Estratégias do membro da família prestador de cuidados face às manifestações de
confusão do seu familiar
Introdução
Nos últimos anos têm-se verificado alterações demográficas substanciais, com o
crescimento exponencial da população idosa, mais significativo nos países
desenvolvidos, e também a nível das estruturas familiares, que evoluíram de
numerosas para mono nucleares e mesmo desfragmentadas (Portugal, Direção Geral
da Saúde, 2004). Essas modificações comportam enormes desafios para os sistemas
prestadores de cuidados de saúde, exigindo uma modificação do paradigma atual
dos cuidados, ainda muito centrado num modelo curativo, mas também para os
profissionais que aí exercem a sua atividade e para a sociedade no seu todo
(Portugal, Direção Geral da Saúde, 2004). Com o aumento da esperança média de
vida, são cada vez mais as pessoas com idade acima dos 65 anos a recorrer aos
serviços de saúde, com problemas como a confusão aguda (CA), de difícil
diagnóstico e gestão para os profissionais de saúde (Nicholson e Henderson,
2009). A CA é definida como uma síndroma clínico caracterizado por um distúrbio
da consciência, função cognitiva ou perceção, que tem um início agudo e um
decurso flutuante (Sendelbach e Guthrie, 2009). O que leva a inúmeras
consequências negativas, como elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, a
nível hospitalar, institucionalização, reinternamento e aumento considerável
dos custos (Nicholson e Henderson, 2009; Sendelbach e Guthrie, 2009). Silva
(2007) alerta-nos para um desses problemas, ao perguntar quantas serão as
pessoas readmitidas no hospital, pouco tempo após o internamento inicial,
devido a problemas como a confusão, o que nos remete para uma eventual
impreparação dos MFPC para tomar conta dos seus familiares confusos.
Essas dificuldades podem induzir stresse no MFPC, podendo mesmo levá-lo à
exaustão, refletindo-se em alterações no seu bem-estar e saúde, na rede social
a que pertence, bem como na sua própria dinâmica familiar, impedindo uma
adequada Transição para o Papel de Prestador de Cuidados (Meleis, 2007). Aquele
conceito pressupõe a passagem ou o movimento de um estado, condição ou lugar,
para outro, envolvendo a aquisição de um novo papel, que decorre num
determinado período de tempo, implicando uma mudança na vida dos indivíduos,
assim como na sua organização familiar. Este processo é acompanhado por uma
vasta gama de emoções, que surgem a partir das dificuldades encontradas no seu
decurso (Meleis, 2007). Ora, se as dificuldades não forem solucionadas
convenientemente e no tempo certo, poder-se-á evoluir para resultados altamente
negativos, quer para os próprios, mas também para a sociedade no seu todo, e a
enfermagem tem aqui uma palavra a dizer (Pereira, 2009). Nessa medida, importa
muito conhecer o problema no contexto do domicílio, bem como a(s) forma(s)
utilizada(s) pelos familiares daqueles doentes, para gerir a situação com que
se deparam de um momento para o outro, e também a sua origem, para melhor se
poder intervir. O conhecimento básico deste fenómeno é essencial para o
subsequente desenvolvimento de conhecimento aplicado (Meleis, 2007).
Quadro Teórico
A prestação de cuidados é uma tarefa inerente ao ser humano e à sua vida
social. O ato de tomar conta surge quando alguém que nos é próximo precisa de
ajuda na realização dos autocuidados, no domicílio, devido a uma situação de
doença, aguda ou crónica, ou pela debilidade associada ao envelhecimento dos
indivíduos (Pereira, 2009). O autocuidado inclui os cuidados oferecidos por
outros a favor da pessoa (Meleis, 2007).
No contexto de uma hospitalização, uma pessoa pode tornar-se dependente ou
sofrer um agravamento no seu grau de dependência, associado a uma CA
(Sendelbach e Guthrie, 2009); necessitar de ajuda para a concretização dos
cuidados que, normalmente, seria capaz de realizar por si próprio; necessitar
de vigilância e controlo de um conjunto de sinais e sintomas. Sendelbach e
Guthrie (2009) evidenciam que o fenómeno de CA está associado a um pior estado
funcional e a uma maior necessidade de cuidados. Neste caso, quando este doente
regressa a casa, a CA pode ter um grande impacto nas famílias (Aguirre, 2010).
Uma das maiores preocupações com estes doentes está relacionada com os riscos
em que incorrem, nomeadamente, de quedas, fuga, entre outros, sendo que a CA se
manifesta por agitação, desorientação, perturbações do discurso, entre outras
(Meagher, 2009). Muitos dos doentes que manifestam CA a nível hospitalar, não
conseguem recuperar no curto espaço do internamento, ficando a sua família com
o encargo de gerir da melhor forma o problema, responsabilidade que cabe aos
enfermeiros (Aguirre, 2010); designadamente idosos confusos (Cruz et al.,
2010). Em consequência, os membros de cada família têm que definir aquele que
ficará responsável pela prestação de cuidados, sendo que habitualmente esta
tarefa recai sobre os elementos do sexo feminino, preferencialmente cônjuges,
mas também filhas ou noras (Honea et al., 2008).
A prestação de cuidados vai desencadear respostas no MFPC, podendo resultar em
deterioração da sua saúde física e psíquica, que se agrava com o tempo,
designada na literatura como stresse do prestador de cuidados (caregiver
strain, caregiver burden) (Honea et al., 2008). Deste modo, o prestador de
cuidados do doente com CA encontra-se vulnerável a riscos que podem influenciar
e afetar a sua saúde e bem-estar, dificultando a transição que é uma passagem
entre dois períodos estáveis (Meleis, 2007). Trata-se de um processo que se
traduz em mudanças que culminam em períodos de desequilíbrios e de perturbações
e, posteriormente, num novo equilíbrio. Ao longo deste continuum o indivíduo
vivencia profundas alterações no ambiente que o envolve e na maneira como o
perceciona. Durante o decurso da transição é necessário desenvolver novas
competências, relações e estratégias de coping, que seriam facilitadas por uma
preparação adequada do regresso a casa (Petronilho, 2007). Preparação que
dotasse o MFPC dos conhecimentos e habilidades para lidar com o familiar com
CA, o que não parece existir, esperandose que adote, por si próprio,
estratégias para enfrentar as manifestações de confusão do seu familiar.
Metodologia
Este estudo de cariz descritivo e exploratório, foi estruturado em duas partes:
no hospital e em casa, recorrendo-se a abordagens de natureza quantitativa e
qualitativa (com recurso à metodologia do estudo de caso), respetivamente.
Neste âmbito, definiram-se os seguintes objetivos de estudo: em contexto
hospitalar pretendeu-se: 1) identificar os doentes com CA, através da aplicação
da NCS (traduzida e validada para a população portuguesa por Neves, Silva e
Marques (2011) num corte transversal no tempo; 2) identificar o destino dos
doentes confusos após a alta hospitalar, recorrendo-se ao contacto telefónico
um mês após a primeira aplicação da NCS; no domicílio: 3) identificar as
manifestações de CA que os doentes apresentam em casa; e 4) identificar as
estratégias utilizadas pelo Membro da Família Prestador de Cuidados (MFPC) para
lidar com esses sinais e sintomas do seu familiar.
Fase I ' No hospital
Nesta parte do estudo foi aplicada a NCS a 530 doentes internados em 12
serviços de adultos de um hospital central universitário de Portugal, num
período de dois meses e meio, entre outubro e dezembro de 2006, num qualquer
momento do internamento e uma única vez. Consideravam-se como critérios de
inclusão a presença de CA segundo a NCS e como critérios de exclusão: 1)
residirem sozinhos; 2) recusa dos familiares em participar na segunda fase. A
monitorização da CA com o recurso à NCS permitiu identificar doentes nos
diferentes níveis determinados pelo score final: a) confusão ligeira; b)
confusão moderada; c) alto risco de confusão; e d) não confusos.
A concretização desta fase foi precedida pelo pedido e obtenção de autorização
do conselho de administração da instituição hospitalar de saúde onde se
desenvolveu a pesquisa. No requerimento foi explicitado o tipo de estudo,
objetivos e o método de recolha de dados, garantindo-se o respeito pelos
princípios éticos inerentes à realização de investigação, nomeadamente, a
confidencialidade e o anonimato dos elementos da amostra.
Após a aplicação dos critérios para a consideração da amostra foi solicitado o
consentimento aos MFPC que aceitaram participar na segunda fase do estudo,
designadamente para ser contactado um mês após a alta clínica do seu familiar.
Fase II ' Em casa
A segunda parte decorreu nas casas onde se encontravam os doentes que mantinham
a CA, anteriormente identificados em internamento hospitalar. Inicialmente, e
um mês após a alta hospitalar, foi efetuado o contacto telefónico aos doentes
que tinham tido como destino o domicílio. Aos MFPC destes clientes foi
solicitada autorização para uma avaliação do status mental do seu familiar para
averiguar se mantinha o estado de CA (critério de elegibilidade) e uma
entrevista ao próprio. Esta foi delineada como semiestruturada e foi efetuada a
MFPC de clientes que conservavam manifestações de confusão, orientada para a
descrição da dificuldade de prestação de cuidados a uma pessoa confusa.
Utilizase uma metodologia baseada em estudos de caso, cujas questões em estudo
são a) Como se manifesta o familiar confuso no domicílio; b) quais as
estratégias que o MFPC utiliza para lidar com as manifestações de confusão; e
c) como se relacionam as estratégias adotadas pelo MFPC com as manifestações de
confusão do seu familiar? Todos os MFPC deram o seu consentimento para a
gravação áudio das entrevistas, tendo-lhes sido assegurada a confidencialidade
dos dados e o anonimato. Nesse sentido, procedeu-se ao seu registo e posterior
transcrição, tendo-se iniciado de imediato a sua codificação aleatória para
evitar qualquer associação ao seu autor. Foram submetidas a análise de
conteúdo, seguindo a técnica de codificação aberta, axial e seletiva, proposta
por Strauss e Corbin (1998). Este método pareceu o mais adequado para atingir
os objetivos propostos, porque só através da análise das falas dos MFPC
poderemos obter esse conhecimento. Inicialmente procedeu-se a uma codificação
aberta, sem preocupações de organização conceptual, de seguida evoluiu-se para
uma lógica de relação dos conceitos, denominada codificação axial e,
finalmente, partiu-se para a codificação seletiva através da reagregação das
categorias e subcategorias, que passaram a níveis de abstração superiores,
conforme delineado por Strauss e Corbin (1998). Esses autores acrescentam,
ainda, que muitos investigadores utilizam estas técnicas para criar teorias,
mas outros utilizam-na com o objetivo de realizarem descrições ou conceitos
(Strauss e Corbin, 1998, p. 8). Para a organização da análise de conteúdo,
recorreu-se ao aplicativo informático NVivo7©.
Esta análise permitiu organizar o corpus de cada entrevista, com vista a obter
as principais unidades de análise, evidenciando-se as relações entre as
manifestações de confusão do familiar e as estratégias do MFPC para lidar com
elas, o que na metodologia do estudo caso permite reter características
holísticas e com significado de eventos do quotidiano, como é o exemplo de
etapas do ciclo de vida e dos comportamentos de pequenas comunidades ( Yin,
2009).
Resultados
Parte I ' No hospital
A primeira fase deste estudo, que decorreu num hospital central, constou da
aplicação da NCS a 530 indivíduos internados, sendo 58,9% do sexo masculino e
41,1% do sexo feminino, sendo que 113 encontravam-se confusos (68 com confusão
moderada a severa' e 45 com confusão ligeira'). Detetou-se, ainda, que 8,7%
dos doentes tinham alto risco de confusão' e 70,0% encontravam-se não
confusos'.
Aos 113 doentes diagnosticados como confusos, foram aplicados os critérios de
exclusão definidos, tendo sido retirados os que viviam sozinhos e aqueles cujos
MFPC recusaram participar na segunda fase do estudo, pelo que a amostra ficou
limitada a 98 clientes confusos.
Estes foram seguidos em regime de follow-up, desde o momento de aplicação da
NCS até ao regresso a casa e constatou-se que 56 não tinham regressado a casa,
o que sucedeu pelas seguintes razões: a) dez doentes permaneciam internados; b)
cinco doentes foram institucionalizados; c) trinta e dois doentes faleceram no
hospital; e d) nove doentes foram transferidos para o hospital da sua área de
residência e, dos 42 doentes que tiveram alta para o domicílio; a) cinco
acabaram por falecer no domicílio; b) seis foram readmitidos no hospital; c)
catorze foram institucionalizados em lares; e c) dezassete permaneceram no
domicílio após a alta, sendo estes os que ingressavam na pesquisa.
Parte II ' Em casa
Após a visita a casa desses dezassete clientes e da avaliação da CA através da
NCS, constatou-se que a maior parte (n=13) já não se encontrava confuso. Assim,
os participantes - MFPC - nesta parte do estudo ficaram reduzidos a quatro.
Todos os MFPC eram elementos do sexo feminino, sendo que duas eram filhas, uma
nora e uma esposa.
Da análise dos estudos de caso verificámos que a Sra. A referiu que a minha
mãe, antes da última hospitalização, era independente nas atividades de vida
diárias e agora está acamada. Tem diagnosticada uma demência e quando era
independente articulava frases sem sentido e, por vezes, gritava frases
incoerentes no meio da povoação (...) Atualmente a minha mãe apresenta-se
confusa e muito agitada. Não reconhece os familiares e, por vezes, tem vontade
em bater neles. Fala muito durante a noite. Por seu lado, a Sra. B verbaliza
que a minha tia tem períodos de agitação ao longo do dia e, no meu entender,
encontra-se perdida no tempo. Só sossega quando está a dormir ou a descansar.
Nesta linha, a Sra. C indica que não tenho tempo para realizar as tarefas
diárias de casa. Estou sempre preocupada com o meu marido. Vou sempre atrás
dele para verificar o que está a fazer.
Por estes excertos podemos formar a ideia de que a prestação de cuidados de um
doente confuso não se trata de uma tarefa fácil, sobretudo para quem não está
preparado, nem tem formação específica, o que leva a um estado de desespero,
como se constata na entrevista da Sra. D ralho com ele como forma de
desabafo. Fico saturada. Nega fazer as coisas e se insistem ele ainda se
revolta. Às vezes digo-lhe coisas que depois me arrependo de as ter dito, e
digo-as em situações de desespero. Por mais que lhe fale ele não muda, mas
ajuda-me a desabafar.
Do discurso dos participantes e relativamente às manifestações de confusão do
seu familiar, emergiram oito unidades de análise, como podemos verificar:
verborreia (a pessoa fala muito) fala muito durante a noite. E1: agitação e
agressividade (movimentos vigorosos, podendo mesmo bater em familiares ou em
terceiros) ( )períodos de agitação ao longo do dia( ) E2: houve uma
temporada em que o meu pai me agredia. E4: não reconhecimento de familiares
(não identifica pessoas conhecidas) uma vez esteve cá a minha irmã e ele não a
reconheceu, bem como o genro e o neto. E4: desorientação no espaço (não
reconhece o ambiente físico): nunca diz que está em minha casa e pergunta em
que casa está. E4: alucinação (menciona ver pessoas ou objetos que não estão
presentes) em casa chama pelos vizinhos e por pessoas que eu não conheço( )
E4: sair/fugir de casa (sai de casa sem o conhecimento e consentimento do MFPC)
( ) ele saltou e fugiu pela janela. Só regressou a casa às 4 horas da manhã.
E4: comportamento socialmente inapropriado (comportamentos pouco adequados,
como apresentar uma imagem descuidada, efetuar as necessidades fisiológicas em
local impróprio e revirar móveis e seu conteúdo) ( )não procura onde é a casa
de banho e faz as necessidades fisiológicas em qualquer lado. E4 ( )ele tira
as roupas dos armários, vira-os ao contrário e rebenta com as portas destes.
E4 repetição de informação (repete várias vezes a mesma coisa, porque se
esquece) (...)ele telefona para as mesmas pessoas, duas e três vezes por dia,
e fala com elas como se não falasse há muito tempo. E3
No que se reporta às estratégias para enfrentar as manifestações de CA, das
falas dos MFPC surgiram seis unidades de análise: apelo à realidade passada
(recordação de episódios antigos da vida do familiar) eu vou para o pé dela e
começo a falar com ela, calmamente, a contar histórias da infância ou sobre
situações que acontecem no dia-a-dia, até ela sossegar. E2: orientação para a
realidade (procura-se trazer o doente para a realidade) ( )digo-lhe: - sou eu
mãe: a sua filha. E1: realidade imaginada (validase o que o doente diz
existir) apercebo-me que a cabeça do meu pai está baralhada e não o contrario
para não ser pior. E4: medicação (para acalmar o familiar que se encontra
agitado) à noite dou-lhe umas gotinhas para ela sossegar. E1: informar amigos
(revela-se a condição clínica do familiar) ( )ele telefona para as mesmas
pessoas, duas e três vezes por dia, e fala com elas como se não o fizesse há
muito tempo. O que me vale é que os nossos amigos estão a par da sua situação e
compreendem-na... E3: gerir o ambiente físico (adaptar o ambiente de forma a
prevenir acidentes) com medo que ela caia, coloquei umas traves de madeira ao
longo da cama, a servir de grades. E2: e tenho medo que o meu pai fuja de
casa. Por isso tenho as portas trancadas. E4 A mesma estratégia pode ter
efeitos positivos num momento e não resultar noutro (no mesmo doente) e, até,
dar resposta a diferentes manifestações, estratégias que surgem por tentativa e
erro, isto é, através da observação da sua eficácia, ou também, em menor número
por adaptação de uma terapêutica medicamentosa.
Para além disso revelou-se como muito importante a ausência de estratégia,
designada como Incapacidade em Agir. O MFPC sente-se incapaz e sem soluções
para enfrentar algumas manifestações de confusão do seu familiar: ( )não sei o
que hei-de fazer à minha vida! Chega ao ponto de urinar nos cobertores. Depois
tenho de os lavar e secar( ) E4. Isto acontece nas situações de agitação e
agressividade, comportamento social inapropriado e não reconhecimento de
familiares.
À medida que os MFPC foram produzindo o discurso centrado nas manifestações de
CA e nas suas estratégias, surgiram relações entre ambas como forma de
responder às questões inicialmente colocadas (como se manifesta o familiar
confuso no domicílio; e quais as estratégias que o MFPC utiliza para lidar com
as manifestações de confusão). Como exemplo evidenciamos a relação entre a
agitação e a administração de medicação: à noite dou-lhe umas gotinhas para
ela sossegar E1, ou entre o não reconhecimento dos familiares e a orientação
para a realidade: ( )tentamos corrigi-lo e ele depois aceita E4, apresentadas
na Figura 1.
FIGURA 1 ' Relação entre as estratégias que os MFPC utilizam relativamente às
manifestações de confusão do seu familiar
A reflexão sobre as manifestações de confusão e as alterações psicomotoras
(APM); a orientação (ORI) estratégias adotadas pelo MFPC, no fenómeno de e o
comportamento social inapropriado (CSI); e as prestação de cuidados de um
familiar confuso fez, estratégias farmacológicas (EF) e não farmacológicas
finalmente, emergir as categorias principais destes (ENF), respetivamente,
conforme se pode constatar estudos de caso, de acordo com técnica de
codificação na Figura 2. Designou-se a ausência de estratégia aberta, axial e
seletiva de Strauss e Corbin (1998): as como incapacidade em agir (IA).
FIGURA 2 ' Categorias principais das manifestações e estratégias para lidar com
a CA
Discussão
À semelhança do exposto na literatura que desenvolve a questão da prestação de
cuidados, são as mulheres que assumem esse papel. No estudo de Sands et al.
(2003), um mês após a alta do hospital, verificouse que, dos 98 doentes
avaliados como confusos -através da NCS -no internamento, 32,7% faleceram no
hospital, 5,1% faleceram no domicílio, 19,4% foram transferidos para
instituições/lares e apenas 17,3% permaneceram no domicílio, o que demonstra a
ideia das dificuldades criadas por estes doentes aos seus cuidadores, bem como
das taxas de mortalidade e institucionalização, sendo difícil a obtenção de
amostras com grande robustez, resultado que é sobreponível ao da presente
pesquisa. Kakuma et al. (2003) analisaram a sobrevivência de indivíduos com CA
no serviço de urgência e que tiveram alta hospitalar, tendo verificado que os
indivíduos, cujos sintomas de confusão não foram detetados, tiveram o maior
nível de mortalidade nos seis meses seguintes, seguidos pelos indivíduos
identificados como confusos e, posteriormente, pelos não confusos. Isto revela
a importância da deteção e tratamento da confusão para a prevenção de
consequências indesejáveis, o que pode estar na base dos achados deste estudo,
já que, o subdiagnóstico da CA é uma realidade, também entre nós, o que decorre
substancialmente da não utilização de instrumentos de avaliação da CA, como na
instituição em apreço (Silva, Paiva e Silva e Marques, 2011). Este estudo, ao
revelar que a maior parte das estratégias do MFPC surgiram de forma intuitiva
ou por tentativa e erro, confirma a ausência de profissionalização (Pereira,
2009); bem como a reduzida evidência da aplicabilidade prática neste domínio
(Briton e Russel, 2006). A gestão da confusão continua a ter por base a
experiência pessoal de cada enfermeiro, dificultando, em consequência, qualquer
sistematização com vista a dotar o MFPC de conhecimentos e habilidades para o
exercício do seu papel, induzindo potencialmente ao stress (Briton e Russel,
2006). Destaca-se que, ao estarem sobretudo entregues a si próprios, à sua
responsabilidade e capacidade para enfrentar as situações, por vezes os MFPC
chegam a um limite, um ponto de tensão e, bem expressivamente, não sabem o que
fazer, apelando clara e implicitamente para a necessidade de apoio, conforme
destaca a literatura (Aguirre, 2010).
Os resultados deste estudo dão-nos conta de manifestações e estratégias para
lidar com a confusão descritas pelos MFPC, sobreponíveis ao que é referido
pelos autores que se dedicam a esta temática (Aguirre, 2010; Nicholson e
Henderson, 2009; Sendelbach e Guthrie, 2009). Esta constatação vem confirmar a
adequação entre as manifestações e as intervenções, por um lado, e por outro,
que as estratégias principais encerram uma grande simplicidade, derivam do
sensocomum, mas nem por isso são menos importantes, nem lhes retira valor
(Nicholson e Henderson, 2009). Uma mesma estratégia não se adequa apenas a uma
única manifestação e que também, nem sempre no mesmo doente obtém o mesmo
resultado, o que reforça as dificuldades da gestão do problema (Nicholson e
Henderson, 2009). Dificuldades que estão muito relacionadas com a sua natureza
multifatorial (Sendelbach e Guthrie, 2009). Não podemos induzir quais são as
estratégias mais eficazes, já que, cada MFPC utiliza a que melhor atenua ou
controla as manifestações de confusão, do seu familiar, na evidência destes
estudos de caso.
Embora a investigação neste domínio, seja escassa e inconclusiva, alguns
estudos indicam a orientação para a realidade como uma das intervenções mais
eficazes para este problema (Aguirre, 2010; Potter e George, 2006). O familiar
deve manter o contacto visual, o toque e repetir a informação relacionada com o
local onde se encontram, o dia e a pessoa com quem está a falar (Ski e
O'Connell, 2006). Estes autores consideram também como adequada a terapia de
validação, aqui descrita como realidade imaginada. Nesta intervenção, deve-se
ouvir o que o indivíduo confuso diz e confiar' nas suas histórias, mantendo
uma interação apropriada à sua imaginação (Ski e O'Connell, 2006).
A ausência de estratégias para lidar com a situação, a manter-se, pode ser o
trigger para o desencadear de uma situação insustentável, causadora de uma
perturbação de tal forma grave que venha a conduzir ao stress do MFPC, eventual
exaustão e institucionalização do seu familiar, sendo por isso fundamental dar
maior proficiência, mestria e sistemática a áreas como o conhecimento e a
aprendizagem de capacidades (Pereira, 2009).
Pela análise das entrevistas foi possível identificar duas categorias
principais de estratégias, farmacológicas e não farmacológicas, tipologia de
classificação comum na literatura (Nicholson e Henderson, 2009). O que reforça
a validade destes dados, ao mesmo tempo que confirma o facto de algumas dessas
intervenções, as mais importantes na gestão do problema CA, serem senso comum
(Nicholson e Henderson, 2009). Posto o que, mesmo na ausência de preparação dos
MFPC, elas tenham surgido espontaneamente, talvez não com a forma e o conteúdo
mais adequado, mas nos seus espíritos, grosso modo. Por outro lado, também
relativamente às manifestações de confusão, sobressaíram os aspectos principais
para que aponta a literatura especializada. A orientação continua a ser a
dimensão a que os enfermeiros estão mais atentos, mesmo não sendo a mais
importante, nem o sinal exclusivo de CA. Aconselha-se, por isso, a utilização
de instrumentos de medida da CA, como as alterações psicomotoras que,
sobretudo, na sua tipologia hiperativa é mais facilmente detetada pelos
enfermeiros e os comportamentos sociais impróprios de quem vive em sociedade,
habitualmente englobados nas perturbações disruptivas (Meagher, 2009; Potter e
George, 2006).
Conclusão
Este estudo apresenta como limitação o reduzido número de participantes, o que
não lhe retira importância em face dos resultados obtidos que devem, contudo,
ser lidos com alguma ponderação. Em primeiro lugar, além de serem escassos os
doentes que se encontravam em casa um mês após a alta, apenas quatro mantinham
confusão, que todavia representam 23,5% do total. Em segundo lugar, os sinais e
sintomas de confusão, e as estratégias utilizadas para os controlar, refletem a
melhor evidência disponível. Por último, os dados parecem apontar para uma
lacuna na preparação do regresso a casa destes doentes, aspeto que consideramos
major, devendo por via disso, ser uma dimensão a explorar em futuras pesquisas.
Percebe-se, apesar de tudo, que é fundamental incluir no processo de preparação
de regresso a casa dos doentes, a vertente da confusão, por forma a aumentar os
conhecimentos e as capacidades dos familiares que vão assumir o papel de
prestadores de cuidados, habilitando-os para um cuidar melhor e mais
satisfatório.
Confirma-se que são as mulheres os principais MFPC, tendo que aliar à prestação
de cuidados os afazeres do dia-a-dia, como o seu emprego, cuidar dos filhos e
dos trabalhos domésticos, o que são motivos suficientes para induzir
perturbações no bem-estar, refletindo-se indiretamente nos familiares de quem
tomam conta, devendo também fazer parte de estudo em futuras investigações.
Também porque muitos dos doentes confusos têm associadas dependências nos
autocuidados, o que não é despiciendo.
Propõe-se, em estudos futuros, a obtenção de uma amostra bastante mais alargada
no hospital, com vista a obter-se um maior número de participantes, o que seria
também benéfico para conhecer o nível de stresse ou sobrecarga, um mês após a
alta hospitalar, nos MFPC de indivíduos que desenvolveram um episódio de
confusão, com recurso a tratamento estatístico dos dados. Os aspetos
relacionados com a qualidade de vida destes clientes, mas também os que se
relacionam com a parte económica, altamente significativa, apontam para a
necessidade de desenvolver outros estudos relacionados com o doente confuso,
para termos um conhecimento mais preciso da realidade portuguesa e para
podermos, progressivamente, profissionalizar esta dimensão dos cuidados de
enfermagem.
Artigo baseado na Dissertação com o título O Doente Confuso Hospitalizado '
Destino após a alta e estratégias do membro da família prestador de cuidados
para lidar com as manifestações da confusão, defendida em junho de 2009, no
Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa.