Estilos parentais, inteligência emocional e o enfant terrible: relações,
implicações e reflexões
Introdução
A envolvência e dinâmica familiar são determinantes em muitas problemáticas do
indivíduo. Neste sentido, segundo Gfroerer et al. (2011), os estilos parentais
encontram-se identificados como os principais determinantes do funcionamento
familiar e do bem-estar dos adolescentes: a importância que esta temática tem
para a Enfermagem reside no facto de que, segundo Groefer et al. (2011), os
estilos parentais se encontram identificados como os principais determinantes
do funcionamento familiar e do bem-estar dos adolescentes. Assim, o enfermeiro
assume aqui um papel preponderante dada a sua proximidade com o contexto
familiar. Os estilos parentais podem ser definidos como um corpus de atitudes e
comportamentos baseados num sistema de crenças e valores que abarcam, em si
mesmos, determinadas práticas, segundo as quais os pais educam, lato sensu, os
seus filhos. Deste modo, com este artigo, objetiva-se responder à questão: De
que forma influi o estilo/práticas parentais na aquisição de competências
emocionais e sociais da criança/adolescente?
Metodologia
Entre 25 de setembro e 15 de dezembro de 2011, procedeu-se a uma pesquisa
bibliográfica nas bases de dados da Revista de Enfermagem Referência, Pubmed
Central e Ebsco (Cinahl Plus Full Text; Medline Full Text; Academic Search
Complete). Foi também consultada bibliografia ad hoc sobre o tema em análise.
Incluíram-se apenas artigos publicados em texto completo e nos idiomas
português e inglês. Existiu uma clara preferência pela evidência mais recente à
data (sete artigos de 2010, sete de 2009 e um de 2011). Para o efeito, na
pesquisa em bases de dados, utilizaram-se os seguintes descritores e
combinações entre estes: estilos, parentais, adolescência, hiperactividade,
emoções, authoritative, parental, parenting, styles, spanking, injunctions,
practices, emotional, intelligence, adolescent, adjustment, alcohol, parent-
child, relationship, emotions, mindfulness, ADHD, monitoring, risk taking e
substance use. Após a leitura dos resumos, excluíram-se grande parte dos
artigos por efetivamente não versarem sobre a temática em questão, iniciarem
uma abordagem à mesma de forma residual ou por não se enquadrarem no leitmotiv
seguido no presente artigo. Deste modo, pretende-se com este artigo, uma
reflexão crítica, expondo e explorando a mais recente evidência sobre um tema
atual e controverso.
Parentalidade: modelos e consequências
A literatura encontra uma relação estreita e sobejamente descrita, entre as
influências dos estilos parentais e o desenvolvimento psicossocial de crianças
e adolescentes. Conforme refere Prevatt (2003, p. 470), uma parentalidade
ineficaz ou negligente é um forte preditor do insucesso na vida adulta numa
grande variedade de áreas (tradução nossa). Baumrind (1966) foi pioneira neste
tipo de estudos e desenhou um modelo que enuncia três tipos de estilos
parentais: autoritário, permissivo e autoritativo. Não obstante existirem
outras designações e subtipos de outros autores, este modelo tripartido
constitui-se como basilar para todos eles, sendo também o mais escrutinado e
corroborado. Quanto ao primeiro, os pais autoritários caracterizam-se como
directivos e controladores, prezam a obediência e demonstram pouco envolvimento
emocional. Constroem um sistema de regras e normas que acarretam punições se
não cumpridas. Encontra-se descrita na literatura, a relação entre o estilo
autoritário e a perceção dos filhos de uma dinâmica familiar negativa, assim
como os estados depressivos em adultos (Gfroerer et al. 2011).
Na dimensão diametralmente oposta, os pais permissivos não impõem uma regulação
rígida e pautam-se por uma conduta pouco exigente e muito afectuosa. Preferem
que a criança/adolescente se auto-regule e constituem, na perspectiva da
criança, um recurso para esta alcançar os seus desejos e não um modelo a seguir
(Baumrind,1966). A sua não-interferência aquando de um comportamento
desadequado tende a funcionar como reforço positivo desse mesmo comportamento
(Baumrind,1966). Por sua vez, no estilo autoritativo existe um equilíbrio, uma
mescla das melhores características dos estilos autoritário e permissivo. Estes
pais exercem uma disciplina moderada com o esclarecimento de normas e limites,
um estímulo da autonomia, uma comunicação eficaz, otimista e positiva que se
adequa à situação e maturidade da criança/adolescente. Existe na relação pais-
filhos uma envolvência emocional adequada, sem tocar os extremos da
permissividade ou do autoritarismo. Grosso modo, o estilo parental autoritativo
tem estado associado a uma maior maturidade e competência social, assim como a
maiores níveis de responsabilidade e sucesso académico em crianças e
adolescentes (Gfroerer et al. 2011). É sobretudo este estilo parental e as
práticas a ele associadas, que se revelam como mais adequados e conducentes a
um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, e por conseguinte aquele que irá
ser discutido ao longo deste artigo. Neste sentido, dar-se-á ênfase a dimensões
que se podem considerar de algum modo como inclusas e conexas com este modelo.
Assim, irá ser abordada a supervisão e superproteção parental, o papel das
emoções na relação pais-filhos, e a eficácia dos métodos disciplinares na
prevenção de alterações comportamentais.
Discussão
Controlo e supervisão: quando, quanto e como?
O controlo consiste na forma como os pais direcionam e modelam o comportamento
dos filhos, através de exigências e restrições. Este apresenta duas dimensões:
o controlo comportamental e psicológico. Podemos referir que o controlo
comportamental comporta recompensas tais como o elogio ou, a contrário sensu,
punições verbais ou físicas aquando de comportamentos que estão para além das
regras estabelecidas. Por sua vez, o controlo psicológico refere-se à relação
psicológica entre pais e filhos e consiste em expressões sentimentais negativas
associadas a comportamentos não desejados pelos pais. Encontra-se ligado à
indução de culpa e vergonha, inibe a expressão de emoções e assemelha-se a uma
manipulação. Por exemplo, expressar desagrado, desapontamento ou enfatizar os
sacrifícios que os pais fazem pelo filho (Manzeske e Stright, 2009). O controlo
excessivo, nas suas duas vertentes, enquadrado no estilo autoritário, é
contraproducente sobretudo nos jovens adultos, já que acaba por interferir no
seu processo de individuação e formação de identidade (Manzeske e Stright,
2009). Com efeito, a construção do eu revela-se para o adolescente um estádio
crucial sendo norteado pelos vetores autonomia (face aos pais) e identidade
(face a si próprio). Torna-se uma crise, seguindo a terminologia Ericksoniana,
constituindo-se como determinante para o lifespan (no decurso da vida).
Deste modo, se o controlo psicológico for elevado poderá existir a
interiorização de culpa e confusão o que interfere de modo negativo no
desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes. De facto, uma baixa
auto-estima, elevados níveis de depressão, ansiedade, menores competências
sociais e fenómenos de externalização comportamentais, encontram-se associados
a um controlo psicológico elevado por parte dos pais (Manzeske e Stright,
2009). Particularmente o controlo psicológico maternal encontra-se associado a
uma menor capacidade do jovem adulto para regular as emoções, com todas as
consequências que daí advêm (Manzeske e Stright, 2009). Ao invés, deverá
existir uma supervisão, por oposição a um controlo que apresenta uma índole
diretiva mais exacerbada. A supervisão monitoriza sem ser intrusiva. Esta
revela-se necessária em idades precoces, fornecendo orientação, feedback e
segurança, mas deverá diminuir paulatinamente ao longo dos anos, sendo no menor
grau possível no jovem adulto para não interferir/obstaculizar na sua auto-
regulação e individuação.
A necessidade do risco
O caso paradigmático talvez surja com a adolescência em que o controlo parental
aparece como resposta a um receio dos pais que a procura de sensações novas,
intrínseca ao adolescente, degenere em comportamentos de risco e/ou redunde em
eventuais problemas de externalização ou internalização do comportamento. A
externalização reflete conflitos com o ambiente, tais como comportamentos
impulsivos e desviantes (delinquência), e à internalização subjaz um conflito
interno traduzido em ansiedade, isolamento ou depressão. Não obstante, a
procura do risco e a experimentação, dentro de certos limites, são necessárias
para uma aprendizagem dos benefícios em retardar a satisfação imediata.
Experienciar é indispensável para uma interiorização e maturação do
autocontrolo que permita ao adolescente não adotar comportamentos de risco,
caracterizados pelo imediatismo (da satisfação) tais como o consumo de álcool,
tabaco e drogas ilícitas (Romer et al., 2010). Ou seja, a evicção do risco e o
hetero controlo coartam, em certa medida, uma aprendizagem necessária para um
desenvolvimento do autocontrolo. A corroborar este ponto, Antunes (1998, p.33),
ao explicar os comportamentos alcoólicos dos adolescentes, refere que os pais
autoritários, mais propensos a formas de controlo mais rígidas e inflexíveis,
dificultam aos filhos a realização de experiências que lhes permitam aprender
a resolver os seus problemas.
Os efeitos nocivos da superproteção parental
Spokas e Heimberg (2009), sugerem que a superproteção parental, aqui em linha
com o conceito de controlo já mencionado, contribui para uma maior ansiedade
social e para o desenvolvimento no indivíduo de um estilo cognitivo em que este
acredita que os resultados são essencialmente determinados por fatores
externos. Por outras palavras, a superproteção reforça o locus de controlo
externo. Este constructo, refere-se a esquemas cognitivos que podem assentar na
externalidade ou na internalidade. Indivíduos com um elevado locus de controlo
interno, acreditam que as circunstâncias e vicissitudes da vida, lato sensu,
dependem deles próprios. Ao invés, pessoas com uma elevada externalidade não
acreditam no seu agir modificador das circunstâncias. De facto, pais
superprotetores ao resolverem todos os problemas dos seus filhos retiram
obstáculos com que os filhos se deparam mas retiram também aquilo que são
etapas cruciais do desenvolvimento psicossocial, diminuindo a sua capacidade
resolutiva e de tolerância à frustração (Antunes,1998). Assim alguma
experimentação e risco são necessários dado que é este tête-à-tête que irá
permitir que se construa um locus de controlo interno que permita aprender a
ultrapassar a adversidade. Se a supervisão é necessária, ultrapassada a linha
para uma superproteção fará com que os esquemas cognitivos se mantenham
incipientes e pouco hábeis perante a adversidade e o problema. Desta forma, os
pais intrusivos acabam por fomentar uma relação de dependência dos filhos em
relação a estes.
As emoções como eixo na relação pais-filhos
A inteligência emocional, não obstante ser uma conceção relativamente recente,
é cada vez mais sustentada por novos estudos e evidências acerca do seu papel.
Grosso modo, a inteligência emocional define-se como a capacidade de
identificar, reconhecer e gerir sentimentos. Um primeiro impulso foi dado por
Damásio (1994), que demonstrou não existir uma indissociabilidade da res
extensa e da res cogitans. Não existe um corpo separado da mente, tal como não
existe uma separação entre Emoção, Razão e Comportamento. Segundo este autor,
um comportamento, um acto decisório, tem mais de emocional do que uma razão
pura. Desta forma, se o comportamento é emocional, importará considerar esta
dimensão na relação pais-filhos. Sobre a importância das emoções neste
contexto, Barry e Kochanska (2010), referem: A resposta emocional dos pais às
emoções expressas pelos filhos têm importantes consequências ao nível do
desenvolvimento social e emocional, regulação psicofisiológica, coping,
compreensão emocional e a qualidade das amizades que os filhos estabelecem
(tradução nossa).
Nesta linha de pensamento, Alegre e Benson (2010) referem que os filhos de pais
que ignoram sistematicamente os filhos (negligência), que exercem uma
disciplina rigorosa e que não estabelecem uma boa relação comunicativa com os
seus filhos, irão desenvolver menores índices de inteligência emocional. Ora,
uma menor inteligência emocional implica uma menor eficácia ao nível das
respostas às problemáticas quer do self, quer àquelas lhe são exteriores o que
resultará, segundo os mesmos autores (2010), em fenómenos mal-adaptativos de
internalização e externalização comportamentais dada essa falta de
competências. Existe assim um fraco insight do adolescente, facto que tem na
sua génese uma falta de envolvência emocional na relação entre este e os pais.
É necessário que os pais promovam a expressividade emocional na relação com os
seus filhos, para que estes aprendam a reconhecer e a gerir estados emocionais.
A inteligência emocional, ao contrário do Q.I (quoficiente de inteligência),
aprende-se e desenvolve-se, sobretudo, nas relações com os outros
significantes. Duncan, Coatsworth e Greenberg (2009) apontam uma direção, uma
nova praxis que podemos designar por parentalidade consciente (mindful
parenting). Este modelo centra a relação pais-filhos numa escuta activa e
aceitação do outro, sem julgamentos à priori e enfatiza a relação afetuosa
entre pais e filhos. Trata-se de promover a não-reatividade a comportamentos,
valorizando uma atenção consciente e presente aos atos e experiências que
vivenciamos. O eixo seguido, objetiva um potenciar da inteligência emocional
pelo reconhecer das emoções em pais e filhos e é pautado por atitudes tais como
a afetuosidade, compaixão e uma comunicação plena e eficaz, sem renegar a uma
disciplina moderada.
O enfant terrible e as práticas parentais: qual a ligação?
Existem três dimensões que se constituem como relevantes para o despoletar e
agravar de comportamentos anti-sociais em crianças do sexo masculino. A
primeira diz respeito aos conflitos pais-criança, pautados por discussões,
punições físicas severas e uma antipatia dos pais em relação à criança, num
ambiente que se constitui como antítese das práticas autoritativas que temos
vindo a descrever (Ehrensaft et al., 2003). A segunda refere-se a uma
supervisão ténue ou ausente. A título de exemplo, é fundamental saber o
paradeiro da criança e como e com quem o seu tempo é ocupado, dado que a
desregulação ou permissividade, sobretudo em crianças, tem efeitos negativos
(Ehrensaft et al., 2003). Por fim, segundo Ehrensaft et al., 2003, a falta de
um envolvimento positivo, o que inclui um parco apoio emocional e pouca
expressão de interesse nas atividades do filho. Ou seja, um contr olo elevado
com práticas punitivas severas, uma ausência de supervisão ou da componente
emocional estão na base de fenómenos de externalização: contribuem para o
surgir do enfant terrible, aqui entendido como a criança problemática, lato
sensu. Estas três dimensões, particularmente esta última, irão comprometer
aprendizagem das emoções, o que se traduz num insight emocional mais reduzido
e, consequentemente, em menores competências psicossociais. O enfant terrible
tem, necessariamente, um défice de inteligência emocional.
Não obstante esta ser uma realidade em que vários factores influem, Hoeve et
al. (2009), concluem existir uma relação significativa entre delinquência e o
estilo/práticas parentais. Os mesmos autores (2009) referem a rejeição,
hostilidade, negligência e o controlo psicológico como correlacionados de forma
significativa com a delinquência. Se o controlo exagerado e inflexível é
pernicioso, já a supervisão parental e a existência de regras é essencial.
Neste sentido, Kiesner, Poulin e Dishion (2010) referem que o uso de
substâncias ilícitas individualmente ou com os pares é significativamente mais
elevado quando se verifica uma baixa ou inexistente supervisão parental. A
supervisão encaixa-se no modelo autoritativo e no mesmo sentido, os
adolescentes que caraterizam os seus pais como sendo autoritativos encontram-se
mais protegidos no que diz respeito a comportamentos desviantes, mormente o
(ab)uso de substâncias ilícitas (Gfroerer et al., 2011). Os pais, e em sentido
lato a família, têm assim uma função de contenção e clarificação, caso
contrário empurram o jovem para uma espiral negativista (Pinto, 2002). A
criança/adolescente necessita de uma rede de segurança, uma teia de regras que
balizem o seu comportamento, não muito apertada caindo no autoritarismo e no
controlo rígido e exacerbado, mas também não muito larga sob pena de não
supervisionar ou ser negligente. Numa verdadeira e genuína supervisão, os pais
são o alicerce e a referência, sendo erróneo enveredarem por caminhos de
excessiva amizade e permissividade com os filhos, numa quase inversão de
papéis, quiçá na tentativa inconsciente de evitar o conflito ou sendo
subjacente a um mecanismo compensatório. Tal só provocará confusão e
desestruturação no adolescente.
Paralelamente, Zwaluw et al. (2010) abordam também a forte ligação entre a
parentalidade e aspectos comportamentais, sobretudo a relação entre esta e o
abuso do álcool em jovens. Estes autores (2010) mencionam que tem existido uma
associação entre o gene recetor da dopamina (DRD2) e o abuso do álcool. Todavia
não poderá aqui existir uma relação direta, inequívoca e absoluta entre gene e
comportamento, sendo que existem outros fatores que medeiam esta relação
nomeadamente as práticas parentais. Com efeito, os autores (2010) supracitados
referem que uma permissividade exacerbada, com a inexistência de regras na
relação pais-filhos, aumenta o consumo de álcool ao longo do tempo. Esta
ausência de regras e limites na relação pais-filhos, apanágio do estilo
permissivo antedito, interage e potencia o risco que o gene DRD2 providencia.
Hiperatividade: parentalidade, controvérsias e ambiguidade
Será legítimo então perguntar se o enfant terrible, muitas vezes diagnosticado
e medicado, não tem na génese, manutenção e/ou agravamento da sua situação
clínica, práticas parentais obnóxias. Segundo Ellis e Nigg (2009), embora
exista uma suscetibilidade genética, a Perturbação de Hiperatividade com Défice
de Atenção (PHDA) encontra-se associada, na sua exacerbação e manutenção, a um
baixo envolvimento do pai com a criança em paralelo com uma disciplina ausente
ou inconsistente. Controlo social do comportamento desviante e a excessiva
medicalização da sociedade, sobre-diagnóstico, são algumas críticas que giram
em torno desta questão. Parens e Johnston (2009) abordam algumas destas
controvérsias, desde logo o facto do diagnóstico contemplar também alguma
subjetividade. Estes autores (2009) referem ainda, entre vários outros
considerandos, que o DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders, Fourth Edition), baseia o seu diagnóstico da PHDA em seis sintomas,
ao passo que o ICD 10 (International Statistical Classification of Diseases and
Related Health Problems, 10th Revision) pressupõe a existência de dez sintomas.
Consequentemente, os índices de diagnóstico da doença esperam-se mais altos
dentro da moldura traçada pelo DSM IV. Dependerá então do sistema
classificativo, do modo como se olha esta problemática. Ainda assim, seguindo
alguns dos argumentos apresentados pelos autores (2009) supracitados, existe
amplo consenso entre peritos no diagnóstico de formas severas e ligeiras da
doença. Porém, existirá entre estas duas uma zona de ambiguidade sujeita a
interpretações diferentes. Existem também diferentes expectativas dos pais e da
sociedade no que se refere ao temperamento da criança, integradas culturalmente
e por isso interpretadas à luz de sistemas de valores diferentes. Deste modo,
sobretudo no enfant terrible enquadrado na zona de ambiguidade, o técnico de
saúde deverá considerar todos os fatores que aqui concorrem, nomeadamente
práticas parentais tais como um fraco envolvimento emocional e/ou uma
disciplina inconsistente.
O mito do efeito contraproducente da palmada
Assim, os pais não se deverão demitir da sua função supervisora e
disciplinadora, sob pena de concorrer para o advir do enfant terrible
(externalização) ou do enfant déprimé (internalização). A literatura é
abundante em considerar a coercibilidade (punições físicas) ligada a
comportamentos antissociais: o agredido torna-se agressor. Mas será daqui
entendível que o recurso a qualquer medida disciplinar que envolva punição
física não deva ser adoptada? Larzelere, Cox e Smith (2010) concluem que
deverão ser utilizadas sempre medidas disciplinadoras moderadas tais como a
explicação verbal do porquê de certo comportamento não ser tolerado, coadjuvada
se necessário com a estratégia do time out (pausa), em que por um período
limitado de tempo a criança é isolada, por norma no quarto, o que vai permitir
que a criança acalme, apreenda estratégias de coping, além de desencorajar o
comportamento desadequado. Segundo estes autores (2010), esta estratégia é o
método disciplinador com a maior base científica para lidar com crianças com
Transtornos de Oposição e Desafio, Transtornos de Conduta e PHDA, em
alternativa a métodos que envolvam punições físicas. Além disso, depreende-se
do estudo de Larzelere, Cox e Smith (2010), não existir um nexo de causalidade
entre a palmada, usada com parcimónia e em último recurso, à posteriori das
tácticas referidas, e o comportamento antissocial. No entanto, estas conclusões
não deverão ser entendidas como uma base de legitimação da mesma, simplesmente
não a deverão excluir. As estratégias disciplinadoras deverão ser moderadas,
graduais e de índole ad hoc: o que se aplica a uma criança não é generalizável
a todas as crianças.
Segundo Larzelere e Baumrind (2010), o estilo autoritativo não exclui a
palmada, sendo que o como e o quando uma medida disciplinar usada determina
a sua eficácia. De facto, a hostilidade verbal e o controlo psicológico são
referidas por estes autores (2010) como mais nefastas ' numerosos estudos
sustentam que a palmada só tem efeitos adversos quando existe a percepção de
rejeição pelos pais. Ademais, Larzeler e Baumrind (2010) referem também, no
âmbito das estratégias a utilizar, para além da chamada de atenção,
explicitação verbal, e da pausa, a remoção de privilégios, como sendo útil,
vantajosa e sem efeitos perniciosos. Por exemplo, diminuir a semanada, as horas
no computador, entre outras. Por fim, quando tudo isto é desprovido de
eficácia, in extremis, uma palmada, no momento certo, nunca antes dos dezoito
meses de idade é a posição advogada por estes autores (2010). Importa ressalvar
que métodos que envolvam punições físicas, ainda que moderados, não têm sentido
no adolescente, sendo neste caso a remoção de privilégios, entre outras, mais
adequada a esta faixa etária. Infere-se, pois assim, que o proibicionismo da
palmada deverá ser renegado, pois em certas situações é o garante da
aplicabilidade da disciplina, não apresentando quaisquer efeitos nefastos. A
diabolização deste método, em linha com posições próximas de um permissivismo
educacional, em que os pais não funcionam como referência, não influenciam, não
funcionam como refratário do que é desadequado, minando a aprendizagem e a
segurança, põe em causa uma verdadeira autonomia ' uma liberdade com
responsabilidade. Por fim, referir que a modelagem comportamental nunca poderá
assentar somente em métodos de índole punitiva e negativa. Deverá existir um
espaço, porventura até maior, para o reforço positivo como o elogio e a
recompensa. Pela sua natureza, o estilo autoritativo inclina-se mais para este
tipo de modelagem do que propriamente para a coerção, embora como foi referido,
também não a oblitera.
Síntese
O estilo autoritativo poderá contribuir significativamente para o
desenvolvimento de um adulto emocionalmente competente, e pode evitar ou
mitigar problemáticas comportamentais tais como a internalização e a
externalização. Este modelo é conexo com práticas parentais que enfatizam uma
supervisão adequada, providenciando segurança e orientação sem ser
excessivamente intrusiva e controladora. Nunca poderão ser obliterados métodos
disciplinares tais como a advertência verbal, o time-out (pausa) e não
excluindo outros métodos coercivos, sempre como último recurso, nomeadamente a
palmada. Esta dimensão inclui também uma parentalidade consciente (mindful
parenting) que estimule o desenvolvimento da inteligência emocional nas
crianças/adolescentes.
Esta vertente deverá emergir em detrimento de uma dimensão negativa, que
comporta práticas como o controlo/superproteção dos pais, que potencia um locus
de controlo externo, mormente o controlo psicológico e uma ausência ou
inconsistência disciplinar. A inexistência de supervisão e métodos
disciplinares adequados assim como a superproteção parental e/ou escasso
envolvimento emocional, interferem com o processo de autonomia e individuação,
resultam numa diminuta competência emocional e poderão degenerar em alterações
comportamentais, particularmente no eclodir do enfant terrible.
Conclusão
Muito do que foi exposto encontra um vasto leque de literatura científica a
suporta-lo, tal como a superioridade do estilo autoritativo e algumas práticas
com ele conexas. É fundamental a adopção de um perfil educacional correcto,
assente no modelo autoritativo, que rejeita a superproteção parental e a
ausência de disciplina, fenómenos por demais frequentes nas sociedades
contemporâneas de pais que caem num permissivismo absoluto ou num controlo
excessivo ' ambos com resultados negativos. Por outro lado, fomentar o
desenvolvimento emocional na relação pais-filhos, orientar e supervisionar, não
excluindo métodos disciplinares adequados, parece servir como fator protetor de
inúmeras dinâmicas mal-adaptativas comportamentais que se traduzem em custos
sociais e económicos incomensuráveis. Todavia, existem questões aqui
subjacentes que devem ser alvo de mais investigação. Desde logo, a ligação
entre práticas parentais e a criança hiperativa na chamada zona de ambiguidade,
assim como uma parentalidade que assuma como eixo central a competência
emocional entre pais e filhos, a par de métodos disciplinares adequados, e qual
o seu real impacto na prevenção de alterações comportamentais.
O enfermeiro deverá estar atento a estas problemáticas ao lidar com o cliente e
os seus familiares e encetar estratégias e intervenções, capacitando os pais
(empowerment) para que se potencie o desenvolvimento de uma educação que
propicie o harmonioso desenvolvimento do indivíduo. A educação para a saúde,
incidindo na parentalidade e tudo o que lhe subjaz, assim como intervenções
terapêuticas à posteriori são competências do enfermeiro pelo que conhecer e
actuar nesta matéria assume-se como prioritário e essencial.