O score MELD revisitado
O score MELD revisitado
Jorge Areias
1
Neste número da revista é publicado um trabalho interessante sobre o score MELD
(Model for End Stage Liver Disease), particularmente o score MELD-XI (MELD com
exclusão do INR - International Normalized Ratio) e o iMELD-XI (com inclusão
dos parâmetros sódio e idade), avaliando a importância destes scores no
contexto perioperatório, tendo o iMELD-XI mostrado ser um significativo factor
prognóstico de mortalidade em cirurgia electiva com potencial preditivo
superior ao iMELD. Com efeito, trabalhos recentes sugeriram que o score MELD,
inicialmente descrito no âmbito da transplantação hepática, pode representar um
factor preditivo de mortalidade operatória em doentes cirróticos candidatos a
transplantação hepática, score este com elevada acuidade prognóstica, sendo um
score simples de calcular, objectivo e reprodutível. Em 2007 foi proposto o
score MELD-XI para doentes a realizar terapêutica anticoagulante, e dada,
inclusivamente, a variabilidade interlaboratorial do doseamento do INR. Neste
trabalho foram analisados, de forma retrospectiva, 190 doentes, tendo os
autores concluído a favor da sua utilidade, com factor prognóstico de
mortalidade operatória na cirrose hepática, sendo a sua utilidade ainda maior
com inclusão do sódio e da idade (iMELD-XI). O score MELD-XI demonstrou neste
estudo uma significativa capacidade prognóstica de mortalidade operatória,
comparável à do MELD e à da classificação de Child-Pugh, sendo o score MELD-XI
em conjunto com o sódio e a idade (i-MELD-XI) um significativo factor
prognóstico de mortalidade em cirurgia electiva, com potencial preditivo
superior ao MELD e à classificação de Child-Pugh. O score MELD foi desenvolvido
no âmbito da transplantação hepática. Os critérios de selecção dos candidatos a
transplantação hepática têm variado ao longo do tempo. Actualmente, ao recorrer
a novos modelos de avaliação, têm sido feitos alguns avanços com o recurso a
critérios de selecção mais objectivos, permitindo determinar com maior
segurança o momento mais adequado para a transplantação hepática. Inicialmente,
sentiu-se que na transplantação hepática a priorização dos doentes não
assentava na gravidade da doença hepática, tendo sido usados critérios como a
região geográfica, tempo de espera em lista e ainda outros critérios
subjectivos como critérios para transplantação hepática. Esta metodologia
tornou-se não consensual. As vantagens da selecção criteriosa dos doentes com o
recurso a critérios objectivos parecem óbvias, não dando lugar mais a critérios
subjectivos, associados de algum modo a favoritismo.
É neste contexto que o MELD foi inicialmente descrito, sob a forma de equação
matemática, utilizando a bilirrubina, a creatinina e o INR; até então a
classificação de Child-Pugh, com alguns critérios não objectiváveis, era a mais
utilizada. Para validar este modelo, determinou-se como objectivo a avaliação
da sobrevida aos 3 meses, permitindo seleccionar entre 2 doentes aquele com
menor probabilidade de sobrevida aos 3 meses, o que significa que o doente mais
grave é aquele que será transplantado. Os scores variam de 0-40, correspondendo
o score de 40 ao doente mais grave. Na prática clínica e para cada doente, o
score MELD necessita de recertificação, pois pode variar ao longo do tempo, em
determinados intervalos, sendo que se < 10 deverá ser anual, e se > 25 em cada
7 dias. Contudo, Boursier e colaboradores(1) desenvolveram um trabalho
publicado em 2009, tendo estudado os scores de Child-Pugh, MELD, e MELD-sódio,
em doentes com cirrose hepática e com o objectivo de determinar o seu valor
preditivo respeitante à mortalidade aos 6 meses, num trabalho que envolveu 308
doentes com cirrose hepática. Estes autores concluíram que o score de Child-
Pugh permanece um score simples e útil na avaliação do prognóstico dos doentes
cirróticos e que ainda tem utilidade na avaliação destes doentes; sugerem,
contudo, que os scores MELD e MELD-sódio devem ser reservados para doentes com
cirrose descompensada. No caso particular do carcinoma hepatocelular , o score
MELD tem uma melhor performance do que a classificação de Child-Pugh. Estes
mesmos modelos têm sido utilizados como factores preditivos da mortalidade
intrahospitalar relacionada com hemorragia por rotura de varizes esofágicas,
tendo sido demonstrado que ambos são idênticos quanto ao valor preditivo da
mortalidade global intrahospitalar, sendo que ambos não são úteis enquanto
factores preditivos de controlo da hemorragia(2); contudo o score MELD é
discriminativo de novo episódio de hemorragia digestiva, no curto prazo, por
rotura de varizes esofágicas (3). A partir daqui estabeleceu-se uma fórmula,
sendo mais discriminativa que a classificação de Child-Pugh, evitandose deste
modo os critérios subjectivos de avaliação e o hipotético favoritismo
associado, pois assente numa equação matemática. Neste contexto, o doente que
está pior é que vai receber o fígado a transplantar. Este novo modelo parece
ajudar a determinar melhor o momento do transplante hepático e da cirurgia
electiva nos doentes cirróticos, com mais uniformidade, porque tem em conta
parâmetros mais objectivos, embora possa ser discutível em certos casos. Não
abrange contudo todas as doenças susceptíveis de terem indicação para
transplante hepático. Estudos recentes sugerem que o MELD pode constituir um
factor preditivo de mortalidade operatória em doentes cirróticos, tendo
portanto aplicação fora do âmbito da transplantação. O MELD 'XI e o iMELD-XI
foram introduzidos com o objectivo de avaliar o risco cirúrgico de um dado
doente e para aumentar capacidade prognóstica do MELD. O MELD-sódio constitui
um factor prognóstico dos doentes com cirrose hepática, pois quer a
hiponatremia quer a ascite estão por trás do processo cirrótico. Isto foi
demonstrado em doentes com carcinoma hepatocelular. O MELD-XI e o iMELD-XI
revelaram-se factores preditivos de mortalidade operatória em doentes
cirróticos, com boa correlação com o MELD e o iMELD, podendo ser muito úteis no
caso de dissociação entre o INR e a função hepática e na normalização das
alterações decorrentes da variabilidade interlaboratorial do INR. O modelo MELD
e o MELD-sódio constituem modelos prognósticos dos doentes cirróticos com e sem
carcinoma hepatocelular. Huo e colaboradores (4) compararam o valor preditivo
do MELD, do MELD-sódio, do sistema TNM (Tumor, Node, Metastasis), do CLIP
(Cancer of the Liver Italian Program), do BCLC (Barcelona Clinic Liver Cancer),
e do JIS (Japan Integrated Score) e do score de Tóquio, e demonstraram que o
score MELD-sódio pode melhorar a capacidade discriminativa do MELD nos doentes
com carcinoma hepatocelular; contudo, o CLIP e o sistema de Tóquio constituem
melhores modelos prognósticos no curto prazo. Bingener e colaboradores (5)
avaliaram o valor preditivo do score MELD para morbilidade em doentes com
cirrose hepática e submetidos a colecistectomia laparoscópica. Dos 7859 doentes
submetidos a colecistectomia laparoscópica e que foram observados e tratados ao
longo de um período de 15 anos, 99 doentes tinham cirrose hepática. Os scores
de MELD e Child-Pugh correlacionaram-se entre si, mas o risco de complicações
não se correlacionou nem com o MELD nem com o Child-Pugh. A morbilidade de
doentes com cirrose hepática e submetidos a colecistectomia laparoscópica
permanece elevada. O score MELD revelou-se útil para estratificação do risco
para transplantação, mas são necessários mais trabalhos para avaliação correcta
da morbilidade por colecistectomia laparoscópica. No caso vertente, e dado o
grande interesse deste trabalho, se o score iMELD-XI é um factor preditivo de
mortalidade operatória em doentes cirróticos, em cirurgia electiva, podendo ser
muito útil nos casos de dissociação do INR e da função hepática, e dadas as
limitações do estudo, nomeadamente o seu carácter retrospectivo, mais estudos
são necessários para avaliar o potencial interesse do iMELD-XI na avaliação do
risco cirúrgico do doente com cirrose hepática.