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EuPTCVHe0872-81782008000100001

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variedadeEu
ano2008
fonteScielo

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Polimorfismos dos genes das citocinas e susceptibilidade para cancro gástrico: uma descoberta anunciada? Editorial

Polimorfismos dos genes das citocinas e susceptibilidade para cancro gástrico: uma descoberta anunciada?

Admite-se que na patogenia de determinadas doenças, nomeadamente doenças inflamatórias e oncológicas, intervenham simultaneamente factores ambientais e genéticos. No caso concreto do cancro gástrico, um pequeno número de casos é que estão relacionados com factores genéticos transmitidos hereditariamente, i.e., mutações germinais no gene da E-caderina, que dão origem ao carcinoma gástrico de tipo difuso hereditário. A maioria dos casos de carcinoma gástrico é de tipo intestinal e admitese hoje que a sua patogenia está relacionada com a infecção da mucosa gástrica pela bactéria Helicobacter pylori(H. pylori) que, por esta razão, foi considerada um carcinogénio de classe I. No entanto, a questão que se coloca de imediato é: se a prevalência de infecção por H.

pylorié em Portugal superior a 80%, porque é que apenas uma minoria destes indivíduos vem a desenvolver cancro gástrico? Porque é que alguns indivíduos infectados pelo H. pyloridesenvolvem úlcera péptica, enquanto que uma pequena percentagem desenvolve linfoma gástrico e a esmagadora maioria apenas apresenta um processo de gastrite crónica? A resposta concreta para esta heterogeneidade de respostas do hospedeiro a um mesmo agente infeccioso continua por esclarecer. Porém, com a descodificação do genoma humano no final do século passado, começaram a surgir diversos trabalhos apoiando a hipótese de que poderiam ser os chamados polimorfismos genéticos os responsáveis por esta heterogeneidade de resposta do hospedeiro a um mesmo agente ambiental, que no caso concreto do cancro gástrico seria a infecção por H. pylori. Polimorfismos genéticos são verdadeiras mutações genéticas que ocorrem na sequência reguladora de genes e que, apesar de não alterarem de forma significativa a função da proteína, podem originar diferenças na quantidade de proteína produzida. Estes polimorfismos são relativamente frequentes na população em geral e, por não produzirem alterações significativas na função da proteína, não são consideradas mutações patogénicas. Por si não causam doença, mas admite-se que possam alterar a susceptibilidade a determinados agentes ambientais, funcionando como promotores ou protectores de determinada patologia.

No que concerne o cancro gástrico de tipo intestinal, a maior parte dos trabalhos foram estudar os polimorfismos dos genes das citocinas pró- inflamatórias IL-1B-511 e TNF-alpha-308 bem como da citocina anti-inflamatória IL-1RN na susceptibilidade para o aparecimento não do cancro gástrico bem como dos precursores histológicos admitidos no modelo proposto por Pelayo Correia: gastrite crónica atrófica e metaplasia intestinal. O rationale seria que os polimorfismos dos genes destas citocinas iriam regular a quantidade de proteínas produzida a nível da mucosa intestinal o que iria condicionar a intensidade da resposta inflamatória. Com uma resposta inflamatória mais exuberante ou menos defensiva poderiam estar criadas as condições para a iniciação do processo de carcinogénese (1) .

Portugal pode-se considerar pioneiro nesta área de investigação pois desde o início de 2002 que o grupo do IPATIMUP liderado pelo investigador JC Machado demonstrou que os portadores do alelo T do polimorfismo IL-1B- 511, em hetero ou homozigotia, tinham um risco acrescido de desenvolver cancro gástrico (2) . Estes investigadores foram não procurar factores de susceptibilidade do hospedeiro mas também factores de virulência da bactéria, tendo encontrado que determinadas estirpes (vacAs1, vacAm 1-, e cagA-positivos) se encontravam associadas a um maior risco de cancro gástrico. Parecia ainda existir um sinergismo entre os genótipos de alto risco da bactéria e do hospedeiro cuja combinação aumentava ainda mais o risco de transformação maligna. Num trabalho posterior (3) , este mesmo grupo de investigadores demonstrou igualmente que em relação ao polimorfismo TNF-alpha-308 os portadores do alelo A tinham um risco aumentado para cancro gástrico bem como para a lesão precursora gastrite crónica atrófica. Estas associações foram posteriormente confirmadas noutros grupos étnicos (4,5) , embora se admita alguma variação.

Nesta edição do GE-Jornal Português de Gastrenterologia, Silva e colaboradores (6) publicam mais um trabalho realizado em indivíduos portugueses, sugerindo novamente que alguns destes polimorfismos poderão funcionar como genes de susceptibilidade, ou de protecção, para gastrite crónica e/ou cancro gástrico.

Neste trabalho os AAforam estudar os polimorfismos dos genes das citocinas IL- 1B-511, IL-1RN-2018 e TNF alpha–308 e 208 em 36 individuos com cancro gástrico, 11 individuos com gastrite crónica e 39 individuos saudáveis. De acordo com alguns dos trabalhos publicados, os AA encontraram que os indivíduos com genotipos ditos altos produtores de TNF alpha e de IL1RN tinham um risco acrescido de cancro gástrico. No que concerne o polimorfismo do gene IL-1B-511, os resultados obtidos no presente estudo na comparação entre controlos e doentes com gastrite crónica, parecem contrariar os publicados anteriormente que associam o alelo IL-1B-511 T a um risco aumentado de gastrite crónica atrófica. Uma das razões para esta discrepância poderá estar relacionada com o pequeno número de indivíduos incluído em cada grupo no presente estudo. Na realidade, sobretudo quando estudamos prevalências de polimorfismos genéticos, deveremos sempre tentar que cada grupo de estudo seja constituído por, pelo menos, 100 indivíduos. Resultados obtidos em grupos com 11 indivíduos poderão ser pouco fiáveis ou reprodutíveis. Por outro lado, gastrite crónica é um termo vago seria interessante sabermos quantos destes teriam de facto alterações histológicas que podem aumentar o risco de progressão para cancro: atrofia e/ou metaplasia intestinal. Finalmente, temos a questão dos controlos apesar de se tratar de um grupo de individuos saudáveis e por isso podermos excluir que quase seguramente não teriam cancro gástrico, a exclusão de gastrite crónica não é possível. Atendendo à prevalência de infecção pelo H. Pylori na população portuguesa, superior a 80%, é de admitir que uma percentagem significativa destes indivíduos possa ter processos de gastrite crónica. Assim, na minha opinião, neste estudo são mais relevantes os resultados obtidos na comparação entre controlos e doentes com cancro gástrico em que os AA encontraram que o alelo IL-1RN+2018 genótipo CC aumenta de forma significativa a susceptibilidade para aparecimento de cancro gástrico, enquanto que o alelo T teria um efeito protector. Estes dados são inovadores no que respeita o cancro gástrico e obviamente que necessitam de ser confirmados, ou não, por outros estudos que incluam maior número de doentes.

Assim, no ponto actual da situação, a questão que se coloca é se com os dados disponíveis podemos identificar indivíduos com maior susceptibilidade de virem a desenvolver cancro gástrico, por serem portadores de determinados polimorfismos, e nesses aplicar um programa de vigilância ou prevenção secundária através, p.e., da erradicação do H. pylori? Embora não exista publicado na literatura um estudo que permita responder a esta questão, na minha opinião não está ainda demonstrado que estes marcadores genéticos sejam suficientemente sensíveis/específicos de forma a permitirem a sua transposição para a prática clínica. São seguramente importantes estudos desta natureza que nos ajudam a melhor compreender a patogénese da doença.

Porém a utilidade deste tipo de marcadores em programas de rastreio está ainda longe de ser demonstrada.


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