Colonografia por TAC- A necessidade de definir o alvo
Colonografiapor TAC– A necessidade de definir o alvo
CT Colonography – The need to set up a target
Rui A. Silva*
Neste número do Jornal Português de Gastrenterologia é publicado um estudo
sobre a acuidade diagnóstica da colonografia por tomografia computorizada (CTC)
nas lesões colo-rectais. Como o seu autor reconhece, são vários os factores que
poderão estar implicados na baixa sensibilidade demonstrada pela CTC. A
amostra, além de pequena e com um número reduzido de lesões significativas, era
amplamente heterogénea, sendo que apenas 5% dos participantes eram
assintomáticos e apresentavam um risco médio de cancro colo-rectal. Da mesma
forma, a ausência de desocultação por segmentos e a não utilização de
contrastes fecais, nomeadamente quando 27% das CTC apresentavam uma deficiente
preparação intestinal, poderão também ter contribuído para a reduzida acuidade
da CTC. Por outro lado, a percentagem de doentes que preferiram a CTC em
relação à colonoscopia óptica (56%) poderá ter sido subestimada pelo facto da
insuflação colónica ter sido efectuada manualmente com ar ambiente e não
automatizada e com CO2 como recomendado. Além disso e como referido no estudo,
mesmo se preterida em termos de desconforto em relação à CTC, se o doente
souber que se algum pólipo for detectado durante a colonoscopia óptica este
pode ser removido durante o procedimento, isso pode aumentar a sua aceitação em
relação ao exame. Mesmo com estas limitações, o estudo confirma algo que já
sabíamos - a colonoscopia óptica é o método de maior acuidade para o
diagnóstico das lesões colo-rectais. No entanto, nos últimos anos múltiplos
estudos têm avaliado a CTC como método alternativo à colonoscopia óptica para a
detecção de neoplasia colo-rectal, nomeadamente no âmbito do rastreio. A
publicação, em Março de 2008, de uma actualização da JointColorectal Cancer
Screening Guidelines, em que a CTC é considerada um método de rastreio
aceitável para o cancro colo-rectal, levantou uma série de questões quanto à
forma como esta tecnologia deverá vir a ser integrada na nossa prática
clínica1. De notar que esta taskforceincluía representantes das principais
sociedades de gastrenterologia e endoscopia digestiva dos Estados Unidos, além
da American Cancer Society e American College of Radiology, isto na tentativa
de criar uma aura de consenso que reforçasse a importância do rastreio entre os
médicos de família e a própria população. Apesar de controversa, a inclusão da
CTC era inevitável uma vez que esta demonstrou ser mais eficaz e mais bem
tolerada que o clister opaco de duplo contraste, que fazia parte das
recomendações anteriores. Esta actualização foi influenciada pelos resultados
de estudos multicêntricos publicados nos últimos anos como o do AmericanCollege
of Radiology Imaging Network(ACRIN 6664), englobando um elevado número de
indivíduos assintomáticos e utilizando a técnica e a metodologia mais recentes,
em que a CTC demonstrou uma sensibilidade por pólipo e por doente de 84 e 90%,
respectivamente, e uma especificidade por doente de 86%, para pólipos com ≥ 10
mm de diâmetro2. Estes resultados excedem a taxa de detecção do clister opaco
com duplo contraste e assemelham-se aos da colonoscopia óptica convencional.
Entre as principais vantagens da CTC encontra-se o facto de permitir uma
avaliação diagnóstica minimamente invasiva do cólon, com consequente aumento
previsível da adesão da população aos programas de rastreio. Na realidade,
muitas pessoas apresentam ainda alguma relutância em realizar o rastreio por
colonoscopia e o conceito de um exame seguro e indolor que permita visualizar o
cólon e detectar lesões significativas é apelativo para parte importante da
população. E essa permanece actualmente a questão em aberto mais importante,
porque se a CTC aumentar a aderência aos programas de rastreio, isso deverá
levar à detecção de lesões significativas num número elevado de doentes, sendo
que a colonoscopia com polipectomia desses pólipos poderá ajudar a prevenir o
desenvolvimento de cancro colo-rectal. Se, pelo contrário, a CTC vier a desviar
doentes da colonoscopia óptica, então isso poderá reduzir a taxa de
polipectomias e aumentar a incidência de cancro colo-rectal. E quem melhor que
os gastrenterologistas para decidir quem poderá beneficiar da CTC, que pólipos
deverão ser submetidos a polipectomia endoscópica e informar as pessoas dos
riscos relativos associados à CTC e à colonoscopia óptica? Recentemente foi
publicada nesta revista a posição da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
em relação às principais indicações actuais e ao papel da CTC no rastreio do
cancro colo-rectal3. A impossibilidade de realização de colonoscopia óptica
completa devido a contra-indicação médica ou anestésica, dificuldade técnica ou
lesão obstrutiva, constituem actualmente as principais indicações para a
realização de CTC. De igual modo, a CTC pode também constituir um método
alternativo de rastreio de cancro colo-rectal em doentes com contra-indicação
relativa para a colonoscopia óptica ou que recusam outros métodos de rastreio.
Em relação ao rastreio do cancro colo-rectal, uma vez que o diâmetro do pólipo
pode ser utilizado como um marcador de histologia avançada, a perspectiva é a
de que a CTC poderia funcionar como um filtro selectivo, ignorando as lesões
diminutas e seleccionando apenas os doentes de maior risco para a realização de
colonoscopia. No entanto, não existem estudos controlados adequados a longo
prazo que confirmem ser seguro não remover pequenos pólipos do cólon e as
recomendações actuais são para referenciar para colonoscopia óptica todos os
doentes em que são diagnosticados pólipos, independentemente do seu tamanho. De
igual modo, não existem estudos que avaliem a eficácia dessa estratégia na
redução da morbilidade e da mortalidade por cancro colo-rectal, devendo por
isso a utilização da CTC como método de rastreio ser considerada
investigacional. Outras recomendações para se obterem resultados com elevada
acuidade diagnóstica incluem a utilização de uma técnica e metodologia
adequadas e a necessidade da leitura e interpretação dos dados ser efectuada
por radiologistas e gastrenterologistas treinados e com experiência. Este
último aspecto tem sido considerado uma das principais razões apontadas para a
ampla variação de sensibilidades que têm sido descritas entre os vários estudos
publicados. O problema reside no facto da maior parte dos dados na literatura
reflectirem a experiência de centros de referência na realização e leitura de
CTC e que podem não ser extensivos à nossa prática clínica, estando
inclusivamente descrita a existência de uma curva de aprendizagem. O treino de
leitura e interpretação de 25-50 exames que geralmente se faz durante um curso
de formação em CTC poderá não ser suficiente para um especialista adquirir
competência e se tornar autónomo, sendo necessária uma experiência tutelada
adicional. Deste modo, deverá ser considerada a implementação de programas de
treino e de competências recomendadas de uma forma estandardizada, para que a
CTC possa vir a alcançar a sensibilidade e especificidade apropriadas.