A visão da família sobre a experiência de ter uma criança gastrostomizada
Introdução
Os avanços médicos e tecnológicos aumentaram a expetativa de vida de crianças
com necessidades de saúde complexas e, consequentemente, as demandas para a
manutenção de uma adequada ingesta nutricional nesta população também cresceram
(Rouse et al., 2002). Crianças que apresentam problemas para se alimentar por
condições sérias e crónicas, tais como paralisia cerebral ou outras desordens
neuromusculares e problemas cardíacos, podem necessitar de uma gastrostomia
para terem assegurado o recebimento de uma nutrição adequada, visando ao
crescimento e desenvolvimento ideais (Craig e Scambler, 2006).
A gastrostomia é um orifício criado na parede do estômago, dentro do qual um
cateter é colocado para que as fórmulas alimentares sejam infundidas
diretamente no estômago (Sleigh, 2005). O número de crianças que recebem
alimentação por via enteral vem aumentando significativamente desde a década de
1990 (Rouse et al, 2002).
Considerando que doença é um assunto de família (Wright e Bell, 2009) e que a
família é parte essencial para o cuidado de enfermagem (Angelo, 1999), infere-
se que a família está intrinsecamente ligada a qualquer situação de doença que
acometa algum de seus membros. Sendo assim, não há como prestar uma adequada
assistência de enfermagem sem incluí-la em todas as fases do processo.
Famílias que vivenciam a situação de doença crónica da criança passam por um
processo de adaptação que não é estagnado, podendo passar de um período de
controlo da situação para um de falta de controlo e, novamente, retornar para a
fase em que consegue dominar a situação. Este processo está relacionado com
diversas situações de controlo período inicial da doença, cuidado da criança,
fornecimento de suporte para que a criança conviva com a doença, circunstância
familiar e atual condição da doença (Damião e Angelo, 2001).
No que se refere à realização de gastrostomia, o contexto da doença e a
história da trajetória da família dentro dele fazem com que o dilema de
realizar ou não uma gastrostomia na criança tenha diferentes e complicados
significados. Dependendo do significado que o procedimento representa para a
família, a ideia desta tecnologia pode ser vista como favorável ou
desfavorável. Cuidar de uma criança dependente de tecnologia em casa gera
impacto em todo o sistema familiar, uma vez que a família enfrenta uma série de
dificuldades causadas por esta nova condição da criança (Fracolli e Angelo,
2006).
Sabendo que toda a família é afetada por uma situação de doença na criança,
torna-se necessário que a enfermagem conheça a experiência das famílias em
diferentes contextos, a fim de oferecer uma atenção de ótima qualidade por meio
de ações colaborativas em todo o processo, de acordo com a visão das
necessidades levantadas na perspectiva das famílias.
Metodologia
O objetivo deste estudo foi identificar as evidências científicas acerca da
experiência da família que possui uma criança gastrostomizada. Trata-se de uma
revisão integrativa da literatura que teve como ponto de partida a seguinte
questão: Como é para a família ter uma criança gastrostomizada? Após a
formulação da pergunta estabeleceram-se as bases de dados em que a seleção dos
artigos seria realizada e os critérios de inclusão dos mesmos. A busca dos
artigos foi realizada em diferentes bases de dados: Medical Literature Analysis
and Retrieved System on-line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde (LILACS), Cummulative Index for Nursing and Allied Health
Literature (CINAHL), Biblioteca Cochrane e Pubmed.
Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos publicados
em língua portuguesa, inglesa e espanhola, entre os anos de 2005 e 2011, com os
resumos disponibilizados nas bases de dados selecionadas; que abordassem
aspectos relacionados a fatores psicológicos, sociais, qualidade de vida e
experiência das famílias que tivessem uma criança portadora de gastrostomia.
A estratégia de captação e a seleção dos artigos foram norteadas pela pergunta
do estudo e pelos critérios de inclusão. Foram empregadas na busca as seguintes
palavras-chave: gastrostomia, criança, família, pais, percepção.
Foi encontrado um total de 162 artigos, sendo selecionados 31 estudos para
leitura dos textos na íntegra. A maioria dos artigos foi excluída, já que a
temática centrava-se apenas nos aspetos técnicos da gastrostomia, tais como:
causa, técnica cirúrgica, descrição e manejo de complicações mecânicas e
clínicas, programas educativos para o cuidado com o estoma, dentre outros. Após
a leitura integral dos 31 estudos pré-selecionados, a amostra final desta
revisão foi constituída por 10 artigos que se relacionavam diretamente com os
critérios de inclusão.
Cada artigo foi analisado individualmente e, para a construção da resposta à
pergunta desta revisão, componentes semelhantes nos estudos analisados foram
identificados, agrupados por similaridade e, em seguida, nomeados, dando origem
a quatro temáticas distintas.
Resultados e discussão
Os 10 artigos incluídos neste estudo distribuíram-se da seguinte maneira em
relação aos países de origem: seis do Reino Unido, dois dos Estados Unidos da
América, um da Austrália e um da Espanha. Quanto à tipologia: quatro eram
qualitativos, três quantitativos e três de revisão da literatura.
Um importante aspecto revelado durante a análise dos estudos foi o fato de
setenta por cento (70%) ter tido como participantes famílias de crianças que,
além da gastrostomia, também eram portadoras de déficits neuromusculares,
sobretudo decorrentes de paralisia cerebral, tendo a mãe como fornecedora
principal dos dados nas pesquisas, por se tratar do principal cuidador. De
acordo com a análise dos textos, os conteúdos das experiências similares
encontradas foram agregados e, desta maneira, os resultados foram agrupados em
quatro temáticas - o significado da alimentação para os pais, o desempenho do
papel parental, a experiência da família na interação com a equipa de saúde e a
vida após a gastrostomia - as quais direcionarão a discussão do conhecimento
produzido.
O significado da alimentação para os pais
Os estudos evidenciaram a percepção da alimentação oral e da gastrostomia em
decorrência do significado sociocultural que os pais lhes atribuíram. O ato de
comer faz parte da vida quotidiana e visto como uma atividade social (Hunt,
2007). Os pais dos estudos analisados viam a hora da refeição como um momento
especial deles com os seus filhos, sendo fonte de vínculo familiar (Petersen et
al., 2006).
O prazer de comer foi um tema comum entre as famílias. Experimentar diferentes
gostos e texturas era importante na visão deles, uma vez que privar a criança
desta gratificação chegou a ser verbalizado como uma crueldade (Morrow et al.,
2008; Petersen et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005).
Experiências de famílias com crianças que têm paralisia cerebral ou outras
desordens neuromusculares demonstraram a dificuldade das mães em oferecer a
alimentação por via oral, referindo-se à hora da refeição como uma batalha ou
uma guerra (Rollins, 2006). Nestes casos, a hora da refeição exigia uma grande
quantidade de tempo, porque as crianças recusavam a comida, tinham dificuldade
para sugar ou engolir, engasgavam e/ou vomitavam ou aspiravam com frequência
(Craig e Scambler, 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005). A exigência de tempo
para a alimentação da criança que necessitava de cuidados especiais implicava
menos tempo para outras atividades e para outros membros da família, inclusive
para si mesmas (Morrow et al., 2008; Rollins, 2006). Isto era física e
emocionalmente stressante para essas mães (Sleigh, 2005).
Observou-se que os discursos dos pais sobre alimentação são em alguns momentos
ambivalentes, pois apesar do stress associado com a alimentação oral, fazendo
dela uma hora difícil, também era experienciada como um momento especial e de
brincadeira, já que os pais ficavam mais próximos da criança e interagiam
melhor com ela (Sleigh, 2005).
A realização da gastrostomia representava perda de normalidade para a criança
pois, além de privá-la do prazer de comer, também a privava da socialização
associada com a refeição (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008; Petersen
et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005). Portanto, a administração da comida
por meio da gastrostomia era tida como impacto negativo na alimentação como
atividade social. A gastrostomia é vista pela família como algo anormal ou
antinatural em todos os estudos que abordaram a percepção familiar sobre essa
tecnologia.
Para alguns pais cujas crianças usavam sonda nasogástrica, a visão de que a
gastrostomia poderia ser escondida representava uma forma mais discreta de
alimentação e, portanto, era vista como uma vantagem do procedimento (Craig e
Scambler, 2006). Em contrapartida, para algumas famílias a sonda nasogástrica
era vista como algo temporário, já que poderia ser removida quando os pais
desejassem, podendo normalizar a criança, enquanto a gastrostomia era vista
como algo permanente, como um elemento transformador da criança, modificando a
maneira como ela é reconhecida pelos outros e pelos próprios pais (Craig e
Scambler, 2006; Petersen et al 2006), sendo percebida também como uma
deficiência adicional na criança, que pode torná-la ainda mais dependente de
outras pessoas (Petersen et al., 2006).
Os estudos evidenciaram a ansiedade que as mães têm em relação à transformação
e às mudanças geradas pela gastrostomia (Craig e Scambler, 2006). Para
determinadas famílias a gastrostomia significava que a criança nunca iria se
alimentar adequadamente, era uma confirmação de que algo realmente estava
errado e de que sua criança tinha uma grave deficiência (Petersen et al., 2006;
Rollins, 2006;). Deste modo, o apego à alimentação oral, em decorrência do
significado que ela e a gastrostomia têm para algumas famílias, pode explicar,
em parte, a relutância deles em aceitar a sugestão da gastrostomia em algum
momento da vida da criança (Rollins, 2006).
O desempenho do papel parental
São relevantes os conflitos gerados na vida familiar e durante o processo de
decisão em razão do significado simbólico da alimentação oral e da maternidade,
em contraposição à gastrostomia como solução aos problemas alimentares da
criança. Na revisão efetuada o papel parental relaciona-se a três domínios.
A maternidade: a decisão de amamentar geralmente é tomada antes do nascimento
da criança (Nelas, Ferreira e Duarte, 2008), sendo assim, para as mães cujas
crianças tinham dificuldade para comer desde o início, a maternidade envolvia o
abandono de sonhos, como a amamentação (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007;
Sleigh, 2005). Antes da realização da gastrostomia, a vida das mães era
consumida pela preocupação com o fornecimento de alimentação adequada para seus
filhos, já que se sentiam responsáveis pela saúde da criança, e ter um filho
magro, com aspecto de doente, significava ser uma mãe negligente (Craig e
Scambler, 2006). Elas descreveram um forte instinto maternal de alimentar a
criança oralmente, e essa essência natural, de agir como uma mãe, fazia com que
elas, apesar dos problemas associados com a alimentação oral, continuassem a
alimentar a sua criança de uma maneira normal, pela boca (Petersen et al.,
2006; Sleigh, 2005). As mães expressaram sentimento de culpa pelo crescimento
insuficiente da criança e pela necessidade da cirurgia, por terem falhado ou
não se esforçado para estabelecer a alimentação oral (Craig e Scambler, 2006;
Morrow et al., 2008). Houve ainda relatos em que mães alegaram sentir-se
escravizadas, presas em casa, com a privacidade invadida e não possuindo um
momento para elas mesmas, pois também tinham de administrar as necessidades de
outros membros da família (Sleigh, 2005). Algumas delas sentiam-se
desconfortáveis em alimentar a criança em público, tendo medo de repressão. Há
relatos demonstrando que consideram ser mais humilhante para elas alimentar a
criança pela boca do que por uma sonda, uma vez que tinham de forçar a criança
a comer. Para elas, uma mãe que tem de alimentar sua criança usando força é
estigmatizada, criando um conflito no relacionamento idealizado entre mãe e
filho (Craig e Scambler, 2006). Em alguns momentos as mães sentiam-se
frustradas, cansadas e atravessavam sentimentos de culpa e tristeza, sentindo-
se sós (Sleigh, 2005). Os problemas com a alimentação da criança, seja
oralmente ou por um tubo, desafiam as narrativas culturais sobre a boa
maternidade, ou seja, sobre o que é ser uma boa mãe (Craig e Scambler, 2006;
Rollins, 2006). Quando uma mãe toma decisões a respeito da alimentação da
criança, ela fá-lo num contexto que inclui o que pensa que a criança poderia
aparentar, ou seja, a idealização da criança, e o que pensa que poderia ser
como mãe, a idealização de mãe (Craig e Scambler, 2006).
Os relacionamentos: tanto para as mães quanto para os pais, os problemas
alimentares limitavam a participação na vida social. Muitos referiram ter
perdido os seus amigos depois de ter uma criança com deficiência e relataram
que a sua criança era frequentemente excluída de eventos sociais ou atraía
atenção negativa do público (Morrow et al., 2008). Os efeitos dos problemas
alimentares da criança eram, portanto, sentidos por toda a família, com fatores
emocionais adicionais para o casal. Pais e mães relataram impacto negativo nos
seus casamentos decorrente do stress associado com a alimentação, além de uma
tensão que se estendia aos outros membros da família em razão das diferenças de
opiniões ou desaprovação sobre o manejo de algumas escolhas. Os irmãos também
eram afetados pelas dificuldades envolvidas na alimentação, o que gerou
problemas de comportamento entre os irmãos da criança doente (Morrow et al.,
2008). A alimentação e a escolha do método alimentar afetam muitos aspectos da
vida familiar. As mães apresentaram dificuldade em construir uma vida familiar
normal. A vida tornava-se regrada às horas de alimentação, fazendo com que a
família não pudesse relaxar nem mesmo durante um passeio (Sleigh, 2005). Logo,
as rotinas de alimentação podem dominar a vida familiar e trazer isolamento
social para a família.
O processo de decisão: estudos qualitativos descreveram o tumulto emocional
pelo qual as famílias frequentemente passam quando se deparam com o momento de
decidir se aceitarão ou não a gastrostomia na sua criança (Gunton- Bunn e
McNee, 2009). Muitas são as preocupações e expetativas da família antes da
realização do procedimento (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008; Wilson
et al., 2010), tornando a decisão sobre a inserção da gastrostomia complexa,
difícil e carregada de emoções (Hunt, 2007; Rollins, 2006). Apesar dos esforços
empreendidos com a alimentação oral dominarem a vida das crianças e das
famílias, para os familiares este problema nunca foi motivo suficiente para
justificar uma intervenção cirúrgica. A decisão de consentir a gastrostomia
gerava nos pais sentimentos de desapontamento e incapacidade, pois significava
admitirem para si mesmos e para os outros que haviam falhado no papel parental
(Craig e Scambler, 2006; Gunton- Bunn e McNee, 2009). A maioria dos pais
resistiu inicialmente a recorrer à alimentação pela gastrostomia, sobretudo
porque significava que estavam desistindo da alimentação oral e aceitando uma
solução anormal (Petersen et al., 2006). Os pais queriam proteger a criança de
tratamentos e intervenções que não fossem realmente necessários (Morrow et al.,
2008). Os pais sentiam uma grande responsabilidade ao ter de consentir a
realização do procedimento (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008),
esperando ganhos e perdas com a introdução do dispositivo (Wilson et al.,
2010). A falta de certeza sobre a efetividade da alimentação pela gastrostomia,
ou seja, não saber se realmente se a criança beneficiaria com ela, era um dos
fatores que dificultava o processo de decisão (Craig e Scambler, 2006). Em
relação aos aspectos médico-cirúrgicos, os pais sentiam medo de que a criança
sofresse e de que algo pudesse dar errado com o procedimento no que dizia
respeito à anestesia, dor e aparência física do tubo (Morrow et al., 2008). No
entanto, não foram relatadas preocupações apenas em relação ao procedimento
técnico em si, mas também com o aspecto social, ou seja, como a gastrostomia se
ajustaria no quotidiano da criança e da família, as mudanças no estilo de vida
e as consequências emocionais associadas com a inserção do dispositivo (Sleigh,
2005). Pais que não suportavam a ideia de uma gastrostomia apresentavam
subjacente a esta oposição medo do estigma associado à gastrostomia que, por
consequência, poderia levar à marginalização, aumento de discriminação e
isolamento da criança (Petersen et al., 2006; Sleigh, 2005). Discutiu-se também
a preocupação da criança se tornar dependente da gastrostomia e perder, ou
falhar em adquirir, habilidades para se alimentar oralmente. Isto demonstra a
esperança da família de que em algum momento no futuro a criança pudesse
alimentar-se normalmente, e que a gastrostomia fosse somente uma medida
temporária (Craig e Scambler, 2006; Petersen et al., 2006). Muitos acreditavam
que a alimentação oral seria proibida após aceitarem a gastrostomia (Rollins,
2006). Durante o processo de decisão alguns familiares sentiram que não
participaram ativamente dessa etapa (Martínez-Costa et al., 2011), com mães
referindo não terem sido apoiadas e sentindo-se pressionadas, tanto pelos
membros da família como pelos próprios profissionais de saúde a aceitar o
procedimento (Morrow et al., 2008). Para ajudar no processo de decisão, muitas
famílias relataram necessidade de conversar com familiares de outras crianças
que já haviam passado pelo procedimento anteriormente, pois queriam saber de
suas experiências positivas e negativas em relação à gastrostomia (Morrow et
al., 2008).
A experiência da família na interação com a equipa de saúde
A qualidade do relacionamento que se estabelece com o sistema de saúde e os
sentimentos e emoções que esta interação gera nos pais é outro aspeto do
conhecimento disponível. Alguns pais mencionaram experiências positivas
(Martínez-Costa et al., 2011), porém a maioria relatou experiências negativas
na comunicação com a equipa (Morrow et al., 2008).
As conversas e interações de pais com os profissionais de saúde tinham
prejudicado o senso de competência parental antes de o problema ser confirmado,
levando-os a acreditar que os profissionais estavam a fazê-los sentir-se
culpados e envergonhados pela condição nutricional da criança (Morrow et al.,
2008). Além disso, em alguns casos, os profissionais não apreciavam o esforço
dos pais em fornecer a alimentação oralmente (Sleigh, 2005).
As famílias descreveram que as suas opiniões não eram consideradas importantes
pelos profissionais, com sentimentos de raiva, desmoralização e frustração
emergindo dos encontros com aqueles, já que não se sentiam ouvidos (Morrow et
al., 2008; Sleigh, 2005).
Os pais identificaram a falta de informação por parte dos profissionais e
julgaram que as informações dadas tinham sido inadequadas (Morrow et al.,
2008).
Na percepção materna, aquelas que não estavam de acordo com a sugestão dos
profissionais de aceitar o procedimento para a realização da gastrostomia, eram
vistas como más mães, sendo marginalizadas por eles, ao passo que aquelas que
aceitavam o procedimento eram vistas como mães civilizadas, pois estavam
fazendo a escolha certa (Craig e Scambler, 2006). Para os pais, a equipa
escolhia uma abordagem clínica sem considerar a experiência de vida das
famílias (Morrow et al., 2008).
A vida após a gastrostomia
As avaliações que a família faz da sua vida e da vida da criança após a
realização da gastrostomia também compõem a experiência. As visões das famílias
são bem diferentes. A percepção de que a cirurgia foi um sucesso depende das
circunstâncias pessoais da família e da criança, incluindo o diagnóstico, o
prognóstico e, ainda, o suporte disponível dos membros da família e do sistema
de saúde.
Após a realização da gastrostomia, a maioria das mães sentiu alívio, visto que
houve mudanças positivas na vida da criança e nas suas próprias vidas
(Martínez-Costa et al., 2011). A melhora na qualidade de vida dos cuidadores de
crianças com gastrostomia é explicada por: maior facilidade para administrar
medicamentos, diminuição da preocupação referente à condição nutricional da
criança e redução nas horas gastas com alimentação, significando mais tempo
para outros membros da família (Martínez-Costa et al., 2011; Morrow et al.,
2008; Petersen et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005; Wilson et al., 2010).
Em contrapartida, outros estudos demonstraram o impacto negativo que a
gastrostomia trouxe para a vida familiar, como a alimentação pela gastrostomia
continuar a consumir muito tempo do cuidador, resultando em cansaço e
perturbação do sono (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007).
Uma grande insatisfação estava relacionada com a anormalidade deste método de
alimentação, levando a família a isolar-se para alimentar a criança quando se
encontrava em locais públicos, visando evitar reações desagradáveis dos outros
(Brotherton, Abbott e Aggett, 2007; Sleigh, 2005). Mães e pais falaram sobre as
reações negativas do público percebidas por eles (Brotherton, Abbott e Aggett,
2007; Craig e Scambler, 2006), geralmente em forma de olhar hostil ou
questionamentos desagradáveis ou inoportunos sobre a gastrostomia (Craig e
Scambler, 2006).
Aqueles que tinham experiências negativas descreveram outras complicações que
consideravam inaceitáveis, tais como acompanhamento profissional e recursos
insuficientes, deterioração na saúde da criança e na socialização (Morrow et
al., 2008). Muitos pais sentiam que o equipamento restringia a capacidade da
criança de participar nas atividades em família, levando os pais a sentirem-se
isolados de outros membros familiares, limitando a possibilidade de a família
sair para passeios ou tirar férias. A gastrostomia também causou impacto
negativo dentro do sistema familiar, interferindo no relacionamento do casal,
com conflito entre os cônjuges, e no relacionamento dos pais com outros filhos
(Brotherton, Abbott e Aggett, 2007).
Conclusão
A revisão realizada indica que a experiência das famílias de crianças
gastrostomizadas é composta por diversos desafios e transformações, que
envolvem o manejo do dispositivo, o relacionamento com a criança, com os demais
membros da família, profissionais de saúde e entre os próprios pais.
Antes e após a realização da gastrostomia na criança, as famílias vivenciam
abalos na sua dinâmica. As repercussões geradas afetam o relacionamento entre
os membros da família e da família com a sociedade. As alterações no
funcionamento psicossocial vêm acompanhadas de intenso sofrimento, já que a
família nem sempre consegue manejá-las.
A análise realizada aponta para importantes implicações para a prática e a
pesquisa em enfermagem em relação ao tema, sobretudo porque família e equipa de
saúde possuem diferentes perceções sobre a realização de gastrostomia na
criança. A família carece de apoio e informações por parte da equipa de saúde,
necessitando também de um relacionamento em que os desafios, temores e
inquietações sejam considerados em todo o curso da experiência.
Os enfermeiros encontram-se em posição privilegiada para o cuidado da família
que vive a experiência de cuidar de uma criança com gastrostomia, e podem
construir relacionamentos colaborativos, ultrapassando o treino para manejar o
dispositivo da gastrostomia, e passando a considerar e incorporar a experiência
vivida pela família à assistência de enfermagem.
As intervenções de enfermagem com famílias devem ser iniciadas nos primeiros
contatos, ao procurar conhecer quem é a família e quais são as suas percepções
sobre a experiência. Devem ser considerados pelo profissional, temas
importantes nas interações com as famílias: dúvidas, temores, inseguranças em
relação ao papel de pai e mãe, processo de tomada de decisão, no qual a família
deve ser incluída, tendo em conta o ajustamento da nova condição da criança,
gastrostomizada ao quotidiano da família.
Assim sendo, as evidências trazidas por esta revisão trazem implicações para a
prática assistencial, direcionando as conversas e as intervenções de acordo com
as ansiedades, angústias e necessidades referidas por elas. Isto, sem dúvida,
proverá acolhimento e favorecerá não só a relação entre a equipa e a família,
como também ajudará a família a enfrentar esta situação de doença a curto e
longo prazo.
Esta revisão de literatura indica a necessidade da realização de pesquisas
destinadas à ampliação do conhecimento em diferentes contextos geográficos e
culturais, incluindo o desenvolvimento de intervenções apropriadas aos
problemas identificados. É o momento de procurar compreender a experiência de
famílias que vivem em contextos socioeconómicos e culturais diferentes daquelas
dos estudos analisados, para possibilitar comparações sistemáticas das
experiências e o cuidado às famílias sustentado por evidências apropriadas à
realidade vivida por elas.