Contributos da intervenção de enfermagem de Cuidados de Saúde Primários para a
transição para a maternidade
Introdução
A formação do casal pode considerar-se o início do ciclo vital da família
nuclear. Nas famílias que projetam ter filhos, com o nascimento do primeiro
filho, a família reorganiza-se no sentido da redefinição de papéis e funções,
começando um processo de abertura progressiva ao exterior e de prestação
intensiva de cuidados.
A gravidez e maternidade caracterizam-se pela necessidade de resolver tarefas
desenvolvimentais específicas, e viver crises próprias, que implicam a
necessidade de reorganização, na qual a relação entre o tempo e as tarefas nem
sempre é linear.
Rubin (1984) descreve quatro tarefas maternas interdependentes: i) assegurar
uma passagem segura, durante a gravidez e parto, para a mãe e para a criança;
ii) assegurar a aceitação social pelos membros da família, para si e para o
filho; iii) iniciar a ligação ao filho; iv) aprender a dar-se em benefício de
outro. Sugere, ainda, que a transição para a maternidade ocorre em três fases
que decorrem até cerca dos seis meses após o parto: replicação, fantasia e
diferenciação.
Colman e Colman (1994) esmiuçaram as seguintes tarefas desenvolvimentais da
gravidez, que Canavarroe Pedrosa (2005) adotam para a maternidade. Aceitar a
gravidez: refere-se às respostas adaptativas da mulher inerentes ao crescimento
e desenvolvimento prénatal. Caracteriza-se por sentimentos de felicidade e
prazer, relativamente poucos desconfortos ou alta tolerância aos mesmos,
alterações moderadas de humor e relativamente pouca ambivalência no primeiro
trimestre (Colman e Colman, 1994; Darvill et al., 2010). Aceitar a realidade do
feto: em que numa primeira fase da gravidez o feto é concebido como uma parte
da mulher (Colman e Colman, 1994), tornando-se progressivamente uma
representação mais autónoma. Intensificam fantasias e começa-se a ensaiar
cognitivamente a prestação de cuidados (Colman e Colman, 1994; Corbett, 2008).
Reavaliar e reestruturar a relação com os pais: refere-se à representação da
mulher acerca do modelo de comportamento materno proveniente da sua mãe (Colman
e Colman, 1994). Aumentam os contactos entre a mãe e a filha que contribuem
para preparar e antecipar acontecimentos futuros, permitindo desenvolver
competências e sentimentos de segurança (Colman e Colman, 1994; Cowan e Cowan,
2000). A excessiva intrusão pode ter efeitos negativos. Reavaliar e
reestruturar a relação com o cônjuge/companheiro: o nascimento do primeiro
filho é um desafio para o relacionamento conjugal. A insatisfação tende a
aumentar desde a gravidez até ao pós-parto, particularmente na mulher, sendo
normal a descoberta de conflitos de valores, necessidades e expectativas
(Colman e Colman, 1994; Cowan e Cowan, 2000; Glade, Bean e Vira, 2005;
Figueiredo et al., 2008).
As mudanças físicas e emocionais têm efeitos nos sentimentos de intimidade.
Após o parto, o adiamento da relação sexual está associado a: medo de
dispareunia; necessidade de recuperação física e psicológica; infeções
mamárias; e à amamentação em termos genéricos (Cowan e Cowan, 2000; Abuchaim e
Silva, 2006; Mendes, 2007).
Há diminuição dos contactos sociais e tradicionalização da divisão do trabalho
de casa (Colman e Colman, 1994; Cowan e Cowan, 2000; Glade, Bean e Vira, 2005),
com impactos negativos na satisfação conjugal. Aceitar o bebé como pessoa
separada: é um tempo de confrontação com medos e ansiedades, para o qual as
mulheres se preparam através de classes de preparação para a parentalidade;
consultas individuais; leituras; contactos com outras mulheres, etc. (Colman e
Colman, 1994; Corbett, 2008; Darvill, et al., 2010). A mãe atua como reguladora
dos comportamentos do recém-nascido, satisfazendo as suas necessidades e
promovendo a progressiva estruturação do seu psiquismo. Reavaliar e
reestruturar a própria identidade: constitui-se uma síntese das tarefas
anteriores, o que implica reavaliar ganhos e perdas (Colman e Colman, 1994),
considerando Cowan e Cowan (2000) que cerca dos seis meses após o parto os pais
encontram algumas rotinas.
Relativamente à transição para a maternidade Mercer (2004), na teoria da
Consecução do Papel Maternal, considera que se desenvolve em quatro fases:
Antecipatória: inicia-se com a gravidez e inclui os ajustamentos sociais e
psicológicos decorrentes desta. É uma fase de compromissos, vinculação com o
feto, preparação para o parto e maternidade; Formal: inicia-se com o nascimento
e inclui a aprendizagem e desempenho do papel de mãe. Caracteriza-se pelo seu
restabelecimento físico, conhecimento/vinculação com a criança e aprender a
cuidá-la, copiando o comportamento de especialistas e seguindo as suas
orientações; Informal: inicia-se quando a mulher desenvolve formas particulares
de lidar com o novo papel, usando o juízo crítico sobre os melhores cuidados.
Observa-se a adequação ao estilo de vida particular. É uma fase de progressiva
recuperação de uma nova normalidade;
Identidade Pessoal ou Materna: traduz-se no cumprimento de uma nova identidade
através da redefinição do self para incorporar a maternidade. A mãe sente-se
confiante e competente no seu papel, expressa amor pelo bebé e tem prazer na
interação (Mercer, 2004; Nyström e Öhrling, 2004).
Durante esta transição as enfermeiras são as profissionais que mais intervêm
junto das mulheres. Geralmente centram-se nas alterações físicas, investem em
recomendações e tendem a não discutir os medos (Darvill, et al., 2010).
Para Mercer e Walker (2006) as intervenções orientam se para a capacitação da
mulher para cuidar da criança; a construção da consciência e da capacidade de
resposta para a interação com o filho; a promoção da vinculação materno-
infantil. Ocorrem durante a preparação para o parto, com grupos de discussão no
pós-parto e através de visitas domiciliárias. Os resultados são heterogéneos,
mas mais eficazes quando está presente interação.
Morgado et al. (2010) verificaram que as aulas de preparação para o parto
contribuem positivamente para o planeamento e preparação do parto, e
negativamente no que se refere às expectativas de dor e às preocupações com a
saúde.
Para avaliar o ajustamento materno e as atitudes maternas nesta transição,
Kumar, Robson e Smith (1984) desenvolveram a Maternal Adjustment and Maternal
AttitudesMAMA).
Pereira, Ramalho e Dias (2002) verificaram a existência de melhor ajustamento e
atitudes mais positivas entre as mulheres mais velhas.
Entre as 22 e as 25 semanas de gravidez, as mulheres apresentam melhor
ajustamento na relação conjugal e menor nos sintomas somáticos. O ajustamento à
maternidade é influenciado por características socioeconómicas, antecedentes de
saúde, nível de aceitação e desejo da gravidez e personalidade alexitémica
(Marinha, 2003).
A Direcção Geral da Saúde (Portugal, Direcção-Geral da Saúde, 2006) pretende
dar mais ênfase à Saúde Mental da mulher durante a gravidez e após o parto,
considerando que o suporte social e profissional podem ajudar no sucesso desta
transição, encontrando-se os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários em
posição privilegiada para intervir. Assim, traçou-se como objectivo do estudo
analisar os contributos das intervenções de enfermeiras de Cuidados de Saúde
Primários, com primíparas, no processo de transição para a maternidade.
Metodologia
Face ao objetivo, desenhamos um estudo quasi-experimental, longitudinal, com
três momentos de colheita de dados. Entre a 26ª e a 28ª semana de gravidez
avaliamos o ajustamento à maternidade, as atitudes maternas e a homogeneidade
entre os grupos. Ao primeiro e sexto mês após o parto avaliamos novamente o
ajustamento à maternidade, as atitudes maternas e os impactos decorrentes dos
modos de intervenção a que as primíparas foram expostas (figura 1).
FIGURA 1 ' Design da investigação
Assim, para além do normalmente efetuado (consulta individual), nas coortes A e
B as primíparas participaram cumulativamente em cursos de preparação para o
parto/parentalidade (Xgr) que se iniciavam a partir da 28ª semana de gravidez.
As da coorte B, para além das intervenções anteriores, tiveram uma visita
domiciliária (Xvd) até ao 15º dia após o parto. Desta forma, a variável
independente assumiu os modos: intervenção natural (consulta individual);
intervenção no pré-parto (Xgr); e intervenção no pré e pósparto (Xgr e Xvd). A
consulta individual refere-se às intervenções normalmente efetuadas nos Centros
de Saúde.
A preparação para a parentalidade/parto é efetuada por enfermeiras
especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia, em sessões em
grupo. Tem, entre outros objectivos: i) ensinar e treinar técnicas de controlo
da dor; ii) promover o controlo da ansiedade durante a gravidez e trabalho de
parto; iii) proporcionar informação sobre a gravidez, o parto e o RN, de forma
a facilitar um bom ajustamento à maternidade; iv) facilitar trocas de
experiências entre grávidas; v) apresentar o ambiente onde vai decorrer o parto
(Portugal, Administração Regional de Saúde Norte, 2008). Os cursos integram
componentes teóricas e práticas, tendo sido critério de inclusão, nas coortes
com intervenção, a participação em pelo menos seis sessões.
A visita domiciliária persegue objetivos formativos visando fornecer um
complemento de informação ao proporcionado no Centro de Saúde, intervindo face
às necessidades detetadas. A duração normalmente não excede os 60m.
A variável dependente - Transição para a Maternidade ' refere-se ao ajustamento
à maternidade e às atitudes maternas, avaliadas através da escala Maternal
Adjustment and Maternal Attitudes (MAMA) de Kumar, Robson e Smith (1984), nas
versões pré e pósnatal, de Figueiredo, Mendonça e Sousa (2004), sendo
constituída pelas subescalas: i) imagem corporal; ii) sintomas somáticos; iii)
relação conjugal; iv) atitudes perante o sexo; v) atitudes perante a gravidez e
o bebé, com 12 itens cada uma. Com este desenho pretendeu-se diferenciar
efeitos da intervenção, da maturação e da aprendizagem do instrumento.
De acordo com a fundamentação, e tendo em consideração o problema de
investigação, formulámos as seguintes hipóteses:
H1 ' O ajustamento à maternidade e as atitudes maternas são influenciados pelas
intervenções das enfermeiras. As primíparas com intervenção no pré e pós-parto
apresentam melhor ajustamento e atitudes mais favoráveis do que as restantes.
H2 ' Entre os três momentos de colheita de dados o ajustamento à maternidade e
as atitudes maternas vão apresentando melhores scores, sendo mais evidente nas
primíparas com intervenção no pré e pós-parto. A amostra objetiva, inclui todas
as primíparas que se encontravam inscritas nos CS, com menos de 28 semanas de
gravidez entre 15 de outubro de 2007 e 29 fevereiro de 2008 e se
disponibilizaram a integrar o estudo.
A distribuição pelas coortes foi efectuada no segundo momento de colheita de
dados, após se conhecer o modo de intervenção a que as primíparas estiveram
expostas.
No primeiro contacto identificaram-se 203 primíparas. No final do período de
colheita de dados a amostra era constituída por 172 primíparas distribuídas por
cinco coortes, tendo 41,9% intervenção natural; 16,9% no pré-parto; 14,5% no
pré e pós-parto; e 2,3% no pósparto. A coorte controlo foi constituída por
24,3% das primíparas. A coorte com intervenção no pós-parto foi excluída pela
sua reduzida dimensão e na coorte controlo só foram consideradas as primíparas
com consulta individual, pelo que, a análise ao sexto mês após o parto teve por
base 151 primíparas.
A mortalidade da amostra foi de 11%, não se verificando diferenças
significativas entre as primíparas que abandonaram e que se mantiveram no
estudo.
Para a colheita de dados recorreu-se a um questionário de autopreenchimento. Os
itens da escala MAMA encontram-se operacionalizados numa escala ordinal, com
cotações entre 1 e 4, correspondendo o primeiro a nunca/de forma alguma e o
segundo a muitas vezes/muitíssimo, obtendo-se os scores por adição. A valores
mais elevados corresponde pior ajustamento e atitudes menos favoráveis.
Em todos os momentos de colheita de dados a consistência interna da escala é
boa (pré-parto 0,85; 1º mês após o parto 0,86; 6º mês após o parto 0,89). Para
o desenvolvimento do estudo foram salvaguardados os procedimentos éticos de
confidencialidade, anonimato e livre participação. Após autorização da
Administração da Sub-Região de Saúde de Viana do Castelo foi iniciado o estudo,
tendo as mulheres sido informadas dos seus objectivos, desenvolvimento e a não
existência de consequências em caso de abandono do estudo antes do seu término.
As mulheres que acederam a participar voluntariamente no estudo, após terem
sido informadas, assinaram o consentimento informado.
A colheita de dados efetuada através de questionário autoadministrado, ocorreu
nos domicílios das mulheres, nos momentos previstos (entre a 26ª e a 28ª semana
de gravidez, primeiro e sexto mês após o parto).
Para a análise de dados utilizámos técnicas da estatística descritiva e
inferencial, recorrendo-se a testes paramétricos sempre que se encontravam
assegurados os pressupostos para a sua utilização. Para o teste de hipóteses
utilizou-se a ANOVA a um factor nominal e a ANOVA para medidas repetidas. O
nível de significância admitido foi de 5%.
Resultados
As primíparas têm entre 18 e 38 anos, com uma média de 28,4±4,27 anos. São,
maioritariamente, casadas ou vivem em união de facto (90,7%), ou em famílias
nucleares (75,5%). Quanto à escolaridade, 44,4% tem o ensino básico e 21,2% o
ensino superior. Predominaram as operárias, artífices e trabalhadoras similares
(27,8%), pessoal dos serviços e vendas (15,2%) e especialistas de profissões
intelectuais e científicas (14,6%).
A escolaridade apresenta diferenças estatisticamente significativas (?2kw
(3)=15,973; p=0,001). Através da comparação múltipla das médias das ordens, com
o método multimédia, verifica-se que as primíparas da coorte com intervenção no
pré e pós-parto, apresentam escolaridade superior às das coortes natural e
controlo, apresentado também profissões mais diferenciadas (?2 (6) =16,533;
p=0,011). Entre as restantes variáveis não se verificam diferenças.
A assistência da gravidez iniciou-se durante o primeiro trimestre para 97,0%
das mulheres e decorreu exclusivamente no Centro de Saúde para 47,3%. Entre as
primíparas da coorte natural observa-se maior utilização exclusiva do Centro de
Saúde, enquanto na coorte com intervenção no pré e pós-parto há mais utilização
do Centro de Saúde e de serviços privados (?2(6)=13,924; p=0,03).
Relativamente ao ajustamento à maternidade e às atitudes maternas, no pré-parto
a média mais baixa observou-se na relação conjugal (18,5±4,09) e a mais elevada
nos sintomas somáticos (26,1±4,64). No primeiro mês após o parto variou entre
19,0±4,87 na relação conjugal e 25,8±5,27 na imagem corporal, sendo idêntica à
dos sintomas somáticos (25,8±4,47). Ao sexto mês após o parto continua a ser na
imagem corporal que se observa a média mais elevada (25,2±5,14), enquanto a
menor se observa nas atitudes perante a gravidez e o bebé (18,4±3,10) (quadro
1).
QUADRO 1 ' MAMA: Estatística descritiva e análise das diferenças entre as
coortes
No plano transversal verifica-se normalidade de distribuição e homogeneidade de
variâncias, não se verificando diferenças significativas entre as coortes (One
Way ANOVA), em todas as subescalas, pelo que, não se confirma a hipótese que a
intervenção influencia o ajustamento à maternidade e as atitudes maternas.
No plano longitudinal, em todas as subescalas e escala total, verificam-se
correlações estatisticamente significativas entre todos os momentos de colheita
de dados, igualdade das matrizes de covariância em todas as células formadas
pelos efeitos intersujeitos (M de Box) e circularidade das matrizes de
covariância (Teste de esfericidade de Mauchly) ou valor de epsilon de Huynh-
Feldt superior a 0,9.
Na Imagem Corporal as médias não são significativamente diferentes nas três
coortes (F(2,123)=0,554; p=0,576). Verifica-se efeito significativo do tempo
(Huynh-Feldt: F =17,582; p=0,000. (1,908;234,682) Potência de teste=1,000). A
média no pré-parto (M=23,402, SEM=0,428) é inferior à do primeiro mês após o
parto (M=26,013; SEM=0,499) e esta idêntica à do sexto mês (M=25,207,
SEM=0,509). (Bonferroni: pré-parto ' 1 mês, p=0,00; pré-parto ' 6 meses,
p=0,01; 1mês ' 6 meses, p=0,111). Não se observa efeito interativo do tempo e
do modo de intervenção (Huynh-Feldt: F =0,582;(3,816;234,682) p=0,668).
Também nos Sintomas Somáticos as médias não são significativamente diferentes
nas três coortes (F(2,123) =0,030; p=0,970). Verifica-se efeito significativo
do tempo (Sphericity Assumed: F(2;246)=14,525;p=0,000. Potência de
teste=0,999). A média no pré-parto (M=26,343, SEM=0,455) é idêntica à observada
no primeiro mês após o parto (M=25,760; SEM=0,457) e superior à do sexto mês
(M=23,546, SEM=0,509) (Bonferroni: pré-parto ' 1 mês, p=0,797; pré-parto ' 6
meses, p=0,00; 1mês ' 6 meses, p=0,00). Não se observa efeito interativo do
tempo e do modo de intervenção (Sphericity Assumed: F =1,066; p=0,374).4;246)
No que concerne à relação conjugal, as médias não são significativamente
diferentes nas três coortes (F(2,123)=0,520; p=0,596). O tempo tem efeito
significativo (Sphericity Assumed F2;246 =7,114; p=0,001. Potência de
teste=0,929). A média no pré-parto (M=18,629, SEM=0,495) é idêntica à do
primeiro mês após o parto (M=18,994; SEM=0,457) e mais elevada ao sexto mês
(M=20,254, SEM=0,526).(Bonferroni: pré-parto ' 1 mês, p=1,000; pré-parto ' 6
meses, p=0,003; 1mês ' 6 meses, p=0,022). Não se observa efeito interativo do
tempo e do modo de intervenção (Sphericity Assumed F2;246 =0,535; p=0,710).
Nas atitudes perante o sexo, também as médias não são significativamente
diferentes nas três coortes (F2;123=0,070; p=0,932), não se verificam
diferenças decorrentes do tempo (Sphericity Assumed: F2;246=0,714; p=0,491),
nem efeito interativo do tempo e o modo de intervenção (Sphericity Assumed:
F2;246=0,822; p=0,512).
Nas atitudes perante a gravidez e o bebé as médias entre as coortes não são
significativamente diferentes (F2;123=0,578; p=0,563). O tempo tem efeito
significativo (Huynh-Feldt F2;246=113,887; p=0,000. Potência de teste=1,000),
com média no pré-parto (M=22,998, SEM=0,302) superior à do primeiro mês após o
parto (M=21,087; SEM=0,356), sendo a observada ao sexto mês a menor (M=17,922,
SEM=0,304). (Bonferroni: pré-parto ' 1 mês, p=0,000; pré-parto ' 6 meses,
p=0,000; 1mês ' 6 meses, p=0,000). Não se observa efeito interativo do tempo e
do modo de intervenção (Huynh-Feldt F4;246246) =1,199; p=0,312).
A escala total (MAMA), sintetizando o comportamento das subescalas, apresenta
médias que não são significativamente diferentes nas três coortes
(F2;123=0,068; p=0,934). O tempo tem efeito significativo (Huynh-Feldt: F
(1,959;240,916)=10,208; p=0,000. Potência de teste=0,985). A média no pré-parto
(M=112,448, SEM=1,312) é idêntica à do primeiro mês após o parto (M=113,104;
SEM=1,409) e inferior à observada ao sexto mês (M=107,664, SEM=1,513).
(Bonferroni: pré-parto ' 1 mês, p=1,000; pré-parto ' 6 meses, p=0,004; 1mês ' 6
meses, p=0,000). Não se observa efeito interativo do tempo e do modo de
intervenção (Huynh-Feldt: F(3,917;240,916) =0,811;(3,917;240,916) p=0,517).
Também no plano longitudinal não é evidente que a intervenção contribua para
melhor ajustamento à maternidade, pelo que, não se confirma a hipótese.
Discussão
A transição para a maternidade é uma experiência comum que se traduz numa crise
de emoções e desafios. Face às alterações sociais, as aprendizagens que eram
efectuadas no seio das famílias de origem, forçam a mulher e família a
procurar contextos de aprendizagem alternativos ou complementares, sendo os
profissionais de saúde um dos recursos mobilizados.
Estes podem facilitar esta transição através dos cuidados que prestam (Mercer,
2004; Mercer e Walker, 2006), no entanto, encontram-se aquém das expectativas e
necessidades das mulheres (Mendes, 2007).
Ainda que o ajustamento biológico ocorra nas primeiras seis a oito semanas após
o parto, o retorno à imagem corporal anterior à gravidez raramente ocorre
durante este período. Durante a gravidez as atitudes relativamente à imagem
corporal (23,4±4,43) são mais positivas do que após o parto, atingindo os
valores mais negativos ao primeiro mês (25,8±5,27). Durante a gravidez a mulher
pode-se sentir feliz com a barriguinha de grávida e apreciada pelo cônjuge e
sociedade. Após o parto a recuperação da silhueta não se observa com a rapidez
que a mulher desejaria, com consequente pior percepção que não melhora até aos
seis meses.
Ainda na dimensão biológica, os sintomas somáticos encontram-se relacionados
com o processo gravídico. Tal como Marinha (2003), foi nesta dimensão que se
verificam atitudes mais negativas durante a gravidez (26,1±4,64). Entre o pré-
parto e o primeiro mês após o parto não se verifica melhoria significativa, o
que pode decorrer de ainda não se ter verificado a recuperação ao nível do
aparelho reprodutor, verificando-se ao sexto mês atitudes significativamente
mais positivas (23,7±4,99).
A intervenção não teve efeitos estatisticamente significativos, no entanto, as
mulheres das coortes com intervenção apresentam evolução mais favorável. A
abordagem efectuada nos cursos de preparação para o parto/parentalidade, e a
interação entre as mulheres, permite a criação de redes de apoio, bem como, o
desenvolvimento de habilidades, podendo contribuir para capacitar as mulheres
para a gestão dos sintomas somáticos.
A relação com o cônjuge/companheiro é das dimensões mais confrontadas e
desafiadas nesta transição, (re)organizando-se a vida familiar em função das
necessidades da criança.
No pré-parto observa-se elevado ajustamento na relação conjugal (18,5±4,09),
sendo a dimensão em que os indicadores são mais positivos, o que era
expectável, por se tratar de primíparas que depositam no primeiro filho
expectativas de continuidade geracional e do património familiar, o que
corrobora os resultados de Marinha (2003). Gravidezes planeadas, famílias
nucleares ou alargadas, demonstração da capacidade reprodutiva, poderão ser
factores que contribuem para esta situação. A qualidade da relação conjugal vai
piorando até aos seis meses (20,1±5,32), não se verificando alteração entre o
pré-parto (18,5±4,09) e o primeiro mês após o parto, confirmando que a
insatisfação tende a aumentar desde o pré-parto, com a descoberta de conflitos
de valores, necessidades e expectativas (Colman e Colman, 1994; Cowan e Cowan,
2000; Glade, Bean e Vira, 2005; Figueiredo et al., 2008). Durante o primeiro
mês após o parto, ainda que seja um período intensivo de cuidados, o casal
encontrase numa lua-de-mel face ao novo ser. Com o tempo, as expectativas da
mulher poderão não ser satisfeitas, com diminuição do tempo para si, para as
relações sociais e com sobrecarga de trabalho, com implicações na qualidade da
relação.
Também nesta dimensão a intervenção não teve efeitos. Ainda assim é de
salientar que as mulheres com intervenção no pré e pós-parto apresentaram pior
evolução, o que pode decorrer das suas expectativas. São as mulheres com maior
nível de escolaridade e profissões mais diferenciadas, com possíveis
expectativas mais elevadas relativamente ao apoio do cônjuge e maior equidade
de papéis sociais, podendo não se ter observado. Pode ainda questionar-se como
é planeada e decorre a intervenção no domicilio, uma vez que a intrusão,
orientações contraditórias e insensibilidade dos profissionais podem dificultar
o processo de transição.
As atitudes perante o sexo desde o terceiro trimestre de gravidez (21,2±3,99)
até aos seis meses após o parto (20,8±4,71), mantêm-se sem alterações
significativas, desconhecendo-se no entanto como seria antes da gravidez. A
intervenção de enfermagem não teve efeitos, podendo ter sido idêntica nos
diferentes modos de intervenção, ou sendo uma situação íntima, as mulheres
poderão sentir-se mais à vontade expondo-a no espaço privado da relação
individual enfermeira-utente. Pode ainda ser um assunto tabu, com escassa
abordagem durante a intervenção de enfermagem.
O nascimento do primeiro filho é um desafio para a vida dos casais, para o qual
a mulher se prepara através de multiplicidade de recursos. Se durante a
gravidez vai idealizando os cuidados e a relação com a criança e família, após
o nascimento inicia-se um processo intensivo de prestação de cuidados,
orientados pelas expectativas dos sistemas sociais. Os profissionais de saúde,
a par das orientações e de modelos identitários para a mulher, implícita ou
explicitamente, podem constituir-se como altamente punitivos.
Num primeiro momento as aprendizagens são formais. A mulher procura aprender a
cuidar da criança e de si mimetizando os comportamentos de peritos, até
encontrar formas particulares de lidar com o novo papel (Mercer, 2004).
As atitudes perante a gravidez e o bebé evoluem favoravelmente desde a gravidez
(23,0±2,98) até aos seis meses após o parto (18,47±3,1). Durante a gravidez a
apreensão quanto às competências face ao novo papel, o desconhecido e
abstracto, a incerteza quanto à capacidade de responder de forma eficaz às
expectativas sociais poderão justificar as atitudes mais negativas.
No primeiro mês após o parto, encontrandose a mulher na fase formal (Mercer,
2004), com pensamentos e práticas muito estruturadas, em que o papel dos
profissionais e do grupo de pares é fundamental, verifica-se melhoria nas
atitudes sendo, no entanto, mais evidente ao sexto mês, quando desenvolvem
alguma perícia e estratégias particulares de cuidar da criança.
É a dimensão na qual se verifica maior diferença de médias entre o pré-parto e
os seis meses após o parto, não se observando efeitos estatisticamente
significativos decorrentes da intervenção. Ainda assim, na coorte natural a
evolução é menos favorável, comparativamente com as coortes com intervenção. As
expectativas das mulheres poderão estar centradas em demonstrar a competência
em cuidar da criança, valorizando mais esta informação e fazendo aprendizagens
substanciais. Porque o parto foi ultrapassado com sucesso e a criança é o
centro das atenções, ao sexto mês a mulher pode encontrar-se numa fase de
completo prazer na interação com o bebé e sentir-se competente com o desempenho
com o novo papel.
Conclusão
Em termos genéricos, na transição para a maternidade, não se verificaram
efeitos significativos decorrentes do modo de intervenção de enfermagem, no
entanto, também não se verificaram efeitos adversos.
A escolaridade e a profissão, sobretudo na relação conjugal e na imagem
corporal, podem influenciar as vivências da transição para a maternidade,
devido às expectativas destas mulheres e do seu papel social. De uma forma
geral a evolução mais positiva é mais evidente em dimensões biológicas,
(sintomas somáticos) e em dimensões instrumentais (cuidados à criança),
comparativamente com a relação conjugal ou as atitudes perante o sexo.
Constituindo-se as enfermeiras, e particularmente as especialistas em Saúde
Materna e Obstetrícia, como recursos diferenciados, com formação específica na
área e reconhecidos pelas populações, tornase imperioso o desenho de projetos
baseados na evidência, com objectivos a atingir, de forma a contribuírem para
uma saudável transição para a maternidade. Devem incluir os pais, iniciando a
intervenção no pré-parto e continuando-a de forma estruturada no pós-parto.
Ainda que os cursos se refiram à preparação para a parentalidade, esta deve ser
alvo de intervenção mais sustentada onde a par da informação, se dinamizem
estratégias práticas que permitam a gestão do stress decorrente das alterações
da transição para a nova etapa do ciclo vital.