Ecografia Digestiva e Desenvolvimento da Gastrenterologia: Sonofilia: uma Forma
de Relação Médico-doente
Ecografia Digestiva e Desenvolvimento da Gastrenterologia
Sonofilia: uma Forma de Relação Médico-doente
Digestive Ultrasound and Development of Gastroenterology
Sonofilia: a Form of Doctor-patient Relationship
Eduardo Pereira1
1Presidente do Grupo Português de Ultra-Sons em Gastrenterologia (GRUPUGE); E-
mail: edu.pereira@sapo.pt.
Local de trabalho: Serviço de Gastrenterologia, Hospital Amato Lusitano,
Castelo-Branco ' Portugal.
O desenvolvimento da ultra-sonografia médica na área da patologia digestiva
determinou uma mudança de paradigma, na componente técnica dos
gastrenterologistas, em grande parte do mundo. A potencial diversidade da
ultra-sonografia na investigação clínica abdominal decorre da sua aplicação
como forma de avaliação sistematizada, complemento da história clínica e
palpação abdominal orientada por ultra-sons ou, apenas, uma forma de despiste
de alterações na morfologia visceral. Dado tratar-se de um método essencial à
observação abdominal, onde ocorrem várias centenas de entidades nosológicas
diferentes, deve estar disponível às especialidades que abordam patologias com
esta localização, como é o caso da Gastrenterologia.
As especialidades detentoras de diferenciados meios e habilidades tecnológicas
de imagem, predominantemente não endoscópica, desenvolvem e aplicam a ultra-
sonografia numa vertente distinta, directamente apoiada por outros meios
imagiológicos mais elaborados e com capacidades de excepcional definição
anatómica. As ciências médicas e cirúrgicas, mais integradas do contexto
clínico, devem aplicar a ultra-sonografia de forma dirigida e centrada na
decisão clínica de proximidade, complemento constante da necessidade directa de
observação instrumental e longe de uma diferenciada especialização em
imagiologia.
Em vários países da Europa, como na Alemanha, França, Itália e Espanha, a
endoscopia assim como a ecografia digestiva, também denominada ecoscopia
pelos colegas italianos, são frequentemente realizadas pelo gastrenterologista,
numa perspectiva sonofílica e muito bem recebida pelos doentes. Ainda que em
diferentes proporções, mas fruto da adequada formação no decurso da
especialidade, estes países têm como prática comum esta nova aplicação da
ultra-sonografia clínica, sustentada pela correcta aquisição de competências. A
principal justificação para esta metodologia de intervenção médica assenta na
forma mais lógica e apropriada de obter informação imediata e precisa, a
necessária, em tempo real, para que o clínico cuidador possa decidir sobre a
eventual investigação posterior ou a imediata decisão terapêutica. Este modelo
de abordagem tem demonstrado benefícios para o doente e para o médico que o
pratica, tem implicações económicas positivas e torna a ultra-sonografia
especialmente clínica, uma vez que está integrada no exame físico do doente. A
ecografia digestiva clínica pretende, assim, responder com brevidade a
importantes questões clínicas tendo em conta sinais e sintomas, funcionar como
extensão directa do exame clínico ou, ainda, como guia para realização de
procedimentos com risco acrescido. Uma vez realizada para decisões clínicas
imediatas deve ser implementada pelo seu valor de proximidade e de
disponibilidade, ao encontro da pessoa doente.
No entanto, o maior inimigo da aplicação deste potencial instrumento é o défice
de competência, perante um método clínico e imagiológico que necessita de uma
cuidada e rigorosa educação e formação básica transversal a outras
especialidades, proporcional ao nível e características que se pretende
praticar. Algumas sociedades científicas de referência têm difundido as
necessárias recomendações, orientações e fichas de avaliação, para a formação
dos módulos teórico e prático em ultra-sonografia, tendo por objectivo a
uniformização da actividade educacional para o ensino e treino desta técnica,
que tem um componente psicomotor e cognitivo particularmente exigente. A
publicação pela Organização Mundial de Saúde, em 1998, de um documento técnico
sobre os princípios e normas para o treino da ultra-sonografia, considerando-
a um método básico de diagnóstico por imagem e, por isso, sem direito ao
monopólio por qualquer especialidade, confirmou a necessidade da sua divulgação
através do currículo de educação médica. O valor deste texto serviu de modelo
ao desenvolvimento de novas recomendações e programas para o ensino e prática
da ultra-sonografia diagnóstica e terapêutica. Assim, várias sociedades e
federações Europeias e Mundiais implementaram programas formativos adaptáveis a
cada país, com base na disponibilidade e utilidade dos meios técnicos, tendo em
conta a sua concretização em três níveis de diferenciação. A Federação Europeia
de Ultra-sons em Medicina e Biologia (EFSUMB), da qual o Grupo Português de
Ultra-sons em Gastrenterologia (GRUPUGE) é um dos seus 30 membros associados
desde 1991, tem sido rigorosa na implementação de normas mínimas para a
formação contínua na área da gastrenterologia, com actualização permanente dos
documentos orientadora, com apêndices dirigidos à ecografia digestiva e,
também, à ecoendoscopia. Esta documentação tem anexos com as respectivas
grelhas de avaliação, deixando em aberto as respectivas adaptações por parte
das sociedades científicas de cada país. Desde este ano estão disponíveis
textos científicos sobre as diversas patologias digestivas e um programa modelo
para o módulo de ecografia abdominal, para que possa existir uma formação
uniforme em todos os países Europeus.
A formação dos gastrenterologistas em ultra-sonografia clínica deve estar
centrada na competência adquirida e na certificação dos centros onde essa
formação ocorre. Dado que o currículo que dá acesso ao Diploma Europeu do
Gastrenterologista exige explicitamente treino em ecografia abdominal,
claramente quantificado, cabe às sociedades científicas de cada país a
responsabilidade de responder a esta nova exigência.
Considerando a ultra-sonografia um método de investigação altamente dependente
do operador, todos aqueles que a praticam e prestam este serviço,
independentemente da especialidade, estão ética e legalmente vulneráveis caso a
formação não seja a adequada e devidamente certificada, quer na vertente
diagnóstica, predominantemente de intervenção ou, somente, como forma de
abordagem clínica. Por esta razão, as especialidades que têm a ultra-sonografia
incorporada no currículo de formação e da prática clínica têm à disposição
orientações científicas e consensos que devem ser rigorosamente aplicados tendo
em vista a idoneidade formativa e a sua acreditação.
O GRUPUGE, uma secção especializada da SPG, está vocacionada para desenvolver e
implementar a ultra-sonografia clínica no domínio da gastrenterologia,
responsabilidade, dever e empenho acentuado pelo seu vínculo à EFSUMB. Com a
contribuição do GRUPUGE foram realizados nos últimos anos 7 cursos teórico-
práticos de ecografia digestiva abdominal para gastrenterologistas e 4 cursos
de ecoendoscopia. Defende e pretende participar no ensino universitário com o
currículo proposto pela OMS e complementar a sua acção na óptica
multidisciplinar valorizando a sua posição como associação Portuguesa membro da
EFSUMB, usufruindo dos benefícios estatutários que daí advêm.
Considerando a Ultra-sonografia Digestiva de proximidade o estetoscópio do
terceiro milénio!, então, bem poderá ser um instrumento essencial ao
desenvolvimento da Gastrenterologia Moderna.