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EuPTCVHe0873-21592009000500013

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variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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Hemotórax espontâneo em doente com neurofibromatose tipo I: A propósito de um caso clínico

Introdução Dos quatro tipos de neurofibromatose, os mais comuns são os tipos I e II. A neurofibromatose tipo 1 (NF1) (ou doença de Von Recklinghausen) é uma doença genética autossómica dominante com penetração variável, causada pela mutação do gene NF1do cromossoma 17 e com uma incidência de 1:4000 nascimentos 2,4,9 . Podem surgir diversos tipos de lesões: neurofibromas cutâneos, lesões pigmentadas da pele (manchas café au lait), hiperpigmentação em zonas não expostas, como as axilas e região inguinal, hamartomas da íris (nódulos de Lisch), macrocefalia, anormalidades articulares e tumores de células de Schwann (neurofibromas) 5,9 . Os neurofibromas são tumores benignos dos nervos periféricos formados pela proliferação de células de Schwann e fibroblastos. Apresentam-se como tumores cutâneos múltiplos de consistência elástica.

Geralmente são assintomáticos, mas podem comprimir estruturas, dependendo da sua localização e, nessas situações, poderão ocorrer radiculopatias, neuropatias, hidrocefalia, hipertensão, epilepsia, entre outros 4,2,5 .

Os doentes têm risco aumentado de desenvolver neoplasias do sistema nervoso (neurofibromas plexiformes, gliomas ópticos, ependimomas, meningiomas, astrocitomas e feocromocitomas). Os neurofibromas podem sofrer degeneração secundária maligna 2 .

Encontram-se descritas lesões vasculares em doentes com NF1 em aproximadamente 3,6% dos casos. Estas lesões podem envolver os grandes vasos, como aorta, carótidas e artérias renais proximais, que se podem encontrar rodeadas por neurofibromas ganglioneurofibromas, proliferação da camada íntima e fragmentação do tecido elástico, originando a formação de estenoses e aneurismas.

Os pequenos vasos podem encontrar-se displásicos, apresentando cinco formas histológicas diferentes: íntima pura, íntimo-aneurismática, peri arteriolar nodular, íntima avançada e epitelióide 6,8,9 .

As hemorragias espontâneas e maciças intratorácicas são raras e têm sido apontadas múltiplas causas: tuberculose pulmonar; embolia pulmonar, malformações arteriovenosas, neoplasias do pulmão, ruptura de aderências pleuropulmonares prévias, neoplasias primitivas ou metastáticas pleurais, endometriose da pleura, fístula arteriovenosa e ruptura de aneurismas vasculares 3 . Na literatura apenas se encontram descritos cerca de duas dezenas de casos de hemotórax espontâneo relacionado com a NF1 9 .

Caso clínico Doente do sexo feminino, 33 anos, raça caucasiana, professora e residente numa aldeia do distrito da Guarda.

Recorreu ao serviço de urgência no dia 13.09.2002 referindo toracalgia superior direita, contínua, sem factores de agravamento nem de alívio, irradiando para o ombro e escápula homolaterais. A dor tinha uma duração de cerca de 8 dias e havia sido medicada sintomaticamente pelo seu médico de família com anti- inflamatório não esteróide, sem benefício. A dor era acompanhada de astenia e tosse seca.

Nos antecedentes pessoais destacava-se neurofibromatose tipo I, que se associou a astrocitoma cerebral operado em 1992.

Ao exame objectivo apresentava palidez cutaneomucosa, polipneia, TA: 100/62 mmHg, FC: 117 b/min, temperatura axilar: 37ºC e sem adenopatias palpáveis. Na percussão torácica destacava-se macicez de todo o hemitórax direito, tal como ausência do murmúrio vesicular na auscultação pulmonar do hemitórax direito e taquicardia na auscultação cardíaca.

Os exames complementares analíticos realizados revelaram hemoglobina 8,8 mg/dl, hematócrito 26,2% leucócitos: 24 210/ml, NS (88%), LDH 559 U/L, PCR 10 mg/dl, VS 69 mm e factores da coagulação sem alterações.

Com FiO2 de 21%: havia hipoxemia (PCO2 30,5 mmHg, PO2 56 mmHg com saturação de O2 91%).

A telerradiografia do tórax em PA (Fig. 1) e perfil esquerdo (Fig. 2), realizadas a 13.09.2002, apresentavam condensação homogénea no campo pulmonar direito, poupando o ápex, e a ecografia torácica mostrou um volumoso derrame pleural direito, multisseptado.

Efectuou-se toracocentese com drenagem de 500 ml de líquido hemático. O líquido pleural apresentava amilase 82 U/L, triglicéridos 45 mg/dl, proteínas 10 mg/dl, LDH 10637 U/L, PMN 82%, linfócitos 18%; o exame directo e cultura foram negativos, a citologia revelou quadro inflamatório agudo e sem células neoplásicas.

A telerradiografia do tórax em PA (Fig. 3) pós-toracocentese era sobreponível à anterior.

Na TC torácica, abdominal e pélvica, realizadas em 17.09.2002, observava-se um volumoso derrame pleural direito, multisseptado, que condicionava colapso pulmonar total do pulmão direito. Não havia alterações pleuropulmonares significativas à esquerda.

O estudo imunológico (ANA, ANCA, dsDNA, ADA, ECA, imunoglobulinas, anti cardiolipinas e anti -â2 glicoproteína) não revelou alterações.

Na ecografia abdominal, renal e ginecológica, observou-se apenas uma vesícula biliar litiásica, sem outras alterações.

Foi submetida a intervenção cirúrgica (VATS) em 19.09.2002, que revelou a presença de um volumoso derrame hemático, com cerca de 2,3 litros. No espaço pleural havia múltiplas septações, com fibrina e colapso pulmonar total.

Após a expansão pulmonar direita, o pulmão não apresentava alterações macroscópicas. Ao exame histológico microscópico observou-se pleurite com proliferação fibroblástica e intenso infiltrado inflamatório agudo, bem como massas de fibrina e coágulos sanguíneos.

Houve uma boa evolução clínica e radiológica. Na telerradiografia do tórax em PA (Fig. 4), realizada a 28.09.2006: não havia alterações pleuropulmonares.

Discussão No caso apresentado pelos autores, uma doente com antecedentes de NF1 surgiu com hemotórax espontâneo, cuja evolução terá ocorrido insidiosamente durante cerca de uma semana, o que poderá explicar o facto de a doente se apresentar hemodinamicamente estável, mas com significativa redução do hematócrito.

O hemotórax espontâneo é uma complicação rara, mas potencialmente fatal, da NF1 7,9 . As alterações vasculares descritas podem originar ruptura  calibre. Numa revisão japonesa de hemotórax espontâneo em doentes com NF1, os vasos intra torácicos mais frequentemente envolvidos foram os intercostais e os subclávios 6 .

Nestes doentes, o hemotórax pode também ter origem no sangramento de tumores benignos ou malignos intratorácicos, como shwannoma, neurofibroma ou neurofibrosarcoma, ou pela invasão vascular directa pelos tumores 7,9 .

No caso relatado, não se encontrou causa evidente de hemorragia intratóracica.

Os exames de imagem realizados não revelaram a existência de tumores ou aneurismas vasculares.

Num doente com NF1 e hemotórax espontâneo súbito hemodinamicamente instável é necessária toracotomia imediata 6,7 . Nos casos em que se encontra o vaso sangrante em angiografia, estará indicada embolização desse vaso para controlo temporário da hemorragia.

Não é consensual a necessidade de toracotomia em doentes hemodinamicamente estáveis 6,9 .

A doente descrita foi submetida a toracoscopia, que revelou um volumoso hemotórax multisseptado com colapso pulmonar total.

A evolução clínica foi favorável. Numa série de 12 casos descritos por Miura H et al, 6 faleceram.


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