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EuPTCVHe0873-21592010000400013

EuPTCVHe0873-21592010000400013

variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Envolvimento pulmonar na polimiosite

Introdução A polimiosite e a dermatomiosite (DM) são classificadas como miopatias inflamatórias idiopáticas (MII)1-3,5-7,8-10. A sua prevalência é estimada em 1 por 100 000 habitantes e é mais frequente no sexo feminino na relação de 2:1.

Nos adultos, o pico de incidência ocorre entre os 40 e os 50 anos, embora qualquer faixa etária possa ser afectada2.

Em 1975 Bohan e Peter formularam critérios de classificação, que incluem2,4: fraqueza muscular proximal e simétrica, elevação sérica de enzimas musculares, electromiografia com alterações miopáticas, alterações características na biópsia muscular com ausência de sinais histológicos de outras miopatias e rashtípíco da DM (sinal de Gottron, sinal de Shawl, rashheliotrópico e eritrodermia generalizada). O diagnóstico definitivo de PM é estabelecido quando estão presentes quatro dos cinco primeiros critérios e o de DM quando estão presentes os cinco critérios. Estão descritas três categorias de auto anticorpos miosite específicos. Destes, os anticorpos anti-sintetase anti-Jo- 1 é o que está fortemente associados à doença intersticial pulmonar.

Os autores descrevem o caso clínico de uma doente com envolvimento pulmonar por PM, o que é pouco frequente. Na literatura este envolvimento está descrito em cerca de 10% dos casos de DM e PM e que agrava substancialmente o prognóstico3,8-10.

Caso clínico Doente de 75 anos, sexo feminino, raça caucasiana. Inicia as suas queixas um mês antes do internamento com febre de predomínio vespertino quantificada em 38,5ºC, astenia, adinamia, anorexia não selectiva, artralgias das grandes articulações, mialgias e mal-estar geral. Negava queixas de tosse, expectoração, dispneia ou dor torácica. Por quadro de síncope precedida de vertigens, náuseas e sudorese profusa, é conduzida ao serviço de urgência central (SUC). No SUC realiza TC-CE que era normal para o grupo etário e tem alta orientada para consulta de Medicina.

Na consulta de Medicina (2 semanas antes do internamento), é lhe diagnosticada infecção urinária sem agente isolado e é empiricamente medicada com cefradina, sem melhoria.

Por agravamento das queixas referidas, manutenção da febre, perda ponderal de cerca de 2 kg, lipotimias de repetição e diminuição simétrica e proximal da força muscular dos membros superiores e inferiores com impotência funcional, é medicada com levofloxacina, que cumpriu durante uma semana, sem melhoria. Por contínuo agravamento do quadro, apesar da medicação prescrita e pela evidência de infiltrados pulmonares, é internada (25/07/08).

Negava outras queixas de órgãos ou sistemas, nomeadamente tosse, expectoração, dor torácica ou palpitações.

Dos antecedentes pessoais apresentava colesteatoma do ouvido esquerdo (operado 48 anos), nódulo na corda vocal (seguida na ORL), hérnia do hiato com doença do refluxo gastroesofágico, infecções urinárias de repetição, doença de Bowen da perna esquerda (operada em Janeiro de 2005), cirurgia a cataratas em Novembro de 2007 (complicada de uveíte e xeroftalmia do olho esquerdo).

Da história epidemiológica e social tratava-se de doente doméstica, não fumadora, sem hábitos etílicos ou toxifílicos e sem contacto conhecido com aves ou fungos, negava tuberculose ou outros contactos epidemiológicos.

Ao exame objectivo apresentava-se emagrecida, hemodinamicamente estável, com tensão arterial e frequência cardiaca em decúbito de 100/50 mmHg e 83 bat/min, respectivamente, e na posição ortostática de 92/65 mmHg e 115 bat/min, respectivamente. À auscultação pulmonar, de referir fervores crepitantes no terço inferior do hemitórax esquerdo. Os membros superiores apresentavam acentuada diminuição proximal e simétrica da força acompanhada de hipotonia muscular e impotência funcional e ainda dor à mobilização dos ombros. Os membros inferiores apresentavam incapacidade funcional por dor à mobilização e acentuada diminuição proximal e simétrica da força. Estas alterações condicionavam total dependência da doente para todas as actividades. Sem outras alterações ao exame físico.

Analiticamente salientava-se PCR 1,7 mg/dL, VS 63 mm/1ª h, AST 443 U/L, ALT 226 U/L, LDH 2445 U/L, CK 7489 U/L, CKMB 110 ug/L, D -dímeros 2,99 μg/ml e nitritos positivos na urina. A gasometria em ar ambiente era normal, com paO2 77,1 mmHg.

ECG em ritmo sinusal com FC 93 bpm. A telerradiografia de tórax (PA e perfil) mostrava infiltrado intersticial bibasal e área de hipotransparência heterogénea de cerca de 3 cm de comprimento e 3 de largura na base do campo pulmonar esquerdo, sem broncograma aéreo (Fig. 1).

Fig. 1 Telerradiografia do tórax PA (A) e perfi l (B) na altura do internamento

Durante o internamento efectuou:

' O estudo de auto imunidade que mostrou positividade para ANA na diluição de 1/320. Os restantes anticorpos, incluindo anti-histonas, anti-Ro, anti-LA, anti-Sm, anti Scl-70, anti-Jo-1, anti-RNP-Sm, anti- RNP-70, anticentrómero, antimitocondria, antimúsculo liso e anticitoplasma, foram negativos.

 ' Na urocultura isolou -se E. coli. A hemocultura foi negativa. A mioglobina sérica, mioglobina urinária e aldolase estavam elevadas (2899 μg/ml, 169 μg/ml e 83,4 U/L, respectivamente).

 ' O estudo serológico mostrou IgG positivos anti-CMV, anti adenovírus e anti-herpes I. Os restantes anticorpos, incluindo C.

pneumoniae, C. burnetti, Echovírus, parvovírus, legionellae Micoplasma pneumoniae,foram negativos.

' A prova de função respiratória (PFR) foi normal. A DLCO e a pressão inspiratória e expiratória máxima estavam diminuídas (39 mmol/min/ kPa, 18 kPA e 28 kPa respectivamente).

 ' A broncofibroscopia (BFC) mostrou que tanto a pirâmide basal da árvore brônquica direita como da esquerda apresentava confluência das pregas posteriores, mucosa hiperemiada e secreções brônquicas (SB), mucosas bilaterais em pequena quantidade, que se aspiraram. Realizou- se lavado broncoalveolar (LBA) e biopsias brônquicas (BB) ao nível da pirâmide basal direita. O exame bacteriológico, micobacteriológico e micológico das SB, LBA e BB, tanto directos como culturais, foram negativos. O exame anatomo-patológico das SB e BB foram negativos para células neoplásicas.

' A tomografia computorizada (TC) de tórax (Fig. 2) mostrou reforço do retículo, sobretudo nos lobos inferiores (LI), onde se vêem imagens em vidro despolido e espessamentos interlobulares, bem como opacidades dispersas de contornos mal definidos, uma ou outra com alguns broncograma aéreo, de preferência justapleural e nos LIs.

Mostrou também discreto espessamento pleural à direita nos andares superiores.

' Por se tratarem de lesões periféricas e a broncofibroscopia ter sido negativa, realizou biópsia aspirativa transtorácica (BATT) ao nível da lesão do lobo inferior esquerdo, que se complicou de lâmina de pneumotórax e se resolveu com tratamento conservador.

' Para esclarecimento das lipotimias de repetição realizou holterde 24 horas, que foi normal, ecocardiografia transtorácica, que não apresentava alterações significativas para o grupo etário (PSAP 37 mmHg) e TC cranioencefálica, que não evidenciou lesões isquêmicas recentes.

' Para esclarecer as alterações hepáticas, fez o estudo de hepatites virais que apenas mostrou positividade da IgG para hepatite A.

Realizou também ecografia hepática, que foi normal.

Fig._2 TC de tórax na sequência da investigação

O relatório anatomopatológico de BATT mostrou que os aspectos observados eram compatíveis com doença do interstício pulmonar. Dada a pequena dimensão da amostra, não foi possível classificação mais precisa do tipo de doença em causa.

Por apresentar diminuição acentuada da força dos grupos musculares proximais, realizou electromiografia (EMG) que mostrou aspectos compatíveis com diagnóstico de miosite. Realiza biópsia de músculo deltóide esquerdo, que mostrou na coloração de HE e tricrómio de Gomori o músculo muito alterado com muitas fibras em necrose, miofagocitose e infiltrado mononuclear predominante nos septos do perimísio e componente perivascular com invasão de parede dos vasos, sendo a maior parte do infiltrado CD8 +, concluindo tratar -se de polimiosite (Fig. 3).

Fig. 3 Imagens histológicas de biópsia muscular. A: coloração de hematoxicilina-eosina. B: coloração de tricómio de Gomori

Instituiu-se corticoterapia (C) na dose de 60 mg/dia e azatioprina (A) na dose de 50 mg/ /dia, com aumento progressivo das doses. Dois dias depois assistiu - se a melhoria analítica (CK, AST, ALT, LDH e CKMB) significativa. Duas semanas depois suspendeu-se azatioprina por intolerância hepática sintomática. Não realizou imunoglobulina, por convicção religiosa. Cinco dias após a suspensão de azatioprina, inicia micofenolato na dose de 1 gr 12/12 h, que ainda mantem, com melhoria clínica, analítica (normalização de CK e redução muito importante de AST, ALT, LDH e CKMB ' Quadro I) e radiológica (Fig. 4).

Quadro I Evolução analítica

Fig. 4 Telerradiografia PA de tórax duas semanas após início de micofenolato

Discussão Os doentes com PM podem apresentar, além dos quatro primeiros critérios descritos por Bohan e Peter, sintomas gerais, como febre, perda de peso, fenómeno de Raynaud e poliartrite inflamatória não erosiva2,4. No doente em estudo, estavam presentes os quatro critérios de Bohan e Peter para o diagnóstico definitivo de PM e alguns dos sintomas gerais, como febre, perda de peso e poliartrite inflamatória não erosiva. O compromisso respiratório pode ocorrer na forma de doença intersticial pulmonar (padrão histológico de pneumonia intersticial não específica, pneumonia intersticial usual, pneumonia organizativa ou lesão alveolar difusa) ou por fraqueza dos músculos respiratórios (da parede torácica e diafragma)3,8-10. No presente caso, o compromisso respiratório ocorreu das duas formas, isto é, na forma de doença intersticial pulmonar com padrão histológico de pneumonia organizativa (documentada pela telerradiografia e TC de tórax) e na forma de fraqueza dos músculos respiratórios (documentada pela PI e PE máximas na PFR).

Laboratorialmente observa-se elevação de CK, LDH, aldolase, AST e ALT. Os doentes com miosite podem ter CKMB sérico elevado devido a regeneração muscular. Oitenta a noventa porcento de doentes com MII têm anticorpos contra miosina e mioglobina. Os anticorpos antinucleares (ANA) estão presentes em mais de 80% dos doentes. Estão descritas 3 categorias de autoanticorpos miosite específicos: anticorpos antissintetase (incluindo ant -Jo-1, são os mais comuns e estão fortemente associados a doença intersticial pulmonar), anticorpos antipartículas reconhecedoras de sinal (anti-SRP, associados a miopatia grave e doença agressiva de difícil controlo) e anticorpos anti-Mi2 (ocorre apenas em doentes com DM e respondem bem ao tratamento)2-4. Neste doente observou-se elevação de todas as enzimas do músculo esquelético. O único autoanticorpo positivo foi ANA. Mesmo o anti-Jo -1, que reflecte o envolvimento pulmonar, era negativo. Este resultado negativo do anti -Jo -1 pode permanecer ao longo da doença e significar apenas que a doença está no início, podendo positivar posteriormente.

Na PFR observa -se alteração ventilatória do tipo restritivo, com diminuição acentuada da capacidade de difusão2. Nesta doente estava presente a diminuição de DLCO.

A EMG, útil na escolha do local da biopsia muscular, mostra aumento da irritabilidade da membrana2,4 observada nesta doente.

Na telerradiografia de tórax observa-se infiltrado intersticial reticulonodular predominante nas bases. Na TC de tórax pode observar-se vidro despolido, consolidação, opacidades lineares irregulares ou favo-de-mel2,3,8-10.

Na PM não deposição de imunocomplexos, a resposta é mediada por células citotóxicas CD8+ e o infiltrado celular é predominantemente intrafascicular. As fibras musculares alteradas estão espalhadas ao longo do fascículo.

Contrariamente, a DM é considerada como sendo mediada por resposta humoral onde o infiltrado inflamatório composto por linfócitos B e T CD4+, se localiza predominantemente na região perifascicular, podendo causar atrofia e fibrose do fascículo. As fibras musculares alteradas são usualmente agrupadas numa porção do fascículo, sugerindo microenfartes2,4. Neste doente, a biópsia muscular, onde se observou que a maior parte do infiltrado inflamatório era CD8 positivo, estabeleceu o diagnóstico.

Cerca de 50% de doentes com doença intersticial pulmonar respondem bem aos corticóides. Nos casos de envolvimento intersticial ligeiro, poder-se-à associar azatioprina ou metotrexato. Nos casos de envolvimento grave, recomenda-se a associação de ciclofosfamida ou tacrolimus e, nos casos que não respondem a estes tratamentos, imunoglobulina, rituximab ou micofenolato1,3,5- 7,8-10. Nesta doente foi necessário a associação de corticóide com micofenolato para se obter o controlo da doença, visto ter desenvolvido intolerância hepática a azatioprina. A doença pode ser monocíclica (20% de doentes), policíclica (20% de doentes) ou crónica (nos restantes)4. Aguardamos para ver a evolução nesta doente.

Em conclusão, no caso clínico descrito, foi a impotência funcional em doente com alteração na telerradiografia de tórax e sem sintomatologia respiratória que levou ao estudo exaustivo até ao diagnóstico de PM. Tratava-se de doente que antes do início do tratamento tinha incapacidade funcional total e que 2 meses após o início do tratamento estava em ambulatório, sem qualquer restrição por fraqueza ou dor muscular.


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