Coping e adesão ao regime terapêutico
Introdução
De acordo com a Organização Mundial de Saúde as doenças crónicas constituem uma
área de grande preocupação no panorama da saúde mundial, sendo responsáveis por
grande parte da mortalidade e morbilidade observada nos países desenvolvidos e
em vias de desenvolvimento. Além disso, estas serão a principal causa de
incapacidade no mundo até 2020 e representarão a maior sobrecarga para os
sistemas de saúde ( World Health Organization, 2003).
Ribeiro (2005, p. 219) refere que a emergência de uma doença crónica é um
acontecimento não-normativo que constitui um poderoso agente stressor e, como
tal, implica que o indivíduo a integre na sua vida, procurando um equilíbrio
entre as suas atividades diárias habituais e o controlo da doença. Quando este
controlo ou equilíbrio não é conseguido, a pessoa experimentará emoções
geradoras de stresse, habitualmente contínuo e de alta intensidade.
A forma como a pessoa lida com o stresse está dependente quer dos recursos de
que dispõe, quer das estratégias de coping que adota, as quais dizem respeito
aos esforços cognitivos e de conduta que os indivíduos utilizam em
circunstâncias específicas indutoras de stresse (Serra, 2002, p. 371). coping
é definido como um esforço para responder a estímulos internos (reacções
emocionais ao acontecimento) ou externos (o próprio acontecimento) que são
avaliados como negativos ou desafiantes. Se a resposta é direcionada para o
evento externo estamos perante um tipo de coping focado no problema, se, por
sua vez, ela é direcionada para as reações emocionais ou estado interno do
indivíduo designa-se como coping focado na emoção. Durante este processo, as
acções podem ser, simultaneamente ou alternadamente, dirigidas ao stressor
interno ou externo (Maes, Leventhal e Ridder, 1996). Sendo o coping um processo
intencional, permite que a pessoa domine a situação stressante de forma a
libertar-se dos efeitos negativos, nomeadamente, a ansiedade e depressão
(Ferreira, Pais Ribeiro e Guerreiro, 2003). O tipo de coping que a pessoa
adopta reflete-se nos seus comportamentos de autocuidado e, portanto, na forma
como ela gere a sua situação de saúde.
Sendo assim, compreende-se que os aspectos inerentes à adesão ao regime
terapêutico, principalmente, em situações de doença crónica, são de suma
importância para os profissionais de saúde, pois a não adesão é responsável
pelo aumento da probabilidade do insucesso das terapêuticas, por complicações
evitáveis, por aumento dos gastos com a saúde e aumento da morbilidade e
mortalidade, principalmente, em pessoas idosas ( World Health Organization,
2003). O enfermeiro surge como um importante agente facilitador da adaptação da
pessoa à sua condição de saúde, visto ter uma relação de maior proximidade com
a pessoa.
Com o objetivo de percebermos o que a evidência científica nos indica sobre a
influência das estratégias de coping nos comportamentos de adesão ao regime
terapêutico, procedemos a uma revisão da literatura recorrendo aos principais
motores de busca como B-on, EBSCO Host, ELSEVIER, utilizando as palavraschave:
coping; estratégias de adaptação; crenças; e adesão. A pesquisa foi efectuada
em Português e Inglês. Foram ainda consultadas as bases teóricas em livros de
referência nesta área.
Revisão da Literatura
Tendo em conta a pesquisa efetuada, evidenciam-se alguns conceitos que se
mostram fundamentais na compreensão da temática em análise, nomeadamente, a
adaptação à doença, a representação cognitiva e emocional, as estratégias de
coping e a sua influência na adesão ao regime terapêutico que passaremos a
descrever.
Adaptação à doença
De modo a compreender de que forma as pessoas se posicionam sobre a sua saúde e
se adaptam às alterações que nela ocorrem, existem alguns modelos que pretendem
explicar os seus comportamentos face a situações de doença. Dentro dos
diferentes modelos de adaptação salientamos o Illness Constellation Model, de
Morse e Jonhson 1991, cit. por Maes, Leventhal e Ridder (1996), que aborda
quatro etapas no desenvolvimento psicológico perante uma doença.
A primeira etapa é denominada como Incerteza pois o doente tenta perceber o
significado e a gravidade dos primeiros sintomas; a segunda, designada por
Rutura, implica que o indivíduo tenha a consciência de que está afetado por uma
doença (através do diagnóstico ou estado da doença), apresentando altos níveis
de stresse e dependência dos profissionais de saúde; a terceira etapa é
referida como um Esforço para recuperar o self, existindo uma tentativa para
controlar a patologia, através do suporte ambiental e da implementação de
estratégias de coping; a última etapa, denominada Recuperação do bem-estar,
reflete uma aceitação da doença e suas consequências e de um novo equilíbrio
com o meio.
Através deste modelo verificamos que a adaptação à doença crónica depende de
fatores como a avaliação que a pessoa faz do agente stressor (doença), a
eficácia do tipo de coping utilizado e o suporte social recebido. Diferenças
individuais também podem intervir na forma e intensidade com que o evento
stressante é percecionado, bem como, na seleção das estratégias adaptativas.
Leventhal et al. (1997) referem-se às reações iniciais face a uma condição
crónica, reportando-se a uma série de respostas emocionais, mais ou menos
comuns, que as pessoas experienciam e que se podem traduzir por choque, quando
a pessoa se sente alheada da sua própria condição (sentindo-se mais observador
do que participante); por conflito, na existência de pensamentos desorganizados
e sentimentos de perda, raiva, desespero e impotência; e por uma fase designada
de retirada, quando as pessoas tendem a usar estratégias de evitamento, com
negação do problema e suas implicações. Esta retirada poderá permitir que o
doente se resguarde e vá lentamente contactando com a realidade até que chegue
a uma forma de ajustamento à doença (Franklin, 1975, cit. por Sarafino, 2002).
Representações de doença e coping
Partindo do pressuposto que uma doença representa um acontecimento negativo com
possível impacto na integridade e bem-estar da pessoa, o valor dessa ameaça é
definido com base nas representações de doença do indivíduo (Leventhal et al.,
1997). Os mesmos autores referem que as representações de doença são
representações de ameaça que tanto influenciam o humor, como motivam para
comportamentos que visam reduzir o potencial de ameaça da doença. Estas
representações, vulgarmente designadas na literatura como cognições de
doença, são as crenças implícitas de senso comum que a pessoa tem sobre a sua
patologia (Leventhal et al., 1997).
O modelo de auto-regulação do comportamento, desenvolvido por Leventhal et al.
(1997), centra-se nas crenças individuais sobre a saúde/doença e nas respostas
às ameaças de doença, em que as crenças que a pessoa tem acerca dos sinais e
sintomas, bem como, a sua interpretação, medeiam as respostas comportamentais
perante a ameaça à sua saúde. Neste modelo, os conceitos teóricos de cognição
de doença e as técnicas de resolução de problemas estão associados, permitindo
explicar o comportamento de coping perante uma situação patológica em que o
doente é activo na sua resolução de problemas.
De acordo com Leventhal et al. (1997), perante uma doença o indivíduo fica
motivado para a resolver de forma a conseguir o seu estado de normalidade ou
equilíbrio. Assim, desenvolve dois processos de resposta face à perceção que
faz da situação: a representação cognitiva da doença com a implementação de
estratégias de coping face a essas cognições e a resposta emocional através de
estratégias de coping que interfiram no seu estado de humor. Dito de outra
forma, a resposta à doença apresenta, normalmente, uma primeira etapa em que há
uma Representação cognitiva e emocional da ameaça à saúde ou Interpretação na
qual o indivíduo tenta atribuir um significado, um sentido ao problema, baseado
nas cognições que ele tem acerca dessa condição. Essas cognições incluem as
dimensões identidade, causa, duração, consequências e cura/controlo, sendo
através delas que o indivíduo atribui o seu significado à doença. Em
simultâneo, ocorrem também respostas emocionais que vão contribuir para o(s)
tipo(s) de coping a adoptar. A segunda etapa é caracterizada pelo
desenvolvimento e implementação do plano de acção ou coping em que o indivíduo
identifica e seleciona as estratégias que lhe permitam adquirir o equilíbrio
físico e emocional. Este conjunto de estratégias de coping pode estar mais
focado na resolução dos problemas (coping de aproximação) ou na negação desses
mesmos problemas (coping de evitamento). Por fim, na última etapa, o indivíduo
procede à ponderação ou avaliação do resultado do plano de acção, verificando
se as estratégias de coping utilizadas permitem que ele se adapte à sua nova
condição, mantendo o máximo de bem-estar possível (Figura 1).
FIGURA 1 ' Modelo de Leventhal de Representação e coping com a doença (adaptado
de Leventhal et al., 1997)
Estes processamentos ou etapas visam o desenvolvimento de estratégias de forma
a reduzir a angústia e a controlar a doença. O sistema acontece em paralelo e é
recursivo, pois a eficácia de cada procedimento é reavaliada e,
consecutivamente, as estratégias poderão ser alteradas sempre que necessário.
Embora os fatores psicológicos sejam importantes, Leventhal et al. (1997)
também alertam para a importância que os factores sociais e culturais têm, quer
nos processos de avaliação ou apreciação, quer nos comportamentos escolhidos
para lidar ou controlar a situação. Petrie e Weinman (1997) também referem que
fatores de natureza socio-demográfica (idade, género, nível sócio-económico e
educacional, número de elementos do agregado familiar, acesso a cuidados de
saúde), fatores de natureza psicológica (emocionais e cognitivos), fatores de
natureza situacional (influência interpessoal dos pares e família) e fatores
relacionados com a perceção dos sintomas, podem interferir na adoção de
determinados comportamentos.
Maes, Leventhal e Ridder (1996) referem que crenças acerca da falta de
controlabilidade de uma doença estão relacionadas com o coping de evitamento,
centrado na emoção; que as crenças acerca da modificabilidade estão
relacionadas com estilos de coping, mais orientados para a resolução dos
problemas; e que as crenças acerca da ambiguidade dos resultados estão
relacionadas com formas passivas de coping, centrado na emoção. Compreende-se,
assim, que a referência que o indivíduo tem da doença (influenciado por crenças
do contexto social, com a aceitação ou não da doença e dos comportamentos de
doença) influencie na adoção de tipos de coping (Bennett, 2002).
Esta referência da doença resulta de esquemas cognitivos que integram esquemas
préexistentes, nomeadamente, as crenças relacionadas com o tratamento, com a
competência e confiança nos profissionais de saúde, com o locus de controlo na
saúde e acerca das próprias competências da pessoa em lidar com a situação
(Bennett, 2002). Maes, Leventhal e Ridder, (1996) propõem, ainda, um modelo
(Figura 2) que relaciona as representações de doença com as estratégias de
coping adoptadas e que vem, de certo modo, colmatar algumas das falhas
encontradas no modelo original de Lazarus que não contemplava conceitos
relacionados com as características da doença, bem como, a influência de
factores externos e ambientais, como por exemplo, o suporte social. No entanto,
este assenta em recentes transformações que Lazarus (2000) acrescenta ao seu
modelo, nomeadamente, as intenções e metas a atingir, bem como, contributos de
outros autores. Assim, perante um agente stressor, como uma doença crónica, a
pessoa avalia a situação tendo em conta alguns fatores como as características
da doença e tratamento, os acontecimentos de vida relacionados com a doença e
as características sócio-demográficas. Esta avaliação tem também em
consideração as exigências pessoais e metas a atingir, bem como, os recursos
externos (tempo, suporte dos profissionais de saúde, suporte social, recursos
económicos, entre outras) e os recursos internos (inteligência, características
da personalidade, resiliência, locus de controlo, entre outras). Tendo em conta
estas variáveis, o indivíduo empreende estratégias de coping que, por sua vez,
terão consequências a vários níveis (físico, psicológico e social). A perceção
dessas consequências determinará a efetividade dessas estratégias (Santos,
2006).
FIGURA 2 ' Modelo de coping na doença crónica (adaptado de Maes, Leventhal e
Ridder, 1996)
As estratégias de coping utilizadas podem ser várias e usadas em simultâneo,
dependendo, entre outras, da natureza, estádio, etiologia e crenças acerca da
doença. Tanto as estratégias de coping centradas no problema, como as
estratégias de coping centradas nas emoções, podem ser eficazes na redução do
stresse e da angústia (Bennett, 2002, p. 103). Aliás, o facto de predominar um
tipo de coping pode atuar de forma contraditória, isto é, um coping ativo,
focado na resolução de problemas de forma a controlar a doença pode diminuir o
bem-estar mental dessa pessoa. Compreende-se, assim, que perante uma situação
de doença iminente (ex. nódulo na mama) a mulher opte por não procurar ajuda
médica devido ao medo de se confrontar com uma situação ameaçadora. Este tipo
de estratégia focada na emoção (medo), e não na resolução do problema (procurar
saber o diagnóstico), é comummente observada pelos profissionais de saúde e
como que incompreendida por parte destes. Porém, Holahan e Moss 1987, cit. por
Martins (2006), referem estudos que demonstraram uma associação positiva entre
o coping de evitamento e mal-estar psicológico. Este tipo de coping, segundo os
autores, também poderá estar relacionado com complicações futuras (ibidem). As
estratégias de coping mais confrontativas poderão ser facilitadoras da
adaptação a uma nova condição de saúde. Um estudo desenvolvido por Lobão et al.
(2009) em pessoas com ostomia revelou que a adoção de estratégias de coping
focadas no problema (procura de informação sobre novos materiais) foi
facilitadora no processo de aceitação do estado de saúde.
No entanto, Sinzato e colaboradores 1985, cit. por Bennett (2002), verificaram
que os diabéticos que utilizavam estratégias de coping ativas, focadas no
controlo da sua doença, experienciavam pior bemestar e maiores níveis de
ansiedade e depressão, do que aqueles que usavam estratégias de coping passivas
ou de evitamento. Deste modo, evitar a angústia associada a tarefas
adaptativas muito exigentes pode ajudar a manter o equilíbrio emocional, embora
com possíveis complicações futuras da doença (Bennett, 2002, p. 103). Assim,
em doenças que representem uma ameaça muito elevada, exigindo uma reavaliação
do indivíduo e o meio (ex. cancro com metástases), o tipo de coping focado nas
emoções pode ser o mais utilizado. Pelo contrário, nas situações em que as
ameaças são percecionadas como menores e com maior controlo (ex. asma e
diabetes), as estratégias de coping mais ativas poderão ser as mais adotadas
(Maes, Levental e Ridder, 1996). Esta ideia é corroborada por Lazarus (2000)
que acrescenta o facto de estes processos poderem ser compatíveis, pois sendo o
coping o processo mediador da resposta emocional à situação geradora de
stresse, tanto o coping focado no problema, como o coping focado na emoção, têm
como fim último o restabelecimento do estado emocional.
Coping e adesão ao regime terapêutico
Neste âmbito, interessa refletir de que forma as estratégias de coping adotadas
interferem na adesão ao regime terapêutico.
De um modo global, podemos dizer que as doenças crónicas são instáveis ao longo
da sua evolução, podendo ter períodos de exacerbação ou remissão dos sintomas.
Aliás, a mesma doença ao longo do ciclo vital pode ser percecionada de
diferente modo pelo mesmo indivíduo, levando-o a lidar com ela de formas
diversas e, consequentemente, a aderir mais ou menos às indicações
terapêuticas. Variáveis pessoais, familiares e sociais poderão influenciar a
representação de doença, o tipo de coping e, por conseguinte, a adesão.
Alguns estudos sugerem que, embora a maioria dos doentes se adaptem à sua
doença crónica, não referindo maiores níveis de stresse e diminuição de bem-
estar, relativamente às pessoas saudáveis, parece haver exceção nas fases
iniciais e terminais da doença (Maes, Leventhal e Ridder, 1996).
Moos (1982) refere algumas estratégias que o indivíduo poderá encetar para
lidar com a sua doença, e que poderão estar mais ou menos relacionadas com
diferentes níveis de adesão ao regime terapêutico. Numa fase inicial da
patologia, a pessoa pode negar ou minimizar a seriedade da doença, separando o
lado clínico do lado emocional, de forma a ter tempo para entender o que lhe
está a acontecer. Neste momento será esperável que, se as recomendações
terapêuticas forem muito complexas e intrusivas na sua vida, os níveis de
adesão venham a ser baixos, até porque em situações de bastante ansiedade as
pessoas não estão disponíveis para receber muitas informações e instruções
acerca de novos comportamentos. Beeney e colaboradores 1996, cit. por Bennett
(2002), verificaram que num grupo de diabéticos recém-diagnosticados, mais de
metade referiram ter sido angustiante o contacto com o diagnóstico e um quarto
da amostra expressou a necessidade de apoio emocional, sugerindo um coping
centrado na emoção. No entanto, outras estratégias como procurar informação
sobre a doença e tratamento, e aprender a lidar com ela; traçar objectivos
concretos e limitados, tentando manter as suas rotinas habituais; recrutar
suporte instrumental e emocional através da sua família e amigos; perspetivar
alguns acontecimentos e situações stressantes futuras, de modo a estar
preparado para as dificuldades que possam surgir, e encontrar uma perspetiva
regulável sobre a sua saúde, atribuindo significados às suas experiências e
traçando objectivos a longo prazo, estão relacionadas com o predomínio do
coping mais focado na resolução do problema e, portanto, esta predisposição
para controlar a doença, perspetiva níveis de adesão mais elevados.
Fatores sócio-demográficos, como a idade, também podem interferir nas
estratégias de coping e na adesão. Numa entrevista a jovens diabéticos que
frequentavam a escola, Balfe (2007) constatou que estes integravam
perfeitamente a sua doença nos seus estilos de vida. Isto era possível porque
estes jovens continuaram no mesmo lugar e com o mesmo grupo de amigos durante
anos, o que levou a que a diabetes fosse encarada como uma rotina e não como um
problema. Só que para estes jovens a mudança para a universidade afastou-os
deste suporte social e estrutural. A universidade apresentava-se como um novo
lugar com novas pessoas e, como tal, eles tiveram que mostrar que se adaptam a
uma nova realidade. Como o consumo de álcool parece assumir importância na vida
estudantil universitária, os jovens diabéticos também correm esse risco para
construir a sua identidade, como estudantes universitários, isto é, para
responderem a uma nova identidade social desejada. Isto sugere que os jovens
com doença crónica estão preocupados com o risco de desaprovação e rejeição dos
outros (Balfe, 2007). Assim, adolescentes com doenças crónicas estão muito
sensíveis a assumir as normas do grupo. A modificação do contexto social poderá
ser determinante nos comportamentos de adesão, especialmente em determinadas
idades, pois, frequentemente, os jovens tendem a repetir os mesmos
comportamentos dos seus pares (mesmo que representem um comportamento de risco
e um desvio ao regime terapêutico aconselhado), de forma a sentirem-se
integrados (Charmez, 1983, cit. por Balfe, 2007).
Relativamente à influência do género no tipo de estratégias de coping
adoptadas, embora alguns estudos sugiram que os homens privilegiem as
estratégias de coping focadas no problema, enquanto as mulheres desenvolvam
estratégias mais focadas na emoção (Sarafino, 2002), quando ambos os sexos têm
o mesmo nível de educação, essas diferenças nas estratégias adotadas face a um
evento stressante parecem não se verificar (Greenglass e Noguchi, 1996, cit.
por Sarafino, 2002).
Outras variáveis interferem também nos tipos de coping adotados. Duangdao e
Roesch (2008) desenvolveram uma meta-análise, com base em 21 estudos sobre
diabéticos, em que os resultados apresentados mostraram que as pessoas com
diabetes têm o dobro da probabilidade de ter depressão (mais as mulheres que os
homens). Este facto impede-as de realizar as suas atividades diárias, o que se
reflete na qualidade de vida, na adesão ao regime terapêutico e no controlo da
glicémia. Assim, os resultados estatísticos encontrados nos diabéticos que
utilizam estratégias de coping de evitamento e focado na emoção, sugerem uma
adaptação deficitária que está relacionada com a depressão e ansiedade, assim
como, com o aumento dos níveis glicémicos. Os diabéticos que têm estratégias de
coping focadas no problema, têm diminuição dos níveis de glicose, tendo por
isso maior controlo glicémico. Estas pessoas apresentam menos depressão e
ansiedade. Estas diferenças de género podem, em parte, ser explicadas pelo
facto de ter sido encontrado na mulher um perfil mais desfavorável, em termos
de representações cognitivas, e que está relacionado com o facto de haver uma
tendência para que estas sejam mais propensas a distúrbios de humor, que
interferirá na forma como elas percecionam a sua doença. Sousa (2003) constatou
que as mulheres diabéticas se apresentavam mais pessimistas em relação à sua
doença, evidenciando emoções mais negativas e percecionando piores
consequências que os homens. Contudo, a associação do género a um tipo de
estratégia de coping tem encontrado resultados opostos. Na tentativa de
perceber como é que a mulher interpretava, se adaptava e geria os sintomas
relacionados com a doença crónica, O´Neill e Morrow (2001), embora indo ao
encontro da literatura que sugere que as mulheres, habitualmente, referem mais
sintomas que os homens, verificaram que estas parecem usar um coping de
confrontação, sendo menos propensas a adotar um coping de evitamento, mesmo
perante uma doença séria e debilitante. Porém, o inverso se passaria face a uma
doença assustadora ou com consequências a nível funcional. A este propósito,
Burke e Flaherty (1993, cit. por O´Neill e Morrow, 2001) encontraram o
predomínio de estratégias de evitamento num grupo de mulheres idosas com
artrite reumatóide, estando este tipo de coping associado a piores resultados
em saúde. No entanto, em doentes oncológicas, Santos (2006) verificou que,
embora após os primeiros meses de diagnóstico estas tenham adoptado estratégias
de tipo desânimo/fatalismo, com o decorrer da doença, passaram a optar por
estratégias de confrontação ou aceitação. Entretanto, alguns estudos apontam
para que as mulheres mobilizem mais facilmente o suporte social, recorrendo
mais frequentemente aos serviços de saúde. Parece, assim, inconsistente o papel
do género no tipo coping adotado.
O apoio social parece ser um dos fatores psicossociais que mais influencia na
adesão (Bennett, 2002; Sarafino, 2002), pois poderá ajudar a pessoa a gerir o
seu equilíbrio emocional de modo a manter o seu funcionamento face a uma
situação de crise. Esta gestão do equilíbrio não é realizada somente pela
pessoa afetada pela doença, mas também pelos elementos da sua família. De
facto, face a uma doença, a família tende também a procurar o equilíbrio
mantendo a sua dinâmica a mais próxima possível do habitual. Este padrão
funciona como elemento protetor, favorecendo a resposta adaptativa ao stresse e
[ ] é expresso por um conjunto de ações que integram rotinas, tradições e
celebrações habituais que dão estabilidade, harmonia e significado à forma de
viver (Martins, 2006, p. 77). A autora, citando McCubbin e McCubbin (1993),
refere que os recursos familiares integram capacidades, forças,
potencialidades, estratégias e comportamentos de coping que a família mobiliza
para fazer face à situação de doença e podem ser desenvolvidos em grupo, ou
individualmente, pelos seus membros. O conhecimento, a inteligência, a
educação, a experiência e os traços de personalidade que influenciam o coping,
como a auto-estima, o senso de humor, a mestria e a saúde física e mental, são
considerados recursos pessoais. A coesão, a adaptabilidade, a organização
familiar, a atitude positiva face ao problema e a robustez são considerados
recursos familiares (ibidem). Santos (2006) aponta para esta correlação entre
os estilos de coping adotados por doentes oncológicos e sua família quando
verificou no seu estudo que tanto os doentes como os familiares optaram,
preferencialmente, por estratégias mais adaptativas.
Numa meta-análise desenvolvida por Hocking e Lochman (2005), algumas pesquisas
sugerem que as estratégias de coping utilizadas pelos pais são, frequentemente,
seguidas pelas crianças: Gil e colaboradores, num estudo desenvolvido em 1991,
verificaram que pais com estilos de coping mais ativos, evidenciando maiores
comportamentos de adesão têm, igualmente, filhos mais ativos e colaborativos;
Thompson e colaboradores também encontraram resultados semelhantes em 1999, em
que mães cujos filhos apresentavam problemas de adaptação à doença mostravam
níveis elevados de ansiedade e depressão, comparativamente às mães com filhos
sem problemas de adaptação. Parece, então, que uma adaptação pobre por parte da
mãe, com um predomínio de estratégias de coping paliativas (coping focado na
emoção, no evitamento, com sentimentos de culpa), poderá influenciar
negativamente a própria adaptação da criança com consequências a nível da
adesão. Um ambiente familiar coeso é referido por Kliewer e Lewis (cit. por
Hocking e Lochman, 2005) como preditor nas estratégias de coping mais ativas e
portanto mais focadas na resolução do problema. Outro estudo recente encontrou
uma associação entre o envolvimento e adaptação da mãe e a adesão e controlo
metabólico da diabetes em crianças no início da adolescência. Os autores
encontraram uma associação positiva entre o envolvimento e adaptação da mãe com
bons níveis de adesão e melhor controlo metabólico nos adolescentes com
diabetes ( Wiebe et al., 2005).
Embora a literatura aponte para que as variáveis sociais e psicológicas possam
interferir no tipo de estratégias de coping adotadas, bem como, na adesão às
recomendações terapêuticas (Hocking e Lochman, 2005), os investigadores sugerem
alguma cautela na avaliação das situações pois, para além de múltiplos estudos
padecerem de muitas limitações, estas variáveis estão, por sua vez, dependentes
de muitas outras que interagem entre si de diferentes modos, em diferentes
contextos.
Parece, no entanto, consensual que as estratégias de coping de tipo ativo
(focado no problema) favorecerão os níveis de adesão, pois estarão mais
relacionadas com situações percecionadas pela pessoa como controláveis,
enquanto que as estratégias de coping mais passivas (focadas na emoção) estarão
associadas a um pior ajustamento psicológico e, como tal, a uma baixa adesão ao
regime terapêutico (Santos, 2006).
Esta multiplicidade de fatores que interagem de variadas formas, torna-se um
desafio permanente na investigação científica para o profissional de saúde que
tenta promover a adesão. Desta forma, o acompanhamento da pessoa no seu
processo adaptativo ao longo da doença exige que o profissional de saúde esteja
sistematicamente atento e inteirado do significado daquela doença, naquele
momento, para aquele indivíduo, bem como, do tipo de coping utilizado. O
contexto familiar e social também deverá merecer especial atenção. Desfocar a
atenção das características médicas da doença para a focar na perceção
individual do doente, pode representar um passo importante na compreensão do
seu comportamento e na implementação conjunta de estratégias que possam
promover a adaptação do indivíduo à sua doença e a adesão ao regime terapêutico
aconselhado.
Conclusão
A realização desta revisão de literatura vem demonstrar a relação que existe
entre o modo como as pessoas lidam com as situações de stresse e a adoção de
comportamentos promotores de saúde.
De um modo geral, vários estudos apontam para que a existência de muitas
alterações de vida aumente a vulnerabilidade à doença. No entanto, o mesmo
acontecimento pode ser vivenciado ou não como agente stressor, dependendo da
pessoa que o avalia e resultante da interação que ocorre entre esta e o seu
meio ambiente. Sendo o coping entendido como um esforço para responder a
estímulos (internos ou externos) que são avaliados como negativos ou
desafiantes, encontramo-nos, não perante uma resposta instintiva ao problema,
mas sim na presença de um processo intencional da pessoa para se adaptar a uma
nova situação. O indivíduo assume, então, um papel ativo na resolução dos seus
problemas, com vista a reduzir sentimentos de angústia e a aumentar o controlo
da doença.
Embora de forma pouco consistente, as variáveis sócio-demográficas parecem
influenciar as estratégias de coping adotadas. Relativamente ao género, alguns
dos estudos referem que as mulheres são mais propensas a distúrbios de humor,
elegendo preferencialmente o coping focado na emoção, principalmente se numa
fase inicial da doença, esta é percepcionada como bastante ameaçadora. A idade
também parece influenciar as estratégias adotadas, sobretudo, nos jovens, pois
estes têm tendência a seguir o comportamento dos seus pares. O contexto social
é também identificado como um dos aspectos que poderá determinar o modo como as
pessoas reagem a determinadas situações stressantes.
Verifica-se que as estratégias de coping adotadas interferem diretamente nos
comportamentos de adesão. Os estudos sugerem que estratégias de coping do tipo
ativo (focadas no problema) estarão relacionados com maiores níveis de adesão,
enquanto que as do tipo mais passivas (focadas na emoção), estarão associadas a
menores níveis de adesão.
O stresse, as estratégias de coping e a adaptação à doença, especialmente no
que respeita à doença crónica, são aspetos que estão fortemente interligados e
que influenciam, e são influenciados, pela adesão ao regime terapêutico.
Neste sentido, perceber a forma como as estratégias de coping interferem no
contínuo saúde/doença, permite-nos aumentar o conhecimento e a performance
nesta área de intervenção, ajudando as pessoas a aperfeiçoar as suas
competências de coping, bem como, a melhorar os seus comportamentos de
autocuidado.