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EuPTCVHe0873-21592010000100013

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Tumor carcinóide do timo - Caso clínico

Introdução O timo localiza-se no mediastino anterior, deriva da 3.ª bolsa faringobraqueal e começa a sua formação a partir da 6.ª semana in utero.

Histologicamente é constituído por túbulos epiteliais que se organizam em lóbulos tímicos, formando o córtex e a medula. O córtex é rico em linfócitos T e tem poucas células epiteliais, ao contrário da medula, onde predominam células epiteliais. Ao longo destas zonas ocorre a maturação dos linfócitos T à medida que estes migram do córtex para a medula. Esta determinação embrio nária vai permitir entender a histogénese dos timomas 1 .

Em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) actualizou a classificação dos tumores do timo. A classificação dos timomas baseia-se na avaliação histológica da componente neoplásica epitelial e quantidade relativa do componente linfocítico não neoplásico 15 (Quadro I), sendo a sua aplicação consensual. Foi mantida na edição de 2004 2-4 .

Quadro I Classificação histológica dos timomas (WHO 2004)

Os carcinomas neuroendócrinos estão incluídos no grupo de tumores designado por carcinoma tímico e abrangem os tipos histológicos seguintes: carcinoma neuroendócrino bem diferenciado (carcinóide típico e atípico) e carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado (carcinoma neuroendócrino de células grandes e carcinoma neuroendócrino de células pequenas) semelhando a classificação deste grupo de tumores no brônquio e pulmão2, 5-8 .

Na edição de 2004 foram também acrescentados os tipos histológicos seguintes ao grupo do tumores epiteliais do timo: Tumor tímico epitelial combinado: neoplasia que tem pelo menos duas áreas distintas, cada uma correspondendo ao timoma e/ou carcinoma tímico, incluindo o carcinoma neuroendócrino (a combinação mais frequente é o tipo B2 e o B3, seguido do tipo B3 combinado com o carcinoma tímico das células escamosas); Timoma micronodular: 1% a 5% dos timomas é encapsulado e raramente está associado à miastenia gravis. Poderá estar associado ao tipo A; Timoma metaplásico bifásico: designado anteriormente como timoma com estroma pseudosarcomatoso e carcinoma metaplásico de baixo grau; Carcinoma e adenocarcinoma; Carcinoma com t15, 19 .

Os tumores do timo são raros, mas são os tumores do mediastino anterior mais frequentes nos adultos (representam cerca de 50% das massas com esta localização) e a maioria dos doentes está entre os 40-60 anos de idade. A etiologia continua desconhecida e actualmente nenhuma anomalia cromossómica foi associada ao tipo histológico específico de timoma ou carcinoma tímico. A incidência é semelhante em ambos os sexos, embora alguns estudos mostrem uma ligeira predominância do sexo masculino, nomeadamente do carcinoma tímico 9-11 .

Os autores apresentam um caso de carcinóide tímico e abordam o comportamento clínico desta entidade com base na literatura disponível, estabelecendo uma comparação com os restantes tumores do timo.

Caso clínico Doente do sexo masculino, com 37 anos, admitido nos Hospitais da Universidade de Coimbra em Julho de 2006 devido a desconforto retroesternal recente, sem história de tosse, expectoração, dispneia ou queixas constitucionais. Tinha antecedentes pessoais de amigdalectomia aos 9 anos, esteatose hepática e litíase renal esquerda (detectados por ecografia abdominal em 2006). Sem alergias conhecidas, o doente tinha cessado hábitos tabágicos (30 UMA) um ano antes e referia consumo moderado de álcool. Apresentava um bom estado geral, sem alterações ao exame físico.

Na recolha analítica observou-se hemoglobina de 20,4 g/dl (N=14-18 g/dl) e VS de 37 mm/h (N<15 mm/h). A radiografia torácica (Rx tórax) mostrou uma massa de contorno regular e bem definido, com procidência no bordo esquerdo do mediastino, a nível da janela aortopulmonar. A tomografia axial computorizada torácica (TACt) revelou uma massa de tecidos moles no mediastino anterior, de localização justaaórtica, bem delimitada e de contornos ligeiramente polilobulados, com cerca de 4,7×3,7 cm, com plano de clivagem com as estruturas adjacentes, sofrendo realce periférico após contraste intravenoso, não se detectando adenopatias mediastino-hilares (Fig. 1). A broncofibroscopia, provas de função respiratória e ECG não revelaram alterações.

Fig._1 A: corte da TACt pré-operatória; B: caracterização da localização intratímica da neoplasia pela CK 19 e negatividade das células neoplásicas, CK19 X 40; C: padrões trabecular e sólido, HE X 100; D: marcação granular da cromogranina citoplasmática (TTF-1 negativa), cromogranina X 200; E: mitose visível, HE X 200; F: índice proliferativo superior a 10%, Ki 67 X 200

Cerca de três semanas depois do episódio clínico, o doente foi submetido a intervenção cirúrgica para excisão da massa mediastínica, por esternotomia mediana, com dissecção da loca tímica, sem complicações intra ou pós- operatórias.

A peça operatória consistia numa formação nodular com 46 g de peso e 6,5×3,5×3,8 cm de dimensões, envolvida por uma fina cápsula brilhante e acinzentada, com áreas suspeitas de invasão. O padrão histológico correspondia a um tumor carcinóide com padrão sólido e trabecular, intratímico e sem invasão da cápsula do órgão, áreas extensas de necrose e índice mitótico superior a 10% (Ki 67).

Por imunoistoquímica, as células neoplásicas mostraram positividade citoplasmática para cromogranina e queratina (Fig. 1). Três gânglios linfáticos mediastínicos não apresentavam metástases, permitindo classificar este carcinoma neuroendócrino bem diferenciado no estádio I da classificação de Masaoka (T1 N0 Mx).

No período pós-operatório foram realizados doseamentos hormonais: ACTH e PTH normais; cortisol sérico de 26,0 μg/dl (N= 5-25 μg/dl) e cortisol urinário de 139 μg/24h em 3150cc (N = 10-80 μg/24h).

O cintigrama com pentetreótido-In111 (receptores de somatostatina) não mostrou lesões; no entanto, havia dois pequenos focos de valorização duvidosa no andar médio do mediastino posterior, pelo que um mês após a cirurgia realizou radioterapia adjuvante em 28 fracções de 180 cGy, numa dose total de 50,40Gy (fotões de 18 MV). Durante este tratamento surgiu eritema da pele irradiada e disfagia discreta para sólidos. Após o término da radioterapia adjuvante, decidiu-se pela não realização de quimioterapia. Aos 6 meses de pós-operatório, foi realizada uma ressonância agnética nuclear torácica (RMNt), onde se observou no lobo superior do pulmão esquerdo (segmento ápico-posterior) uma área de hipersinal ligeiro, compatível com processo inflamatório em resolução ou processo fibrótico residual.

Actualmente, 2009, o doente é vigiado em consultas de oncologia médica e radioterapia, não apresentando alterações clínicas ou imagiológicas.

Discussão Os tumores neuroendócrinos do timo são tumores pouco frequentes, representando até 4% do total dos tumores do mediastino anterior e menos de 1,8% do conjunto de tumores neuroendócrinos 8 . Antigamente classificados como timomas, desde 1972 que são considerados um grupo distinto de neoplasias tímicas 11 . São neoplasias que afectam mais o homem que a mulher, numa razão 3:1, com maior incidência entre os 40 e os 60 anos. O caso clínico apresentado diz respeito a um doente do sexo masculino de 37 anos, aproximando-se desta maneira do pico de incidência12, 13 .

A apresentação clínica mais frequente diz respeito a manifestações relacionadas com efeito de massa local (tumores entre 6 -20cm de maior diâmetro), sendo os sintomas mais comuns a dor ou desconforto torácico, tosse, dispneia ou síndroma da veia cava superior. Podem estar associados a síndroma de neoplasias endócrinas múltiplas tipo 1 (NEM-1) em aproximadamente 19-25% dos doentes 17 , tendo estes casos comportamento mais agressivo. Podem ser biologicamente activos (33%), segregando um conjunto de hormonas, entre as quais se destaca a ACTH (estando associado a síndroma de Cushing13, 21 ), por vezes também a produção de HAD 3 e PTH 16 e foram reportados casos de secreção de calcitonina e ß-HCG16.

Não estão no entanto relacionados com a síndroma carcinóide ou miastenia gravis, ao contrário de outros tumores tímicos. Aproximadamente 30% dos casos são assintomáticos na altura do diagnóstico, sendo encontrados acidentalmente através da realização de RX tórax 14 ou TACt. A apresentação clínica do caso actual enquadra-se nas manifestações devidas a efeito de massa local, nomeadamente sob a forma de desconforto retro- esternal recente. Embora a associação com a síndroma de Cushing seja frequente21, o caso presente não demonstrou clínica sugestiva14-16.

O diagnóstico clínico de um tumor tímico é feito essencialmente por meios imagiológicos: no RX do tórax identifica-se uma massa lobulada e mais de 90% dos casos estão localizados ao mediastino anterior9, não permitindo estabelecer diagnóstico diferencial entre os diferentes tipos histológicos; a TACt permite localizar a neoplasia com maior precisão anatómica, a sua relação com as estruturas adjacentes e características que possam fazer suspeitar de malignidade. No caso, a radiografia do tórax e a TAC torácica identificaram uma massa mediastínica com plano de clivagem com as estruturas adjacentes. Para diagnóstico também podemos recorrer à medicina nuclear e a doseamentos hormonais, uma vez que os carcinóides tímicos estão frequentemente associados a NEM-1 e a síndromas paraneoplásicas, nomeadamente com manifestações do síndroma de Cushing, como referido. O doente não apresentava alterações significativas no cintigrama com pentetreótido-In111, tendo no entanto aumento dos níveis séricos e urinários de cortisol17-19.

À observação macroscópica, o carcinóide tímico apresenta-se como uma massa acinzentada com ou sem focos de necrose10. Em microscopia apresenta mais vulgarmente um padrão organóide, possível microcalcificação, vascularização marcada e pode estar presente invasão linfática e vascular. Por imunoistoquímica, as células tumorais mostram positividade para citoqueratinas de baixo peso molecular (CAM 5,2), em 100% dos casos, queratinas de largo espectro (88%) e para marcadores neuroendócrinos como a cromogranina A (75% dos casos), sinaptofisina (72%), Leu 7/CD 57 (68%) e enolase neuronioespecífica (NSE) em raros casos 6 ,8. No caso clínico reportado o tumor apresentava-se como uma massa capsulada acinzentada, com áreas sugestivas de necrose e histologicamente com um padrão sólido e trabecular, sem invasão da cápsula tímica. A marcação imunoistoquímica mostrou positividade para queratina MNF116 e cromogranina no citoplasma das células neoplásicas, características de tumor carcinóide com qualquer localização.

Foram identificas mitoses em HE em número superior a 2 por 10 HPF (campos de grande ampliação) e o índice mitótico era superior a 10% pela marcação da histona nuclear Ki 67 (Fig._1). Desta forma, a neoplasia foi classificada como carcinoma neuroendócrino bem diferenciado carcinóide atípico do timo. A caracterização histológica dos tumores neuroendócrinos do timo e recomendações para a sua classificação acompanham os conhecimentos para os tumores neuroendócrinos do pulmão e do aparelho digestivo 20-23 .

Os tumores tímicos podem ser estadiados por vários sistemas, nomeadamente pelo sistema TNM ou pelos critérios de Masaoka. O sistema de Masaoka5 (Quadro II) corresponde a uma classificação histoclínica com base no grau de invasão local e à distância12 e é mais utilizada do que o estadiamento TNM.

Quadro II Classificação de Masaoka

Classifica os tumores em 4 estádios (I IV): no estádio I o tumor está completamente capsulado e microscopicamente não apresenta invasão da cápsula; no estádio II invasão da cápsula, tecido adiposo mediastínico e/ou pleura mediastínica, mas não dos órgãos vizinhos (pericárdio e coração, grandes vasos ou pulmão); caso isso ocorra será classificado no estádio III; no estádio IV ocorre disseminação metastática por via linfática ou hematogénica.

Segundo estes critérios, o tumor em estudo foi classificado no estádio I.

Segundo o sistema TNM, caracteriza-se como T1 (sem invasão da cápsula ou envolvimento de tecidos adjacentes), N0 (sem metástases dos nódulos linfáticos) e M0 (pois nos exames realizados não foram confirmadas metástases à distância)17, 24 , 25 .

Num estudo genético recente demonstrou-se alterações cromossómicas específicas que não foram observadas em tumores carcinóides com outras localizações (aparelho digestivo, esporádicos ou associados a NEM-1).

O facto de não terem sido detectadas alterações cromossómicas em 11q13 suporta a distinção entre este tumor e o grupo de tumores que se integram no NEM-1, onde estão expressas em 36% dos casos 18 ,19. Consequentemente, deve ser considerada a existência de um mecanismo citogenético distinto no desenvolvimento do carcinóide tímico, comparativamente aos outros carcinóides.

No caso clínico descrito, o doente não apresentava outras neoplasias, daí que se tenha optado por não fazer o seu estudo citogenético14,26-28 O diagnóstico diferencial do carcinóide tímico é feito com outros tumores mediastínicos primários, nomeadamente o timoma, o paraganglioma, o linfoma, adenoma/carcinoma da paratiróide e carcinoma medular da tiróide. A diferenciação mais difícil e importante prende-se com o timoma, principalmente o carcinoma de células escamosas//epidermóide do timo em pequenas amostras de tecido biopsado, sendo ambos positivos para a queratina de adesão celular CAM 5,2. Os timomas não expressam marcadores neuroendócrinos como a cromogranina ou a sinaptofisina 7 . Os paragangliomas mediastínicos têm positividade celular para os marcadores neuroendócrinos e não apresentam a citoqueratina CAM 5,2; os tumores da paratiróide têm secreção celular PAS positiva; no carcinoma medular da tiróide, as células têm positividade citoplasmática para calcitonina e para o CEA (antigénio carcinoembrionário)11, 29 , 30 A cirurgia continua a ser a principal medida terapêutica preconizada para o tratamento de todos os rumores do timo, onde se incluem os tumores neuroendócrinos. O objectivo é a ressecção completa de todo o tumor, incluindo zonas de invasão local e metástases regionais. O doente poderá também beneficiar de terapêutica regional ou sistémica adicional, rádio ou quimioterapia adjuvante, considerada nas situações em que a cirúrgica não está indicada, como nos casos de doença metastática generalizada ou quando a invasão de estruturas vitais torna a ressecção curativa inviável. Tendo em conta que estes tumores apresentam radiossensibilidade razoável, a radioterapia é utilizada sobretudo para controlo local da doença e melhoria sintomatológica, apresentando excelentes resultados, nomeadamente na síndroma de Cushing. É uma forma de tratamento muitas vezes preconizada, sendo normalmente utilizadas doses de 50-60Gy, e poderá ser aplicada em regime pós-operatório, eliminando assim a necessidade de operar num campo irradiado, optimizando ainda o efeito biológico por evitar a interrupção da irradiação. A aplicabilidade da quimioterapia nestes tumores é discutível, visto ainda não ter sido encontrado um regime satisfatório, aplicando-se os conhecimentos adquiridos para outras localizações Vários fármacos foram administrados, como a cisplatina (utilizada no carcinoma tímico) e também o 5-fluorouracilo, a estreptozocina e o α- interferão (agentes utilizados com sucesso nos tumores neuroendócrinos intestinais), sem benefícios significativos. No presente caso efectuou-se timectomia total através de esternotomia mediana associada a radioterapia pós- operatória (28 sessões com dose total de 50,40 Gy), tratamento que se enquadra nos padrões vigentes11, 31-33 .

Tratando-se de uma doença com grande progressão local possível, recidiva e metastização em elevada percentagem de casos, apresenta um mau prognóstico geral.

A ressecção cirúrgica incompleta, a presença de síndroma de Cushing16 ou NEM- 120, recidiva após a químio e radioterapia e presença de metástases são factores associados a pior prognóstico. O estadiamento é a condicionante mais importante para de 28% e 10% aos 5 e 10 anos, respectivamente8.

São uma causa de morte importante, nomeadamente nos casos associados a NEM-1 e síndroma de Cushing, e existem autores que defendem a realização de timectomia profiláctica nestes doentes17. No presente caso existem indicadores que apontam para um bom prognóstico, como seja o facto de ter sido realizada uma cirurgia com ressecção total da neoplasia e não estar associada a síndroma de Cushing 4 ,13,14,26,34.

Pode concluir-se que os tumores neuroendócrinos do timo têm uma baixa incidência, relativamente a outras neoplasias do timo, mas são tumores malignos de mau prognóstico e, por isso, devem ser diferenciados dos restantes tumores mediastínicos anteriores e estabelecer a sua origem primária. O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica total, com possível terapêutica adjuvante de radioterapia e/ou quimioterapia.


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