Tumor carcinóide do timo - Caso clínico
Introdução
O timo localiza-se no mediastino anterior, deriva da 3.ª bolsa faringobraqueal
e começa a sua formação a partir da 6.ª semana in utero.
Histologicamente é constituído por túbulos epiteliais que se organizam em
lóbulos tímicos, formando o córtex e a medula. O córtex é rico em linfócitos T
e tem poucas células epiteliais, ao contrário da medula, onde predominam
células epiteliais. Ao longo destas zonas ocorre a maturação dos linfócitos T à
medida que estes migram do córtex para a medula. Esta determinação embrio nária
vai permitir entender a histogénese dos timomas
1
.
Em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) actualizou a classificação dos
tumores do timo. A classificação dos timomas baseia-se na avaliação histológica
da componente neoplásica epitelial e quantidade relativa do componente
linfocítico não neoplásico
15
(Quadro I), sendo a sua aplicação consensual. Foi mantida na edição de 2004
2-4
.
Quadro I – Classificação histológica dos timomas (WHO 2004)
Os carcinomas neuroendócrinos estão incluídos no grupo de tumores designado por
carcinoma tímico e abrangem os tipos histológicos seguintes: carcinoma
neuroendócrino bem diferenciado (carcinóide típico e atípico) e carcinoma
neuroendócrino pouco diferenciado (carcinoma neuroendócrino de células grandes
e carcinoma neuroendócrino de células pequenas) semelhando a classificação
deste grupo de tumores no brônquio e pulmão2,
5-8
.
Na edição de 2004 foram também acrescentados os tipos histológicos seguintes ao
grupo do tumores epiteliais do timo:
– Tumor tímico epitelial combinado: neoplasia que tem pelo menos duas áreas
distintas, cada uma correspondendo ao timoma e/ou carcinoma tímico, incluindo o
carcinoma neuroendócrino (a combinação mais frequente é o tipo B2 e o B3,
seguido do tipo B3 combinado com o carcinoma tímico das células escamosas);
– Timoma micronodular: 1% a 5% dos timomas é encapsulado e raramente está
associado à miastenia gravis. Poderá estar associado ao tipo A;
– Timoma metaplásico bifásico: designado anteriormente como “timoma com estroma
pseudosarcomatoso” e “carcinoma metaplásico de baixo grau”;
– Carcinoma e adenocarcinoma;
– Carcinoma com t15,
19
.
Os tumores do timo são raros, mas são os tumores do mediastino anterior mais
frequentes nos adultos (representam cerca de 50% das massas com esta
localização) e a maioria dos doentes está entre os 40-60 anos de idade. A
etiologia continua desconhecida e actualmente nenhuma anomalia cromossómica foi
associada ao tipo histológico específico de timoma ou carcinoma tímico. A
incidência é semelhante em ambos os sexos, embora alguns estudos mostrem uma
ligeira predominância do sexo masculino, nomeadamente do carcinoma tímico
9-11
.
Os autores apresentam um caso de carcinóide tímico e abordam o comportamento
clínico desta entidade com base na literatura disponível, estabelecendo uma
comparação com os restantes tumores do timo.
Caso clínico
Doente do sexo masculino, com 37 anos, admitido nos Hospitais da Universidade
de Coimbra em Julho de 2006 devido a desconforto retroesternal recente, sem
história de tosse, expectoração, dispneia ou queixas constitucionais. Tinha
antecedentes pessoais de amigdalectomia aos 9 anos, esteatose hepática e
litíase renal esquerda (detectados por ecografia abdominal em 2006). Sem
alergias conhecidas, o doente tinha cessado hábitos tabágicos (30 UMA) um ano
antes e referia consumo moderado de álcool. Apresentava um bom estado geral,
sem alterações ao exame físico.
Na recolha analítica observou-se hemoglobina de 20,4 g/dl (N=14-18 g/dl) e VS
de 37 mm/h (N<15 mm/h). A radiografia torácica (Rx tórax) mostrou uma massa de
contorno regular e bem definido, com procidência no bordo esquerdo do
mediastino, a nível da janela aortopulmonar. A tomografia axial computorizada
torácica (TACt) revelou uma massa de tecidos moles no mediastino anterior, de
localização justaaórtica, bem delimitada e de contornos ligeiramente
polilobulados, com cerca de 4,7×3,7 cm, com plano de clivagem com as estruturas
adjacentes, sofrendo realce periférico após contraste intravenoso, não se
detectando adenopatias mediastino-hilares (Fig. 1). A broncofibroscopia, provas
de função respiratória e ECG não revelaram alterações.
Fig._1 – A: corte da TACt pré-operatória; B: caracterização da localização
intratímica da neoplasia pela CK 19 e negatividade das células neoplásicas,
CK19 X 40; C: padrões trabecular e sólido, HE X 100; D: marcação granular da
cromogranina citoplasmática (TTF-1 negativa), cromogranina X 200; E: mitose
visível, HE X 200; F: índice proliferativo superior a 10%, Ki 67 X 200
Cerca de três semanas depois do episódio clínico, o doente foi submetido a
intervenção cirúrgica para excisão da massa mediastínica, por esternotomia
mediana, com dissecção da loca tímica, sem complicações intra ou pós-
operatórias.
A peça operatória consistia numa formação nodular com 46 g de peso e
6,5×3,5×3,8 cm de dimensões, envolvida por uma fina cápsula brilhante e
acinzentada, com áreas suspeitas de invasão. O padrão histológico correspondia
a um tumor carcinóide com padrão sólido e trabecular, intratímico e sem invasão
da cápsula do órgão, áreas extensas de necrose e índice mitótico superior a 10%
(Ki 67).
Por imunoistoquímica, as células neoplásicas mostraram positividade
citoplasmática para cromogranina e queratina (Fig. 1). Três gânglios linfáticos
mediastínicos não apresentavam metástases, permitindo classificar este
carcinoma neuroendócrino bem diferenciado no estádio I da classificação de
Masaoka (T1 N0 Mx).
No período pós-operatório foram realizados doseamentos hormonais: ACTH e PTH
normais; cortisol sérico de 26,0 μg/dl (N= 5-25 μg/dl) e cortisol urinário de
139 μg/24h em 3150cc (N = 10-80 μg/24h).
O cintigrama com pentetreótido-In111 (receptores de somatostatina) não mostrou
lesões; no entanto, havia dois pequenos focos de valorização duvidosa no andar
médio do mediastino posterior, pelo que um mês após a cirurgia realizou
radioterapia adjuvante em 28 fracções de 180 cGy, numa dose total de 50,40Gy
(fotões de 18 MV). Durante este tratamento surgiu eritema da pele irradiada e
disfagia discreta para sólidos. Após o término da radioterapia adjuvante,
decidiu-se pela não realização de quimioterapia. Aos 6 meses de pós-operatório,
foi realizada uma ressonância agnética nuclear torácica (RMNt), onde se
observou no lobo superior do pulmão esquerdo (segmento ápico-posterior) uma
área de hipersinal ligeiro, compatível com processo inflamatório em resolução
ou processo fibrótico residual.
Actualmente, 2009, o doente é vigiado em consultas de oncologia médica e
radioterapia, não apresentando alterações clínicas ou imagiológicas.
Discussão
Os tumores neuroendócrinos do timo são tumores pouco frequentes, representando
até 4% do total dos tumores do mediastino anterior e menos de 1,8% do conjunto
de tumores neuroendócrinos
8
. Antigamente classificados como timomas, desde 1972 que são considerados um
grupo distinto de neoplasias tímicas
11
. São neoplasias que afectam mais o homem que a mulher, numa razão 3:1, com
maior incidência entre os 40 e os 60 anos. O caso clínico apresentado diz
respeito a um doente do sexo masculino de 37 anos, aproximando-se desta maneira
do pico de incidência12,
13
.
A apresentação clínica mais frequente diz respeito a manifestações relacionadas
com efeito de massa local (tumores entre 6 -20cm de maior diâmetro), sendo os
sintomas mais comuns a dor ou desconforto torácico, tosse, dispneia ou síndroma
da veia cava superior. Podem estar associados a síndroma de neoplasias
endócrinas múltiplas tipo 1 (NEM-1) em aproximadamente 19-25% dos doentes
17
, tendo estes casos comportamento mais agressivo. Podem ser biologicamente
activos (33%), segregando um conjunto de hormonas, entre as quais se destaca a
ACTH (estando associado a síndroma de Cushing13,
21
), por vezes também a produção de HAD
3
e PTH
16
e já foram reportados casos de secreção de calcitonina e ß-HCG16.
Não estão no entanto relacionados com a síndroma carcinóide ou miastenia
gravis, ao contrário de outros tumores tímicos. Aproximadamente 30% dos casos
são assintomáticos na altura do diagnóstico, sendo encontrados acidentalmente
através da realização de RX tórax
14
ou TACt. A apresentação clínica do caso actual enquadra-se nas manifestações
devidas a efeito de massa local, nomeadamente sob a forma de desconforto retro-
esternal recente. Embora a associação com a síndroma de Cushing seja
frequente21, o caso presente não demonstrou clínica sugestiva14-16.
O diagnóstico clínico de um tumor tímico é feito essencialmente por meios
imagiológicos: no RX do tórax identifica-se uma massa lobulada e mais de 90%
dos casos estão localizados ao mediastino anterior9, não permitindo estabelecer
diagnóstico diferencial entre os diferentes tipos histológicos; a TACt permite
localizar a neoplasia com maior precisão anatómica, a sua relação com as
estruturas adjacentes e características que possam fazer suspeitar de
malignidade. No caso, a radiografia do tórax e a TAC torácica identificaram uma
massa mediastínica com plano de clivagem com as estruturas adjacentes. Para
diagnóstico também podemos recorrer à medicina nuclear e a doseamentos
hormonais, uma vez que os carcinóides tímicos estão frequentemente associados a
NEM-1 e a síndromas paraneoplásicas, nomeadamente com manifestações do síndroma
de Cushing, como já referido. O doente não apresentava alterações
significativas no cintigrama com pentetreótido-In111, tendo no entanto aumento
dos níveis séricos e urinários de cortisol17-19.
À observação macroscópica, o carcinóide tímico apresenta-se como uma massa
acinzentada com ou sem focos de necrose10. Em microscopia apresenta mais
vulgarmente um padrão organóide, possível microcalcificação, vascularização
marcada e pode estar presente invasão linfática e vascular. Por
imunoistoquímica, as células tumorais mostram positividade para citoqueratinas
de baixo peso molecular (CAM 5,2), em 100% dos casos, queratinas de largo
espectro (88%) e para marcadores neuroendócrinos como a cromogranina A (75% dos
casos), sinaptofisina (72%), Leu 7/CD 57 (68%) e enolase neuronioespecífica
(NSE) em raros casos
6
,8. No caso clínico reportado o tumor apresentava-se como uma massa capsulada
acinzentada, com áreas sugestivas de necrose e histologicamente com um padrão
sólido e trabecular, sem invasão da cápsula tímica. A marcação imunoistoquímica
mostrou positividade para queratina MNF116 e cromogranina no citoplasma das
células neoplásicas, características de tumor carcinóide com qualquer
localização.
Foram identificas mitoses em HE em número superior a 2 por 10 HPF (campos de
grande ampliação) e o índice mitótico era superior a 10% pela marcação da
histona nuclear Ki 67 (Fig._1). Desta forma, a neoplasia foi classificada como
carcinoma neuroendócrino bem diferenciado – carcinóide atípico do timo. A
caracterização histológica dos tumores neuroendócrinos do timo e recomendações
para a sua classificação acompanham os conhecimentos para os tumores
neuroendócrinos do pulmão e do aparelho digestivo
20-23
.
Os tumores tímicos podem ser estadiados por vários sistemas, nomeadamente pelo
sistema TNM ou pelos critérios de Masaoka. O sistema de Masaoka5 (Quadro II)
corresponde a uma classificação histoclínica com base no grau de invasão local
e à distância12 e é mais utilizada do que o estadiamento TNM.
Quadro II – Classificação de Masaoka
Classifica os tumores em 4 estádios (I – IV): no estádio I o tumor está
completamente capsulado e microscopicamente não apresenta invasão da cápsula;
no estádio II já há invasão da cápsula, tecido adiposo mediastínico e/ou pleura
mediastínica, mas não dos órgãos vizinhos (pericárdio e coração, grandes vasos
ou pulmão); caso isso ocorra será classificado no estádio III; no estádio IV
ocorre disseminação metastática por via linfática ou hematogénica.
Segundo estes critérios, o tumor em estudo foi classificado no estádio I.
Segundo o sistema TNM, caracteriza-se como T1 (sem invasão da cápsula ou
envolvimento de tecidos adjacentes), N0 (sem metástases dos nódulos linfáticos)
e M0 (pois nos exames realizados não foram confirmadas metástases à
distância)17,
24
,
25
.
Num estudo genético recente demonstrou-se alterações cromossómicas específicas
que não foram observadas em tumores carcinóides com outras localizações
(aparelho digestivo, esporádicos ou associados a NEM-1).
O facto de não terem sido detectadas alterações cromossómicas em 11q13 suporta
a distinção entre este tumor e o grupo de tumores que se integram no NEM-1,
onde estão expressas em 36% dos casos
18
,19. Consequentemente, deve ser considerada a existência de um mecanismo
citogenético distinto no desenvolvimento do carcinóide tímico, comparativamente
aos outros carcinóides.
No caso clínico descrito, o doente não apresentava outras neoplasias, daí que
se tenha optado por não fazer o seu estudo citogenético14,26-28
O diagnóstico diferencial do carcinóide tímico é feito com outros tumores
mediastínicos primários, nomeadamente o timoma, o paraganglioma, o linfoma,
adenoma/carcinoma da paratiróide e carcinoma medular da tiróide. A
diferenciação mais difícil e importante prende-se com o timoma, principalmente
o carcinoma de células escamosas//epidermóide do timo em pequenas amostras de
tecido biopsado, sendo ambos positivos para a queratina de adesão celular CAM
5,2. Os timomas não expressam marcadores neuroendócrinos como a cromogranina ou
a sinaptofisina
7
. Os paragangliomas mediastínicos têm positividade celular para os marcadores
neuroendócrinos e não apresentam a citoqueratina CAM 5,2; os tumores da
paratiróide têm secreção celular PAS positiva; no carcinoma medular da tiróide,
as células têm positividade citoplasmática para calcitonina e para o CEA
(antigénio carcinoembrionário)11,
29
,
30
A cirurgia continua a ser a principal medida terapêutica preconizada para o
tratamento de todos os rumores do timo, onde se incluem os tumores
neuroendócrinos. O objectivo é a ressecção completa de todo o tumor, incluindo
zonas de invasão local e metástases regionais. O doente poderá também
beneficiar de terapêutica regional ou sistémica adicional, rádio ou
quimioterapia adjuvante, considerada nas situações em que a cirúrgica não está
indicada, como nos casos de doença metastática generalizada ou quando a invasão
de estruturas vitais torna a ressecção curativa inviável. Tendo em conta que
estes tumores apresentam radiossensibilidade razoável, a radioterapia é
utilizada sobretudo para controlo local da doença e melhoria sintomatológica,
apresentando excelentes resultados, nomeadamente na síndroma de Cushing. É uma
forma de tratamento muitas vezes preconizada, sendo normalmente utilizadas
doses de 50-60Gy, e poderá ser aplicada em regime pós-operatório, eliminando
assim a necessidade de operar num campo irradiado, optimizando ainda o efeito
biológico por evitar a interrupção da irradiação. A aplicabilidade da
quimioterapia nestes tumores é discutível, visto ainda não ter sido encontrado
um regime satisfatório, aplicando-se os conhecimentos adquiridos para outras
localizações Vários fármacos foram administrados, como a cisplatina (utilizada
no carcinoma tímico) e também o 5-fluorouracilo, a estreptozocina e o α-
interferão (agentes utilizados com sucesso nos tumores neuroendócrinos
intestinais), sem benefícios significativos. No presente caso efectuou-se
timectomia total através de esternotomia mediana associada a radioterapia pós-
operatória (28 sessões com dose total de 50,40 Gy), tratamento que se enquadra
nos padrões vigentes11,
31-33
.
Tratando-se de uma doença com grande progressão local possível, recidiva e
metastização em elevada percentagem de casos, apresenta um mau prognóstico
geral.
A ressecção cirúrgica incompleta, a presença de síndroma de Cushing16 ou NEM-
120, recidiva após a químio e radioterapia e presença de metástases são
factores associados a pior prognóstico. O estadiamento é a condicionante mais
importante para de 28% e 10% aos 5 e 10 anos, respectivamente8.
São uma causa de morte importante, nomeadamente nos casos associados a NEM-1 e
síndroma de Cushing, e existem autores que defendem a realização de timectomia
profiláctica nestes doentes17. No presente caso existem indicadores que apontam
para um bom prognóstico, como seja o facto de ter sido realizada uma cirurgia
com ressecção total da neoplasia e não estar associada a síndroma de Cushing
4
,13,14,26,34.
Pode concluir-se que os tumores neuroendócrinos do timo têm uma baixa
incidência, relativamente a outras neoplasias do timo, mas são tumores malignos
de mau prognóstico e, por isso, devem ser diferenciados dos restantes tumores
mediastínicos anteriores e estabelecer a sua origem primária. O tratamento de
escolha é a ressecção cirúrgica total, com possível terapêutica adjuvante de
radioterapia e/ou quimioterapia.