relação com a síndroma de Turner e com malformações
cardíacas (3).
Patologia neurológica e psiquiátrica
Foram relatados casos de neuropatia periférica, mielopatia, ataxia e epilepsia (com ou sem calcificações cerebrais). Os quadros psiquiátricos mais comuns são a
ansiedade, irritabilidade e depressão, que respondem rapidamente à dieta restritiva (1-3,10). Também foi descrita
esquizofrenia na DC não tratada (1,6).
Outras associações
Documentou-se uma prevalência aumentada de colite
linfocítica na DC, cujo significado não foi devidamente
elucidado (6). Cerca de 10% dos doentes celíacos podem
apresentar simultaneamente gastrite linfocítica (1). Pode
haver associação com doença inflamatória intestinal
(especialmente proctite ulcerosa) em até 20% destes
enfermos, sendo susceptível de melhorar com a restrição
de glúten (1).
Encontram-se relatadas situações de intolerância hereditária à frutose (20), hipocratismo digital (3,10), hipoplasia do
esmalte dos dentes (1,10), nefropatia de IgA, síndroma de
Sjögren (10), alveolite fibrosante crónica e outras doenças
pulmonares intersticiais, lúpus eritematoso sistémico,
artrite reumatóide e sarcoidose (1), entre outras.
Formas Silenciosas
Trata-se de indivíduos assintomáticos, identificados pela
existência de factores de risco, que apresentam atrofia
vilositária nas biópsias duodenais. Estão expostos às
complicações habituais da doença e devem manter uma
dieta sem glúten (3).
Formas Latentes
A definição não é consensual, a evolução é variável e
a instituição de uma dieta restritiva é discutível.
Ferguson et al. englobam sob esta designação os
sujeitos assintomáticos com anticorpos circulantes e
presença de linfocitose intra-epitelial nas biópsias do
duodeno, que podem desenvolver DC clinicamente
evidente após exposição prolongada ao glúten (21).
Lepers et al. propõem uma vigilância endoscópica a
cada 2-3 anos (3).
Complicações da DC
Hipo-esplenismo e Cavitação dos Gânglios do Mesentério
A atrofia do baço ocorre por mecanismos fisiopatológicos não esclarecidos, manifesta-se com trombocitose e
presença de plaquetas gigantes, acantócitos e corpos de
Howell-Jolly no esfregaço de sangue periférico, verificando-se em 30% dos casos (1,3,12). A cavitação ganglionar
mesentérica é rara (3).
Jejunite Ulcerativa
Actualmente é considerada uma condição pré-maligna ou
maligna, na medida em que representa, na maior parte
das vezes, linfomas de células T em fase inicial.
Geralmente ocorre entre a sexta e a sétima décadas de
vida, no contexto de dor e distensão abdominais arrastadas, febre, emagrecimento, diarreia e frequentemente
esteatorreia. As biópsias jejunais habitualmente não conduzem ao diagnóstico e a maioria dos doentes é submetida a laparotomia exploradora. Trata-se de ulcerações segmentares ou extensas, comummente no jejuno, embora
também possam ser identificadas no íleon e cólon,
passíveis de evoluir para estenose ou perfuração.
Investigações futuras deverão esclarecer qual o tratamento adequado (3,22).
Complicações Malignas
As neoplasias são a complicação mais grave da DC. Os carcinomas epidermóides do foro otorrinolaringológico e do
esófago, assim como o adenocarcinoma do intestino delgado, são mais frequentes em enfermos celíacos (3,22).
A DC comporta uma elevada probabilidade de desenvolvimento de linfomas não Hodgkin, relacionada com a
manutenção do consumo de glúten (2,3,22). No entanto, esta
ocorrência constata-se em menor escala do que anteriormente se pensava, com um risco relativo oscilando entre
2 e 4 (2). O linfoma de células T associado à enteropatia é
um tipo raro de linfoma não Hodgkin, geralmente de
células T, que deriva da expansão clonal de linfócitos
intra-epiteliais aberrantes. Estão descritos diversos
fenótipos. Na base destas alterações parecem estar
anomalias citogenéticas e o excesso de produção da
interleucina-15 pelas células epiteliais. Localiza-se preferencialmente no jejuno e íleon proximal, embora possa
ocorrer no estômago e cólon. Em regra é pouco quimiosensível, com alto grau de malignidade. Deve suspeitar-se
do diagnóstico ante a persistência ou recrudescimento da
sintomatologia digestiva e presença de manifestações
constitucionais, não obstante o cumprimento da dieta
restritiva. Pode ser detectada uma massa abdominal ou
adenomegálias. Eventualmente poderá sobrevir um
quadro de oclusão ou perfuração intestinal (3,22).
DC Refractária
Trata-se de uma enteropatia com atrofia vilositária sustentada e linfocitose intra-epitelial, apesar da restrição de
glúten durante mais de 12 meses, ou em que a
manutenção de sintomas graves obriga a intervenção farmacológica, independentemente da duração da dieta
restritiva. Compreende um grupo heterogéneo de si-
tuações e pode ser primária ou, mais frequentemente,
secundária, após um período de boa resposta à suspensão
de glúten. A abordagem destes doentes engloba a
reavaliação do diagnóstico, confirmação da observância
da dieta, investigação de outras etiologias de diarreia
(colite microscópica, insuficiência pancreática exócrina,
deficiência secundária de lactase, hiperproliferação bacteriana, doença inflamatória intestinal, síndroma do
intestino irritável, incontinência anal) ou de atrofia
vilositária (giardíase, doença de Crohn, “sprue” tropical,
enteropatia auto-imune, intolerância às proteínas, imunodeficiência variável comum, enterite eosinofílica) e
despiste de linfoma e adenocarcinoma do intestino delgado. É, portanto, um diagnóstico de exclusão. A DC
refractária de tipo I caracteriza-se pela presença de linfócitos intra-epiteliais normais e concomitância de
doenças auto-imunes. No tipo II, a população linfocitária
exibe alterações fenotípicas, o que acarreta um elevado
risco de progressão para linfoma (3,23).
PAPEL DOS MARCADORES SEROLÓGICOS
Os testes serológicos permitem levantar a possibilidade
do diagnóstico nos casos suspeitos de DC e nos indivíduos assintomáticos de alto risco. Ademais, têm sido
empregues para monitorizar a adesão e a resposta à dieta
sem glúten (12).
Os anticorpos anti-reticulina apresentam uma elevada
especificidade mas a sensibilidade é de apenas 40-60%,
de modo que actualmente se recomenda que sejam abandonados (3).
Globalmente, os anticorpos anti-gliadina, sobretudo de
classe IgA, demonstraram sensibilidade e especificidade
relativamente baixas. A utilização dos anticorpos de
classe IgG poder-se-á justificar nos casos de défice
selectivo de IgA. Também poderão ser úteis para avaliar
o cumprimento da dieta sem glúten, sendo que, geralmente, as IgA se tornam indetectáveis após 3-6 meses de
regime apropriado, ao passo que as IgG persistem
durante mais tempo (3).
Os AAE reconhecem a transglutaminase tecidular e são
identificados por imunofluorescência indirecta. Os AAE
de classe IgA constituem o parâmetro mais específico
para o despiste de DC (95-100%), com uma sensibilidade
que varia entre 85-100% (3). Numa análise recente de
diversos estudos utilizando AAE, na população adulta,
verificou-se maior sensibilidade (94,2-99,3%) com o
emprego do esófago de macaco como substrato, e maior
especificidade (97,8-100%) com a utilização do cordão
umbilical humano (24). A sensibilidade dos AAE encontrase reduzida em casos de atrofia vilositária sub-total (3),
bem como nas formas extra-intestinais e silenciosas de
DC (25). Os AAE de classe IgA desaparecem entre 3-12
meses após a instituição de dieta sem glúten, o que não se
traduz sistematicamente em melhoria histológica. Os anticorpos de classe IgG poderão ter utilidade nas situações
de défice selectivo de IgA (3).
Salmi et al. documentaram a presença de depósitos
sub-epiteliais de IgA, glúten-dependentes, dirigidos contra a transglutaminase tecidular, na mucosa do intestino
delgado, em doentes celíacos, independentemente da
detecção de AAE séricos. Os enfermos AAE negativos
apresentavam uma idade mais avançada e maior taxa de
sintomatologia e complicações, sugerindo uma doença
mais prolongada e severa. Os anticorpos seriam
sequestrados no intestino e a detecção sérica resultaria da
translocação intestinal. Para além disso, a ligação à enzima é muito forte, e no decurso de uma reacção imunitária
arrastada seriam produzidos anticorpos com avidez
crescente, resultando, em última instância, que a DC
avançada pudesse determinar seronegatividade (26).
Os AAT de classe IgA apresentam uma excelente sensibilidade (95-100%), e uma especificidade de 90-100% (3).
Num trabalho já mencionado, os testes utilizando a transglutaminase tecidular humana recombinante comportaram melhor sensibilidade (97,2-100%) e especificidade
(93,9-98,7%) do que os que empregaram a transglutaminase do porco da Guiné (24). O estudo de Zintzaras et al.
corrobora estas conclusões e acrescenta que os métodos
ELISA usando a transglutaminase humana recombinante
e a transglutaminase humana purificada são comparáveis,
embora a análise de sensibilidade tenha demonstrado
vantagem desta última. Contudo, os dados relativos ao
emprego desta forma são ainda escassos, pelo que estes
resultados devem ser interpretados cuidadosamente (27).
Diversos autores têm proposto a dosagem de AAT de
classe IgA, utilizando a transglutaminase humana, como
o exame de eleição para o despiste de DC (3,24,27). Apesar
de se ter registado uma diminuição dos títulos de AAT
após a restrição de glúten, o interesse deste marcador no
seguimento da doença ainda não foi devidamente esclarecido. A resolução laboratorial não implica necessariamente recuperação histológica (3).
Os marcadores serológicos têm desempenhado um papel
fundamental no despiste da DC em indivíduos de alto
risco (28,29). A doença preenche critérios para o “screening”
em massa, dado que a detecção precoce baseada na sintomatologia pode ser difícil, é uma patologia frequente,
existem testes sensíveis e específicos para o diagnóstico,
há terapêutica eficaz e, se não tratada, acarreta morbilidade substancial e aumento da mortalidade (4,30). No entanto, a maioria dos autores recomenda somente o rastreio
de grupos de risco, designadamente familiares de primeiro grau de doentes celíacos, diabéticos insulinodependentes, indivíduos com défice de IgA, portadores de
síndroma de Down e nos casos de patologia auto-imune
da tiróide e doença hepática crónica, em particular na cirrose biliar primária (3,11,30). Entretanto, numa análise de
custo/eficácia, Shamir et al. concluíram que esta relação
é favorável ao rastreio em massa na população adulta, em
áreas com elevada prevalência de DC, sendo os AAE,
nesta perspectiva, os marcadores mais adequados (30).
AVALIAÇÃO ENDOSCÓPICA E HISTOLÓGICA
A DC afecta o intestino delgado proximal, com
diminuição gradual da gravidade das lesões em sentido
distal, embora em casos severos possa haver atingimento
do íleon. Também podem ser detectadas alterações nas
mucosas gástrica e rectal (6). As biópsias devem ser
efectuadas na segunda ou terceira porções do duodeno,
por forma a evitar a distorção arquitectural produzida
pelas glândulas de Brünner e a duodenite péptica (12).
A mucosa duodenal pode ser macroscopicamente normal ou
apresentar redução do número de pregas circulares, atrofia
(Figura 2), fissuras e aspecto em mosaico ou nodular (1,11,31).
Tradicionalmente, o diagnóstico de DC requeria a identificação de atrofia vilositária. Em 1992, Marsh veio revolucionar este conceito, amplificando o espectro de alterações histológicas decorrentes da sensibilidade ao glúten e
acentuando o seu carácter dinâmico e potencialmente
evolutivo. Descreveu 5 tipos, a saber: tipo 0 (pré-infiltrativo) – normal; tipo 1 (infiltrativo) – arquitectura da
mucosa preservada com marcado infiltrado linfocitário
do epitélio viloso; tipo 2 (hiperplásico) – linfocitose
intra-epitelial e hiperplasia das criptas de Lieberkuhn;
tipo 3 (destrutivo) – atrofia vilositária; e tipo 4
(hipoplásico) – lesão irreversível da mucosa, sem resposta à suspensão antigénica e possivelmente relacionada
com a emergência de um clone maligno de células T.
O autor sublinhou que uma biópsia normal ou com alterações frustes não permite excluir categoricamente a presença de sensibilidade ao glúten nem predizer o eventual
desenvolvimento da doença (32).
Oberhuber et al., em 1999, estabeleceram a classificação
de Marsh modificada, que consiste em: tipo I – infiltrado
linfocitário do epitélio viloso; tipo II – linfocitose intraepitelial e hiperplasia de criptas; tipo IIIa – atrofia
vilositária parcial (vilosidades curtas); tipo IIIb – atrofia
vilositária sub-total (mucosa atrófica mas com vilosidades identificáveis); e tipo IIIc – atrofia vilositária total (33).
Posteriormente, em 2001, definiu-se que uma contagem
superior a 30 linfócitos intra-epiteliais por 100 enterócitos seria consistente com a lesão Marsh I (34).
A identificação de linfócitos intra-epiteliais ao longo da
vilosidade ou predominando no topo da mesma, com perda
do padrão normal em decrescendo, é sugestiva de DC (7).
O diagnóstico histológico pode ser dificultado em virtude
da distribuição focal das lesões e, para além disso, nem
todas as amostras se encontram correctamente orientadas
para a interpretação da relação entre o comprimento da
vilosidade e a profundidade da cripta. São necessárias, consoante os autores, entre três (1,6,11) e seis (2) biópsias adequadas.
Tursi et al. conduziram recentemente um estudo prospectivo, com um período de seguimento de 2 anos, em que
demonstraram que a resolução endoscópica é mais precoce do que a histológica, em adultos a cumprir dieta sem
glúten. Os indivíduos entre 15-60 anos apresentaram uma
recuperação significativa aos 12 meses de tratamento, ao
passo que acima desta faixa etária houve melhoria
endoscópica, mas sem significado estatístico, mesmo
depois de 24 meses de dieta restritiva (31).
Admite-se que a resolução histológica ocorre entre 6-12
meses após a instituição de dieta sem glúten mas, na verdade, os dados existentes são escassos e contraditórios,
em particular na população adulta, na qual se constata
frequentemente uma recuperação incompleta das lesões
da mucosa (11,31).
No trabalho previamente mencionado, documentou-se
uma resolução histológica significativa aos 12 meses de
restrição de glúten, apenas nos doentes mais jovens
(15-30 anos). Pelo contrário, os enfermos acima desta
faixa etária apresentavam melhoria das lesões, mas sem
significado estatístico, mesmo aos 24 meses de tratamento. Estes autores consideram que a duração da exposição
ao glúten é o factor determinante na velocidade de recuperação histológica nos adultos, com uma relação
inversamente proporcional (31).
Não existe consenso no que respeita ao seguimento
endoscópico e histológico destes doentes. A Associação
Americana de Gastrenterologia recomenda a repetição de
biópsias entre 3-4 meses após a suspensão de glúten (6), ao
passo que o grupo europeu de trabalho sobre a DC alarga
este período para 1 ano (34). Tursi et al. preconizam a
reavaliação após 12 meses de tratamento, em doentes
com menos de 30 anos; e depois de 24 meses acima desta
faixa etária (31). Lepers et al. também aconselham a efectuar endoscopia de controlo decorridos 12-18 meses de
dieta restritiva (3).
A enteroscopia poderá ter um papel no estabelecimento
do diagnóstico, tendo revelado alguns casos de atrofia
vilositária no jejuno (35), e também na abordagem da DC
refractária (36), mas são necessários estudos prospectivos
elucidativos (35).
A videocápsula endoscópica tem sido empregue na avaliação de doentes celíacos refractários, conduzindo à identificação de jejunite ulcerativa e linfomas (37,38). Hopper et
al. admitem que a acuidade diagnóstica da videocápsula
na detecção de atrofia vilositária, em enfermos com
serologia positiva, é idêntica à da endoscopia convencional (37). Pelo contrário, Biagi et al. relataram uma elevada sensibilidade mas baixa especificidade da videocápsula, uma vez que a concordância entre os achados
macroscópicos e a histologia era apenas moderada.
Todavia, sugerem a realização de biópsias duodenais na
presença de padrão atrófico da mucosa, em doentes a
efectuar o exame por outros motivos (39).
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA SUMÁRIA
As biópsias duodenais, com identificação das lesões
imputadas à DC, continuam a ser consideradas o método
“gold standard” de diagnóstico, não obstante as dificuldades inerentes (2,3,6,40). Devem ser efectuadas em todos os
doentes com contexto clínico sugestivo, independentemente da serologia, bem como nos assintomáticos com
anticorpos positivos (2,3). A melhoria ou eventual resolução
clínica, laboratorial e histológica (se avaliada), no decurso
da restrição de glúten, confirmam o diagnóstico (2).
Marcados por uma elevada sensibilidade e especificidade, os testes serológicos têm vindo a assumir um papel
preponderante no algoritmo diagnóstico, orientando para
a realização mais criteriosa de endoscopia digestiva alta.
Efectivamente, a associação de serologia negativa e
baixo índice de suspeição clínica poderá obviar à intervenção endoscópica (2,3). Actualmente, a maioria dos
autores preconiza a utilização dos AAT de classe IgA por
ELISA, com doseamento da IgA sérica total. Os AAE
poderão constituir um exame de primeira intenção ou ser
empregues como controlo dos anteriores (2,3).
A tipagem HLA (HLA-DQ2/DQ8) pode contribuir para a
exclusão do diagnóstico em situações duvidosas, em virtude do seu alto valor preditivo negativo (3,40), mas não se
reveste de impacto adicional se os anticorpos forem
positivos (3,41).
Nos casos equívocos, a imunohistoquímica pode revelar-se
útil, permitindo identificar os linfócitos intra-epiteliais e
em particular o subtipo que apresenta o receptor γ/δ (40).
O papel da videocápsula endoscópica e da enteroscopia
no estabelecimento do diagnóstico não foi ainda devidamente elucidado.
Na verdade, todos os métodos complementares têm limitações, de modo que a sua combinação poderá ser uma
forma de abordar o amplo espectro da DC (40).
Na Figura 3 esquematiza-se uma proposta de algoritmo
diagnóstico (12).
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO
A instituição de uma dieta sem glúten, indefinidamente, é
a única terapêutica eficaz da DC não complicada, conduzindo, em regra, a melhoria sintomática em algumas
semanas. No entanto, a restrição absoluta de glúten é difícil ou mesmo impossível de manter, dada a presença de
quantidades residuais nos alimentos disponíveis no mercado (3). Collin et al. consideram que o limite de glúten
residual pode ser estabelecido em 100 mg/Kg de produto. Para uma ingestão diária de 300 g de farinha, o nível
de 100 mg/Kg resulta em 30 mg de glúten, o que se
mostrou seguro na prática clínica (42).
No Quadro I indicam-se os alimentos permitidos e proibidos na DC (43,44).
Alguns autores recomendam a evicção de lacticínios
aquando do início de dieta sem glúten, pela deficiência
secundária de lactase, com retoma gradual após 1-2
meses, desde que não provoque sintomas (2).
Poderá ser necessário corrigir défices específicos, com
suplementos de ferro, ácido fólico, cálcio, vitamina D,
cobre, magnésio, zinco, albumina e vitamina B12 (6,23).
No momento do diagnóstico e durante o seguimento, o
doente celíaco deve dispôr de aconselhamento dietético
por parte de um profissional abalizado (3).
A alimentação parentérica tem lugar nas formas mais
severas da doença (23).
Os corticosteróides estão indicados nos casos de diarreia
intensa, desidratação, emagrecimento, acidose, hipocalcémia e hipoproteinémia, mas habitualmente ocorre deterioração clínica após a sua suspensão. Recomenda-se a
prednisolona oral na dose de 40-60 mg/dia ou, na DC
grave, 100 mg de 6/6 horas por via endovenosa (6,23).
A DC refractária de tipo I beneficia de terapêutica
imunossupressora. A azatioprina deve ser a primeira
opção, após indução de remissão com corticoterapia.
A dose e a duração do tratamento não estão definidas, mas
devem ser seguidas as recomendações empregues na doença
inflamatória intestinal. O infliximab pode induzir resposta
clínica e histológica, mas esperam-se novos dados (23).
Não existe tratamento curativo para o tipo II, embora se
tenham objectivado bons resultados com infusões de
infliximab (em caso de corticodependência ou corticorresistência) e com alguns esquemas de quimioterapia.
A azatioprina e a 6-mercaptopurina comportam um elevado risco de progressão para linfoma. A utilização de
anticorpos monoclonais bloqueadores da interleucina-15,
a nível experimental, parece promissora (23).
Têm sido apresentadas alternativas à dieta sem glúten,
nomeadamente o desenvolvimento de antigénios sintéticos passíveis de modular favoravelmente a resposta imunitária e a utilização de enzimas proteolíticas capazes de
fragmentar os péptidos derivados do glúten (4,5).
Os medicamentos podem ser uma fonte insuspeitada de
glúten, contido nos excipientes e/ou nas cápsulas de
revestimento, pelo que devem ser sistematicamente verificados (3).
As medidas preconizadas com vista à prevenção da perda
de massa óssea englobam exercício físico regular,
redução do consumo de álcool e suspensão tabágica. Os
doentes com osteoporose devem ser tratados com bifosfonatos ou calcitonina e as mulheres em menopausa com
terapêutica de substituição hormonal (1).
O acréscimo na morbilidade e mortalidade ocorre nas
formas severas da doença e em particular quando surgem
complicações. A DC tratada atempadamente tem em
regra um bom prognóstico, de modo que a observância
de uma dieta sem glúten é crucial, revestindo-se, inclusivamente, de carácter protector no desenvolvimento de
algumas neoplasias (2,22).