Bullying e a criança com doença crónica
Introdução
Segundo a UNICEF (2004), criança é definida como todo o ser humano com menos
de dezoito anos, exceto se a lei nacional confere a maioridade mais cedo. Esta
quando nasce precisa de proteção, depois ao longo da sua vida vai sofrendo uma
socialização que a vai preparar para o seu futuro enquanto adulta. O
diagnóstico de uma Doença Crónica acarreta muitas incertezas relativamente ao
seu futuro e ao seu desenvolvimento. Segundo Phipps (2003), a Doença Crónica
pode entender-se como toda a lesão somática que reduz de uma forma importante
as capacidades da criança, produzindo sintomas e sinais, por um tempo
prolongado, e da qual só existe recuperação parcial.
A Doença Crónica não é por si só uma realidade única, mas uma designação
genérica que abrange doenças prolongadas, muitas vezes associadas a um certo
grau de incapacidade. Entenda-se como incapacidade, a redução de atividade, de
longo ou curto prazo, em resultado de uma situação aguda ou crónica (Phipps,
2003).
A reação da criança à doença crónica depende em grande parte do seu nível de
desenvolvimento, temperamento e das estratégias de copping disponíveis; depende
também das reações da família e pessoas significativas (Hockenberry, Wilson e
Inkelnestein, 2006).
O impacto de uma doença crónica ou de incapacidade é em muito influenciado pela
idade em que se inicia a doença. As doenças crónicas acometem crianças de todas
as idades, mas os aspetos evolutivos de cada faixa etária determinam o stress e
riscos para a criança. Os enfermeiros devem reconhecer que as crianças precisam
ter a sua condição e suas implicações redefinidas enquanto se desenvolvem e
crescem (Idem).
A saúde física e emocional da criança, assim como o seu funcionamento cognitivo
e social, são influenciados pela qualidade do funcionamento da sua família,
esta considerada como uma constante na sua vida. Desta forma, os cuidados
prestados pelo enfermeiro devem, também, incluir a família.
A criança com doença crónica, pode levar uma vida perfeitamente normal, dentro
das limitações que a patologia crónica que a criança sofre, mesmo no que se
refere a frequentar a pré-escola e a escola.
A criança na idade Pré-escolar está no estágio da iniciativa no qual diversas
tarefas que são realizadas nesta fase podem ser atrasadas por uma doença
crónica. Esta limitação pode prejudicar a aprendizagem da criança,
especialmente em termos de desenvolvimento social. O pré-escolar portador de
uma enfermidade crónica, restrito à sua casa, pode apresentar uma lentificação
no desenvolvimento das habilidades sociais, tão úteis nas situações de grupo ou
escolares (Hockenberry, Wilson e Inkelnestein, 2006).
Pelo referido anteriormente é bastante importante que a criança com doença
crónica frequente um infantário, para que esta consiga desenvolver, de uma
forma saudável, as suas capacidades de socialização.
A criança em idade escolar luta para se sentir realizada e para conseguir
superar os seus sentimentos de inferioridade devido à sua patologia crónica.
Nesta idade, começa a identificar-se com os seus pares e qualquer situação que
as rotule como diferentes, pode afetar o seu sentimento de pertença ao grupo. O
facto de passar mais tempo fora da escola devido aos tratamentos pode, de certa
forma, causar dificuldades na relação social com os seus pares (Idem).
Quando estas crianças são vistas como diferentes, como fora do padrão de
criança dita normal, os seus pares podem não as querer incluir no grupo,
afastando-as ou mesmo agredindo-as, tornando-as, assim vítimas de bullying
(Idem).
Existem cada vez mais crianças com doenças crónicas que, devido ao avanço da
ciência, conseguem frequentar a escola sem que a doença seja o entrave às
interações sociais. Contudo, deve então ter-se em conta que estas crianças são
mais frágeis e um alvo fácil para serem vítimas de bullying.
Olweus (1994) definiu bullying afirmando que um aluno está a ser provocado/
vitimado quando ele ou ela está exposto, repetidamente e ao longo do tempo, a
ações negativas da parte de uma ou mais pessoas. Considera-se uma ação negativa
quando alguém intencionalmente causa, ou tenta causar, danos ou mal-estar a
outra pessoa (Idem).
O bullying pode ser conduzido por um indivíduo ' o provocador ou agressor ' ou
por um grupo, e o alvo do bullying pode também ser um indivíduo ' a vítima ' ou
um grupo (Idem).
A reforçar a sua definição o autor caracteriza o bullying pelos seguintes
critérios: (I) a intencionalidade do comportamento, isto é, o comportamento tem
um objetivo que é provocar mal-estar e ganhar controlo sobre outra pessoa; (II)
o comportamento é conduzido repetidamente e ao longo do tempo, isto é, este
comportamento não ocorre ocasionalmente ou isoladamente, mas passa a ser
crónico e regular; (III) um desequilíbrio de poder é encontrado no centro da
dinâmica do bullying, no qual, normalmente, os agressores vêm as suas vítimas
como um alvo fácil.
O fenómeno bullying é um problema extremamente complexo porque não envolve
simplesmente a vítima e o agressor. Tanto o grupo de colegas como os pais e
professores estão de alguma forma envolvidos, porque todos têm o poder para pôr
termo à situação. Cabe ao adulto não encarar estas situações como próprias da
idade das crianças e estar atento aos sinais desta, podendo ajudar a cessar o
seu sofrimento.
Prejuízos financeiros e sociais causados pelo bullying atingem também as
famílias e a sociedade em geral. As crianças e adolescentes que sofrem e/ou
praticam bullying podem vir a necessitar de múltiplos serviços, como saúde
mental, justiça da infância e adolescência, educação especial e programas
sociais. Subvalorizado por várias gerações, este fenómeno é hoje uma das
maiores preocupações para profissionais da saúde e educação (Mendes, 2010).
Em Portugal, são conhecidas as investigações relativas a dois concelhos do
norte do país, segundo o qual 21% das crianças entre os 7 e os 12 anos nunca
foram agredidas, 73% são agredidas "às vezes" e 5% "muitas
vezes". Diversas investigações indicam que os rapazes estão envolvidos no
bullying, tanto como vítimas, quer como provocadores, mais frequentemente do
que as raparigas (Olweus, 1994).
A frequência do bullying diminui com o aumento dos anos de escolaridade e os
alunos mais novos são mais frequentemente vítimas e a frequência de serem
ameaçados diminui à medida que aumenta a idade (Idem).
Dada a crescente prevalência de doenças crónicas na criança, no mundo atual,
consideramos pertinente a investigação de bullying e a criança com doença
crónica, considerando papel de relevo que os enfermeiros assumem na assistência
a estas crianças e suas famílias. Deste modo, perante a temática apresentada,
formulamos a pergunta de investigação que conduz esta revisão sistemática: As
Crianças portadoras de Doença Crónica são mais propensas a serem vítimas de
bullying do que as Crianças Saudáveis?
A preocupação que norteia a revisão sistemática é a procura de evidências que
permitam caracterizar esta temática, tendo em conta as perguntas que são
formuladas e examinadas pelo conjunto de literatura, que recursos metodológicos
são privilegiados pelos estudos, a natureza dos mesmos e a perspetiva teórica
que os informa.
Tem-se como finalidade mostrar de que forma os enfermeiros podem contribuir na
intervenção junto da família e da comunidade escolar, fornecendo elementos para
lidar com o problema de modo a assegurar o bem-estar físico e psicológico da
criança com doença crónica vítima de bullying e a atuar precocemente, por
forma, a prevenir que esta situação se verifique.
Metodologia
O levantamento bibliográfico sistematizado de estudos indexados nas bases de
dados SciElo, LILACS, CINAHL, PubMed, Nursing Reference Center, PEPsic,
Medline, ScienceDirect e PsycoInfo, publicados entre 2001 e 2010, relacionados
com o tema bullying nas Crianças com Doença Crónica, foi operacionalizado
através do cruzamento das seguintes palavras busca: criança, bullying,
necessidades especiais, doença crónica, vitimização, violência,
agressão, danos psicológicos e as suas correspondentes nas línguas inglesa
e espanhola.
A amostra recolhida corresponde a artigos indexados em periódicos que foram
selecionados a partir de uma leitura prévia dos seus resumos anexados, seguindo
os seguintes critérios de inclusão: I) Idioma da publicação ' artigos
publicados na íntegra em língua portuguesa, inglesa e espanhola; II) Limite
etário da amostra ' crianças com idades compreendidas entre os zero e os
dezoitos anos; III) Utilização de um grupo de crianças portadoras de Doença
Crónica; IV) Utilização pelo menos de um grupo de controlo com crianças
Saudáveis; V) Referências que tivessem pertinência com o tema.
Para além destes critérios, excluímos à partida, todos os artigos que
consistissem revisões sistemáticas e meta-análises.
Com a leitura seletiva dos resumos dos artigos selecionados, foram recuperados
os artigos originais na íntegra constituindo o corpus que delimitou o material
de análise proporcionando desta forma, um tratamento mais apurado dos dados.
Após a leitura integral e analítica de cada estudo, foram identificadas as
principais características, ideias chave e síntese dos resultados apurados.
Devido ao facto das bases de dados consultadas utilizarem critérios rigorosos
de seleção, confiou-se na compilação dos artigos mais relevantes sobre o tema
geral, obtendo um panorama detalhado da produção científica internacional (um
vez que a nível nacional, não foram encontrados estudos realizados sobre o tema
em questão).
Na análise dos estudos começámos por proceder à pré-análise (organização de
dados, a partir da leitura exaustiva de cada artigo, compreendendo a
sistematização geral das ideias principais sob a forma de quadro), seguindo-se
a exploração do material (a partir da sistematização das ideias de cada artigo
procedeu-se à procura de ideias convergentes e divergentes entre todos) e, por
fim, procedemos à interpretação de dados (agruparam-se em categorias os temas
que emergiram na análise de cada estudo).
Através do cruzamento das palavras-chave que definimos, foram então
identificados um total de noventa e sete artigos, dos quais quarenta foram
selecionados, tendo sido localizados dez, dos quais apenas seis preenchiam os
critérios de inclusão definidos, estes constituem a amostra bibliográfica final
e foram objeto de análise nesta revisão.
Dos seis artigos utilizados, para dar resposta à nossa pergunta de
investigação, um foi localizado na base de dados ScienceDirect, três foram
localizados na PubMed e dois foram localizados na Medline.
Resultados
Com a análise dos artigos foi-nos permitida a obtenção de uma visão geral
acerca das diferentes temáticas abordadas no material recolhido e
sistematizado.
Assim, apresentamos primeiramente as principais características dos estudos
revistos para depois fazermos a descrição dos resultados e das conclusões
gerais a que cada um chegou acerca do bullying na Criança com Doença Crónica.
Principais características dos estudos
Dos seis estudos selecionados, cinco são de natureza quantitativa e um utiliza
conjuntamente as metodologias qualitativa e quantitativa.
Apesar de não limitarmos a data de publicação dos estudos durante a pesquisa
dos artigos, os estudos encontrados reportam-se aos últimos dez anos, entre
2001 e 2010, verificando-se que um estudo é de 2001, um de 2004, um de 2006,
dois de 2009 e um de 2010.
Quanto ao local de realização dos estudos, encontrámos seis países diferentes.
Dois dos estudos foram realizados nos Estados Unidos da América, um na Grécia,
um na Finlândia, outro no Canadá e um outro realizado em conjunto, em França e
na Irlanda.
Nos seis estudos por nós selecionados, tal como se previa, pois constituía
critério de inclusão, foram incluídas crianças com idades compreendidas entre
os 0 (zero) e os 18 anos. O número de elementos que compõem a amostra dos
estudos, nos grupos alvo variou de 42 a 12488 crianças e nos grupos de controlo
variou entre 42 e 43963 crianças.
Relativamente à técnica de colheita de dados, apurámos que foram realizadas
entrevistas e questionários tanto às crianças como aos seus pais e professores.
A diversidade de instrumentos é visível tendo em conta que se observou a
aplicação de escalas que permitiram avaliar aspetos de bullying, ansiedade,
depressão ou de autoconceito. Apurámos a aplicação dos seguintes questionários:
Revised Olweus bully/victim Questionnaire; Piers-Harris Self-concept Scale
II; Revised Children's Manifest Anxiety Scale; Child Depression Inventory;
Parent-Completed questionnaire: the social Skills Rating System e o Shorten
Greek version of the Revised Olweus Questionnaire.
Dos seis estudos analisados todos apresentaram uma população alvo de ambos os
sexos. Quanto à existência de grupo de controlo, todos os estudos tinham um
grupo de controlo constituído por um grupo de crianças saudáveis; apenas dois
dos estudos apresentaram dois grupos de controlo. Um dos estudos tinha como
grupos de controlo um grupo de crianças saudáveis e outro de crianças
portadoras de outra doença crónica; o segundo tem como grupos de controlo, um
grupo de crianças saudáveis e um grupo dos irmãos das crianças portadores de
uma forma de cancro.
A população alvo de cada estudo diferencia-se no que respeita à sua doença
crónica. Um estudo debruça-se sobre as crianças com Epilepsia, outro estuda
este fenómeno nas crianças com Cancro, outro nas crianças Obesas e os restantes
não procedem à especificação da doença crónica de que a criança é portadora.
Resultados dos estudos
Dos seis estudos por nós analisados, as categorias que mais se evidenciaram
foram a incidência do bullying nas crianças, a forma que o bullying pode
assumir e a quem as crianças vão contar que foram vítimas de bullying.
Incidência do bullying nas crianças
A incidência do bullying nas crianças é um dos aspetos mais importantes e mais
estudados, foram encontradas referências à incidência do bullying em cinco dos
seis estudos por nós utilizados.
Os autores Lahteenmaki et al. desenvolveram um estudo em 2001 que teve como
objetivo ter uma ideia geral dos problemas escolares que as crianças com cancro
têm e concluíram que 31.7%., numa amostra de 43 crianças, informaram ser
vítimas. Dos grupos de controlo, o grupo dos irmãos das crianças com cancro,
num total de 28, 10.9% apresentaram-se como sendo vítimas e no grupo das
crianças saudáveis, 8.3% referiram-no, num total de 103 crianças. Estes autores
referem ainda que as crianças doentes, reportam três vezes mais que são vítimas
do que as crianças saudáveis.
O diagnóstico das crianças, a idade que tinham aquando do diagnóstico e o
género, não revelaram ser preditores de maior vitimização. Quanto mais tarde
for diagnosticada a doença, maior é a prevalência de serem vitimizadas, e
quanto mais desfavorável for esse diagnóstico, também.
Janssen et al. tinham como objetivos, neste estudo realizado em 2004,
relacionar o peso com as diferentes formas de bullying. Ficou evidente que o
grupo de crianças com excesso de peso é três vezes mais vítima de bullying do
que o das crianças saudáveis. Um total de 29.3% dos rapazes obesos e 38% das
raparigas obesas são vítimas de bullying enquanto nas crianças com um peso
normal, esta percentagem é de 11.4% e 10.1%, respetivamente. As crianças que
são bullies representam, nos rapazes com peso normal, uma percentagem de 11.3%
e nas raparigas de 5.9%, nas crianças obesas esses valores sobem para,
respetivamente, 27.8% e 10.6%. As crianças que falaram ser vítimas/bullies são,
nos rapazes com peso normal, 3.7% e nas raparigas 2.2% enquanto nas crianças
obesas são, respetivamente, 8% e 7.4%. Estes autores mostram-nos que a
prevalência de ser vítima aumenta com o aumento do Índice de Massa Corporal
(IMC) nos rapazes com idades compreendidas entre os 11 e 12 anos mas nas
raparigas, tende a aumentar nas idades dos 13 aos 14 anos. Ficou evidente que
esta prevalência aumenta com o aumento do IMC em todas as faixas etárias, mas
mais no género feminino. Como no estudo de 2001 desenvolvido por Lahteenmaki et
al., os autores conseguem relacionar que a vitimização em crianças obesas não
incluía o facto de serem de diferentes raças, género, cor ou religião. Também
se verificou que, independentemente do género, houve uma relação entre a
categoria do IMC e o ser bully/vítima, onde na classe dos 15/16 anos eram mais
prováveis de serem bullies que as crianças com peso normal.
Num outro estudo, realizado por Cleave e Davis em 2006, que teve como objetivo
testar a hipótese de que a criança com necessidades especiais de saúde estava
associado com o ser vítima, bully ou bully/vítima, verificaram que o grupo de
crianças com necessidades especiais de saúde, era mais vitimizadas que o grupo
de crianças saudáveis, apresentando um valor de 42.9%, em relação ao grupo de
controlo com 32.4%. Neste estudo, mostrou-se que as crianças portadoras de
necessidades são mais propensas a serem vítimas mas também a serem elas
próprias bullies em relação a outras crianças. Ficou, também, bem evidente nos
estudos acima referenciados, realizado por Lahteenmaki et al., de 2001 e
realizado por Janssen et al., em 2004.
Também o facto de ser bully/vítima ficou associado à criança com uma
necessidade especial de saúde, também demonstrado no estudo realizado por
Janssen et al., em 2004, ligando isso a problemas emocionais, de comportamento
ou a uma limitação funcional.
Hamiwka et al., em 2009, realizaram um estudo que tinha como objetivo
determinar a prevalência de comportamento de bullying nas crianças e
adolescentes com epilepsia comparado com outras crianças sem qualquer doença
neurológica e explorar se os possíveis fatores ligados à epilepsia poderiam ou
não ser preditores de ser bully ou vítima. Neste estudo, que tem como grupo
alvo as crianças portadoras de epilepsia, mostrou que das 59 crianças com
epilepsia, 42 % eram vítimas de bullying, 15% eram, elas próprias, bullies e 9%
eram bullies/vítimas. O grupo de crianças com outra patologia crónica teve como
incidência 18%, 10% e 5% respetivamente. No grupo de controlo, o grupo de
crianças saudáveis, teve como valores de prevalência, respetivamente, 21%, 4.8%
e 0%. Mais uma vez se revela que, como nos estudos dos anos 2001, 2004 e 2006
realizados por, respetivamente, Lahteenmaki et al., Janssen et al. e Cleave e
Davis, as crianças portadoras de uma doença crónica, são mais vítimas que as
crianças saudáveis ou com uma outra doença crónica. Não foi possível associar
fatores específicos de epilepsia e o risco de poderem ser vítimas ou bullies.
Neste estudo verificou-se que existiam diferenças socioeconómicas e de
escolaridade nos pais das crianças dos diferentes grupos. Os pais das crianças
com epilepsia eram, na sua maioria, pessoas com um estatuto socioeconómico
inferior e com escolaridade também inferior em relação aos pais dos outros dois
grupos.
Não foram encontradas diferenças significativas no que diz respeito à diferença
de capacidades sociais, problemas comportamentais, ansiedade, depressão e
autoestima entre as crianças vítimas nos diferentes grupos. Suspeita-se que o
bullying possa estar sub-representado na população e que as crianças com
epilepsia estão atualmente sob um risco maior de serem vítimas.
Em 2010, no estudo realizado por Sentenac et al. que englobou crianças de
França e da Irlanda, apresentou como objetivo descrever a frequência do
bullying, comparar a associação entre alguns fatores familiares e vitimização e
documentar o risco adicional de vitimização de acordo com o nível de doença da
criança. Nos grupos-alvo constituídos por crianças com doença crónica com
restrições nas atividades da escola e um outro grupo de crianças também com
doença crónica mas sem restrições nas atividades da escola, mostrou que 34.2%
dos dois grupos, eram vítimas, não havendo uma diferença significativa entre os
dois. O grupo de crianças saudáveis informou ser vítima de bullying numa
percentagem de 25.9%. Este estudo vai ao encontro dos estudos anteriores de
2001, 2004, 2006 e 2009, no que diz respeito às crianças com patologia serem
mais vitimizadas.
Estes autores também chegaram à conclusão de que a comunicação entre pares era
mais fácil nas crianças saudáveis.
Verificaram que em França existe uma maior prevalência de bullying do que na
Irlanda.
O facto de serem vítimas ficou também associado a um fraco suporte social e a
uma dificuldade de comunicação entre as crianças e os seus pais, interligando
também o facto de serem portadoras de uma doença crónica. No estudo realizado
em 2009 por Hamiwika et al., também tinha ficado demonstrado que existem
diferenças nos pais das crianças dos diferentes grupos.
Formas de bullying
Este importante aspeto foi desenvolvido em dois dos estudos por nós analisados.
Janssen et al., no estudo realizado em 2004, evidenciam que existem associações
entre o aumento do IMC e as agressões verbais, agressões essas que são: chamar
nomes, gozar ou dizer graças. Nas raparigas foi verificado que havia uma
associação entre o aumento das agressões físicas com o facto do aumento do IMC,
quanto maior for o aumento do IMC, mais agressões verbais sofriam.
Observou-se que existe uma estreita relação entre vitimização e obesidade em
todas as idades estudadas, mas a relação entre a obesidade e ser bully foi
observada apenas nas idades compreendidas entre os 15 e 16 anos.
Em 2009, no estudo realizado por Didaskalau, Andreou e Vlachou, onde os
objetivos foram: explorar a extensão e os diferentes tipos de bullying e
vitimização entre os estudantes que recebem apoio ao nível da educação
especial, os autores mostram que no total dos 173 alunos (dos dois grupos, um
de crianças com necessidades especiais de educação e o outro de crianças
saudáveis), 25.8% informaram ser vítimas, 13.3% informaram ser bullies e 1.15%
serem bullies/vitimas. Este estudo focalizou-se mais na diferenciação dos
diferentes tipos de bullying cometidos pelas crianças assim como o estudo de
2004 desenvolvido por Janssen et al.. Não foi possível determinar a associação
entre potenciais consequências do bullying (como sintomas de depressão, aumento
da ansiedade, baixa autoestima) e o facto de serem vítimas ou bullies.
Desta forma, e segundo o que foi identificado pelas crianças vítimas com 38.2%
e pelas bullies com 30.9%, o tipo de bullying mais frequente são os pontapés, o
bater, o empurrar e o ameaçar. O tirar dinheiro e outros bens foi menos
revelado pelos bullies (4.1%) que pelas vítimas (19.4%), mas quando se fala de
bullying verbal, os bullies foram quem mais reportou com 18.2% contra 11.3% das
vítimas. Os boatos e o isolamento foram identificados com semelhante frequência
tanto pelos bullies (14.2% e 22.3% respetivamente) como pelas vítimas (13.8% e
21.9% respetivamente).
Quebra de silêncio
A quebra do silêncio foi evidenciada em apenas dois dos estudos analisados.
Didaskalau, Andreou e Vlachou conseguiram no seu estudo, realizado em 2009,
mostrar a quem as crianças vítimas de bullying vão reportar as suas queixas.
Dos 25.8% das vítimas, 20.5% não diz a ninguém que é vítima de bullying
enquanto 40.2% contam a alguém. Destes, a maioria prefere dizer a pessoas que
conhece (62.3%), dos quais 33.1% tem tendência a falar com os pais, 19.7% com
os professores, 18.5% com o diretor da escola, 7.3% com psicólogo, assistente
social ou outros profissionais e apenas 6% aos seus pares.
A maioria das crianças vítimas (69.5%) acha que contando as suas experiências a
alguém isso as ajudará e 82.3% delas diz que deveria de haver uma política
escolar contra o bullying.
Em 2010, no estudo realizado por Sentenac et al. que englobou a França e a
Irlanda, ficou também concluído que é mais fácil à criança vítima de bullying,
informar o pai do que a mãe.
Estes autores verificaram ainda que as crianças mais jovens falam mais sobre o
facto de serem vítimas que as crianças mais velhas, isto tanto nas crianças
portadoras de doença crónica como na criança saudável.
Discussão
Em 2001 Lahteenmaki et al. efetuaram um estudo no qual demonstraram que as
crianças com doença crónica são mais vítimas de bullying que as crianças
saudáveis este facto foi corroborado pelo estudo efetuado por Janssen et al.
demonstrando mais uma vez, em 2004, que as crianças que têm algum tipo de
doença prolongada são mais propensas a ser vitimizadas. Em 2006 no estudo
realizado por Cleave et al., que, em consonância com os estudos anteriores,
tinha como objetivo demonstrar se as crianças com doenças crónicas eram mais
vítimas de bullying do que as crianças saudáveis, também conseguiram demonstrar
que as crianças com doença crónica eram mais propensas a ser vítimas de
bullying. Para além deste facto, ficou evidente que as crianças portadoras de
uma doença crónica, além de serem mais vitimizadas, com o decorrer do tempo têm
tendência a adotar comportamentos de violência para com os seus pares tornando-
se também bullies, ou seja, as crianças portadoras de uma doença crónica são ao
mesmo tempo vítimas e bullies. O facto de ser bully/vítima ficou associado à
criança com uma necessidade especial de saúde, ligando isso também a problemas
emocionais, de comportamento ou a uma limitação funcional, o que foi referido
anteriormente também foi corroborado pelos estudos desenvolvidos por
Lahteenmaki et al., Janssen et al. e Cleave et al. publicados nos anos de 2001,
2004 e 2006.
No estudo publicado em 2009 efetuado por Hamiwka et al. demonstra que existem
diferenças socioeconómicas entre os pais das crianças portadoras de uma doença
crónica e os das crianças saudáveis, sendo que estes últimos possuem, na sua
maioria, mais recursos económicos e uma escolaridade superior. Este fator não
ficou associado ao facto de as crianças com doença crónica serem mais
vitimizadas, voltou-se a verificar o mesmo no estudo publicado em 2010
realizado por Sentenac et al..
Foi também demonstrado que as crianças mais jovens são mais frequentemente
vítimas que as mais velhas, esta evidência é relatada tanto na criança
portadora de doença crónica como na criança saudável.
O aspeto físico da criança é uma característica que pode influenciar o facto de
a criança vir a ser ou não vítima de bullying. Este aspeto ficou demonstrado no
estudo desenvolvido por Janssen et al. em 2004, onde foi evidenciado que o
facto de a criança ter um aspeto diferente, ser obesa ou ter excesso de peso, é
suficiente para que esta seja vitimizada, contudo esta vitimização não incluiu
o facto de serem de diferentes raças, cor ou religião.
Os estudos referem que o tipo de bullying mais utilizado é o bater, o dar
pontapés, o empurrar e ameaçar. Nas raparigas, o mais frequente são as ameaças
verbais, facto este que ficou comprovado pelos estudos realizados por Janssen
et al. em 2004 e por Hamiwka et al. em 2009. Constata-se portanto que estas
crianças são essencialmente alvo de um tipo de bullying verbal, físico e
emocional.
Conseguiu-se também verificar que muitas das vítimas contam as suas
experiências a grande maioria aos pais e a outros adultos significativos nas
suas vidas. Poucas são as crianças que contam aos seus pares, estes resultados
ficaram bem evidenciados nos estudos realizados por Didaskalau et al. em 2009 e
posteriormente corroborados por Sentenac et al. em 2010.
Conclusão
A análise dos artigos selecionados permite-nos concluir que as crianças com
doença crónica são mais vítimas de bullying que as crianças saudáveis
verificando-se que o tipo de bullying mais utilizado é o bater, o dar pontapés,
o empurrar e ameaçar e que nas raparigas, as ameaças verbais são o mais
frequente.
Verifica-se que o bullying é um fenómeno presente nos dias que correm, pelo
que, cada vez mais as pessoas precisam de ser sensibilizadas para este
acontecimento e é nesta sensibilização que o enfermeiro tem um papel muito
importante, pois este pode e deve intervir junto dos pais, escola e comunidade.
O enfermeiro de família tem um papel fundamental no desenrolar desta
intervenção, visto que tem uma relação de proximidade com a família e com a
comunidade escolar. O enfermeiro deve intervir da mesma forma, tanto nas
famílias onde os seus filhos são vítimas de bullying, como nas famílias em que
os filhos praticam atos de violência com outras crianças, pois não é solução
apenas intervir junto da família que a criança é vítima de bullying, porque o
agressor encontrará rapidamente outra vítima. Contudo, o enfermeiro deverá ter
algum cuidado na forma como vai intervir junto das famílias, porque muitas
vezes, as respostas dadas aos pais relacionadas com os acontecimentos de
violência que envolvem os seus filhos são mais prejudiciais do que benéficas, e
podem comprometer o futuro dos seus filhos, tanto a curto, como a longo prazo.
O enfermeiro tem o papel preponderante de alertar as associações de pais para o
fenómeno bullying, para que as famílias possam ver esta associação como um meio
de apoio para a situação pela qual o seu filho está a viver.
O enfermeiro deverá também, explicar aos pais que os seus filhos os veem como
modelos, eles adotam todas as posturas que os pais têm, sobretudo a opinião dos
pais sobre outros, a ética, os seus valores, a sua ideologia, por isso o
enfermeiro deve alertar os pais que devem ter em conta o que dizem quando os
filhos estão presentes e ter em conta que estes percebem a linguagem não-verbal
e que as crianças ouvem o que lhes é dito e o que os pais comentam entre si.
Como já foi referido anteriormente a criança com doença crónica, devido a
internamentos e a tratamentos, tem períodos de ausência na escola, e quanto
maior foi essa ausência, mais difícil vai ser retomar a rotina das aulas o que
pode resultar em fobia escolar. Se a criança retorna para a escola com alguma
mudança física óbvia, tal como a perda de cabelo, amputação ou cicatriz
visível, cabe ao enfermeiro preparar os colegas da escola para que estes lidem
com normalidade, com as mudanças que notam na criança, evitando assim um
processo de exclusão dessa criança evitando que esta seja vítima de bullying.
Com este trabalho conseguimos efetivamente mostrar, baseando-nos em dados
científicos, pois efetivamente é do senso comum que as crianças com doença
crónica são vítimas de bullying, que estas crianças são vitimizadas com maior
frequência que as crianças saudáveis e conseguimos também realçar o importante
contributo que nós enfermeiros poderemos oferecer para conseguir travar este
fenómeno da nossa atualidade.