Prevenir o Cancro do Cólon e Recto
Prevenir o Cancro do Cólon e Recto
Venâncio Mendes*
O cancro do cólon e recto (C.C.R.), em não fumadores, de ambos os sexos, é o
cancro mais frequente nos Estados Unidos da América, Europa Ocidental e
Austrália. A Organização Mundial de Saúde, estima que, até 2010, 600 mil
pessoas morrerão por cancro colo-rectal em todo o Mundo. Em Portugal constitui-
se, como a primeira causa de morte por tumor maligno, único pais do Mundo
Ocidental em que tal facto se verifica, segundo os últimos dados da Direcção-
Geral da Saúde, em 2005 registaram-se 3319 óbitos por C.C.R..
Alterações genéticas e hábitos alimentares, representam os maiores factores de
risco.
Clinicamente, o cancro do cólon e recto, manifesta-se fundamentalmente por
alterações do trânsito intestinal e rectorragias, sendo que sintomas como a dor
abdominal e o emagrecimento, traduzem já um estadio avançado da doença. As
taxas de sobrevida aos cinco anos poderão ser superiores a 90% se o diagnostico
é feito numa fase inicial, no entanto só 37% dos casos são diagnosticados nesta
fase. O rastreio, como medida preventiva, assume neste caso particular
evidência e relevância, porque se realizado de um modo eficaz, reduz
grandemente a taxa de incidência e de mortalidade. Os exames endoscópicos
configuram-se como os métodos de eleição, não só para o diagnóstico, mas também
e fundamental para a prevenção, ao permitirem diagnosticar e tratar os
adenomas, lesões precursoras do cancro em cerca de 95% dos casos.
Apesar de comprovada cientificamente a eficácia do rastreio, continua a
verificar-se a total passividade e inépcia dos Órgãos Directivos da Saúde, no
combate à neoplasia que mais mata no nosso país.
PREVENÇÃO
Prevenção primária
Embora não esteja completamente estabelecida, a associação da dieta com o
C.C.R., recomenda-se uma alimentação rica em produtos de origem vegetal,
limitar o consumo de ovos e carne vermelha, substituir as gorduras de origem
animal, por gorduras vegetais, como o azeite. Concluindo-se, assim, que uma
dieta tipo mediterrânico, é a mais apropriada como medida preventiva.
Pode ser que a chave para a associação entre dieta e cancro colo-rectal esteja
na interacção dos nutrientes entre si e entre todos constituintes dos
alimentos, associada a respostas individuais aos factores dietéticos,
determinadas por sua vez por factores genéticos, fisiológicos e de estilo de
vida.
Estudos recentes ao realçaram que a obesidade ou excesso de peso são dos
principais factores de risco independente para o CCR, põe a tónica da prevenção
do CCR na manutenção do peso corporal ideal, estes estudos confirmaram a já
antiga asserção de que a restrição calórica atrasa a senescência, prolonga a
vida e diminui a incidência de neoplasias.
O tabaco constitui-se também como um factor de risco, pelo que se devem abolir
os hábitos tabágicos.
O reconhecimento, através de diversos estudos epidemiológicos, de que a
ingestão frequente de aspirina e outros anti-inflamatórios não esteróides
(AINEs), parecia contribuir para uma redução do risco de CCR, levou a diversos
estudos in vitro e estudos experimentais em animais que parecem apontar para
que existe de facto uma relação de causalidade nesta associação. Deverão ser
vários os mecanismos potencialmente envolvidos nesta associação: uns
dependentes das prostaglandinas e da ciclooxigenase (COX), nomeadamente da COX-
2, e outros provavelmente independentes. No entanto pelos seus efeitos adversos
não está indicada a sua utilização no grupo de risco padrão.
À luz do conhecimento actual, poder-se- á considerar a toma de cálcio sobre a
forma de carbonato na dose 1.200 mg/dia e de ácido fólico 1 mg/dia, como modo
preventivo, não se recomendando o uso de selénio e antioxidantes.
Rastreio ou Prevenção Secundária
Como já referido, o cancro do cólon e recto representa nos países do Mundo
Ocidental, E.U.A. e Austrália uma das principais causas de morte por tumor
maligno. Igualmente, estão hoje já perfeitamente definidos os dois grandes
grupos de risco: a idade acima dos 50 anos e a história familiar de polipose ou
cancro. Para além isso, cerca de 95% dos casos de cancro colo-rectal, tem
origem, numa lesão precursora, o adenoma. Estes três aspectos: alta incidência,
grupos de risco caracterizados e lesão precursora identificada, validam de
forma incontestável os benefícios de um programa de rastreio.
No entanto, importa adequar a estratégia a uma estratificação do risco, uma vez
que este é variável. Assim, por:
• Risco Padrão, devemos considerar os indivíduos assintomáticos com idade
superior a 50 anos. Estes casos representam 70% a 75% dos casos de C.C.R.
• Risco Aumentado, os indivíduos com história familiar de polipose ou cancro.
Este grupo contribui para 15% a 20% dos casos de C.C.R. Integram também este
grupo, os indivíduos com história pessoal de cancro do útero, mama e ovário.
• Alto Risco, Síndromes hereditários de polipose (Polipose Adenomatosa.
Familiar
- 1% dos casos de C.C.R./ Síndrome Lynch
– 5% dos casos de C.C.R.) e doentes com colite ulcerosa ou doença de Crohn.
Os dois grandes objectivos de um programa de rastreio do cancro colo-rectal,
são não só o diagnóstico precoce, mas particularmente a prevenção.
Ao permitir diagnosticar e tratar os adenomas, lesão precursora, do C.C.R., o
rastreio assume-se como uma medida fortemente preventiva, reduzindo grandemente
as taxas de incidência e mortalidade.
Os métodos de rastreio, actualmente disponíveis, estudados e validados são a
pesquisa de sangue oculto nas fezes (P.S.O.F.), a sigmoidoscopia flexível e a
colonoscopia.
A P.S.O.F., utilizando a resina de guaico “Hemoccult”, é o método mais
testado,não invasivo e de baixo custo. Apresenta no entanto, fortes limitações
na sua sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo. Com uma
sensibilidade muito baixa para o despiste de adenomas (10% a 20%), mostra um
valor muito limitado, no que é o grande objectivo de um programa de rastreio,
prevenir o cancro colo-rectal. Os ensaios realizados, mostram uma redução da
taxa de mortalidade que varia de 15% a 33%, decorridos 20 anos conclui- se por
uma redução da incidência de apenas 20%.
Os argumentos para a utilização da Sigmoidoscopia Flexível (S.F.), como forma
de rastreio, baseiam-se no reconhecimento de que a maioria dos adenomas e
cancros se localizam no colon esquerdo, cerca de 75% e que a presença destas
lesões à esquerda, representam um valor preditivo de lesões de risco no colon
proximal em 10% dos casos. Estima-se que, com a utilização da S.F., se atingem
taxas de redução da mortalidade de 60% a 85%. Aguardam-se os resultados de dois
grandes estudos, randomizados e controlados (Prostate, Lung, Colon and Ovarian
Câncer Screenig –E.U.A. e FlexiScope Trial – Inglaterra).
A Colonoscopia como meio de rastreio, constitui-se sem dúvida como o “Gold
Standard”, no despiste das lesões alvo. Permite o diagnóstico de mais de 25%
das lesões avançadas não detectadas por outros métodos, mostrando também que
cerca de 4% dos indivíduos rastreados, não apresentavam lesões no colon distal.
No entanto, os benefícios da colonoscopia foram demonstrados de forma
indirecta, (National Polyp Study –E.U.A.), que demonstrou uma redução da
incidência de C.C.R. em cerca de 80%, com a ressecação dos adenomas, a
realização de colonoscopia após Hemoccult positivo e de sigmoidoscopia flexível
preditiva de lesões no cólon proximal.
Com base em tudo o exposto, sugerimos as nossas recomendações, de acordo com os
grupos de risco: • Grupo de risco padrão: Em nossa opinião os métodos
endoscópicos, mostram-se claramente superiores à P.S.O.F., quer na redução da
taxa de mortalidade, quer na diminuição da incidência. A questão põe-se, na
escolha entre colonoscopia/sigmoidoscopia flexível. Claramente, a colonoscopia
é o método mais sensível para a detecção e tratamento das doenças-alvo. Já
aprovada como método de rastreio, nos E.U.A., na Alemanha, na Polónia e
Luxemburgo. Nesta decisão devem ter-se em conta os recursos humanos e
institucionais de cada país.
• Grupo de risco aumentado: Os indivíduos, que integram este grupo de risco,
devem ser sujeitos a colonoscopia.
• Grupo de alto risco: Pelos condicionalismos que os indivíduos que integram
este grupo apresentam, devem ser orientados para centros de referência.
NOVOS MÉTODOS
Testes imunoquímicos para a P.S.O.F., que utilizam anti-corpos mono e/ou
policlonais, que detectam a porção proteica da globina que integra a
hemoglobina humana, mostram uma maior sensibilidade, tendo também a vantagem de
dispensar a dieta, necessária no “Hemoccult”, apresentando no entanto custos
mais elevados. Aguardam-se mais ensaios clínicos para a sua validação como
método de rastreio. A pesquisa de mutações e estabilidade do ADN nas fezes foi
recentemente proposta como métodos de rastreio não invasivo optimizado em
relação à PSOF. Métodos laboratoriais muito precisos permitem a detecção do ADN
nas fezes mesmo em quantidades diminutas, proveniente das células neoplásicas
(sendo que o seu DNA permanece estável ao contrário das células normais). Este
teste demonstrou a capacidade de detectar 91% dos indivíduos com cancro e 82%
daqueles que tinham adenomas avançados, bem como a grande probabilidade de
excluir estas lesões, quando o teste resulta negativo (especificidade de 83%),
mostrando-se mais eficaz que a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Apresentam-
se assim específicos para as lesões de neoplasia, consistentes, bem tolerados
não sendo necessária preparação e, estima-se que poderá permitir um alargamento
dos intervalos de rastreio comparativamente ao sangue oculto nas fezes.
Mais ainda, este teste poderá permitir a detecção de tumores proximais no tubo
digestivo como no estômago ou esófago. Contudo, falta ainda clarificar a sua
implementação em termos de aplicação à população geral, e optimizar os aspectos
relacionados com os custos e refinamentodo teste designadamente em termos da
sua automatização.
A colonografia por TAC ou Ressonância Magnética, termo médico, ou “colonoscopia
virtual”, termo mais correntemente usado, é um método de imagem que usa o Raio-
X através da tomografia axial computorizada (TAC) ou da Ressonância Magnética.
A reconstrução de imagens tridimensionais, poderá permitir a detecção de lesões
por detrás de pregas ou angulações do intestino, por vezes de difícil
observação por colonoscopia endoscópica.
Se para lesões com dimensões superiores a 10mm este exame apresenta uma
sensibilidade de 85%, para lesões inferiores a 5mm, só em média, poderão ser
detectadas metade dessas lesões (sensibilidade de 48%). Acresce o facto das
lesões planas para as quais não há dados na literatura do uso desta tecnologia
poderem não ser despistadas.
Para além de aspectos processuais da técnica terem necessidade de optimização,
esta tecnologia não apresenta ainda dados respeitantes a indivíduos da
população de risco padrão. Apresenta ainda alguns problemas em termos de exame
de rastreio já que a necessidade de limpeza intestinal e de insuflação de ar,
sem possibilidade de exérese dos pólipos, não permitem estabelecer claras
vantagens sobre a endoscopia convencional.
• O cancro do cólon e recto, representa, em Portugal, um gravíssimo problema de
saúde pública, por se constituir como a primeira causa de morte por tumor
maligno. Como tal, não é aceitável, que todos os dias morram cerca de dez
portugueses por CCR, mortes grandemente evitáveis, com a implementação de um
programa de rastreio de âmbito nacional e base populacional.
• Segundo a Constituição da República, todos os portugueses, têm direito a
cuidados de saúde preventiva. Em Portugal, são já várias as iniciativas neste
campo:combate à obesidade, prevenção do tabagismo, rastreio do cancro da mama e
útero… Assim sendo, é de todo incompreensível, a insensibilidade e inércia do
Ministério da Saúde, no combate ao cancro do cólon e recto, quando os estudos
mostram, numa análise custo-benefício, uma razão fortemente ganhadora,
comparativamente a outros rastreios. Acresce o facto, do investimento do
Ministério na resolução das listas de espera de cirurgia, tão propagandeade e
divulgada. No entanto esquecem os dirigentes da saúde, a extrema dificuldade
que os portugueses enfrentam, para realizar uma colonoscopia não só de rastreio
mas também e primordialmente de diagnóstico.
• A Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, com o apoio de outras
Sociedades Cientificas, tem desenvolvido uma intensa campanha de
sensibilização, não só junto da população em geral e profissionais da saúde,
mas também estabeleceu vários contactos com os órgãos da tutela, os quais até à
data se mostraram, totalmente infrutíferos. • Das partes se faz um todo, por
isso, todas as iniciativas, no sentido de promover um rastreio do cancro colo-
rectal, sejam de carácter institucional ou particular, devem ser validadas,
encorajadas, estimuladas e reconhecidas, tendo em vista que um rastreio de
âmbito nacional e base populacional em Portugal, se afigura remoto e
inconsistente.
*Director do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes
e Alto Douro, EPE
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